Um dia para os professores?

16/10/2014 às 14:02
Leia nesta página:

Por que a educação vai tão mal?

~~O Brasil tem 2,5 milhões de trabalhadores na educação, dedicados ao ensino básico e ao superior. São dados da Sinopse Estatística da Educação Básica e do Censo da Educação Superior, ambos de 2013. No ensino superior são 367.282 professores: 25,36 em tempo parcial e 25,78 são horistas. Isto é, mais ou menos metade dos professores não se dedica com exclusividade; pois, ou têm aulas picadas aqui e ali (horistas) ou têm outros empregos mais lucrativos (parciais). Do total, 46 mil professores do ensino superior têm apenas a graduação. A notícia boa é que, na rede pública de ensino, o número de mestres cresceu 90% e de doutores, aproximadamente, 136%. Na hora H, o título nada conta; porém, as horas estudadas para obtê-lo sim. Em números absolutos, se pensarmos que o Brasil tem 250 milhões de habitantes, cerca de um por cento da população se dedica à educação formal. Parece e é uma porcentagem elevada, então, por que não dá certo o ensino de qualidade? Comprova-se a péssima remuneração pelos próprios índices: metade dos professores no ensino superior tem a educação ou como segundo emprego, menos atrativo (parciais), ou têm tantas aulas que não sobram tempo e energia para ler, estudar, investigar, inovar. Se é assim, o professor não aprende e se não-apreende, é óbvio, transforma-se em mero extensor, comunicador de dados e do conhecimento apostilado em sinopses e em manuais. Do latim “educare”, educar obriga em revelar. Não há educação com mera reprodução do conhecimento.
No Brasil, metade dos professores do ensino superior não revela o conhecimento – porque pouco se pesquisa –, relegando-se à condição de extensores do conhecimento. Professores, nesse ritmo de trabalho, não expandem o conhecimento, somente relevam o que outros dizem ser a verdade. Obviamente, não se faz ciência e nem se aprofunda o conhecimento com verdades pré-conjugadas. Na Espanha, por exemplo, advogado não dá aulas e professores de direito não são promotores ou juízes; lá, professores são “só” professores e não transformam a educação em bico, como se faz aqui. Como a educação não é atrativa – a não ser pelo status que confere a médicos e advogados –, o sujeito se arrasta daqui para lá. Este “lá” pode ser outro emprego e assim ele vive de subempregos, à espera de um concurso melhor. Quase sempre, o “lá” fica por lá mesmo, e o que se vê são milhares de professores desmotivados, passivos como reprodutivistas. Nesse ritmo, o professor releva sua condição operária (da socióloga Simone Weil) e não se revela como condutor do conhecimento mínimo que faria a educação avançar. A diferença mais notável entre relevar (deixar passar: lesse-faire, lesse-passe) e revelar (abrir a Caixa de Pandora dada a Prometeu: ícone do trabalho e do conhecimento) está na ação. Quem age, revela; quem releva, mal-age ou age pouco: reage.
Não há conhecimento reativo; nem mesmo as vacinas contra o Ebola. Do mesmo modo, pode-se dizer que a educação não precisa de resiliênsia (comum ao sacerdócio), mas sim de resistência política. O conhecimento se faz com indução e dedução e não por inação ou reação. A dedução decorre de postulados e princípios anteriores, ou seja, de um conhecimento prévio, mas autenticado. A indução se produz com perguntas e indagações que o conhecimento prévio não responde de forma satisfatória e isto leva a novas pesquisas; partindo-se do quase-zero (Gaston Bachelard). Neste caso, o conhecimento se produz com a insatisfação, curiosidade, “dúvida metódica” (do filósofo René Descartes), aplicando-se o método do desconforto (serendipidade, bricolagem, consiliência). O conhecimento se adquire com prazer (diria Epicuro – o filósofo do jardim) e não carregando pedras, como Sísifo: apesar de ter sido o mais genial dos mortais. Por tudo isso, o problema do professor no Brasil não é cognitivo: não precisamos de mais inteligência, não temos déficit de aprendizagem. Nosso problema está na miséria em forma de salário e que destina o cérebro a pensar, diuturnamente, em outras formas de ganhar a vida. Precisamos de mais dias para os professores.
 

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos