Para tratar de choque entre Direitos Fundamentais, também chamado de colisão de direitos fundamentais, faz-se necessário compreender que tais direitos são baseados em princípios, sendo que nenhum é mais relevante do que o outro a priori. Assim, discutir o choque entre princípios implica discutir choque entre direitos fundamentais.
Esse choque entre direitos fundamentais ocorre no momento em que o direito de um encontra com o direito fundamental do outro. Isso ocorre porque, como ilustra Marmelstein (2008)
As normas constitucionais são potencialmente contraditórias, já que refletem uma diversidade ideológica típica de qualquer Estado democrático de Direito. Não é de se estranhar, dessa forma, que elas frequentemente, no momento aplicativo, entrem em rota de colisão (MARMELSTEIN, 2008, p.365).
Na prática jurídica brasileira existem muitos exemplos onde ocorre choque entre direitos fundamentais. Como exemplos, podem ser citados: o direito à vida versus o direito a liberdade religiosa, no caso das pessoas adeptas á Igreja Testemunhas de Jeová que não aceitam transfusão de sangue, correndo risco de morte caso não faça a transfusão; a liberdade de imprensa versus o direito a privacidade; a obrigatoriedade da realização de exame de sangue para feitura de exame de DNA em detrimento da intangibilidade do corpo humano do suposto pai; o direito a intimidade de uma pessoa que acusa outra de estupro em face do direito da honra do acusado que quer analisar por DNA o esperma encontrado pela pericia com o seu; liberdade de expressão de ideias racistas em detrimento da dignidade humana; liberdade de reunião para protestos apoiando legalização de entorpecentes versus saúde publica etc.
Assim, esse choque entre regras é solucionado no plano de validade da norma, segundo os critérios cronológico (lex posterior derogat priori), hierárquico (lex superior derogat lex inferior) e da especialidade (lex specialis derogat generali). A aplicação das regras decorre da simples subsunção (BARROSO, 2009).
Por outro lado, faz-se necessário frisar que mesmo nos casos de colisão de princípios, não pode haver preponderância de um sobre o outro, mas sim a ponderação dos interesses jurídicos em conflito no intuito de harmonizá-los para então alcançar solução, sendo garantida a menor constrição possível, em casos concretos.
A priori, os direitos fundamentais não têm limites. Entretanto, existem duas possibilidades em que sofrem limitação legítima: no caso de elaboração, fulcrada em exigência constitucional, de norma restritiva de direito fundamental e quando um ou mais direitos fundamentais colidem entre si (colisão stricto sensu) ou com outro princípio constitucional (colisão lato sensu) (SARMENTO, 2002).
Assim, em relação às situações em que ocorre choque entre direitos fundamentais, de acordo com Silva (2009):
Haverá colisão sempre que a Constituição proteger simultaneamente dois valores em contradição concreta, ou ainda, sempre que a esfera de proteção de um determinado direito for constitucionalmente protegida de modo a intersectar a esfera de outro direito igualmente fundamental e constitucional. Para solucionar este impasse surge a técnica da ponderação (SILVA, 2009, p.243).
A técnica da ponderação mencionada por Silva permite solucionar conflitos entre normas de direitos fundamentais, valorando-os de acordo com o caso concreto. Mesmo porque não existe hierarquia entre princípios fundamentais, apesar de parte da doutrina divergir quanto a isto.
Sobre a possibilidade que parte da doutrina advoga sobre uma hierarquia ontológica, em que o direito à vida seria o direito supremo e que todos os outros seriam a eles submissos, querer criar hierarquia nos direitos fundamentais é incompatível com sua natureza e com sua função no Estado Democrático de Direito.
No entanto, frente às lides envolvendo choque de princípios, um deles tem que ceder perante o outro, o que não quer dizer que exista a declaração de invalidade de um princípio. Diante de determinadas situações do caso concreto, um princípio precede o outro. A dimensão a ser avaliada é a de peso de cada princípio. Por isso essa colisão deve ser resolvida por meio do sopesamento onde é preciso considerar as variáveis presentes no caso concreto para atribuir pesos a cada direito e avaliar qual deverá prevalecer.
Como se pode perceber, os direitos fundamentais são essenciais a um Estado Democrático de Direito, não possuem natureza absoluta, e, na existência de conflito, inexiste hierarquia inata de um sobre o outro, de onde surge a necessidade do uso da ponderação.
Todas as limitações a direitos fundamentais devem sofrer um exame constitucional rigoroso, cabendo ao Judiciário exigir a demonstração de que a limitação se justifica diante de um interesse mais importante (CRISTÓVAM, 2010). Sendo assim, na legislação pátria, somente será legítima a restrição ao direito se for atendido o princípio da proporcionalidade, pois a ponderação entre princípios se operacionaliza através desse princípio, objeto de análise do próximo tópico.
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Constitucionalmente, o princípio da proporcionalidade está presente na Carta Magna de 1988, a exemplo dos incisos V, X e XXV do art.5º; incisos IV, V e XXI do art. 7º; parágrafo 3º do art. 36; caput do art. 170; caput e §§ 3º, 4º e 5º do art. 173; §1º do art. 174, inciso IV do art. 175, dentre outros.
Segundo Bonavides (2013, p.402), a proporcionalidade é um conceito em constante e espetacular evolução. Portanto, o princípio da proporcionalidade, ou, ainda, da proibição do excesso, vem ganhando espaço crescente nas últimas décadas.
O princípio da proporcionalidade possibilita a flexibilização através do acionamento de “mecanismo de harmonização que submete o princípio de menor relevância ao de maior valor social” (CAPEZ, 2012, p. 367).
Dessarte, temos que o princípio em questão é um dos que auxiliam os julgadores na árdua tarefa de valorar, nos casos concretos, o que maior benefício trará tanto para a solução do conflito, quanto para a coletividade. A bem da verdade, a coletividade, como já mencionado anteriormente, finda por ter preferência frente aos pleitos individuais. Portanto, como bem nos trouxe Capez, citado no parágrafo acima, flexibilizando um princípio que trará melhor paz social em detrimento de outro, na análise do caso concreto, pode-se solucionar a lide.
No que se refere a antecedentes históricos, foi no Direito anglo-saxão em que se perfez, inicialmente, o princípio da razoabilidade, visto que foi constitucionalizado inicialmente nos Estados Unidos. Já o princípio da proporcionalidade tem uma ligação estreita com a doutrina e a legislação alemã. Todavia, o que se vê em geral, nos casos concretos, é a confluência de ambos, complementa o mencionado autor.
Nessa perspectiva, Oliveira (2004) sobre a questão da proporcionalidade e sua aplicação no Direito, afirma que,
O critério hermenêutico mais utilizado para resolver eventuais conflitos ou tensões entre princípios constitucionais igualmente relevantes baseia-se na chamada ponderação de bens, presente até mesmo nas opções mais corriqueiras da vida cotidiana. O exame normalmente realizado em tais situações destina-se a permitir a aplicação, no caso concreto, da proteção mais adequada possível a um dos direitos em risco, e da maneira menos gravosa ao outro ou outros. Fala-se, então, em proporcionalidade (OLIVEIRA, 2004, p. 370/371)
A idéia de proporcionalidade nasceu no âmbito do direito administrativo, surgindo como meio de prevenir arbitrariedades estatais no uso de seu poder de policia. Essa idéia foi sendo incorporada pelos demais ramos estatais, inclusive o judicial, proibindo excessos que pudessem comprometer direitos fundamentais cidadãos. Confunde-se com a idéia do próprio Estado Democrático de Direito, o qual busca manter um equilíbrio entre as atividades dos poderes estatais e os cidadãos que o compõem. Segundo a lição de Távora e Alencar (2009) “a proporcionalidade ganhou desenvoltura e disciplina na jurisprudência e doutrina alemãs, adaptada ao direito judicial estadunidense como teoria da proporcionalidade” (TÁVORA e ALENCAR, 2009, p.371).
Como visto acima, o princípio impõe que o julgador, em caráter excepcional e em casos graves, ao se deparar com o choque entre direitos fundamentais o faça valorando os bens jurídicos envolvidos no caso em análise, partindo da consideração de que nenhum direito reconhecido na Constituição pode revestir-se de caráter absoluto. Possibilita, então, que em caso de colisão entre tais direitos, analise-se qual deve ser efetivamente protegido pelo Estado.
No que diz respeito à posição doutrinária no Brasil, esta traduz o sistema de garantias constitucionais cunhadas para o processo penal, especificamente, como decorrência da evolução do pensamento filosófico que passou a valorizar o homem como ocupando o centro do pensamento jurídico e sendo o destinatário último do direito, como resposta ao abuso do absolutismo vigente até então.
Em relação à regra da proporcionalidade, conforme demonstra Marmelstein (2008):
A ponderação é uma técnica de decisão empregada para solucionar conflitos normativos que envolvam valores ou opções políticas, em relação aos quais as técnicas tradicionais de hermenêutica não se mostram suficientes. É justamente o que ocorre com a colisão de normas constitucionais, pois, nesse caso, não se pode adotar nem o critério hierárquico, nem o cronológico, nem a especialidade para resolver uma antinomia de valores (MARMELSTEIN, 2008, p.386).
Assim, o princípio da proporcionalidade no ordenamento pátrio é visto como o caminho de interpretação da Constituição e das leis, que liga o Estado de Direito e os direitos fundamentais, e acaba por ser um modo de solucionar colisões que ocorrerem entre a legislação. É utilizado quando há choque entre direitos fundamentais, sejam eles de primeira, segunda ou terceira geração, individuais ou coletivos.
Visando maior compreensão é preciso esclarecer a diferença entre regras e princípios no plano jurídico, como apresentado no próximo tópico.
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Regras e Princípios
Na Constituição Federal do Brasil, as regras e os princípios, são espécies de normas jurídicas que protegem os direitos fundamentais que costumam no entanto, ser confundidas. Tanto as regras como os princípios devem ser compreendidos como normas porque ambos dizem o que deve ser. Assim, utilizando o entendimento de Barroso, entendemos que:
(...) os princípios são normas que expressam decisões políticas fundamentais, valores a serem observados em razão de sua dimensão ética ou fins públicos a serem seguidos. De outra sorte, as regras jurídicas não conduzem a valores ou fins públicos porque são a concretização destes. Isso ocorre porque o legislador, diferentemente do que fizera quanto aos princípios, não deixou para o intérprete a avaliação das condutas aptas à realização das regras (BARROSO, 2008, p.205).
Corroborando com essa distinção Alexy (2008, p. 94) entende que os princípios seriam nortes para a melhor compreensão, ajudando na aplicação do Direito ao caso concreto, visto que um princípio de Direito deve ser aplicado na máxima medida possível. Por outro lado, regras possuem caráter definitivo, invariável.
Portanto, conclui-se que os princípios seriam o norte que guiariam as normas, enquanto que as normas seriam expressão dos princípios, com menor alcance e flexibilidade. Portanto, os julgadores devem atentar a isso para dirimir conflitos, prestando a devida atenção aos princípios e os valorando, porque, ao contrário das normas, não existe hierarquia entre princípios.
A forma que consideramos mais correta para solucionar este tipo de conflitos seria a utilização da ponderação, que decorre do princípio da razoabilidade, analisando o caso concreto e os efeitos da decisão para as partes e para terceiros que possam vir a serem atingidos pelo julgado.
Não se pode deixar de mencionar também, pela sua envergadura, a posição de Dworkin (2002, p. 40), na distinção entre regras e princípios na seara jurídica, pois:
(...) os princípios possuem uma dimensão que as regras não têm – a dimensão de peso ou importância. Assim, enquanto o conflito de regras é resolvido através da utilização de critérios clássicos como a hierarquia ou a especialidade, declarando-se a invalidade de uma delas, o conflito de princípios é solucionado sem que um deles seja retirado do ordenamento jurídico, devendo ser observada a importância ou força relativa de cada um deles, no caso concreto (DWORKIN, 2002, p.40).
Assim, a característica mais marcante que diferencia, portanto, regras e princípios é a flexibilidade dos princípios e rigidez das regras. Isso significa que, para aplicação de regras, deverá haver total enquadramento ao caso concreto, pois, ou uma regra é aplicada ou não o é; nos princípios, atendendo à sua aplicação prima facie, o choque será solucionada pelo julgador, observadas as condições do caso concreto. Assim, um princípio será aplicado de forma superior do que outro apenas em função de uma condição específica.
Nessa conjuntura, é preciso ressaltar conforme Alexy (apud Mendes, 2007), onde registra a diferença entre princípios e regras:
Segundo a definição básica da teoria dos princípios, princípios são normas que nos permitem que algo seja realizado, da maneira mais completa possível, tanto no que diz respeito à possibilidade jurídica quanto à possibilidade fática. Princípios são, nestes termos, mandatos de otimização (Optimierungsgebote)... O processo para a solução de colisões de princípios é a ponderação. Regras são normas que são aplicáveis ou não aplicáveis. Se uma regra está em vigor, é determinante que se faça exatamente o que ela exige: nem mais e nem menos. Regras contêm, portanto, determinações no contexto fático e juridicamente possível. São postulados definitivos (definitive Gebote). A forma de aplicação das regras não é a ponderação, mas a subsunção (MENDES, 2007, p.13).
Deste modo, como pondera Campos (2004), não ocorre uma antinomia quando está se referindo ao choque de princípios constitucionais, pois não se pode acabar por afastar um em detrimento do outro. Isso porque, do ponto de vista jurídico, não há hierarquia entre os princípios constitucionais, isto é, todas as normas têm igual dignidade.
Outro aspecto a ser considerado é se o intérprete entende os direitos individuais como posições definitivas (regras), ou se entende que eles apenas definem posições prima facie (princípios).
Na concepção de Farias (2000, p.140), de acordo com os princípios da hermenêutica constitucional, não há um choque entre as normas da Constituição, já que o magistrado tem como, criteriosamente, realizar juízo de ponderação.
Por fim, as regras e princípios vão disciplinar uma situação e que, quando surge essa situação em um caso concreto, ocorrerá a incidência da norma oriunda dessas regras e princípios. Assim, concluímos que a regra, na seara jurídica, cuida de casos concretos e os princípios norteiam uma multiplicidade de situações como é o caso da busca de solução frente o choque de direitos fundamentais, como aponta o tópico seguinte.
SOLUÇÕES FRENTE O CHOQUE ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS
Como apresentado anteriormente, existem situações dentro do ordenamento jurídico brasileiro em que ocorre o denominado choque entre direitos fundamentais, e, como não há primazia a priori de qualquer um direito fundamental sobre o outro, a solução defendida nesse estudo é da regra da ponderação por parte do julgador.
Entretanto, para que possa haver um sopesamento sobre qual princípio deve prevalecer em um caso concreto, faz-se necessário do uso dos ditames do princípio da proporcionalidade, partindo do entendimento de que, o princípio da cedência recíproca (concordância prática ou harmonização), estabelece que os direitos em colisão devem ceder reciprocamente, permitindo a existência de um ponto de convivência entre eles.
Em termos conceituais, de acordo com Canotilho (2003, p.1195), a referida técnica da ponderação tem uso tanto no Poder Legislativo, quanto no Judiciário, e, por serem regras de direitos fundamentais, deve-se levar a referida técnica em conta, de acordo com o caso concreto que se analisa.
Destarte, tendo em vista existência do princípio da unidade da constituição, na qual os valores e direitos fundamentais devem ser harmonizados por meio de juízos de ponderação, buscando ao máximo resguardar os direitos fundamentais envolvidos, não se deve, por meio de uma precipitada ponderação de bens ou valores in abstrato, desprezar um direito a custa da prevalência do outro.
O uso do princípio da proporcionalidade nos casos de choque entre direitos fundamentais, busca de fato, assegurar esses direitos constitucionalmente colidentes, com base também na jurisprudência. A utilização do princípio da proporcionalidade é significativa, pois junto com o princípio da razoabilidade, significam a ponderação entre os meios empregados e os fins atingidos, o que significa a busca do razoável.
Na busca pela pacificação social, o magistrado precisa também respeitar o princípio basilar dos direitos fundamentais, que é a dignidade da pessoa humana, sempre tendo como norteador as normas elaboradas pelo poder constituinte.
Vale mencionar ainda conforme Alexy (apud VAZ, 2013, p.01), que a lei da ponderação obedece a três fases: “na primeira deve ser determinada a intensidade da intervenção. Na segunda fase se trata da importância das razões que justificam a intervenção. Na terceira fase sucede a ponderação no sentido estrito e próprio”. Na perspectiva da observância da necessidade ou princípio da exigibilidade, dispõe conforme Stumm (1995, p.80) que, “a medida restritiva seja indispensável para a conservação do próprio ou de outro direito fundamental e que não possa ser substituída por outra igualmente eficaz, menos gravosa”.
Sendo assim, em se tratando da aplicação do princípio da proporcionalidade, existem as etapas (adequação, necessidade e proporcionalidade em estrito sentido), que já a priori tem por pressuposto o choque entre direitos.
A importância de que se siga essas etapas é enorme, realizando o cerceamento dos valores dos princípios somente no que for necessário, adequando-os ao caso concreto de acordo com a necessidade verificada pelo magistrado. Desta maneira, poderá se conservar os direitos fundamentais das partes, usando-se, por derradeiro para a solução do conflito, a proporcionalidade em estrito sentido.
Na proporcionalidade em sentido estrito, espera-se a ponderação dos bens envolvidos em colisão, sempre com base na argumentação e justificação dos princípios em choque, levando-se em conta especificamente as possibilidades do caso concreto. Corroborando com esse entendimento Antunes (2006) , explicita:
A análise dos três elementos estruturadores do princípio da proporcionalidade estabelece limites na medida em que pelo princípio da adequação se busca verificar se por meio da medida aplicada será possível atingir o fim pretendido; posteriormente, por meio da análise do princípio da necessidade se busca averiguar se o meio escolhido pelo aplicador da norma possui o menor grau restritivo ao direito fundamental envolvido; por fim, pelo princípio da proporcionalidade em sentido estrito, busca-se avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcional em relação ao fim almejado (ANTUNES, 2006, p.5, Grifos nosso).
Na opinião de Barroso (2009, p. 334), a ponderação é uma “técnica de decisão jurídica, aplicável a casos difíceis que envolvem princípios em relação aos quais a subsunção (regras) se mostrou insuficiente”. Portanto, enquanto o choque entre princípios é resolvido através da ponderação, o conflito de regras é resolvido através da subsunção.
De modo diverso, alguns autores como Ávila (2004), entendem que a ponderação não se vincula exclusivamente aos princípios, podendo, também, ser aplicada as regras e aos argumentos e razões relevantes para justificar uma decisão.
Entendemos que não é a forma mais correta de se resolver conflitos, tendo em vista que, entre normas, como já explicitado, há diversas maneiras de se verificar qual a regra que deve ser aplicada ao caso concreto para solucioná-lo, como a regra da especialidade da norma ou da entrada em vigência da lei. Portanto, a ponderação deve ser utilizada para a solução de conflitos entre princípios, e não entre leis ou motivação de decisões judiciais proferidas por magistrados.
Para Dworkin (2002.p.42), “quando os princípios se intercruzam [...] o magistrado tem de levar em conta a força relativa de cada um e terá prevalência aquele princípio que, para o caso concreto, tiver maior peso”. Mas isto não torna um direito mais importante ou mais fundamental que outro. O que se passa é que diante de uma situação específica e bem determinada um direito será preterido em relação ao outro, pela sua importância naquele caso em questão.
Como é possível perceber o método da ponderação visa, de fato, proteger os direitos de todos os envolvidos na lide, no caso de choque entre direitos fundamentais. Por isso, Steinmetz (2001.p. 128), defende em seus apontamentos que, “em face de colisão de direitos mediante a ponderação de bens (juízo de peso), observadas as condições do caso, um direito ou um bem deverá prevalecer ante o outro.”
Ainda em consonância com o referido autor, a realização da ponderação de bens requer o atendimento de alguns pressupostos básicos:
(1) a colisão de direitos fundamentais e bens constitucionalmente protegidos, na qual a realização ou otimização de um implica a afetação, a restrição ou até mesmo a não-realização do outro; (2) a inexistência de uma hierarquia abstrata, a priori, entre os direitos em colisão; isto é, a impossibilidade de construção de uma regra de prevalência definitiva ex ante, prescindindo das circunstâncias do caso concreto (STEINMETZ, 2001,p,142-143) .
A citação de Steinmetz acima reforça a ideia já defendida, de que a ponderação deve ser utilizada apenas quando há a inexistência de uma hierarquia abstrata, como ocorre nos princípios. Dessarte, para normas, existem outros meios para a solução dos conflitos, que devem ser utilizados a fim de que o magistrado melhor diga o Direito.
Faz-se necessário frisar que o princípio que tem precedência restringe as possibilidades jurídicas de satisfação do princípio desprezado, mas não de forma definitiva, podendo ser invertida se as condições forem modificadas (ALEXY, 2008).
Em outras palavras, o princípio considerado de maior relevância no caso concreto não retira o outro princípio por completo, até mesmo pelo fato de que os princípios caminham juntos e integram o ordenamento jurídico, sendo certo que poderá haver a substituição de um principio pelo outro, caso ocorram mudanças no decorrer da lide.
Anteriormente a utilização da ponderação como meio de solução de conflitos entre princípios, Barcellos (2005, p.134) nos traz que a concordância prática foi inicialmente utilizada como um meio alternativo para a ponderação, visto que quando esta é utilizada, existe uma prevalência de um bem jurídico sobre o outro. Atualmente, a concordância prática passou a ser um objetivo a ser alcançado pela ponderação, o que corresponde a tese defendida por Alexy, segundo a qual a otimização das possibilidades jurídicas, objetivo da ponderação, pode ser definida como o princípio da concordância prática.
Portanto, observa-se que em casos de choque entre direitos fundamentais o caráter de relatividade do qual são revestidos os princípios torna possível que, em caso de colisão entre eles, haja a ponderação, embasada pelo princípio da proporcionalidade, que fará o sopesamento para o caso concreto específico por parte do magistrado, permitindo que o julgador decida pela aplicação do princípio mais adequado ao caso em questão. Considerar os direitos fundamentais como princípios significa, portanto, aceitar que não há direitos com caráter absoluto, já que eles são passíveis de restrições recíprocas, verificando-se qual princípio fundamental deve prevalecer na lide em questão, o que em nenhum momento significa hierarquia definitiva de um princípio fundamental sobre o outro.
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