1. Considerações Gerais:
A legislação brasileira apresenta duas formas em que pode haver a exclusão dos herdeiros da sucessão, de forma a retirar do sucessor natural à condição de herdeiro, sendo elas:
- INDIGNIDADE
- DESERDAÇÃO
Ambas as formas, embora controvérsias, possuem a mesma finalidade que é privar do beneficio da sucessão aqueles herdeiros que cometerem algumas infrações previstas no Código Civil.
Podemos concluir que a exclusão do herdeiro ou do legatário da sucessão tem natureza jurídica de penalidade civil, resultante de uma infração grave cometida contra o autor da herança ou pessoas a ele relacionadas.
Segundo o jurista Caio Mário da Silva Pereira “no direito francês controvertem os autores, entendendo uns que é necessário um julgamento se houver contestação. Os modernos inclinam-se pela dispensa de um provimento específico, por entenderem que o indigno incorre de pleno direito na exclusão da herança”. Já para Vialetton a questão não é mais teórica, pois “se o interessado se defende, haverá sempre uma sentença”. No Direito Alemão, é necessária uma sentença em ação impugnatória, declarando a indignidade. No direito brasileiro, “somente vale sentença condenatória, isto é, uma declaração, que se revista dos requisitos de provimentos jurisdicional em processo contencioso. Somente tem o direito de declarar o herdeiro indigno a sentença penal condenatória, que nada mais é que um procedimento de jurisdição contenciosa”.
Uma das diferenças entre indignidade e deserdação, é que enquanto a pena de indignidade é cominada pela própria lei, nos casos taxativos, a deserdação depende da vontade exclusiva do autor da herança, que deve ser imposta ao culpado no ato de última vontade, desde que fundada em motivo legal.
2. Espécies e Previsão Legal:
a) INDIGNIDADE:
Os fatos que geram a exclusão por indignidade estão previstos no artigo 1.814 do Código Civil. Na obra CURSO DE DIREITO CIVIL – DIREITO DAS SUCESSÕES, o doutrinador Washington de Barros Monteiro conceitua que “indignidade constitui pena civil cominada a herdeiro acusado de atos criminosos ou reprováveis contra o de cujus”. Com a prática de algum desses atos à posição do herdeiro torna-se incompatível com o agente, tornando-o incapaz de suceder.
Na exclusão por indignidade a pessoa comete um dos atos previstos no artigo citado acima, e para ser declarado indigno precisa ser proposta uma ação denominada de AÇÃO DECLARATÓRIA DE INDIGNIDADE.
Art. 1.814. – Código Civil: São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:
I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;
II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;
III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.
No inciso I preceitua homicídio doloso, tanto consumação quanto tentativa, levando em conta o simples ato (ou tentativa deste) não importando se houve uma ação penal condenatória transitada em julgado. É necessário que tenha sido autor, co-autor ou partícipe da ação de matar e que o homicídio tenha sido praticado (ou tentado) em sua forma dolosa. O ato contra a vida supramencionado é condenado tanto quando cometido contra o autor da herança, como quando cometido contra a vida das pessoas relacionadas ao autor, por exemplo, indivíduo que mata a madrasta (esposa de seu pai). Neste caso, o filho torna-se indigno perante a herança de seu pai por ter atentado contra a vida de uma pessoa relacionada ao autor da herança.
Já no nosso inciso II está tipificado o crime contra a honra, incluindo, assim, calúnia, difamação e injúria, por exemplo, um filho que acusa o pai de ser assassino, cometendo assim, o crime de calúnia. Diferentemente do inciso citado acima, o crime contra honra necessita de uma sentença penal transitada em julgado. No exemplo mencionado, seria necessário que o pai acusado, entre com uma Ação Penal contra o filho para que o mesmo perca a vocação. A hipótese de exclusão citada nesse inciso valerá quando cometida contra o autor da herança e ao cônjuge ou companheira da mesma.
O inciso III se refere a crimes contra a liberdade de testar do autor da herança. Se alguém obstar ou impedir que a liberdade de lei ou de testamento exista, será este, excluído da sucessão, por exemplo, um filho que encontra o testamento de seu pai e o joga fora impedindo que à vontade do morto chegue até a lei; ou quando um filho impeça que o pai elabore o testamento. A única pessoa que pode ser considerada vitima dos atos contra a liberdade é o próprio autor da herança, não gerando indignidade se o for cometido contra sua esposa, por exemplo.
São pessoais os efeitos da condenação da indignidade não podendo ultrapassar a pena do réu. Exemplo: se um filho mata o pai, os netos não sofrem a pena; o filho será considerado supostamente morto. O indigno fica considerado pré-morto. Entretanto, se os netos forem menores de idade, os pais tem o direito real de usufruto em decorrência do poder de família, ou seja, mesmo seu pai sendo considerado indigno perante a herança do avô das crianças, poderá usufruir tudo se as mesmas forem menores de idade. E não adianta nada que ele mate o próprio filho para retomar a herança havida pelo avô das crianças. Um indigno não pode retomar os direitos que lhe foram indignos.
O prazo é de quatro anos para interpor a ação e começar a discutir se a pessoa praticou ou não indignidade, contados da abertura da sucessão. Ou seja, no dia seguinte da morte, conta o prazo de quatro anos. Não sendo proposta a ação no prazo o filho não será indigno. Exemplo: um irmão mata o outro. O irmão assassino se torna indigno dos pais e seu prazo começa a contar só quando o pai morre e não da data do ato criminoso. É necessário esperar a morte do autor da herança para começar a correr o prazo.
A sentença da Ação Declaratória de Indignidade gera efeito EX TUNC, ou seja, até que se prove o contrário o herdeiro tem posse e propriedade de todos os bens até então seus por direito. Se no meio da ação o herdeiro decidir vender a propriedade, e quem comprou o fez de Boa Fé, a venda é valida. Alienação onerosa de boa fé tem efeito EX NUNC. Se for uma alienação não onerosa, por exemplo, o efeito é EX TUNC e não é válido. A boa fé se configura com o “não saber” de quem comprou que quem o vendeu é um suposto assassino do pai dele.
O parágrafo único do artigo 1.816 do Código Civil transcreve que o excluído da sucessão não terá direito ao usufruto ou à administração dos bens que a seus sucessores couberem na herança, nem à sucessão eventual desses bens. O aluguel e o arrendamento são considerados frutos da administração, porém se o filho for indigno, terá que devolver os frutos da herança. Se o juiz impedir que o filho tenha a posse e propriedade de sua herança no período de investigação, ele estará prejulgando que o filho matou o pai antes de ser sentenciado.
Existe a chamada “REABILITAÇÃO DO INDIGNO”. O autor da herança tem o poder de perdoar o ato de indignidade, através de declaração expressa dessa sua vontade. Deverá usar o testamento ou outro documento de sua lavra. O ato de perdão do autor reabilita o herdeiro da indignação à herança. Não se admite o perdão tácito e nem presumido. Todo perdão deve ser expresso. Não basta estar escrito “eu perdôo meu filho”, é necessário que esteja especificado exatamente o que ele está perdoando. Sendo necessário escrever: “perdôo o meu filho, pelo atentado a minha vida no dia tal e tal”. O perdão deve constar no testamento ou qualquer outro documento autêntico. Não precisa de testemunha, escritura publica e nem reconhecimento de firma. Se, por exemplo, João com três filhos Huguinho, Zezinho e Luizinho. Huguinho tentou matar o pai dia 1º de fevereiro de 2000. O MP denuncia Huguinho pelo crime de tentativa de homicídio, dia 15/03/2001. A sentença é transitada em julgado dia 15/03/2003 e Huguinho vai preso. Anos depois, ao sair da prisão vai morar com o pai dia 16/07/2005. João faz um testamento deixando uma fazenda para o Huguinho no dia 20/08/2010, vindo a falecer dia 27/08/14. O fato de Huguinho sair da prisão e ir morar com seu pai não se configura como perdão, por não estar expresso. Entretanto, o pai de João sabia da indignidade e ainda assim colocou o filho no testamento, nesse caso a indignidade não afetará o testamento. Não se configura como perdão tácito, pois o herdeiro continua fora da herança legítima, mas não da vontade do morto Todavia, se João tivesse feito o testamento antes da tentativa de homicídio cometido pelo filho, presumir-se-á que o mesmo não pretendia manter Huguinho ali, afetando, assim, o testamento.
b) Deserdação:
A deserdação é a exclusão ou a privação que determinada pessoa sofre de uma herança ou sucessão, que anteriormente lhe era devida. É o ato de vontade onde o autor da herança se manifesta para a exclusão da sucessão de um de seus herdeiros necessários por ter praticado uma conduta tida como ilícita. A deserdação possui causas próprias para sua ocorrência, sendo elas válidas apenas para os herdeiros necessários. O cônjuge não possui causas próprias de deserdação, podendo ser deserdado apenas pelas causas previstas na indignidade.
Art. 1.962. – Código Civil: Além das causas mencionadas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes:
I - ofensa física;
II - injúria grave;
III - relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto;
IV - desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade.
O inciso I faz menção ao crime de ofensa grave, que podemos considerar como sendo o crime de lesão corporal em todos os seus graus e, independente de dolo ou culpa, ou seja, um simples arranhão do filho contra o pai com boletim de ocorrência anexado ao testamento e uma carta solicitando a exclusão, já causa deserdação. As vias de fato, só geram deserdação se causar lesão corporal, pois a mesma sim é critério. Ofensa moral não se configura como ofensa grave.
Já no inciso II está previsto o crime de injúria grave, ou seja, está estabelecido o grau do crime contra a honra previsto. Nesse caso é dispensável a ação penal. A injuria grave ocorre quando o herdeiro a pratica contra o autor da herança, entretanto, o legislador exige que sejam declarações graves. É necessário observar que não há necessidade de a injúria ser praticada em meio a uma discussão, pois muitas vezes a manifestação do pensamento injurioso do herdeiro ocorre perante a sociedade, sem a presença do autor da herança.
No inciso III está tipificado que qualquer ato sexual realizado entre enteado(a) e madrasta / padrasto será considerado causa para deserdação. A expressão relações ilícitas, sugere a aproximação físico-emocional entre os citados na lei (herdeiros), como é o caso de adultério ou até mesmo incesto, que também figura como excludente de sucessão. Ou seja, se, por exemplo, o pai flagrar seu filho com sua esposa, o filho se encontrará deserdado perante a sucessão de seu pai.
E, para finalizar, o inciso IV trata o desamparo do herdeiro para com o autor da herança que está acometido de doença grave ou grave enfermidade. Exemplo: o Pai possui doença mental que o deixa debilitado no fim de sua vida e é desamparado pelo filho, que o abandona sem qualquer cuidado ou afeto. O filho, então, será deserdado. A intenção do legislador é castigar o herdeiro que não acompanhou o de cujus em momentos difíceis. Esta foi a forma encontrada para não prestigiar o herdeiro que agiu sem moral para com o testador.
Para que exista a exclusão da sucessão por DESERDAÇÃO, é necessário intentar com a AÇÃO DECLARATÓRIA DE DESERDAÇÃO, que pode atuar como autor da ação qualquer pessoa que tenha interesse na exclusão. Nessa ação, deve ser juntado o testamento que consta a manifestação de deserdação do de cujus para que seja provada a causa. Não é necessário colocar no testamento a prova da causa, apenas o que ocorreu já é o suficiente. Se ninguém mover a ação de nada vai adiantar a vontade de deserdação no testamento. A pessoa deserdada tem direito à defesa. O prazo para se entrar com a ação é de quatro anos contados a partir da abertura do testamento.
3. Considerações Finais:
- Na indignidade, o autor não manifesta sua vontade, já na deserdação manifesta;
- Na indignidade é necessária uma tipicidade prescrita em lei que não deixa permanecer com a herança. A deserdação faz com que a vontade esteja vinculada com um tipo que a lei prescreve.
- A vontade não é soberana para tirar alguém da sucessão, só se tiver fundamenta em lei;
- Toda causa de indignidade gera deserdação, mas não vice e versa;
- Indignidade é necessário uma ação declaratória de indignidade, na deserdação existe a ação declaratória de deserdação;
- Em ambos só propõe a ação quem tiver interesse na exclusão;
- Na deserdação é indispensável à existência do testamento. Só pode ser manifestado no testamento, já na ação de indignidade não tem requisito de documento;
- Na deserdação, só pode ser excluído o herdeiro necessário: descendente, ascendente e cônjuges. Já na indignidade todos os sucessores, legítimos testamentários e legatários.
- Utilizar as causas da indignidade pode causar a deserdação, mas existem causas próprias para gerar a deserdação, mas não a indignidade.
4. Referências Bibliográficas:
- GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Volume 7. Ano 2012. Editora Saraiva.
- DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Volume 6 – 29ª Ed. Ano 2014. Editora Saraiva.