Nenhuma atividade humana está isenta de controle e regulamentação, pois o convívio em sociedade demanda, invariavelmente, um sistema de freios na atuação dos entes (pessoas físicas ou jurídicas). Com a atividade publicitária não deve ser diferente, não há motivos para que seja tratada como exceção pelo ordenamento jurídico, inclusive gera riscos e é potencialmente danosa.
Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin assinala que:
“(...) a publicidade é, sem dúvida, um dos mais importantes fenômenos deste século. Uma verdadeira indústria movimentando fabulosas quantias expectativas. Ao lado sonho e dos benefícios que a acompanham, a publicidade é portadora de toda uma problemática própria, lesiva aos consumidores, desagregadora do bom funcionamento do mercado e desafiadora do Direito.”[1]
Unindo referido conceito ao modelo econômico vivido quase que de forma global, qual seja, da produção em larga escala, da comercialização dos produtos e serviços de forma impessoal, da alta competitividade mercadológica e da eterna e obstinada busca pelo lucro, tem-se hoje, que a publicidade, por ser um instrumento para informar ao consumidor sobre o produto e persuadi-lo à aquisição, é imprescindível à manutenção deste sistema.
É certo, no entanto, que a proibição total da atividade publicitária, como instrumento de informação e persuasão, certamente representaria um imenso retrocesso da sociedade como um todo.
Não obstante, como sustenta Aurisvaldo Melo Sampaio, o ato de consumir implica riscos, na medida em que a competitividade do sistema capitalista faz com que frequentemente os fornecedores disponibilizem produtos de mercado, sem que antes tenham sido realizados testes necessários para verificar sua segurança.[2]
A publicidade, em inúmeras ocasiões, tem o propósito de mascarar incertezas e não permitir que o consumidor realize a precisa mensuração dos riscos e danos passíveis de ocorrer.
Assim, parece certo que a publicidade deve ser devidamente regulamentada, para que, dentro de padrões razoáveis de ética e boa-fé, preste-se às funções a que se destina, do modo menos prejudicial aos consumidores.
Constatada a necessidade de realização do controle da atividade publicitária, passa-se a questionar quem seria responsável para fazê-lo. Em resposta, três modelos distintos entre si – variáveis conforme a natureza do ente responsável pela execução do controle – são construídos pelos estudiosos do tema. São eles os controles estatal, misto e privado.
O sistema de controle estatal
Os defensores deste modelo sustentam que o controle da publicidade deve ser feito exclusivamente pelo Estado, responsável pela proibição de práticas nocivas mediante a aplicação de leis esparsas ou agrupadas sistematicamente na figura do Poder Judiciário ou Executivo (Administração Pública).
Defendem que, ao contrário das entidades privadas, compostas por entes do mercado publicitário, só o Estado teria o legítimo poder para instituir e implementar normas abstratas, cogentes e absolutas de controle da publicidade.
O sistema de controle privado ou da auto-regulamentação
A concepção de um modelo de controle exclusivamente privado, também denominado auto-regulamentação, surge do entendimento de que os participantes do próprio mercado deveriam ser responsáveis pela regulação e correção dos desvios cometidos por seus pares durante o exercício da atividade publicitária.
Os que sustentam a implementação deste sistema defendem que o próprio mercado organizado possui os mecanismos necessários para conter e punir os abusos cometidos durante a criação e divulgação da publicidade, e que, em último caso, se não pudessem fazê-lo, o consumidor poderia recorrer ao Poder Judiciário para pleitear a reparação dos danos eventualmente causados.
No Brasil, a iniciativa de se realizar um controle desta espécie teve início por meio da edição do Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária, consistente em um código de conduta e ética elaborado por profissionais do mercado publicitário preocupados com os rumos que a acepção do termo estava tomando.
Em um determinado momento, a publicidade estava sendo tão exagerada e apelativa, que estava começando a se tornar risível e sinônimo de enganosidade. Posteriormente, para fortalecer esse sistema, também foi criado o Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (CONAR).
O modelo de controle privado, tal como os demais, apresenta pontos positivos e negativos. Em favor dos primeiros encontra-se a rápida solução dos conflitos proporcionada ao consumidor. Todavia, como principal item desfavorável à adoção do regime privado está o fato de que suas normas, por não serem jurídicas, não possuem generalidade ou obrigatoriedade, ficando sua força coercitiva sobremaneira reduzida, para não se dizer inexistente.[3]
Ademais, o fato de suas normas serem elaboradas unilateralmente, apenas por publicitários e empresas anunciantes, faz como que a proteção aos direitos do consumidor não seja tratada como um critério preponderante para a realização do controle de ilicitude das mensagens publicitárias.
O sistema misto de controle
O sistema misto, por fim, como o próprio nome exprime, é aquele caracterizado pela união dos sistemas estatal e privado, incentivando a utilização das duas formas de regulamentação.
Trata-se de um modelo que busca atender aos interesses tanto dos consumidores como também dos associados das entidades publicitárias, evitando-se, por exemplo, a concorrência desleal.
No Brasil, esse sistema idealizar-se-ia pela coexistência do Conar e das leis promulgadas versando sobre o tema, como o Código de Defesa do Consumidor.
Do controle da publicidade no Brasil
O controle da publicidade, no Brasil, não é regulamentado por textos normativos específicos, pois inexiste um código ou uma consolidação de leis a respeito dos preceitos atinentes ao assunto.
Existem, na realidade, diversos regramentos dispostos de forma esparsa entre alguns instrumentos da iniciativa privada, tal qual o Código de Auto-Regulamentação Publicitária, e diplomas legais vigentes, como o Código de Defesa do Consumidor, a Lei 8.137/1990 (que trata das infrações contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo) e a Lei 4.680/1995 (que dispõe sobre o exercício da profissão de publicitário e agenciador de propaganda).
Como órgãos de diversas naturezas podem atuar na fiscalização de infrações aos direitos dos consumidores, ainda há discussão quanto à natureza do controle sobre a publicidade no Brasil, ou seja, se seria puramente estatal ou mista.
Até a promulgação do Código de Defesa do Consumidor, prevalecia no país a auto-regulamentação realizada pelas entidades do meio publicitário organizadas na figura do Conar. Todavia, com o advento da Lei 8.078/1990, surgiu a divergência doutrinária no sentido de ter sido ou não o sistema misto substituído integralmente pelo sistema estatal.
Para aqueles que argumentam em favor do desaparecimento do sistema misto, as normas jurídicas emanadas pelo Conar não estariam aptas a produzir efeitos jurídicos perante terceiros, e que, com a regulamentação estatal, de caráter imperativo, não haveria mais espaço para iniciativa privada.
Dentre outros juristas, Nelson Nery Junior defende o sistema estatal, entendendo que a publicidade no Brasil não era regulamentada até o advento do Código de Defesa do Consumidor.[4]
No mesmo sentido, Adalberto Pasqualotto, ao afirmar que o estatuto do Conar possui natureza meramente contratual, isso é, livre de cogência e, por não haver na lei referência à regulamentação privada da matéria, o controle seria exclusivamente público e estatal.[5]
Também concorda Maria Elizabete Vilaça Lopes, pois “a autodisciplina, embora como méritos incontestáveis, é, entretanto, insuficiente, como reconhece o festejado Jean Calais-Auloy. De fato não há força obrigatória nessas normas que não são normas jurídicas. É incontroverso que só a cogência da norma intimida e vincula”.[6]
Divergindo dos autores acima, Walter Ceneviva assevera não ter sido o Código de Auto-Regulamentação Publicitária substituído totalmente pelo Código de Defesa do Consumidor, uma vez que seu conteúdo é útil na aplicação conjunta com a Lei 8.078/1990 e contém princípios já aceitos e praticados entre os publicitários.[7]
Paulo Vasconcelos Jacobina assegura que a auto-regulamentação publicitária não está excluída pela lei, pois “tratam-se de instâncias de controle autônomas e independentes”.[8]
Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin refere-se ao sistema misto, como o modelo de controle ideal da publicidade, pelo fato de se tratar de uma modalidade que aceita e incentiva ambas as formas de controle, o executado pelo Estado e o realizado pelos partícipes publicitários.[9]
Não obstante o posicionamento adotado pelos ilustres doutrinadores de que o sistema misto teria sido extinto com a promulgação do Código de Defesa e Proteção do Consumidor, o autor defende que estão com razão aqueles que ainda sustentam a sua vigência.
Resta demonstrado que o Conar desempenha um importante papel controlando a atividade publicitária no país, especialmente, no que diz respeito à função de orientar eticamente os fornecedores atuantes no mercado.
Notas
[1] BENJAMIN, Antônio H.V., op. cit., p. 264.
[2] SAMPAIO, Aurisvaldo Melo. As novas tecnologias e o princípio da efetiva prevenção de danos ao consumidor. Revista de Direito do Consumidor, vol. 49. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 131.
[3] CHAISE, Valéria Falcão. A publicidade em face do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 26.
[4] NERY JUNIOR, Nelson. Princípios gerais do Código de Defesa do Consumidor. Revista do Direito do Consumidor, vol. 3. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 66.
[5] PASQUALOTTO, Adalberto, op. cit., p. 191.
[6] LOPES, Maria Elizabete Vilaça. O consumidor e a publicidade. Revista do Direito do Consumidor, vol. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992.
[7] CENEVIVA, Walter, op. cit., p. 73.
[8] JACOBINA, Paulo Vasconcellos, op. cit., p. 14-15.
[9] BENJAMIN, Antônio Herman de V. et alii. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do Anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 264-266.