Novas alterações na legislação de trânsito. Será que desta vez são suficientes?

05/11/2014 às 12:25
Leia nesta página:

Para quem ainda não se atentou, inúmeras foram as alterações do Código de Trânsito Brasileiro desde sua edição.

A Lei 9.503/97 foi alterada por diversas vezes conforme podemos observar as seguintes leis: 9602/98; 10517/02; 10830/03; 11334/06; 11705/08; 11910/09; 12006/09; 12009/09; 12058/09; 12217/10; 12452/11; 12619/12; 12694/12; 12760/12; 12865/13; e por fim, a 12971/14, que entrou em vigor em 1º de novembro de 2014.

De início, deve-se ressaltar que o nosso Código de Trânsito, prevê tanto infrações de trânsito, quanto crimes de trânsito.

Importante diferenciarmos infração de crime.

Infração de trânsito é àquela de natureza administrativa, que em regra, só interessa à Polícia Militar. É punível através de multas e perda de pontos, como por exemplo, dirigir sem o cinto de segurança (art. 167 do CTB), podendo, inclusive, ocasionar a apreensão do veículo e o recolhimento deste ao pátio.

Crime de trânsito é aquele que possui natureza penal, como por exemplo, dirigir veículo automotor apresentando alterações psicomotoras no comportamento (art. 306 do CTB). Este interessa à Policia Civil, que deve, a depender do caso, lavrar o Auto de Prisão em Flagrante, ou simplesmente apurar os fatos através de atos investigatórios, com a devida instauração de Inquérito Policial.

Agora que já fiz a introdução acerca da Legislação de Trânsito, daremos destaque às novas alterações da lei 12971/14, que embora significativas, não são suficientes para sanar os problemas envolvendo o tema, principalmente reduzir os acidentes de trânsito que possuem índices alarmantes de lesão corporal e morte decorrentes de acidentes  em vias terrestres.

Antes devemos observar que houveram alterações significativas na parte das infrações administrativas da lei 12971/14 em alguns dos seus artigos: disputar corrida (art. 173); promover ou participar de competição de perícia em manobra de veículo sem permissão (art. 174); utilizar de veículo para demonstrar manobra perigosa (art. 175); forçar passagem entre veículos que transitam em sentidos opostos (art. 191); ultrapassar outro veículo em locais impróprios (art. 202); e ultrapassar outro veículo pela contramão em locais impróprios (art. 203).

A depender do caso, as multas em âmbito administrativo,  sofreram reajustes de até 900%, como por exemplo, quem for flagrado fazendo ultrapassagem pelo acostamento, o valor anteriormente que era de R$ 127,69, passou para R$ 957,70.

Todavia, neste artigo, daremos enfoque às alterações no âmbito criminal.

Vejamos então.

Primeira e significativa mudança foi a inserção do polêmico parágrafo 2º do artigo 302 da lei, que aliás, gerou dúvidas quanto ao momento de sua aplicabilidade, em razão de motivos que trataremos mais adiante, restando neste caso, a missão de interpretação aos doutrinadores brasileiros.

§2º Se o agente conduz veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência ou participa, em via, de corrida, disputa ou competição automobilística ou ainda de exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, não autorizada pela autoridade competente:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.” (NR)

Aqui o legislador incluiu uma figura qualificada. Desta forma, quem cometer sob a influência de álcool ou droga, e ainda estiver participando de racha, incide na figura qualificada, cuja modificação diz respeito à troca de pena, antes de detenção, agora de reclusão, mantido o quantum de 2 a 4 anos.

Porém estamos diante do primeiro conflito.

No artigo 308, §2º, também da lei em comento, o legislador previu o seguinte:

§ 2o  Se da prática do crime previsto no caput resultar morte, e as circunstâncias demonstrarem que o agente não quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo, a pena privativa de liberdade é de reclusão de 5 (cinco) a 10 (dez) anos, sem prejuízo das outras penas previstas neste artigo.” (NR)

Tem-se aqui uma clara antinomia da lei. E como resolvê-la?

Em uma primeira corrente, é defendida a ideia de que se aplica a pena mais favorável ao réu, qual seja, o §2º do artigo 302 por ser uma pena mais branda, enquanto o §2º do artigo 308 é tido como letra morta.

Por outro lado, uma segunda corrente, considera que não se pode desconsiderar o §2º do artigo 308, restando desta forma, interpretação do caso concreto: se o condutor durante o racha agiu com culpa inconsciente, aplica-se o §2º do artigo 302; já se o condutor agiu com culpa consciente, aplica-se o § 2º do artigo 308.

A segunda interpretação parece mais arrazoada.

Vale lembrar ainda, que à época, o Senador Pedro Taques ofereceu emenda visando suprimir o §2º do artigo 302, todavia a proposta foi rejeitada.

Já o artigo 306 teve uma alteração mais singela. Introduziu-se o teste toxicológico nos parágrafos 2º e 3º, ampliando o rol de possibilidades de verificação do crime de conduzir veiculo automotor em razão da influência de álcool ou drogas que causam dependência.

Art. 306.  Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência: Pena - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

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§ 2º A verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia ou toxicológico, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova.

§ 3º O Contran disporá sobre a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia ou toxicológicos para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.

Referindo-se ainda ao artigo 308 da lei, vale a pena destacar outras modificações. O caput do referido artigo trouxe duas delas:

1ª) a expressão “desde que resulte dano potencial à incolumidade pública ou privada” foi substituída por “gerando situação de risco à incolumidade pública ou privada”. Continua, portanto, sendo crime de perigo concreto (STF).

2ª) a pena máxima passou de 2 para 3 anos.  Com isso, o crime deixa de ser de menor potencial ofensivo.
Art. 308. Participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística não autorizada pela autoridade competente, gerando situação de risco à incolumidade pública ou privada:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Neste mesmo artigo, foram ainda inseridos dois parágrafos, tendo já sido feito a ressalva quanto à antinomia existente entre dispositivos da nova lei.

§ 1o  Se da prática do crime previsto no caput resultar lesão corporal de natureza grave, e as circunstâncias demonstrarem que o agente não quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo, a pena privativa de liberdade é de reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, sem prejuízo das outras penas previstas neste artigo.

§ 2o Se da prática do crime previsto no caput resultar morte, e as circunstâncias demonstrarem que o agente não quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo, a pena privativa de liberdade é de reclusão de 5 (cinco) a 10 (dez) anos, sem prejuízo das outras penas previstas neste artigo.” (NR)

Devemos ressaltar que as duas qualificadoras podem ser classificadas como crimes qualificados pelo resultado na modalidade preterdolosa, sendo a participação do racha a título de dolo e os resultados lesão grave e morte, por culpa.

Por fim, é óbvio que ainda não temos um modelo ideal de legislação em matéria de trânsito. Novas alterações deverão surgir ainda ao longo dos anos, na tentativa de tornar a lei mais eficaz e coibir que vidas sejam perdidas em decorrência da imprudência de alguns motoristas no trânsito. Só nos resta então, aguardá-las!

Referência Bibliográfica:

- Leis Penais e Processuais Comentadas - Volume 2 – Guilherme de Souza Nucci – Editora Forense.

Sobre o autor
Fábio Fernandes

Formado em Direito pela Unimesp em 1998. Atuei como advogado regularmente inscrito na OAB/SP entre 1999 e 2010. Atualmente exercendo o cargo de Escrivão de Polícia do Estado de São Paulo. Pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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