Análise crítica sobre o instituto da prova e a cognição

05/11/2014 às 17:45
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O texto pretende discutir o instituto da prova e a cognição sob o viés constitucional estabelecido pela Constituição Federal de 1988.

O presente texto argumentará sobre o Capítulo IV - Instituto da Prova e a Cognição, do livro do professor Dhenis Cruz Madeira, intitulado "Processo de conhecimento & cognição: uma inserção no Estado Democrático de Direito". O professor Dhenis Madeira, nas interlocuções com Carnelutti, aponta que a prova é instituto essencial[1] para o juízo probandi no Estado Democrático de Direito, pois sem ela os procedimentos não atingem seus objetivos de forma efetiva.

O objetivo central do capítulo IV é demonstrar que o instituto da prova, a cognição (conhecimento) e o Estado Democrático de Direito só tem razão de ser se observar o previsto na Constituição enquanto norma fundamental e imperativa que estabelece as diretrizes e os preceitos elementares a ser seguidos para a construção de leis infraconstitucionais e realização de procedimentos. No atual patamar do Estado Democrático de Direito, as normas que fundamentam as relações processuais devem se adequar ao texto constitucional, pois o próprio Código de Processo Civil, no seu artigo 130, diz que o juiz determinará de ofício ou a requerimento das partes, determinar as provas necessárias ao processo, indeferindo diligências inúteis ou meramente protelatória (ABREU FILHO, 2013, 338), dessa forma, podemos percebe que na instrução processual, a aptidão probandi que deveria interesse das partes, acabou sendo transferida pelo legislador infraconstitucional ao juiz; ai indagamos, estaria o juiz equivocado ao indeferir diligências ou mandar produzir provas de ofício? Poderia o juiz sair do pólo de julgador para produzir provas, que na relação processual são de interesse das partes, sem ser ele imparcial, uma vez que ele próprio irá apreciar e julgar o conjunto probatório!!!.

Se não bastasse, no Código de Processo Penal, o legislador infraconstitucional possibilitou ao juiz a produção de provas, no seu artigo 156, foi extremamente contraditório, pois no caput do artigo, estabeleceu que a prova da alegação caberá a quem a fizer, mas sendo facultado ou permitido ao juiz, de ofício; nesse aspecto, acreditamos que a relação processual interessa às partes, até porque a jurisdição é inerte e só agirá mediante provocação da parte e não caberia ao legislador incumbir o juiz de produzir provas antecipadas (inciso I) e provas para dirimir dúvidas sobre ponto relevante (inciso II). A produção antecipada de provas (fundamento cautelar para evitar, supressão ou perecimento do direito) e mesmo no curso da instrução processual, a produção de provas para dirimir dúvidas sobre ponto relevante devem ser requeridas pela parte interessada, que deve formalizar por escrito ao juiz que poderá deferir ou não.

Portanto, o juiz está agindo conforme a lei infraconstitucional, pois o legislador infra legalizou a atuação do juiz, seja no Processo Civil ou no Processo Penal, mas o que se discute é se esta norma que permite ao juiz a produção de provas sem requerimento das partes, estaria de encontro ao que prevê a Constituição de 1988; argumentamos que o problema não seria do juiz, mas de correção jurídica do lei infraconstitucional, quer seja o CPC ou CPP, os respectivos textos a muito tempo já deveriam ter sido revistos para a devida adequação ao texto constitucional como norma matriz e fundamento legal para as demais legislações.

No texto Instituto da prova e a cognição, o professor Dhenis Madeira faz observações de suma importância que devem ser observadas tanto por civilistas como penalistas, pois a verdadeira efetivação do instituto da prova no Estado Democrático de Direito só seria possível no viés constitucional, visto que o objetivo do instituto da prova é a efetiva participação na construção do provimento jurisdicional, até porque as partes se sujeitarão à decisão.

Sabemos que no sistema acusatório não existe pureza dos feitos procedimentais, pois ao longo da história houve influências do processo inquisitivo, onde o julgador determinava os rumos do processo inquisitório, e a qualquer custo buscava a condenação e não construção do feito jurisdicional em contraditório entre as partes.

Quando o professor Dhenis Madeira cita Karl Popper, nas interlocuções sobre as teoria que fundamentam as pesquisas, deixou claro que para Popper não existe em pesquisa, observação pura, teorias anteriores orientam as pesquisa, até porque ninguém é uma tábua em branco, ao longo de nossas vivências intelectuais, somos influenciados por alguns teóricos que nos inclinam por determinado viés metodológico. Assim, a escolha de boas teorias pode fundamentar boas práticas e toda prática bem sucedida e aceita é ancorada em boas teorias, que persistem até que uma teoria melhor a despoje. Dessa forma, um bom operador do Direito, é orientado por paradigmas que visam a construção de feitos jurisdicionais em consonância com o maior dos paradigmas jurídicos do nosso ordenamento jurídico, a Constituição Federal de 1988.

Evidentemente, o conjunto probatório é o meio pelo qual as partes objetivam convencer o juiz ou o julgador a proferir uma decisão que contemple o pleito de uma delas.

Por isso, o procedimento construído em contraditório judicial entre as partes, não admite provas ilícitas, fato que se ocorresse e permanecesse nos autos, contaminaria todos os demais atos processuais que possuíssem ligação com ela ou que dependeram dela; é por esse motivo que as provas ilícitas devem ser desentranhadas de qualquer procedimentoe para não eivá-lo de vícios e comprometer sua legalidade, lisura e legitimidade. A vedação das provas ilícitas é um princípio limitador da produção do instituto da prova, pois permite a construção de um feito jurisdicional regular e legítimo, o qual as partes se sujeitarão e terão mais propensão a aceitar a ideia de um provimento justo, já que puderam opinar e contribuir na construção da decisão.

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Dhenis Madeira fez argumentações sobre o modelo do sistema de certeza legal, que sinteticamente seria aquele utilizado no processo inquisitivo em que se busca a certeza e a verdade dos fatos sem o contraditória judicial entre as partes, de sobremaneira, busca-se a confissão a qualquer custo, pois entendia-se que a confissão era a rainha das provas e não requeria ser questionada, pois era o suficiente para a condenação do acusado; apontou também o sistema da livre convicção, que foi influenciado pelas ideias iluministas, onde acreditava-se que o juiz fazia a lei, ou seja, a lei era aquilo que o juiz disse que era, assim baseou-se num sistema jurisprudencial, em que as decisões era a essência para a aplicação da lei, esse modelo foi adotado pelo sistema common law. Dhenis Madeira foi muito hábil quando ele faz interlocuções com observações de Juliana Carvalho Bastone, ressaltando que tanto o sistema de certeza legal quanto o do livre convencimento, valorizam de forma privilegiada o poder de dominação do Estado, em detrimento do poder soberano do povo.

Já o modelo da persuasão racional, traduz melhor a apreciação do instituto da prova, pois nele a liberdade do juiz não é desmedida e a livre convicção é atrelada a lei que não é divina mas fruto de uma demanda social de uma época. No sistema da persuasão racional, o juiz valoriza o conjunto probatório à luz do ordenamento jurídico e por força imperativa constitucional (artigo 93, inciso IX, CF/88), deve fundamentar sua decisão com base nos fatos apresentados nos autos (princípio da correlação). Dessa maneira, mesmo o juiz na condição de homem, dotado de convicções próprias, não poderá apresentá-las como argumentos para decidir. A construção do feito jurisdicional ater-se-á aos fatos, ao conjunto probatório apresentado e o previsto no ordenamento jurídico.

Por fim, a jurisdição e a cognição só terão efetividade legítima, no Estado democrático de Direito, se houver de fato o devido processo legal (garantia dos princípios da ampla defesa, contraditório e isonomia entre as partes) e a efetiva aplicação prática do texto constitucional.

Referências Bibliográficas

MADEIRA, Dhenis Cruz. Processo de conhecimento & cognição: uma inserção no Estado Democrático de Direito. Curitiba: Juruá, 2012. p. 148-186.

ABREU FILHO, Nylson Paim de. Codex. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013. p. 338.


[1] Vide MADEIRA, 2012, p. 149, quando cita argumentações de Carnelutti.

Sobre o autor
João do Nascimento

- Bacharel em Direito pela Faculdade Minas Gerais - FAMIG, Pós-graduado em Docência do Ensino Superior - UCB/UNESCO/EB - 2007, Pós-graduado em História da Ciência pela UFMG - 2003, Pós-graduado em História e Cultura Mineira - FCHPL - 2001 e Graduado em História pela UNISETE - 2000

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Análise do instituto da prova.

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