A quebra do sigilo fiscal promovida pela comissão parlamentar de inquérito

18/11/2014 às 17:53
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Dada a importância dessa exceção à regra geral do sigilo, o presente artigo cuidará em demonstrar como se dá o regime jurídico da preservação da quebra do sigilo fiscal promovida pela comissão parlamentar de inquérito, focando nos seus limites.

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal colocou, como um dos direitos protegidos pelo Estado, a garantia da vida privada e da intimidade das pessoas. Isso permite que o ser humano desenvolva suas relações cotidianas sem a preocupação da divulgação dos seus dados mais íntimos, fazendo com que isso não gere consequências para os indivíduos.

Essa proteção se dá em diversos ramos de atuação, dentre eles o do sigilo fiscal. É consequência da proteção à intimidade a proteção aos dados referentes à situação tributária do contribuinte, pois a divulgação desses dados poderia gerar consequências negativas para o indivíduo e para a sociedade.

Mas a mesma Constituição garantiu ao Poder Legislativo a faculdade de criar Comissões Parlamentares de Inquérito, organismos desse Poder destinados a fiscalizar o dinheiro público, evitando o seu desvio e o seu mal uso. Para tanto, foi preciso dar a essas comissões poderes especiais, próprios das autoridades judiciárias, como a possibilidade de pedir até mesmo a quebra do sigilo fiscal dos investigados.

Em razão da importância desse tema para a democracia brasileira, essa pesquisa tenta trazer como é o delineamento jurídico da quebra de sigilo fiscal promovida pelas comissões parlamentares de inquérito. Serão analisados os conceitos jurídicos mais importantes, especialmente os limites do poder dessa quebra de sigilo. Para desenvolver essa atividade, foi usada a pesquisa bibliográfica e o método de abordagem dedutivo, pois os conceitos pesquisados na doutrina foram responsáveis para chegarmos a nossas conclusões.

1. Sigilo Fiscal

1.1 A ideia do sigilo

Umas das garantias que nós temos enquanto cidadãos é a preservação da nossa vida privada e da nossa intimidade, que consistem nas coisas que fazemos em nosso círculo mais reservado de relações humanas. É no âmbito da vida privada e da intimidade que estão as relações afetivas, familiares, os comportamentos mais íntimos que adotamos enquanto seres humanos. A proteção a essa esfera individual é um direito fundamental garantido pela Constituição, em seu art. 5º, X, que diz:

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Esse direito fundamental se estende a diversos campos, como a proteção à privacidade das informações prestadas a um médico no momento da consulta, por exemplo. Mas a proteção a esses direitos também existe em relação ao Estado. O Estado também é obrigado a reservar  uma certa distância da vida íntima das pessoas, evitando que dados que compõem essa esfera íntima pessoal sejam publicados.

Podemos perceber muito bem essa ideia de proteção e sigilo nos processos de natureza familiar, por exemplo. As ações de direito de família correm em segredo de justiça. Isso significa que o Estado, que tem a obrigação de publicar todos os atos processuais, deve observar uma exceção constitucional no art. 93, IX, da Constituição:

IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; 

Essa exceção se justifica para proteger as partes, que no processo de família podem levantar questões muito íntimas e que causariam constrangimento se fossem publicadas como os outros processos. Esse constrangimento levaria a um dano psicológico às partes, o que o Estado não tem interesse de causar nas pessoas. Daí a existência dessa exceção.

Então existe uma preocupação por parte do Estado com o sigilo das dos indivíduos. Isso acontece por que se entende que precisamos do máximo de privacidade possível para poder nos desenvolvermos como seres humanos, e até mesmo para podermos ter uma existência digna enquanto seres humanos. Todos nós temos coisas que não desejamos que sejam de conhecimento de todos, coisas que na verdade não podem ser do conhecimento de todos. Essa esfera individual deve ser protegida por sigilo, mesmo perante o poder do governo.

1.2. O sigilo fiscal

Diante dessa obrigação da preservação da intimidade e da vida privada das pessoas, a Lei prevê uma hipótese de sigilo referente ao direito tributário, que é o sigilo fiscal. O artigo que dispõe sobre isso é o 198, do Código Tributário Nacional, que diz:

Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades.

     Essa vedação de divulgação por parte da fazenda pública dos dados referentes à situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estão de seus negócios ou atividades é a garantia do sigilo fiscal. O Estado e seus agentes não pode fazer a divulgação dos dados referentes a situação tributária dos contribuintes.

Segundo Aliomar BALEEIRO (2008, p. 1001) “é vedado à Pessoa de Direito Público divulgar informação obtida em razão do ofício, o mesmo aplicando-se às autoridades, estas como órgão imediato da pessoa de direito público, e aos funcionários, estes como agentes técnicos e jurídicos dela.”

Quer dizer que o Estado não pode fornecer dados a respeito da situação do contribuinte perante o fisco. Esse fornecimento pode ser compreendido como a sua divulgação, numa hipótese de, por exemplo, a imprensa requerer tais informações para matéria jornalística, ou mesmo a utilização desses dados fora dos limites legais. E os parágrafos do art. 198 trazem um pouco sobre esses limites legais:

§ 1o Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os seguintes:

I – requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça;  

II – solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa. 

§ 2o O intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da Administração Pública, será realizado mediante processo regularmente instaurado, e a entrega será feita pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo. 

 § 3o Não é vedada a divulgação de informações relativas a: 

I – representações fiscais para fins penais; 

II – inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública; 

III – parcelamento ou moratória. 

Sacha Calmon Navarro COÊLHO (2009, p. 827) diz a respeito desse art. 198:

O artigo é corolário da proteção da privacidade. O Fisco, com tantos poderes, invade a vida e os negócios dos contribuintes e responsáveis, tornando-se dono de preciosos segredos, que bem podem ser “vendidos”, a peso de ouro, a terceiros, em prejuízo dos que foram investigados.

Como demonstra o grande professor, o sistema de proteção à privacidade das pessoas, em relação ao poder do Fisco, encontra grande norte nesse art. 198 do Código Tributário Nacional. A regra geral é a privacidade, o sigilo das informações sobre a situação fiscal dos contribuintes. As exceções são as que são trazidas pela lei, que são elas: a requisição de autoridade judiciária, no interesse da justiça e a solicitação de autoridades administrativas, para colher informações sobre pessoa que está sendo investigada por infração administrativa. Além disso, ainda pode haver a troca de informações entre autoridades administrativas a respeito dos dados de um contribuinte, desde que seja feita de forma sigilosa e mediante processo administrativo próprio que seja preservado o sigilo.

Esse mesmo artigo, no seu §3º, traz outras exceções à regra do sigilo fiscal, que é a divulgação das informações sobre a situação do contribuinte ou responsável para representações fiscais para fins penais, nos casos de inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública e também no parcelamento ou moratória do débito tributário. Mas esse dispositivo não é muito bem visto pela doutrina.

Segundo Hugo de Brito MACHADO SEGUNDO (2014, p. 428):

A regra do art. 198, §3º do CTN é completamente desnecessária e, a nosso ver, inconstitucional, por representar violação ao sigilo fiscal. Note-se que a principal justificativa para se defender a validade da quebra do sigilo bancário pela própria autoridade administrativa, independentemente de autorização judicial, é o fato de que não se trataria de uma “quebra”, mas de uma “transferência”. Ora, ao autorizar a “divulgação” de informações, nos três casos que arrola, o dispositivo em comento esvazia não só o sigilo fiscal, mas o próprio sigilo bancário “transferido” à administração. 

1.3 A importância do sigilo fiscal

O sigilo fiscal é importante porque diz respeito à história fiscal do contribuinte. O imposto de renda, por exemplo, é calculado com base na renda auferida pela pessoa. Se os dados referentes ao imposto de renda de alguém fossem divulgados assim, seria fácil imaginar qual a renda dessa pessoa e, assim, a intimidade a respeito do seu salário e seus bens seria violada.

No caso do direito empresarial, os concorrentes de uma empresa poderiam ter informações privilegiadas a respeito dos seus adversários no mercado de trabalho, pois saberiam sobre o seu faturamento ao saber das declarações de seus impostos. Isso poderia afetar o mercado livre. Conforme Sacha Calmon Navarro COÊLHO (2009, p. 827): “em um mundo dominado pela concorrência e pela informação, os agentes da Fazenda Pública podem se transformar em verdadeiros “espiões”, já não mais a serviço do Estado, senão que de poderosas organizações empresariais.”

Por isso é muito importante que seja mantida a integridade do sigilo fiscal na sociedade, pois isso evita eventuais desequilíbrios no âmbito do mercado da livre concorrência e, talvez mais grave do que isso, poderia permitir que a vida das pessoas fosse totalmente lançada a público, causando graves danos aos seus direitos fundamentais.

2. O poder de investigação das Comissões Parlamentares de Inquérito 

2.1. A função fiscalizadora do Poder Legislativo

Conforme as noções mais antigas de separação dos poderes, o Estado é organizado e divido em três funções básicas, que são: o Poder Legislativo, o Poder Executivo e o Poder Judiciário. Segundo Gilmar MENDES e Paulo BRANCO (2011, p. 879) “no quadro de divisão de funções entre os Poderes da República, tocam ao Legislativo as tarefas precípuas de legislar e fiscalizar.”

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Então, apesar de muitas pessoas acharem que o Poder Legislativo se dedica apenas a desenvolver a atividade de legislar, isso não é verdade. A função de fiscalizar as atividades de outros poderes, e até mesmo de julgar (como no caso do processo de impeachment) também é exercida pelo Poder Legislativo, que a faz de muitas maneiras, sendo uma delas através das comissões parlamentares de inquérito.

2.2 As Comissões Parlamentares de Inquérito

Segundo José Afonso da SILVA (2006, p. 513) as comissões parlamentares “são organismos constituídos em cada Câmara, compostos de números geralmente restrito de membros, encarregados de estudar e examinar as proposições legislativas e apresentar pareceres.” No caso das comissões parlamentares de inquérito, elas têm essas funções mais uma função especial, que é a de investigação sobre fato determinado, sendo que esse parecer será encaminhado ao Ministério Público para a apuração do que foi investigado.

A Constituição prevê as comissões parlamentares de inquérito no seu art. 58, §3º:

Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.

§ 3º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.

Essas comissões são importantes instrumentos de fiscalização do Poder Legislativo, que as utiliza como meio de controle das atividades do poder executivo, especialmente sobre o uso do dinheiro público.

A própria Constituição traz alguns requisitos para que seja instaurada a comissão parlamentar de inquérito. São eles: o requerimento de um terço dos membros das casas em que serão instauradas (se for uma comissão mista, um terço do Senado Federal mais um terço da Câmara dos Deputados); a apuração de fato determinado e o prazo certo para a sua duração.

Falando rapidamente sobre a apuração de fato determinado e o prazo certo, fato determinado é um termo muito controverso para definição. A noção que a doutrina aponta é que seja um fato específico, que determine precisamente qual será o objeto a ser investigado (MENDES, BRANCO, 2011). Não seria possível, por exemplo, instaurar uma CPI para investigar “a corrupção no Brasil”, pois é algo muito geral.

A respeito do prazo certo, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entendeu que o prazo seria o da legislatura, que corresponde ao mandato de um deputado federal, ou seja, quatro anos. Esse entendimento foi fixado no HC 71.261, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 24/06/1994.

É bom lembrar que as comissões parlamentares de inquérito podem ser criadas em todos os níveis de poder, ou seja: a nível Federal, no Congresso Nacional, a nível estadual e distrital, nas Assembleias Legislativas dos Estados e na Câmara Legislativa do Distrito Federal e a nível municipal, nas Câmaras de Vereadores dos municípios.

2.3 Poderes das comissões parlamentares de inquérito

Segundo a própria Constituição, a CPI terá poderes próprios das autoridades judiciárias. Essa expressão também é uma expressão bastante imprecisa, que precisa ser entendida conforme a lei e conforme a jurisprudência. A Lei 1.579/52 é uma fonte muito importante para compreender os poderes das CPIs.

O art. 2º dessa lei, por exemplo, dispõe:

Art. 2º. No exercício de suas atribuições, poderão as Comissões Parlamentares de Inquérito determinar as diligências que reportarem necessárias e requerer a convocação de Ministros de Estado, tomar o depoimento de quaisquer autoridades federais, estaduais ou municipais, ouvir os indiciados, inquirir testemunhas sob compromisso, requisitar de repartições públicas e autárquicas informações e documentos, e transportar-se aos lugares onde se fizer mister a sua presença.

O que a Constituição quis dizer com essa expressão “poderes de investigação próprios das autoridades judiciárias” é que as CPIs poderão tomar as medidas determinadas acima para atingirem seus objetivos, mas também poderão ir um pouco mais além. Conforme sustenta Alexandre de MORAES (2007, p. 411) que:

As comissões parlamentares de inquérito, portanto e em regra, terão os mesmos poderes instrutórios que os magistrados possuem durante a instrução processual penal, inclusive com a possibilidade de invasão das liberdades públicas individuais, mas deverão exercê-los dentro dos mesmos limites constitucionais impostos ao Poder Judiciário, seja em relação ao respeito aos direitos fundamentais, seja em relação à necessária fundamentação e publicidade de seus atos, seja, ainda, na necessidade de resguardo de informações confidenciais, impedindo que as investigações sejam realizada com a finalidade de perseguição política ou de aumentar o prestígio pessoal dos investigadores, humilhando os investigados e devassando desnecessária e arbitrariamente suas intimidades e vidas privadas.

     O autor dá muita ênfase na necessidade de percepção das limitações dos poderes de investigação das comissões parlamentares de inquérito. É claro que, para que elas possam cumprir a ordem da própria Constituição, de investigar situações específicas, fazendo que o Poder Legislativo seja realmente um fiscal do Estado, é preciso que as CPIs tenham certos poderes. Mas como bem apontou o professor Alexandre de Moraes, não é possível que esses poderes vão dos poderes do Poder Judiciário e, mais importante ainda, que esses poderes sejam muito agressivos com as garantias constitucionais das pessoas.

Ainda segundo Alexandre de MORAES (2007, p. 412) os poderes investigatórios das Comissões Parlamentares de Inquérito compreendem:

·         Possibilidade de quebra de sigilo bancário, fiscal e de dados;

·         Oitiva de testemunhas, inclusive com a possibilidade de condução coercitiva;

·         Ouvir investigados ou indiciados;

·         Realização de perícias e exames necessários à dilação probatória, bem como requisição de documentos e busca de todos os meios de provas legalmente admitidos;

·         Determinar buscas e apreensões.

 

3. Limites da quebra do sigilo fiscal promovida pela Comissão Parlamentar de Inquérito

Conforme foi dito anteriormente, as CPIs possuem poderes típicos das autoridades judiciárias, nesse caso os poderes instrutórios, para poderem determinar desenvolver as suas atividades de investigação. Uma das manifestações desses poderes é o poder de decretar a quebra do sigilo fiscal das pessoas investigadas durante a Comissão.

Mas, ainda que as Comissões tenham esse poder de pedir a quebra do sigilo fiscal dos seus investigados, é importante entender que esse poder tem limites, que são especialmente as normas constitucionais.

Um dos primeiros limites que podemos determinar para a concessão da quebra do sigilo fiscal é a da fundamentação da decisão que manda quebrar o sigilo. É simplesmente imprescindível que a decisão da comissão que comanda a quebra do sigilo seja fundamentada, onde se justifique a medida tão grave que é a devassa dos dados dos contribuintes. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou a respeito dessa questão. Citamos aqui um dos julgados mais importantes para entender essa obrigação.

"A quebra do sigilo, por ato de CPI, deve ser necessariamente fundamentada, sob pena de invalidade. A CPI – que dispõe de competência constitucional para ordenar a quebra do sigilo bancário, fiscal e telefônico das pessoas sob investigação do Poder Legislativo – somente poderá praticar tal ato, que se reveste de gravíssimas consequências, se justificar, de modo adequado, e sempre mediante indicação concreta de fatos específicos, a necessidade de adoção dessa medida excepcional. Precedentes. A fundamentação da quebra de sigilo há de ser contemporânea à própria deliberação legislativa que a decreta. A exigência de motivação – que há de ser contemporânea ao ato da CPI que ordena a quebra de sigilo – qualifica-se como pressuposto de validade jurídica da própria deliberação emanada desse órgão de investigação legislativa, não podendo ser por este suprida, em momento ulterior, quando da prestação de informações em sede mandamental. Precedentes. A quebra de sigilo – que se apoia em fundamentos genéricos e que não indica fatos concretos e precisos referentes à pessoa sob investigação – constitui ato eivado de nulidade. Revela-se desvestido de fundamentação o ato de CPI, que, ao ordenar a ruptura do sigilo inerente aos registros fiscais, bancários e telefônicos, apóia-se em motivação genérica, destituída de base empírica idônea e, por isso mesmo, desvinculada de fatos concretos e específicos referentes à pessoa investigada." (MS 23.868, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 30-8-2001, Plenário, DJ de 21-6-2002.) No mesmo sentido: MS 23.879, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 3-10-2001, Plenário, DJ de 16-11-2001. (grifos nossos)

Assim sendo, tal como acontece com as decisões judiciais, é preciso que haja a fundamentação adequada, com a indicação das razões que levam aos membros da comissão crer que aquela pessoa investigada em especial deveria ter o sigilo dos seus dados fiscais, informações pessoais muito importantes, quebrado. 

Outro limite que podemos perceber para a quebra do sigilo fiscal é o que Alexandre de MORAES (2007, p. 73) diz: “a atividade fiscal ou investigatória das comissões de inquérito há de se desenvolver-se no estrito âmbito de competência do órgão dentro do qual elas são criadas.”

A orientação parece ser no sentido de que a quebra do sigilo fiscal do contribuinte deve ser determinada conforme a esfera de atuação da autoridade fiscal correspondente a Comissão Parlamentar de Inquérito. Não faria sentido, por exemplo, que uma CPI instaurada pela União pedisse a quebra de dados fiscais do investigado referentes aos seus imóveis urbanos, por exemplo, pedindo o recolhimento de informações a respeito do IPTU do investigado. Isso foge ao âmbito de competência do órgão, e, em tese, não há sequer interesse por parte da CPI saber desse fato. Entretanto, é possível que a investigação, embora precise ser feita sobre fatos determinados, abarque fatos conexos ao fato principal, pois a investigação pode acabar descobrindo fatos relacionados aquilo que está sendo investigado de modo principal. Nesse mesmo exemplo, poderíamos pensar que o investigado tivesse conseguido uma isenção fiscal no imóvel municipal graças ao esquema de corrupção que estava sendo investigado a nível federal.

Um dos precedentes do Supremo Tribunal Federal mais importantes sobre os limites das comissões parlamentares de inquérito é a decisão no Mandado de Segurança 23452 RJ, de onde trazemos a parte final de sua ementa:

Em uma palavra: as Comissões Parlamentares de Inquérito, no desempenho de seus poderes de investigação, estão sujeitas às mesmas normas e limitações que incidem sobre os magistrados judiciais, quando no exercício de igual prerrogativa. Vale dizer: as Comissões Parlamentares de Inquérito somente podem exercer as atribuições investigatórias que lhes são inerentes, desde que o façam nos mesmos termos e segundo as mesmas exigências que a Constituição e as leis da República impõem aos juízes.

(STF - MS: 23452 RJ , Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 01/06/1999, Data de Publicação: DJ DATA-08-06-99 P-00011)

Por fim, além dessas limitações específicas quanto aos poderes das comissões parlamentares de inquérito sobre o sigilo fiscal, há ainda os limites gerais aplicáveis a todas as comissões: a questão do prazo certo, do fato determinado e, naturalmente, da instauração devida da comissão. Uma comissão instaurada indevidamente não poderá requisitar a quebra de sigilo fiscal de nenhum contribuinte.

 

CONCLUSÃO

Diante de tudo quanto foi dito, concluímos que o direito ao sigilo é uma garantia fundamental de todos no Estado, atuando como proteção à intimidade e à vida privada de todos. Isso permite que as pessoas possam viver com dignidade, tendo respeitada a sua esfera mais íntima de existência.

O sigilo fiscal não é diferente disso. Através da sua preservação, a pessoa pode ter a segurança de que seus dados de caráter pessoal, como as suas dívidas tributárias, não serão publicadas nem será dado acesso a elas a pessoas que não integram os quadros da administração tributária. Assim, são garantidos direitos desde a ordem mais pessoal, como o de não ter as suas rendas no conhecimento de todos, até os mais gerais, como a proteção à livre concorrência.

As comissões parlamentares de inquérito são instrumentos de fiscalização do Poder Legislativo muito importantes para a democracia. Através delas é possível que os representantes do povo fiscalizem o uso do dinheiro público, investigando ações que causem dano ao patrimônio de todos. Além disso, é um instrumento de controle das minorias sobre as atividades das maiorias políticas, fazendo que a democracia não seja abafada.

A Constituição concedeu poderes a essas comissões, poderes típicos das autoridades judiciárias, estando entre eles o poder de requisitar a quebra do sigilo fiscal dos investigados. Entretanto, como trouxemos, há algumas limitações sérias a esse respeito, que são: a necessidade de fundamentação na decisão que comande a quebra de sigilo; o âmbito de competência da CPI para requisitar as informações fazendárias e os requisitos gerais, como a CPI estar devidamente instaurada, investigar fato certo e por período determinado de tempo.

Em concluso, entendemos que as CPIs são instrumentos muito importantes para a democracia, mas em respeito à própria democracia é preciso que a sua atividade se dê de forma totalmente lícita, respeitando acima de tudo as garantias constitucionais dos indivíduos alvos de investigação, dentre elas a preservação do sigilo fiscal como regra a ser quebrada apenas em conformidade com o direito.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11. ed. atualizado por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2008

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Código tributário nacional. - 4. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 6. ed. rev. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2011.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. - 22. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 29. ed. rev. e atual. -  São Paulo: Malheiros Editores, 2006.

 

Sobre o autor
Irineia Israeline Soares Lobo

Estudante de Direito, 21 anos, Pós-Graduanda em Direito Previdenciário de Trabalhista

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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