Áreas de preservação permanente em área consolidada urbanizada

A ponderação entre os princípios do direito à propriedade e do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

20/11/2014 às 16:02
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O Direito do ambiente pode ser entendido como um Direito sistematizador, que faz a articulação da legislação, da doutrina e da jurisprudência concernentes aos elementos que integram o ambiente. Passamos a nálise disso no nosso dia-a-dia.

O Direito do ambiente pode ser entendido como um Direito sistematizador, que faz a articulação da legislação, da doutrina e da jurisprudência concernentes aos elementos que integram o ambiente.

Uma das formas de proteger as áreas ambientais ocorre através da criação das Áreas de Preservação Permanente, denominadas APP, cuja regulamentação se encontra no Código Florestal, bem como na nova legislação (Lei Federal nº 12.651/2012) que reiterou e promoveu a revisão do Código Florestal Brasileiro.

Verifica-se assim que um regime jurídico específico de proteção das APP, determinando quando essas áreas podem sofrer supressão ou intervenção e em que situações pode o Poder Público declarar áreas como sendo de preservação.

Entretanto, em zonas urbanas nas quais o proprietário busca edificar em áreas situadas em APP - justificando sua conduta no direito à propriedade, baseando-se na autorização do Poder Público Municipal, na localização em área urbana consolidada ou ainda pela descaracterização da Área de preservação permanente, surge o conflito entre o direito fundamental à propriedade, como pilar da sustentação da vida em sociedade, e o direito fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado, como garantia das presentes e futuras gerações, fazendo-se necessário a obrigação de compatibilização de princípios, avaliados sob a ótica da razoabilidade e proporcionalidade.

ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE

O artigo 3º, inciso II do Código Florestal apresenta o conceito de APP, qual seja: Área de Preservação Permanente - APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.

Em seu artigo 4º, incisos I a XI, enumeram-se quais são as áreas consideradas APP, ou seja, ex lege. Para que seja considerada APP, basta que a iniciativa venha dos proprietários ou de ato do Poder Público.

Cabe frisar, que no artigo 4º do citado Código Florestal, resta claro que, considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, sendo assim, a intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previsto nesta Lei.

O legislador, não deixou margem de discricionariedade ao administrador público competente para autorização das intervenções das áreas de preservação permanente, sendo que este já definiu os conceitos a serem aplicados.

Conforme dispõe o art. 4º, caput, conclui-se que as APP abrangem também o espaço urbano. Assim sendo, a Lei nº. 12.651/2012 há, além da definição legal de APP, a previsão de quando as mesmas podem sofrer supressão ou intervenção, bem como em quais situações pode o Poder Público declarar APP. 

Extrai-se do entendimento jurisprudencial e doutrinário que, em se tratando de competência concorrente, cabe à União, nos termos do artigo 24, §1º da CF/1988, editar normas gerais e aos demais entes da federação, editar normas suplementares, inserido no seu §2º, defluindo do sistema que as normas suplementares de Estados e Municípios deverão se conjugar com as normas gerais federais.

Conclui-se assim, que o respeito aos limites e princípios estabelecidos pelo Código Florestal deve ser interpretado como a impossibilidade legal de os municípios tornarem mais flexíveis os parâmetros estabelecidos na lei federal.

Isso por que a legislação federal deve ser respeitada pelos Estados e Municípios, que somente poderão aumentar as exigências federais, e não diminuí-las.

DIREITO À PROPRIEDADE X MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO

Enfatizamos o conteúdo, acerca de loteamentos urbanos nos quais há áreas enquadradas como APP, em que se avalia a possibilidade de construir um empreendimento que já fora autorizado pelo órgão municipal, inclusive com legislação municipal que autorizou o empreendimento indiretamente, ou seja, não enquadrando determinada região como APP, em oposição à norma geral, discutindo-se a existência de área urbana consolidada e possível descaracterização da existência de APP na mesma.

Tem-se a ponderação entre o direito à propriedade e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Extrai-se que apesar da supressão de vegetação em APP afrontar a legislação ambiental, o imóvel que está sendo construído localiza-se em área de perfil urbano ocupada, área consolidada, portanto, a partir dessa interpretação, trata-se de bem de uso privado, e não de uso comum, destinando o lote para edificação, ainda que em época posterior à aquisição.


A falta de função ambiental da propriedade, segundo as atuais decisões, inviabiliza a aplicação do Código Florestal. Não obstante a descaracterização de APP basear-se os juízes na medida de proporcionalidade, ponderação principiológica e em atenção ao princípio do desenvolvimento sustentável, apenas exigem as autoridades da lei que os donos dos loteamentos devem apresentar formas de prevenção e compensação de eventuais danos passados e futuros.

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Em contrapartida, há argumentos que prestigiam a tutela do meio ambiente, frente ao risco de dano irreparável ocasionado pela ocupação/edificação irregular.

No que tange aos pedidos de demolição da edificação, como  tratar-se de área com ocupação consolidada, nenhum efeito surtirá ao meio ambiente a retirada de apenas uma edificação isolada, haja vista que o entorno do local está todo edificado.

A questão que desafia o Ministério Público é a que diz respeito à expedição de autorizações pelo poder público municipal para construção de edificações novas em loteamentos antigos, assim entendidos aqueles aprovados antes da Lei Federal 7511/1986, que ampliou a APP ao longo dos cursos d’água com até 10 metros de largura para 30 metros, metragem que prevalece até os dias de hoje, com a edição de Lei 12.651/2012, ou mesmo naqueles loteamentos aprovados em desconformidade com a legislação de regência.

Neste conflito, caracterizado pelo embate entre o direito fundamental à propriedade, como pilar da sustentação da vida em sociedade, e o direito fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado, este como garantia das presentes e futuras gerações, surge a obrigação de compatibilização de princípios, avaliados sob a ótica da razoabilidade e proporcionalidade. Conforme se vê, a colisão de princípios não pode ser posta em termos de tudo ou nada, de validade ou invalidade e sua subsequente tirada do mundo jurídico. Há que se reconhecer aos princípios uma dimensão de peso ou importância, atribuída à luz dos elementos fáticos do caso concreto. Nesse sentido, a aplicação dos princípios se dá, precipuamente, mediante ponderação de valores ou ponderação de interesses, estabelecendo-se o peso relativo de cada um dos princípios contrapostos.

O direito de propriedade está garantido pela Constituição Federal no art. 5º, XXII. Aprendemos que na história das constituições brasileiras e na vida das instituições públicas e privadas nunca se aboliu o direito de propriedade. No entanto, a propriedade não é um direito individual que exista para se opor à sociedade. É um direito que se afirma na comunhão com a sociedade.

A Constituição Federal de 1988 preceitua: “a propriedade atenderá sua função social” (art. 5º, XXIII); “a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor” (art. 182, §2º). Há também no seara da saúde (art. 200, VIII) e na ordem econômica (art. 170) a exigência da função social também está presente. O Código Civil Brasileiro /2002, no seu artigo 1.228, §1º, exige para o exercício do direito de propriedade sua finalidade sócio-econômica de modo a preservar a flora, fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico. Por isso, pode-se inferir que o direito de propriedade não é absoluto. Estar em consonância com sua função sócio-ambiental é elementar. É nesse diapasão que se pode entender a razoabilidade que deve permear as decisões judiciais atinentes à temática tratada.


Nota do Editor

Vê-se, portanto, que não é mais possível, frente ao ordenamento jurídico brasileiro, pensar em planejamento e expansão urbana sem considerar os impactos sobre o meio ambiente, como por exemplo, na observância de áreas que são proibidas qualquer tipo de construções em loteamento com região de APP. O direito de propriedade é relativizado, fazendo-se necessário o cumprimento de sua função socioambiental.

Nos casos em que já houve violação das APP, como aqueles discutidos recentemente em inúmeras decisões judiciais, o magistrado deve agir com razoabilidade, avaliando qual medida proporcional a ser adotada com vistas à proteção ambiental, como por exemplo, demolir uma construção irregular, determinar uma compensação pecuniária ou in natura que deverá ser suportada pelo proprietário do lote.  

O respeito às APP nos lotes urbanos não só visa à preservação e proteção do meio ambiente, como também a análise dos Tribunais quanto aos seguintes aspectos: a) se já existe ocupação do local e há quanto tempo; b) ausência de qualquer benefício ao meio ambiente em decorrência da demolição; c) princípio da proporcionalidade, dados os graves prejuízos que poderiam vir a ser causados ao dono do lote sem o correspondente benefício à coletividade; e d) verificar se  há ou não evidência de que tenha ocorrido qualquer dano ambiental.

Sobre a autora
Patrícia Reis

advogada colaboradora no Escritório Bunn, Piccollo & Barcelos João advogados associados em Santa Catarina.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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