Amplitude conceitual da segurança no cumprimento de ordem judicial pelo oficial de justiça face à Dignidade da Pessoa Humana

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Oficial de Justiça. Segurança jurídica, física e emocional. Cumprimento de ordens judiciais.

O presente trabalho é fruto de uma tentativa, ainda que tímida, de sistematizar alguns elementos estressores que impactam, diretamente ou de modo reflexo, na atividade dos oficiais de justiça, devido aos reclames crescentes desses profissionais no que toca à segurança não só jurídica, mas também física e emocional, bem como aos casos concretos - embora pouco ventilados pela mídia- de lesão ou ameaça de lesão no exercício de sua atividade laboral. Situações recorrentes de violência contra o oficial de justiça, falta de incentivo/ valorização da atividade, a exemplo da própria sistemática organizacional do Poder Judiciário que não prevê sala ou espaço para esses profissionais na estrutura e instalação de uma Vara, nem há ainda um estudo acerca da singularidade, complexidade e periculosidade de sua atividade externa, além da sobrecarga de trabalho coligada a um exercício solitário da função, são algumas das questões que vêm acarretando dor e sofrimento em âmbito individual e coletivo, a ponto de entidades da categoria, como a ASSOJAPE[2], buscarem, em conjunto e com apoio de profissionais especializados, soluções para eliminar ou ao menos minimizar os impactos danosos desse cenário hostil, focando na amplitude conceitual de segurança – reitera-se, aqui abordada no sentido de discutir e contribuir para segurança processual, física e emocional do meirinho-  conferindo condições salutares para desempenho quantitativo e qualitativo desse precípuo mister.      

INTRODUÇÃO

Inúmeros são os relatos de Oficiais de Justiça em todo Brasil que revelam sentimentos negativos diversos, tais como os de indignação, medo, pânico, angústia, até mesmo os de insegurança e injustiça, no exercício de suas atribuições, em virtude de ser público o aumento significativo da violência na sociedade brasileira, nos mais diversos seguimentos da vida social.[3]

Em sua atividade, o Oficial de Justiça depara-se com diversos fatores de estresse, como trânsito caótico, intempéries como frio e sol intensos, precárias instalações no ambiente interno da Instituição Judiciária, sobretudo nas subseções, falta de infraestrutura em âmbito citadino e em lugares mais recônditos do país.

Além disso, ao desempenhar seu mister, esse profissional  não raro tem como pano de fundo um cenário de relações conflituosas entre as partes envolvidas no processo, que as levam a potenciais reações agressivas, inesperadas, inusitadas, diante das determinações judiciais,  acarretando alterações comportamentais nos executantes de mandados, levando-os a níveis de estresse laboral elevados.

Com missão tão precípua - a de dar cumprimento às ordens emanadas pelos magistrados para efetivação da Justiça no seio social – é desafio diário atrelar a função de cumprir tais determinações judiciais em sua inteireza, com segurança jurídica, considerando os ditames legalmente previstos no ordenamento jurídico, sem descurar da relação interpessoal estabelecida entre ele e os jurisdicionados.

De fato, é fundamental o dever de cuidado do Oficial de Justiça com as partes processuais, por adentrar em seus lares, inteirar-se de uma situação-problema, em momento de conflito, e ainda apresentar-lhes a determinação judicial, auxiliando-lhes no que legalmente for possível sem interferir nos rumos de suas decisões e garantindo a segurança jurídica dos atos processuais.

Entretanto, essa segurança jurídica deve ir além dos termos e conteúdos processuais. É necessidade imperiosa o dever de cuidado do Oficial de Justiça com sua própria segurança não só física, mas emocional.

Por ser um ambiente de trabalho tão peculiar, são ainda em números tímidos as literaturas nacionais que dão enfoque a essa amplitude conceitual com que a expressão segurança jurídica deve ser entendida no que tange ao oficialato judicial.

Amplitude essa que se firma nos direitos fundamentais à vida, à saúde, ao bem-estar no ambiente de trabalho, dentre outros, oriundos do valor axiológico que fundamenta e norteia o nosso Estado Democrático de Direito, o da Dignidade da Pessoa Humana.

Por isso, faz-se necessário proporcionar ao Oficial de Justiça à valorização profissional que lhe é devida, partindo de uma mudança comportamental em sua inteireza, com análise e sistematização de sua própria identidade, numa relação intrapessoal, bem como na sua relação interpessoal com os jurisdicionados e também com os colegas de trabalho, já que sua atividade costuma ser solitária. Quanto ao aspecto da solidão, vale destacar que é importante não ‘naturalizar’ esse aspecto, isto é, considerá-lo um pressuposto inerente ao tipo de atividade e sobre o qual não é possível realizar uma intervenção e uma prevenção das agressões à saúde psíquica daí decorrentes.[4]

 A formação integral desse profissional deve contemplar não só sua habilidade em lidar com as atribuições previstas em lei, mas sobremaneira como pô-las em prática diante de ambientes hostis onde se encontram, na maioria das vezes, os jurisdicionados envolvidos por suas frustrações, doenças, seus temores e incertezas.

Portanto, apresentam-se como prementes ações de fomento, por parte do Poder Judiciário, à valorização desse profissional, iniciando por fazer um estudo mais amplo e sistemático do ambiente de trabalho externo, não só em seu aspecto quantitativo como número de mandados por categoria de ordem mandamental – citação, intimação, penhora e avaliação -, mas também qualitativo, como complexidade do mandado, distância percorrida, falta de infraestrutura como carro apropriado para zonas rurais, inexistência na maioria das seções e subseções de coletes à prova de balas para diligências com risco latente como a reintegração de posse e a busca e apreensão.

Associando tais ações às que criam espaços para debates entre os oficiais de justiça, órgãos jurisdicionais e administrativos do referido Poder, bem como com profissionais especializados, a fim de promover cursos de capacitação em técnicas de abordagem e gerenciamento de conflitos; de segurança física e emocional; de aspectos linguísticos na seara jurídica, dentre outros, podendo acender no seio social a credibilidade na organização do Poder Judiciário e da própria efetivação da Justiça, afinal quem está vis-à-vis com o cidadão é o Oficial de Justiça.

OFICIAL DE JUSTIÇA: CONHECENDO SUAS ORIGENS – RESGATANDO SUA IDENTIDADE.

Longe de ser um consenso sobre a origem do Oficial de Justiça, o que os fatos históricos revelam, segundo alguns historiadores, desde a mais longeva época e em diferentes sociedades, é que já havia a necessidade de se ter uma pessoa designada para fazer chegar ao povo as determinações judiciais.

É possível, no próprio texto bíblico, já se ter notícia da figura do Oficial de Justiça e sua importância no seio da sociedade hebraica, o que leva a história a considerar o inicio desta função.

No livro de Mateus, capítulo 05, versículos 25-26, em que se relatam as seguintes palavras atribuídas a Jesus Cristo: Entra em acordo sem demora com o teu adversário, enquanto estás com ele a caminho, para que o adversário não te entregue ao juiz, o juiz ao oficial de justiça, e sejas recolhido à prisão. Em verdade te digo que não sairás dali enquanto não pagares o último centavo.

As leis no Estado hebraico eram muito severas e por isso o conselho tem conteúdo tão incisivo e faz menção expressas à autoridade do juiz e à do oficial de justiça já à época.

E dele também é possível extrair que era mais proveitoso ao homem realizar acordos com os seus credores para evitar os conflitos e desgastes oriundos de um processo judicial. É importante ao devedor manter seu caso fora do tribunal, pois, quanto mais tempo o caso se arrastar, mais se acumulam os honorários dos advogados, as taxas judiciárias e as despesas de vários tipos, acrescidos à dívida inicial. Assim como acontece com as diversas dificuldades que se apresentam em nossa vida cotidiana. [5]

Na Antiguidade Romana, no final do século republicano, existiam os chamados apparitores, funcionários pagos pelo erário para desempenharem várias funções para auxiliar os magistrados.

Em razão das especificidades do ofício desempenhado, os apparitores eram divididos em quatro categorias principais, dentre as quais havia a dos lictores (executores de ordens judiciais de citação, intimação, prisão) e a dos viatores (os mensageiros de informações oficiais), cujas funções mais se assemelham às dos oficiais de justiça, como se depreende do excerto abaixo:

            In auge fin dall’ultimo secolo della repubblica, il complesso sistema gerarchico in base al quale erano classificati gli apparitores vedeva al vértice quattro categorie principail: gli scribi (scribae librarii), funzionari di segreteria addetti all’erario e responsabili dei registri pubblici; i messaggeri (viatores), i littori (lictores), guardie dei magistrati ed esecutori dei loro ordini di citazione o punizione, e gli araldi (praecones).[6]

Cumpre destacar que os lictores andavam à frente do magistrado, guardando-o e levando consigo uma espécie de machadinha com feixe de vara para cumprir sobretudo as execuções penais, em caso de resistência do condenado, conduzindo-o à força.

No Brasil colônia em particular, com a estrutura das Capitanias Hereditárias, quem conduzia o cumprimento das ordens do rei - o major - eram os meirinhos, palavra já utilizada na Idade Média e originária do latim majorinus.

Nesse breve passeio histórico, pode-se depreender o quanto a função do oficial de justiça era, e ainda é, relevante para materialização das ordens exaradas nos atos processuais, atuando como os braços do juiz (longa manus) na condução da lei (pernas legis), para, no plano social, efetivação da Justiça.

No plano no individual, refletir sobre as suas origens faz trazer à tona o reconhecimento de sua identidade profissional.

ATRIBUIÇÕES LEGAIS E IMAGEM DO OFICIAL DE JUSTIÇA.

O ordenamento jurídico brasileiro prevê as atribuições do oficial de justiça em legislações diversas, porém é no Código de Processo Civil (CPC), precisamente no artigo 143, que se tem elencado o que faz e o que é possível realizar.

De atos processuais iniciais (citação, notificação) a atos para impulsionar o andamento do processo (intimação, penhora, avaliações judiciais, arresto, constatar, dentre outras diligencias ligadas a seu ofício) ou sua finalização com procedimentos executórios (reintegração de posse, despejo) são atribuições a serem cumpridas externamente.

No âmbito interno de seu espaço laboral, deve certificar todo o ocorrido, esclarecendo qualquer circunstância de embaraço ao cumprimento da ordem e a que causar lesão ou ameaça de lesão à sua integridade, requerendo providências, como reforço policial, para cumprimento integral da ordem mandamental.

Vale destacar que é possível extrair do artigo 842 do CPC a preocupação do legislador em salvaguardar o cumprimento da determinação do magistrado garantindo a segurança não só jurídica, mas também física do executante de mandado ao estabelecer que o ato de busca e apreensão seja cumprido por dois Oficiais de Justiça.

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Entretanto, não existe, ao menos legalizado, um protocolo de segurança para regulamentar ou direcionar o modus operandi de diligências mais complexas, como a reintegração de posse e a busca e apreensão de bens e pessoas, ou mesmo as consideradas mais simples, porém com cenário de risco latente, como áreas dominadas pelo tráfico de entorpecentes ou própria natureza periculosa do réu.

Houve a preocupação salutar de oficiais e de algumas mídias em expor casos de ameaça e de agressão no desempenho dessa função, alertando a categoria a buscar mais segurança na execução de mandados.

Por outro prisma, não se pode negar que apenas a apresentação de tais relatos, sem uma crítica construtiva com proposta de melhorias no desempenho da função, reforça o imaginário social, através da figura do oficial de justiça, de um Poder Judiciário sem organização, sem credibilidade e de um profissional sem valorização pela própria Justiça.

A diferença crucial entre a atividade dos executantes de mandados e dos demais servidores judiciários é que estes lidam, via de regra, com os conflitos através dos processos quer de forma física quer eletrônica, com a implantação do Processo Judicial Eletrônico, mais conhecido como PJE, enquanto que os oficiais de justiça atuam junto aos indivíduos envolvidos na lide e veem de perto suas insatisfações, seus temores, suas raivas e sua descrença na própria Justiça. O que se exige uma mudança mais significativa por parte do Oficialato e da própria Justiça como Instituição de Poder.

Por isso que, recentemente, partiram do Presidente da ASSOJAPE[7], algumas propostas, a exemplo da proposta intitulada Protocolo CER (Certificar e Requerer), na qual se busca do oficial de justiça atitudes que visam a assegurar sua segurança física e emocional, ainda que com sobrecarga de trabalhado em razão do aumento das demandas judiciais nos últimos tempos, com as dificuldades em encontrar os jurisdicionados nas atribulações do dia a dia, e as exigências cartorárias como cumprimento de prazos.

Proposta esta que vai para além dos relatos de casos de violência contra a pessoa do longa manus, para sugerir uma mudança de paradigma comportamental ao pensar em estratégias que cumpram os ditames legais e tentem conferir, na medida do possível, segurança ao profissional em sua inteireza, num trabalho em dupla de oficiais, envolvendo setores da estrutura interna organizacional, como direção imediata da vara e o setor de segurança, bem como os da estrutura externa, a exemplo de interação com depositário indicado pelo exequente, com psicólogos, assistentes sociais, policias federal e militar.

Tem-se como demonstração do trabalho desenvolvido um modelo estratégico que serve como sugestão de procedimento em diligências de busca e apreensão de bens, como se tem a seguir:

Protocolo Operacional

  1. Requerer duas  ½ diária (2 OJs)- Resol.04/2008 art.11 com CPC. Art.842;        
  2. Aguardar confirmação de diária e, em paralelo, certificar e devolver o mandado com pedido de reforço policial (se for o caso); bem como aguardar retorno ou requer, por certidão, nomeação de Ad hoc, cabendo este último em caso de urgência e quando houver apenas 01 oficial em serviço;
  3. Iniciar procedimento quando do retorno do mandado:
  4. Comunicar via e-mail institucional ao autor, à direção da vara e ao setor de segurança do Judiciário ao qual estão vinculados os oficiais, cabendo solicitar do autor a indicação do depositário como nome e telefone para contato, informando a todos, com antecedência, dia/hora/local de saída para cumprimento do MBA;
  5. Cumprir a ordem judicial com Auto de MBA preparado, juntamente com o depositário indicado pelo autor, com a polícia ou com solicitação deste reforço, se for o caso;  
  6. Certificar, em conjunto e de forma circunstanciada, fundamentando o ato no art.842 CPC c/c art.5º, XI, CF.
  7. Assinar certidão em conjunto.

Houve ainda a proposta de mapeamento da própria Jurisdição que também ganhou redefinição, indo para além de um zoneamento, abrangendo as cidades que integram a Jurisdição do estudo[8], apresentando a distância entre tais cidades e o local onde está a Sede do Juízo, bem como uma estimativa de tempo gasto com diligências, sem considerar, em um primeiro momento, mandados de evidente complexidade, como o de reintegração de posse.

Assim, além de contribuir para o andamento processual mais seguro, célere, são propostas que valorizam na sociedade a imagem da Instituição Judiciária, aumenta a autoestima do oficial de justiça por lhe proporcionar sistematização e segurança mais ampla de suas atribuições e, por consequência, resgatando a confiança dos cidadãos na Justiça.

É com mudança de paradigma comportamental, projetada em ações de valorização do homem em sua complexidade e inteireza que se materializa a dignidade da pessoa humana, fundamento basilar do Estado Democrático de Direito, como o brasileiro, sendo, portanto, seu o dever precípuo de salvaguardá-lo.

PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA, DIREITOS FUNDAMENTAIS E ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NA SEGURANÇA DO CUMPRIMENTO DAS ORDENS MANDAMENTAIS.

A República Federativa do Brasil consagrou como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, CR/88), transformando-o em um valor basilar do Estado, sem o qual fragilizaria sua estrutura ao macular sua essência.

O Pós-Guerra foi marcado pelo resgate da valorização do homem, tendo como marco histórico a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) pela Organização das Nações Unidas, ao declarar direitos inerentes aos homens, independente de raça, cor, sexo.

Ganhou maior relevância, inclusive com sua positivação normativa em diversos sistemas jurídicos pelo mundo ocidental, não sendo diferente no Brasil, justamente devido às atrocidades cometidas pelos próprios Estados contra os indivíduos na II Guerra Mundial.

Destaca BRANCO que os direitos fundamentais participam da essência do Estado Democrático, operando como limite do poder e como diretriz para a sua ação. As constituições democráticas assumem um sistema de valores que os direitos fundamentais revelam e positivam. Esse fenômeno faz com que os direitos fundamentais influam sobre todo o ordenamento jurídico, servindo de norte para ação de todos os poderes constituídos[9].

O compromisso com o indivíduo passou a ser ponto central, não devendo mais um Estado entender o homem como meio, antes como fim para sua existência. Daí ser reconhecida a dignidade da pessoa humana como um valor axiológico, norteador do sistema jurídico - em especial no que toca aos direitos fundamentais por serem eles que materializam esse valor - na sua formação, sistematização e aplicação.

BRANDÃO, ao discorrer sobre a filosofia humanista da modernidade, faz menção ao objetivo de converter o homem em centro do mundo e centralizar o homem no mundo[10]. E os direitos humanos, com efeito, revelariam em cada pessoa sua condição humana, ampliando-se, assim, para todos em comunidade.

Através de ações em prol do direito à vida, à segurança, à saúde, a um ambiente de trabalho saudável, por exemplo, dignifica-se o indivíduo em sua complexidade, cabendo ao Estado o compromisso de proteção e fomento desse valor. Como destaca NOVELINO, ao dizer que o reconhecimento da dignidade como fundamento impõe aos poderes públicos o dever de respeito, proteção e promoção dos meios necessários a uma vida digna[11].

Cumpre apontar que há uma gama, em nível universal, de declarações, tratados e constituições que garantiram os direitos humanos, considerando-os como fundamentais, bem como estudos teóricos que os explicitam, tentando sistematizá-los em seus aspectos sociais, políticos, jurídicos, filosóficos.

Entretanto, a contemporaneidade ainda se depara com milhares de casos, em sociedades diversas e até mesmo com repercussões globais, de violações a direitos humanos.

No âmbito interno, como já visto, a Constituição da República de 1988 consagrou tais direitos, conferindo ao Poder Judiciário protegê-los, efetivando punição quando violados e até mesmo quando houver ameaça de lesão. Mas, paradoxalmente, também se veem inúmeros casos sobrepondo tais direitos a outros, não raros de natureza econômico-financeira, face à busca de interesses relativos ao sistema capitalista.

O Poder Judiciário brasileiro, embora venha desenvolvendo ações administrativas e judiciais para conter essas violações, ainda são expressivos os casos no país, inclusive dentro do próprio Judiciário, por inúmeros fatores, dentre eles, o aumento significativo das demandas judiciais, a exigência constitucional da efetivação da celeridade processual, a falta de juízes e servidores no quadro funcional, além da falta de implantação de uma estrutura organizacional e de recursos materiais, sobretudo com a interiorização da justiça em nível federal, problema este já antigo na esfera estadual.

Particularmente aos investimentos do Poder Judiciário face ao desempenho das atribuições do longa manus, ainda não se vê uma atuação forte, incisiva, a ponto de desenvolver uma política de valorização do oficial de justiça, não como forma de privilégios, mas como forma de reconhecimento de uma função com características bem peculiares às dos demais servidores, a começar pelo ambiente de trabalho que vai para além da estrutura física da Sede da Justiça, para alcançar residências, ruas, cidades, áreas rurais e demais espaços onde quer que a Justiça necessite estar. 

E por isso existem necessidades que nem mesmo os colegas de trabalho dentro de uma Vara têm a devida noção. Daí se valorizar também uma postura interpessoal no ambiente interno com espaços para debates e reflexões sobre o desempenho das atribuições internas e externas, sobre recursos e sua viabilidade para se promover um ambiente laboral salutar, buscando o bem-estar dos profissionais de forma mais ampla, planejando as estruturas das Seções e subseções, estas em particular em razão da interiorização da Justiça, com espaços equipados para as atribuições internas necessárias para o antes ou o pós-diligências externas.

Deve a Instituição Judiciária pensar na celeridade processual sem descurar da segurança do oficial de justiça, implementando ações como aumento do número desses profissionais, por exemplo, para salvaguardar a determinação legal contida no art. 842 CPC em buscas e apreensões; prever em norma regulamentar e em disposição orçamentária compra de coletes balísticos para casos de reintegrações de posse e em áreas de risco; regulamentar a criação de centrais de mandados para melhor sistematizar o cumprimento dos mandados de forma quantitativa e qualitativa, numa gestão voltada para o diálogo, sem se perder, portanto, o contato entre magistrados e meirinhos; promover estudos com especialistas em tecnologia e uma equipe de oficiais de justiça para compatibilizar a comunicação de atos processuais como de intimação e citação através de equipamentos munidos de softwares e tecnologias com capacidade de armazenamento de dados e conexão com o Sistema PJe, alimentando-o com segurança tecnológica e jurídica.

Sob pena de corroborar com a violação de direitos fundamentais a partir da omissão, é imperiosa a tomada de medidas por parte do Poder Judiciário que promovam, além da processual, a segurança física e emocional do oficial de justiça desde o seu ingresso nos quadros da Instituição Pública, com curso de qualificação, passando por treinamentos específicos contra as variadas espécies de violência a que estão expostos ao longo da carreira profissional.

Como já mencionado, no exercício de suas atribuições, estão expostos a ameaças, lesões gravíssimas com morte[12], danos ao patrimônio em virtude de exposição a roubos e depredação de seus veículos, e, o pior, danos em princípio invisíveis aos olhos, como o adoecimento emocional com angústia, fadiga mental, irritação e medo recorrentes, e outros sintomas psíquicos sutis como o hábito de retornar várias vezes para verificar se a porta do carro está devidamente fechada, não pelo veículo em si, mas para salvaguardar os mandados e não serem extraviados.

Assim, o Poder Judiciário, através de sua administração, estaria cumprindo seu papel de Instituição garantidora da proteção desses direitos fundamentais, reduzindo o número de afastamento de oficiais de justiça, promovendo condições satisfatórias para o desempenho da função quer interna quer externamente, de forma segura em sua inteireza física, jurídica e equilíbrio emocional, contribuindo, de consequência, com resgate da valorização da Justiça pela sociedade.

CONCLUSÃO

É nesse cenário de violações em seus direitos fundamentais à vida, à integridade física, à saúde emocional, a um ambiente de trabalho salutar no qual o oficial de justiça está envolvido no seu cotidiano. O que vem lhe causando danos irreparáveis a seu patrimônio e a seu corpo visível e invisível.

Por não haver uma política de valorização desse profissional com atribuições tão peculiares e tão precípuas à missão do Poder Judiciário na concretização do ideário social de Justiça, há um reclame em nível nacional e tentativas diversas por parte do oficialato enquanto indivíduo, valendo-se de suas experiências e desenvolvimento para lidar com os jurisdicionados e seus conflitos, bem como enquanto categoria com apresentação de propostas de reivindicação de melhorias, que vão para além da questão salarial, à Administração Pública.

Repensar a segurança em sua amplitude conceitual no caso da execução das ordens judiciais, é fomentar ações concretas que assegurassem a legalidade dos atos processuais pelo meirinho, bem como sua habilidade em gerenciar conflitos, em lidar com reações inesperadas, munindo-o de instrumentos e proporcionando-o técnicas indispensáveis à garantia da segurança jurídica, física e emocional.

Parece um caminho seguro e eficaz a ser percorrido, em conjunto, pela categoria e pela Instituição Judiciária. O que deve ser feito através de uma relação dialógica, pensando na disponibilidade de recursos para implantação dessas ações de melhorias e de um espaço para de discussão a fim de realizar a avaliação permanente dessas práticas implementadas. No dizer de SANDEL, Justiça não é apenas a forma certa de distribuir as coisas. Ela também diz respeito à forma certa de avaliar as coisas[13].

Acredita-se que com essa concepção mais ampla de segurança para o desenvolvimento satisfatório da função do longa manus, muda-se o paradigma comportamental dos integrantes do Judiciário e por certo a concepção da própria Instituição, atende-se às novas exigências tecnológicas, aos reclames sociais, com presteza e celeridade sem que haja custo humano, ao contrário, garantindo sua dignidade como indivíduo e profissional relevante para concretização da Justiça.

REFERÊNCIAS

BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Teoria Geral dos Direitos, cap.03, p.189.  In: MENDES, Gilmar Ferreira e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011.

BRANDÃO, CLAUDIO Coord. Direitos humanos e fundamentais em perspectiva. São Paulo: Atlas, 2014.

FOX, Emmet. Dia a dia: um pensamento inspirador para cada dia do ano. Trad. Eliana Sabino, 5ª ed. – Rio de Janeiro: Nova Era, 2008, p.127.

MERLO, Álvaro Roberto Crespo; DORNELLES, Rogério Alexandre Nedir; BOTTEGA, Carla Garcia e TRENTINI, Laís. O trabalho e a saúde dos oficiais de justiça federal de Porto Alegre. In: Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, 2012, vol.15, n.1, p.108. Disponível: www.pepsic.bvsalud.org/pdf/cpst/v15n1/v15n1a08.pdf. Acesso: em 06 de nov. de 2014.

MINISTERO PER I BENI E LE ATTIVITÀ CULTURALI. Soprientendenza Speciale per i Beni Archeologici di Roma. Parole di Pietra, La vita dell’antiga Roma raccontata dalle epigrafi della via Appia. Disponível: www.archeoroma.beniculturali.it/ParoleDiPietra/vita_04apparitores.htm. Acesso: em 07 de nov. de 2014.

NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 3ªed. rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2009, p.348.

PEREIRA, Patrícia V. Alkimin & ASSUNÇÃO, Ada A. Trabalho e emoção: o caso dos oficiais de justiça. Pesquisas e Práticas Psicossociais, 2(1), São João del-Rei, Mar./Ag., 2007. Disponível: www.ufsj.edu.bs/portal-repositorio/File/revistalapip/11artigo.pdf. p. 96-105.

SANDEL, Michael J. Justiça - O que é fazer a coisa certa. Trad. Heloisa Matias e Maria Alice Máximo. 13ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014, p.323.


[2] O Setor de Treinamento da Justiça Federal de Pernambuco, com apoio da Associação dos Oficiais de Justiça Federais em Pernambuco, sob a presidência do Oficial de Justiça Avaliador Federal Isaac de Sousa Oliveira, proporcionou, dentre outros, o Curso sobre Saúde no Trabalho do Oficial de Justiça ministrado pela Psicóloga e Doutoranda Rita de Cássia, em setembro de 2014, que se tornou espaço amplo de discussão sobre o tema.  

[3] Cf. Associação dos Oficiais de Justiça Avaliadores Federais de Goiás – ASSOJAFGO. Crimes cometidos contra oficiais de justiça no cumprimento de ordens judiciais. Goiânia, 2013. 

[4] MERLO, Álvaro Roberto Crespo; DORNELLES, Rogério Alexandre Nedir; BOTTEGA, Carla Garcia e TRENTINI, Laís. O TRABALHO E A SAÚDE DOS OFICIAIS DE JUSTIÇA FEDERAL DE PORTO ALEGRE. In: Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, 2012, vol.15, n.1, p.108. Disponível: www. pepsic.bvsalud.org/pdf/cpst/v15n1/v15n1a08.pdf. Acesso: em 06 de nov. de 2014.

[5] FOX, Emmet. Dia a dia: um pensamento inspirador para cada dia do ano. Trad. Eliana Sabino, 5ª ed. – Rio de Janeiro: Nova Era, 2008, p.127.

[6] MINISTERO PER I BENI E LE ATTIVITÀ CULTURALI. Soprientendenza Speciale per i Beni Archeologici di Roma. Parole di Pietra, La vita dell’antiga Roma raccontata dalle epigrafi della via Appia. Disponível: www.archeoroma.beniculturali.it/ParoleDiPietra/vita_04apparitores.htm. Acesso: em 07 de nov. de 2014.

[7] Isaac de Sousa Oliveira. Oficial de Justiça Avaliador Federal do TRF5ª Região e Presidente da Associação dos Oficiais de Justiça Avaliadores Federais em Pernambuco – Gestão: 2012-2014.

[8] Isaac de Sousa Oliveira, Oficial de Justiça Avaliador Federal e autor do estudo, tomou como objeto de análise a Subseção de Goiana em Pernambuco, onde ainda está em atuação, e o trabalho está em andamento.

[9] BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Teoria Geral dos Direitos, cap.03, p.189.  In: MENDES, Gilmar Ferreira e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011.

[10] BRANDÃO, Claudio. Introdução ao estudo dos direitos humanos, título I, p.8. In: Direitos humanos e fundamentais em perspectiva. Coord. Claudio Brandão. São Paulo: Atlas, 2014.

[11] NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 3ªed. rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2009, p.348.

[12] Recentemente foi noticiada a morte do oficial de Justiça, de 25 anos, Francisco Pereira Ladislau Neto, na Barra do Piraí, Sul do Rio de Janeiro  no exercício da profissão. Disponível:  http://g1.globo.com/rj/sul-do-rio-costa-verde/noticia/2014/11/oficial-de-justica-e-assassinado-na-br-393-em-barra-do-pirai-rj.html. Acesso em 11 nov. 2014.

[13] SANDEL, Michael J. Justiça - O que é fazer a coisa certa. Trad. Heloisa Matias e Maria Alice Máximo. 13ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014, p.323. 

Sobre a autora
Iracema Buonafina Alves de Lima

Oficiala de Justiça Avaliadora Federal lotada em Goiana-PE. Com formação em Letras – Português/Francês – pela Universidade Federal de Pernambuco, em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco e com Especialização em Direito Público pela Rede LFG.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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