Se a luta contra o crime seria a finalidade precípua do Direito Penal, algumas perguntas ficariam no ar.
Se é luta, ela é dirigida a alguém, e contra alguém, e quem seria este inimigo? O famoso inimigo do Estado?
Quais as armas que o Estado utilizaria para combater este feroz inimigo?
É impressionante que, neste País, é preciso acontecer algo que realmente cause uma comoção nacional ou com alguém importante, para que nossos legisladores pensem em fazer revoluções jurídicas, mudar as leis, tudo de afogadilho, sem ouvir a sociedade e principalmente utilizando o processo totalmente utilitário e colocando o eficientismo antigarantista acima de tudo.
Nesse diapasão, pensamos primeiro naquele fato que é definido como crime, depois naquele que comete o fato criminoso, o delinqüente e por último, na pena na punição que merece aquele que cometeu tal fato.
Quando falamos em Direito Penal, deveríamos torcer para que ele não existisse, pois a existência desse direito repressor é sinal inequívoco de que a sociedade não anda bem, que as pessoas não se comportam como deveriam, que tem comportamentos que exigem que o Estado tenha uma tutela sobre o objeto jurídico, a vida, o patrimônio, a honra etc.
Alguns seriam adeptos a que o Direito Penal não existisse realmente, como diriam os abolicionistas.
Apontam a chamada cifra negra, a qual diz que apenas 4% dos crimes ocorridos chegam ao conhecimento do Estado e já que é assim ter o Direito Penal para punir apenas esses 4% é melhor não tê-lo, ou seja que a própria sociedade teria outros mecanismos para resolver quais questões tratados como fatos criminosos.
Mas esperem, como assim, os crimes não ocorreriam mais? Acabariam os crimes e os comportamentos tipificados e normatizados como delitos?
Isso nunca ocorrera! E a resposta é fácil: o crime é um fenômeno social. Quem nunca foi vítima de algum crime? Ou pior, quem ousaria dizer que nunca cometeu um crime?
Quem nunca falou mal de seu vizinho (crime de calúnia ou contra a honra), quem nunca avançou um sinal de transito ou dirigiu embriagado (crimes de transito), quem nunca chutou um portão (crime de dano), quem nunca ameaçou algum em um momento de cólera (crime de ameaça), quem nunca se apropriou algo encontrado na rua e as vezes perdido por alguém (apropriação indébita de coisa alheia achada) e assim por diante.
Ou seja, o crime nunca vai acabar... e sendo assim sempre teremos que possuir um mecanismo de frenagem, que possa parar o criminoso ou que possa puni-lo caso venha a cometer algo.
Já que o crime nunca acabará (e isso seria uma utopia), partiremos para tentar encontrar outro mecanismo que não fosse o mecanismo conhecido por nos, por parte do Estado para tomar conta desses assuntos... a polícia, o ministério publico e o judiciário, e suas armas, o inquérito policial, o processo, a sentença, a pena privativa de liberdade ou outra pena qualquer restritiva de direitos.
Que tal trocarmos a figura do Delegado por outra... a do político, que tal um secretario de segurança municipal ou um outro secretario, para resolver amigavelmente esses assuntos... e se forem assuntos que não podem ser resolvidos amigavelmente . um seqüestro, um latrocínio, ou um homicídio qualificado... ah não... não vejo como boa idéia, ah... podemos tentar os vereadores ou o chefe do executivo... não também não daria certo. Com certeza haveria insegurança, desconfiança, como existe hoje na justiça criminal do país para fazer a persecutio criminis.
Se o assunto é credibilidade vamos tentar na Igreja, ao invés de ir a uma Delegacia poderíamos ir a uma Igreja, onde algum sacerdote poderia em um confessionário resolver o conflito de interesses qualificados por uma pretensão resistida... que me perdoe o Prof. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, onde magistralmente explica que nem sempre existira uma lide no processo penal...
Se pegarmos como parâmetro o que ocorreu durante a santa inquisição, acho que também não seria uma boa idéia, onde o acusado não era informado quando as acusações quem lhe eram feitas e que por serem feiticeiro, herege ou algo do gênero, eram mandados para a fogueira santa, e sem defesa... . bem parecido com o que acontece com os excluídos neste país e em outros países periféricos na visão de Dussel, Zaffaroni, e quando perguntados quanto a defesa, ouvia-se dos inquisidores “ Se é culpado não as merece, se é inocente não precisa”...
Os julgamentos eram divinos ou seja, o cidadão, ou melhor desculpe o acusado, criminoso, era colocado vivo na fogueira e caso sobrevivesse, isso seria o indicativo que era inocente. Mas as penas não eram tão cruéis assim tinham algumas pequenas modificações... como a forma de punir onde o autor era colocado dentro de um saco, com um macaco, um cão, cobras, sendo lacrado o saco e jogado ao mar e caso sobrevivesse também seria considerado inocente... não me pergunte o porque do cão e do macaco... pois não sei... já as cobras...
Ou seja: concluímos que o Direito Penal sempre existira... mas qual deles o abolicionistas esta descartado... que tal o maximalista... punição ao Maximo... o Estado não vem o cidadão como cidadão... direito repressor... deve ser punido de qualquer maneira... esse também não nos interessa... e qual seria a melhor social... seria a do Direito Penal subsidiário ou minimalista., intervenção mínima.
Hoje vivemos o Direito Penal da terceira velocidade, compreendendo que a primeira velocidade foi aquela do Estado repressor, com penas privativas de liberdade (reclusão e detenção) mas com garantias do devido processo legal respeitadas; partiu-se para o Direito de segunda velocidade o qual deu ênfase a penas não privativas de liberdade, mas que em compensação também não respeitou as garantias (juizado especial criminal) e por fim a de terceira velocidade que representa o inimigo do Estado, repressão severa com penas privativas de liberdade aumento de penas e diminuição de garantias constitucionais... bem já que para muitos a Constituição é simplesmente um pedaço de papel.
Hoje vivemos o Direito Penal do inimigo, tolerância zero, direito Maximo, Lei e Ordem, teoria das janelas quebradas etc.
Como adotar uma teoria alienígena, em um País que falta tudo, primeiro que nossa diferença cultural é imensa, segundo que a realidade brasileira é muito diferente da realidade americana, dos metrôs de Nova York.
Como adotar uma tolerância zero, em um mais que as praticas sociais e as políticas públicas também chegam a níveis quase que zeros... é preciso ter um país mil para se adotar um tolerância zero.
O Direito é isso, nasce das ruas, é achado nas ruas... e o direito penal não foge dessa regra...
Imaginemos a seguinte situação: uma pessoa de bem que tenha como residência um bairro tido como violento, verifica que sua esposa, grávida de nove meses, precisa de atendimento médico urgente, pois irá dar a luz a seu filho. Porém, na favela ou no bairro afastado onde mora, não há posto de saúde, quando há não há médicos ou remédios e equipamentos, quando isso não acontecer Para finalizar também não há ambulâncias para transportar para o Hospital mais próximo, e em uma situação de quase estado de necessidade, acabar por pedir ajuda ao traficante, “ dono da boca” mais próxima, este não nega ajuda ao morador e com isso ou leva sua esposa para o hospital ou paga o táxi, quando não paga o tratamento... isso acabara se voltando a seu favor... pois o morador passara a ter uma divida com ele... sendo que saúde é obrigação do Estado, ou não é mais?
Assim a próxima vez que a polícia subir o morro atrás de droga, o traficante terá aquele morador como cúmplice, se é que o droga e as armas estará guarda na casa daquele morador e não do traficante de verdade...
Nas favelas ou melhor na maioria delas o código penal não vale ou não existe, o que existe são as regras traçadas pelos criminosos e isso é tão forte que ate questões cíveis são resolvidas pelos traficantes... ou seja, se um marido ou ex-marido não quer deixar a casa, ou um inquilino não paga o aluguel ao invés do proprietário ir ate o Estado fazer sua reclamação formal e buscar ajuda no judiciário ele pede ajuda ao traficante, pois sabe que o morador/devedor teme muito mais as regras criadas pelo traficante do que a legislação positivada do estado formal.
Ou seja, a credibilidade da justiça criminal esta deveras abalada.
Verifica-se de plano o aumento da violência na sociedade brasileira e a ineficácia das políticas de segurança pública, bem como o envelhecimento das leis positivadas, e como isso devemos vislumbrar que o direito vivo, esse direito das ruas, acaba sendo um instrumento que influencia os acontecimentos penalistas na vida da sociedade brasileira, pois a sociedade acaba por se reestruturar de forma pluralista, colocando em xeque o controle social.
E com esses casos de endurecimento das leis penais, para agradar a população sem o devido estudo critico do tema realmente parece um perigo assustador, quando a população já descrente das políticas do Estado resolve que somente com leis mais severas e punições também mais severas resolveremos o problema da violência e dos crimes, estamos cometendo um grande erro.
Quando adotamos o direito penal do inimigo sem sabermos ao certo quem será este inimigo, estaremos fazendo o que já se fez no passado, com os hereges, feiticeiros, mandando-os pra a fogueira, com se fez nos anos 40, com o direito penal nazista, e o que estamos tentando fazer hoje com os pobres. Mister lembrar que a história é cíclica, e como o direito penal utiliza a teoria da rotulação, ou seja é autofágico, alimenta de si mesmo. Primeiro ele exclui, depois seleciona e por ultimo etiqueta . E tal etiquetamento/ rotulação ocorrera na grande maioria das vezes com o excluído o qual ingressara no sistema penal.
Esse é o sistema, onde o pródigo e o mendigo fazem parte, um denuncia o sistema, o outro decepciona.
Umas das grandes preocupações é o grande numero de leis existentes a cada dia para tratar do tema, ocorrendo uma verdadeira DIARRÉIA LEGISLATIVA, no falar embasado de Auri Lopes Jr.
Como podemos cobrar uma tolerancia zero, em um Estado como o nosso, onde as políticas publicas também são zero, em um Estado intervencionista ao Maximo e as condições sociais são mínimas. O estado é o detentor da violência legitima e suposto produtor da pacificação social ; e não precisa ir muito longe é só se inteirar de Henrique Dussel em Ética da Libertação, Hanna Arendt, Max Weber, Celso Lafer e tantos outros.
Quando se comenta que nos Estados Unidos a tolerância zero, o direito Maximo deu certo, não é bem assim, pois os próprios idealizados deste pensamento de é de 1982, que são os sociólogos Keling e WiKand, materializados por Bratton, anos mais tarde chegaram a ser contestados com obras intituladas “ prisões da miséria ou punir os pobres a nova gestão da miséria nos EUA”.
Realmente o indicie de criminalidade na cidade de Nova York, na naquele período decresceu não foi somente por causa da implementação desse sistema ou teoria e sim por causa de outros fatos, tais como relatórios policiais falsos com finalidades políticas, inverno rigoroso, por mais que pareça estranho isso influencia demais no Brasil mesmo em época de frio os crimes patrimoniais diminuem pois os ladrões tem medo de ficarem resfriados andando nas madrugadas frias em busca do patrimônio alheio, estabilização mercado do crack, o desemprego caiu etc.
Ou seja, não foi somente a adoção de tal comportamento de repressão que resolveu tudo sozinho, o mesmo ocorrido na COMPOSTAT1, na vizinha Colômbia, em Bogotá.
Segundo o próprio Zaffaroni2, “vivemos hoje a ausência de democracia, pois o legislador esta comprometido com a ideologia do punitismo a todo custo”.
Esta ânsia do legislador em legislador em legislar sem compromisso ético, voltado para a automação, com se a simples elaboração de leis jurídicos penais, sem a participação do restante do Estado e da sociedade seriam suficientes para a resolução dos problemas, pois não devemos nos esquecer que o crime é um fenômeno jurídico complexo.
Quando comparamos este tal de crime organizado, que para muitos não é o crime que é organizado e sim o Estado que é desorganizado, pra começar pela grafia, pois para muitos a palavra Estado no nosso caso deveria ser grafado em minúsculo (estado), principalmente se nos referirmos como cidadãos e contribuintes, pela ausência de políticas publicas e quando formos comparecer o combate feito por este estado contra a criminalidade verificaremos que se trata de uma competição desigual, pois o crime trabalha vinte e quatro horas e não tem descanso, já os funcionários públicos sabemos que não é bem assim, o crime funciona sem burocracia, já o estado é totalmente burocrático, onde as vezes os policiais não tem equipamentos pois depende-se de licitações ou coisas dos gênero, a liderança dos criminosos é sólidas, pois quando os participantes erram sofrem punições severas, e acabam pagando com a vida, já na estrutura estatal, além de que o crime funciona como uma empresa privada visa lucros, e existe uma estimulo quando a produtividade, já no estado...
Hoje vivemos a modernidade, ou pós modernidade ou para alguns a ultra modernidade, globalização, tudo é rápido, fast car, fast food, fast live etc, vivemos em uma sociedade de consumo, o homem não é reconhecido pelo que ele é e sim pelo que tem, pois vivemos em uma mutação permanente e com isso a lei é que comanda o mundo, e não qualquer lei e sim a lei de mercado.
Nós vivemos em um tempo de reformas do direito. O indivíduo deve estar protegido de toda a sorte do abuso do poder do estado. Formas tradicionais não ajustam ao justo processo.
Em termos de processo penal, o estatuto deve ser superado, deve ser eficiente, rápido, simples, célere, desburocratizado, aberto e principalmente justo.
As nossas leis penais/processuais penais foram deveras influenciadas pelos acontecimentos históricos entre guerras, nos anos 40, e com isso assimilou uma feição totalmente fascista, encabeçado por Vitencio Mazini .
O direito penal, influenciado pela mídia, pela sociedade, pela globalização (o direito penal nessa era de globalização se encontra simbólico, seletivo, inoperativo, instrumentalizado, hipertrofiado, prevencionista e flexível quanto as garantias constitucionais, penais, processuais e execucionais).
Com isso se o estado tem problemas o mecanismo punitivo é acionado, criando a ilusória sensação de segurança. Esse processo inflacionário tem diferentes gatilhos todos criados e mantidos pela cultura do medo, como já dissemos o medo é útil para muita gente, ou melhor a sensação de medo e de insegurança.
Devemos verificar que o direito penal e o processo penal atuariam como parâmetros de tutela à liberdae e os direitos políticos para as regras do jogo. Este rol de direitos e garantias são os direitos de primeira geração (Bobbio) base do garantismo jurídico (Ferrajoli).vincula-se a racionalidade do juízo, tendo como obejtivo principal a maxima tutela das liberdades contra os poderes estatais, tanto a violência publica ou privada.
Apesar de nossa constituição tem feição acusatória o nosso processo continua sem sombra de duvidas inquisitório, pois todas as provas são direcionadas ao juiz. Não existem dois sistemas como muitos preconizam, basta verificar o que diz Jacinto Nelson de Miranda Coutinho3, pois somente existe um rígido sistema de garantias . Não devemos confundir efetividade com eficiência,analise dos fins, e esta responde aos meios.
CONCLUSÃO
A Sociedade não quer esperar pelo processo. Se existe deve ser rápido e eficiente, e para ser eficiente vão se concentrar os meios . Isso gera a supressão de direitos e garantias ou pelo menos redução da sua esfera de proteção.
Devemos trabalhar com o devido processo legal, base de todos os outros princípios constitucionais (instrumento de auto limitação do poder jurisdicional, não mais baseado na autoridade do julgador, mas na sujeição deste á estrita legalidade, e por isso não se deve utilizar o processo para resolver questões de segurança publica.
Mas afinal quem é o inimigo?
Inicialmente os inimigos são os pobres, os excluídos, os menos favorecidos, os humildes e segundo somos todos nós porque fazemos parte do sistema e poderemos um dia sermos vitimas do próprio sistema, como diria Zaffaroni “ se o estado não tinha lugar para colocar os pobres, agora o tem: o cárcere.”.
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Notas
1 Nome dado a operação feita nos anos 90 na cidade de Bogotá, Colômbia, onde inicialmente transformaram o centro que era como a crakolandia em São Paulo, em um local lindo, retirando todas as pessoas dali e introduzindo políticas publicas, transformando o local em um linda praça de recreação e transferindo a população que ali residia para novos blocos de apartamentos criados pelo Estado.
2 Zaffaroni
3 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda.