Jornada de trabalho e turnos ininterruptos de revezamento

26/11/2014 às 17:34
Leia nesta página:

JORNADA DE TRABALHO E TURNOS ININTERRUPTOS DE REVEZAMENTO

~~JORNADA DE TRABALHO E TURNOS ININTERRUPTOS DE REVEZAMENTO

O conceito de jornada de trabalho adotado pelo jurista Maurício Godinho Delgado (Curso de Direito do Trabalho, pag. 824, Editora LTR, 2ª edição) é de ser o lapso temporal diário em que o empregado se coloca à disposição do empregador em virtude do respectivo contrato.
 O contrato de trabalho é o negócio jurídico expresso ou tácito ajustado entre empregado e empregador onde aquele se obriga perante este a uma prestação pessoal, não eventual, subordinada e onerosa de serviços.
A principal obrigação do empregado é uma obrigação de fazer, isto é, prestar serviço, já a do empregador é uma obrigação de dar, sendo a remuneração devida como contraprestação.
 É a jornada a medida da prestação de serviço do empregado bem como da vantagem auferida pelo empregador, ao menos de regra, já que pelo art. 4º da CLT o tempo a disposição que o empregado dispõe para o empregador é considerado de serviço efetivo, salvo expressa previsão em contrário.
 Sendo assim, jornada e salário tem estreita relação pois, como lecionava o mestre Délio Maranhão (Direito do Trabalho, pág. 83, Editora da Fundação Getúlio Vargas, 17ª Edição), o salário seria o preço atribuído à força de trabalho alienada, ao passo que a jornada despontaria como a medida dessa força que se aliena. Além do mais, qualquer alteração na jornada influencia no montante salarial.
 A jornada também é de suma importância no que tangue a saúde e segurança do empregado já que a exposição prolongada do empregado em atividades insalubres ou perigosa aumentam os riscos para contrair doenças ou sofrer acidentes. E, mesmo para as atividades comuns a fixação da jornada se faz necessária eis que evita um desgaste físico, mental e espiritual do empregado permitindo a este um período de repouso, maior contato com seus familiares, lazer, enfim, proporciona uma qualidade de vida melhor.
 Dentre as jornadas previstas no nosso ordenamento jurídico temos a jornada padrão e as jornadas especiais.
 A jornada padrão é de oito horas ao dia, com a consequente duração semanal de quarenta e quatro horas, conforme previsto no art. 7º, inciso XIII, da CRFB/88.
 A duração mensal padrão é de 220 horas, já incluído o repouso semanal remunerado (Lei 605/49)
 As jornadas especiais de trabalho são fixadas considerando a especificidade de determinada categoria profissional (por exemplo: empregados em frigoríficos, telegrafistas e telefonistas com horários variáveis, cabineiros de elevador, bancários e outros) e, embora raro no nosso ordenamento, consideram a modalidade especial de organização do trabalho como o labor em turnos ininterruptos de revezamento ou a sistemática especial de atividade laborativa pelo labor em esforço contínuo de digitação.
O entendimento para a fixação de tais jornadas após o advento da Carta Magna é que deve ser inferior a jornada padrão, já que o fenômeno da constitucionalização das normas trabalhistas visa dar maiores garantias aos empregados sendo estatuto mínimo a ser observado pelo empregador, somente excepcionado nos casos expressamente previstos pela própria Constituição.
Prevê a Carta Magna:
“Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem a melhora de sua condição social:
               ...................................................................................
XIV – jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva”
Historicamente esse dispositivo teve origem na Lei nº 5.811/72 que trata do regime de trabalho dos empregados nas atividades de exploração, perfuração, produção e refinação de petróleo, industrialização do xisto,         
indústria petroquímica e transporte de petróleo e seus derivados por meio de dutos.
Em seu art. 2º, a referida Lei prevê:
“Sempre que for imprescindível a continuidade operacional o empregado será mantido em seu posto trabalho em regime de revezamento.
§ 1º O regime de revezamento em turno de 8 (oito) horas será adotado nas atividades previstas no art. 1º, ficando a utilização do turno de 12 (doze) horas restrita às seguintes situações especiais:
 .....................................................................................”
 Ocorre que esse sistema restou generalizado para outras atividades, então, o constituinte regulamentou para 6 (seis) horas a jornada excepcionando apenas para a negociação coletiva, visando garantir a esses empregados proteção uma vez que tais atividades são muito desgastantes e prejudicam o relógio biológico dos mesmos, afetando sua saúde.
 Com esta regra constitucional, o regime de turnos ininterruptos de revezamento passou a ser genérico, pois a jornada restou reduzida.
a) Auto-aplicabilidade da norma constitucional
Com o advento da Constituição em 05/10/1988, discutiu-se se a norma do art. 7º, XIV era auto-aplicável ou se necessitaria de regulamentação.
Afirma Sérgio Pinto Martins (Direito do trabalho, pag. 462, Editora Jurídico Atlas, 13ª Edição) que “o inciso XIV do art. 7º da Constituição revogou,
por incompatibilidade, as jornadas de 8 e 12 horas previstas no § 1º do art. 2º e no art. da lei n.º 5.811/72, que passaram a ser de horas... não sendo necessária lei complementar para sua explicitação.”
 No mesmo sentido se posicionou o mestre Arnaldo Sussekind (Instituições de Direito do Trabalho – Vol. II, pág. 805, Editorial LTR, 20ª Edição): “A imediata e plena vigência do questionado inciso XIV determinou, a nosso ver, por incompatibilidade, a revogação das disposições da aludida Lei n.º 5.811 sobre o tema.”
b) Definição de turnos ininterruptos de revezamento
Assim, faz-se necessário compreender o exato significado da expressão turnos ininterruptos de revezamento.
Maurício Godinho Delgado (Ob cit. Pág. 877) define como o sistema de trabalho que coloque o empregado, alternativamente, em cada semana, quinzena ou mês, em contato com as diversas fases do dia e da noite, cobrindo 24 horas integrantes da composição dia/noite. Daí a ideia de falta de interrupção no sistema de trabalho – sob a ótica do trabalhador (turnos ininterruptos) (Grifos nossos).”
No mesmo sentido Arnaldo Sussekind (Ob. cit. Pág. 802): “... essa norma não menciona empreendimento empresarial de caráter contínuo, mas “trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento”, isto é, turnos formados por turmas de empregados previamente escalados.”
Octavio Bueno Magano (Suplemento trabalhista LTR n.º 131, pág. 645) também definiu a expressão: “quando a instituição alude a trabalho realizado em turnos, quer dizer grupo de trabalhadores que se sucedem na utilização do mesmo equipamento. Quando menciona revezamento, significa trabalhadores escalados para períodos diferentes de trabalho, ora diurno, ora noturno, ora misto. E quando se refere à interruptividade, tem em vista o trabalho executado sem intervalo para repouso e alimentação.”
Como podemos verificar a doutrina inclinou-se a uma definição sempre usando como parâmetro o trabalho do obreiro. Porém não foi neste sentido que a maioria da jurisprudência atual se afirmou.
“Recurso de Revista. Atividade da empresa em dois turnos. Não caracterização de turnos ininterruptos de revezamento. Constatado que a atividade da empresa não se desenvolve em três turnos, mais em dois, por certo que o trabalhador encontra-se em regime de revezamento, mas não em turnos ininterruptos de revezamento, seguindo a Inteligência do art. 7º. Inc. XIV, da Constituição Federal, pelo que é indevido o pagamento, como extra, da sétima e oitava horas diárias. Recurso de revista conhecido e desprovido” (Grifos nossos) (TST-RR 709.124/00.T. Rel. Juiz Conv. Renato de Lacerda Paiva. DJ 20/08/01).
 Em comentários a este acórdão Luiz Eduardo Gunther e Cristina Maria Navarro Zoming (Boletim Informativo Juruá, ano 11 – 344, pág. 23) concluíram que: “... não é o simples fato de o empregado se submeter a diferentes jornadas de trabalho, em sistemas de rodízio, que lhe assegura o direito à jornada de seis horas, mas o sistema de funcionamento da empresa em regime de ininterrupto e a sujeição dos trabalhadores a turnos de jornadas variáveis que caracterizam a prestação de serviços em tal modalidade. Se as atividades da empresa sofrem solução de continuidade, a hipótese legal não se configuraria. Os turnos são ininterruptos sem relação à atividade econômica e de revezamento quanto ao trabalho profissional.
 Em que pese o entendimento de Arnaldo Sussekind (Ob. cit. pág. 804) ao interpretar a jurisprudência que a atividade empresarial contínua é que aquela com funcionamento noturno e aos domingos, a jurisprudência vem se posicionando no sentido de que o fato da empresa paralisar suas atividades em um dia da semana não desconfigura a ininterruptibilidade da atividade econômica (TRT-SP. AC 02990309700. RO 02980341597/1998. 8ª T. Rel. Juiza Wilma Nogueira de Araujo Vaz da Silva. DOESP 13/07/99).
 Ainda importante ressaltar que o revezamento do horário dos empregados pode ser diário, quinzenal ou mensal. E os turnos existentes podem ser dois (diurno e noturno) ou três (matutino, vespertino e noturno) já que mesmo com dois turnos há comprometimento da higidez física e mental.
 Importante salientar o posicionamento do mestre Arnaldo Sussekind (Ob. cit. pág. 828) de que a expressão “revezamento semanal ou quinzenal”, referida no caput do art. 73 da CLT, diz respeito apenas aos limites mínimo e máximo dos períodos de revezamento.
Em relação aos intervalos intrajornadas e repouso semanal, cabe salientar que o entendimento inicial foi no sentido que a concessão de intervalo intrajornada e o repouso semanal desconfigurariam os turnos ininterruptos de revezamento, pois a Carta magna ao prever a jornada de 6 horas seria esta ininterrupta.
Tal entendimento não podia prosperar, já que os demais incisos do art. 7º, o constituinte garantiu outros direitos que não se excluem ao sistema de turnos ininterruptos de revezamento. Inclusive Sérgio Pinto Martins (Ob. cit. pág. 464) traça um paralelo com a própria Lei n.º 5.811/72 que prevê intervalo para a refeição, ainda que fornecida pela própria empresa, bem como intervalo de 24 horas para cada 1 ou 3 turnos trabalhados dependendo da duração do turno (12 ou 8 horas, respectivamente)
O TST já pacificou a divergência:
Enunciado 360 TST: Turnos ininterruptos de revezamento     - Intervalos intrajornada e semanal: “A interrupção do trabalho destinada a repouso e alimentação, dentro de cada turno, ou intervalo para repouso semanal, não descaracteriza o turno de revezamento com jornada de 6 horas previsto no art. 7º , inciso XIV, da Constituição da República de 1988
 Desta feita, constata-se que o trabalhador sujeito ao regime de turnos ininterruptos tem um maior desgaste físico e mental do que o trabalhador que esta submetido a uma jornada padrão sendo compensado justamente pelo período de revezamento.
BIBLIOGRAFIA

Delgado, Maurício Godinho, Curso de Direito do trabalho, Editora LTR, 2ª edição.

Maranhão, Délio e Carvalho, Luiz Inácio, Direito do Trabalho, Editora Fundação Getúlio Vargas, 17ª edição.

Martins, Sérgio Pinto, Direito do Trabalho, Editora Jurídico Atlas, 13ª Edição.

Sussekind, Arnaldo – Maranhão, Délio – Vianna, Segadas – Teixeira, Lima, Instituições de Direito do trabalho – Vol. I e II, Editora LTR, 20ª Edição.

Magano, Otavio Bueno, Suplemento Trabalhista LTR n.º 131, pág. 645.

Gunther, Luiz Eduardo e Zoming, Cristina Maria Navarro, Boletim Informativo Juruá, ano 11 – 344.

Sobre o autor
Andrea Maria Mita Nogueira

Procuradora Federal membro da Advocacia-Geral da União, lotada na Procuradoria Seccional Federal em Duque de Caxias/RJ, com atuação em Direito Previdenciário, no contencioso do INSS.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos