3. Críticas ao monismo jurídico
Com tudo o que já foi exposto no item anterior, passando pelas teorias contratualistas, pelo positivismo kelseniano e pela sociologia orgânica de Durkheim podemos ter a impressão de que o monismo jurídico é tanto teoricamente quanto empiricamente poderoso. Entretanto, nem as mais sofisticadas construções teóricas e práticas são capazes de fugir á críticas, pois como pregava o filósofo alemão George Hegel (1770-1831), toda tese possui a sua antítese e para as duas sempre há uma síntese que por sua vez nada mais é que uma nova tese.
Entre os críticos do monismo jurídico está Léon Duguit4 que em sua teoria funcional pondera que o Direito não provém unicamente do Estado posto que ele não está acima dos indivíduos, assim sendo as normas jurídicas originam-se da solidariedade social e governam não apenas o povo mas também o próprio Estado. Essa doutrina rompe com o monismo jurídico a medida que possibilita teoricamente uma outra fonte do Direito que não seja o direito positivo estatal nem natural.
A teoria funcional de Duguit é um dos entraves para a plena aceitação do monismo jurídico, porém não é o único. Há ainda a importante corrente pluralista institucional que tem como ideia principal a instituição, ou seja, a produção normativa não se origina somente do Estado, mas também na atividade criadora das instituições socialmente organizadas. Assim como a teoria de Duguit, essa teoria vem a ser mais uma das doutrinas em que a fonte do direito não encontra- se monopolizada pelo poder estatal.
Não somente por questões meramente jurídicas strictu sensu surgem censuras ao monismo jurídico. Destacam-se ainda teorias relativas ao fenômeno de institucionalização de um processo de homogeneização não somente em âmbito jurídico, mas também cultural á medida que o Direito é componente indissociável da cultura de um povo. Citemos o exemplo dos povos indígenas americanos Sioux cujas terras originais foram tomadas pelo governo que alegava direito sobre a terra. Por não reconhecerem tal direito e negarem-se a aceitar acordos propostos pelo Estado, o povo Sioux foi quase que totalmente exterminado.
Neste caso, um observador não atento poderia crer que a luta entre os agentes do governo americano e o povo indígena foi uma mera disputas por terras, porém mesmo que apenas as terras fossem o ente material da discussão, sabe- se que a disputa não é uma disputa pela coisa em si, mas uma disputa entre direitos conflitantes. Tragicamente quando não restou ao governo argumentos jurídicos, preferiu-se o argumento das armas, o argumento da barbárie.
A história de colonizações do Novo Mundo assim como o citado conflito em função das terras Sioux, corroboram ainda mais com a depreciação da existência única de um Direito válido. A colonização européia no continente americano tanto do lado espanhol quanto português caracterizou-se pela imposição violenta do direito dos colonizadores sobre os colonizados implicando em genocídio e dispersão.
Conclusão
À guisa de conclusão, torna-se claro que o pluralismo jurídico é uma tendência para um futuro não tão distante. Apesar de apenas a Bolívia e o Equador terem legalizado o direito alternativo exercido por meio de tribunais plurinacionais, o pluralismo jurídico existe paralelamente a legalidade estatal, mesmo que de maneira restrita. Ao confrontarmos o pluralismo com o monismo jurídico notaremos que o pluralismo é mais adequado a multiplicidade de nações contidas num território e que o monismo jurídico é repressor a medida que seu sistema normativo atende a interesses de uma classe dominante abastada em detrimento daquelas que não possuem boas condições sócio- econômicas.
Sabendo que a existência do pluralismo jurídico representa uma luta de classes no seio da sociedade e que nossos legisladores são majoritariamente representantes da classe dominante, a quem não interessa a legalização dos direitos alternativos, a grande questão seria como fazer acontecer o reconhecimento estatal do pluralismo jurídico em nosso país de forma que o Estado assumisse apenas o papel de reconhecimento das decisões tomadas no interior das comunidades. Em nossa visão, a solução para este impasse está na própria emergência das comunidades juridicamente alternativas, pois a existência em si do direito alternativo sempre acompanhado de certa dose de desobediência civil é fator que requere reconhecimento quando se torna intenso e inevitável.
O monismo jurídico estatal teve suas origens na formação dos Estados absolutistas europeus e posteriormente estendeu-se ao restante do mundo ocidental dominado pela cultura européia. Todavia, esta forma de organização dos direitos contemporaneamente se mostra ineficiente no que tange ao respeito às minorias. Com isso, o pluralismo jurídico que não é um sistema de direito recente, ressurge como uma das mais fortes tendências para o direito na pós- modernidade.
Referências
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Notas
1 Boaventura de Souza Santos (1940-) é um sociólogo português, doutor em Sociologia do Direito pela Universidade de Yale, professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Seus escritos se dedicam a sociologia da emergência que busca valorizar as diversas formas de experiências humanas. Também tem trabalhos nas áreas de epistemologia, sociologia do direito, globalização e direitos humanos.
2 John David Rockfeller (1839-1937). Magnata estadunidense do petróleo, fundador do conglomerado de empresas Standart Oil. Uma das pessoas mais ricas da história. O poderio econômico de seus herdeiros repercutem no cenário mundial até os dias atuais.
3 Peter Häberle (1937-) é um jurista alemão especialista em direito constitucional, doutor em Direito pela Universidade de Freiburg, professor nas Universidades de Tübingen, Marburg e Sant Gallen. Dedica-se ao estudo do direito constitucional na América- Latina formulando a ideia de sociedade aberta de intérpretes da constituição.
4 Pierre Marie Nicolas Léon Duguit (1859-1928) foi um jurista francês especialista na área de direito público. Doutor pela Universidade de Bordéus. Criticou a noção de serviço público como fundamento do Estado. Não era propriamente um pluralista jurídico, mas negava as concepções de monismo jurídico, pois o Estado para ele deveria ser apenas um agente de coordenação de atividades segundo as exigências de solidariedade. Influenciado pela sociologia de Émile Durkheim.
Abstract: This article aims to analyze two major regulatory systems present in modernity, pluralism and the legal monism. The text was separated into three items, the first will provide for legal pluralism making brief historical considerations, establishing their legal pluralism and developing it under the visions of Roberto Lyra Filho, Boaventura de Sousa Santos and Peter Häberle. In the second talk on the legal monism definindo- the conceptually and historically, citing its origin in the philosophy of contractualism and absolutist States, then justified on the theory of the right of Hans Kelsen and organic sociology Emile Durkheim that concern only be legitimacy in rules of law derived from the State. In the third item resume critical to the legal system tier using functional theory Duguit and exemplifying the barbarous extermination of indigenous peoples Sioux in the United States of America.
Key words: Legal pluralism. Legal monism. Law.