Código de trânsito e o crime de racha: Alteração da Lei nº 12.971/14

12/12/2014 às 10:13
Leia nesta página:

Inovação no crime de racha não altera quase nada na consequência penal.

Racha pode ser definido como corrida ilegal entre automóveis, que naturalmente coloca em risco a vida dos participantes e de pessoas inocentes que não guardam qualquer relação com a corrida.

Comum nos dias atuais várias prisões de jovens e adultos irresponsáveis que se utilizam de vias públicas e de automóveis algumas vezes alterados para praticarem a ilegalidade.

Na hipótese de racha, o condutor pensa da mesma forma, ou seja, tem ele o pensamento de que nada de errado vai ocorrer.

Nessa hipótese a culpa consciente talvez seja ainda mais latente, pois trata de condutores que possuem afinidade com o volante e com a velocidade de modo que confiam muito em si.

Por causa da discussão de assumir ou não o risco do resultado a Lei 12.971/14 trouxe o seguinte texto.

CTB - Art. 308. Participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística não autorizada pela autoridade competente, gerando situação de risco à incolumidade pública ou privada: Penas - detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir  veículo  automotor. § 1o  Se da prática do crime previsto no caput resultar lesão corporal de natureza grave, e as circunstâncias demonstrarem que o agente não quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo, a pena privativa de liberdade é de reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, sem prejuízo das outras penas previstas neste artigo. § 2o  Se da prática do crime previsto no caput resultar morte, e as circunstâncias demonstrarem que o agente não quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo, a pena privativa de liberdade é de reclusão de 5 (cinco) a 10 (dez) anos, sem prejuízo das outras penas previstas neste artigo.

Com esse texto, a pena sofre relevante alteração mesmo quando o agente não assume o risco do resultado, mas isso, analisando o artigo 308, pois se analisarmos o artigo 302 § 2º, a pena somente muda de detenção para reclusão. O legislador fez confusão e criou dois tipos para a mesma conduta.

Certo é que com o texto, colocou fim na questão da conduta ser ou não praticada com dolo eventual, pelo menos se estiver praticando o racha.

Se houver o dolo eventual responderá pelo Código Penal.

Não existindo a presença do dolo responderá de acordo com a nova pena do CTB.

Aí teremos um problema, pois o artigo 302 § 2º prevê pena de reclusão de 02 a 04 anos e no artigo 308 a pena varia de 05 a 10 anos.

Para Luis Flávio Gomes o legislador aplicou duas penas para a mesma conduta, e ele está com a razão.

No art. 302 (homicídio culposo em razão de “racha”) a pena é de reclusão de dois a quatro anos; no art. 308 (“racha com resultado morte decorrente de culpa”) a pena é de cinco a dez anos de reclusão! Mesmo fato, com penas diferentes (juridicamente falando, sempre se aplica a norma mais favorável ao réu, ou seja, deve incidir a pena mais branda – in dubio pro libertate). (http://atualidadesdodireito. com.br/lfg/2014/05/13/nova-lei-de -transito-barbeiragem-e-derrapagem-do -legislador/, acesso em 09.11.14).

Assim, a intenção foi boa e daria certo se não existisse a previsão do artigo 302 § 2º, mas como este foi publicado, pode-se dizer que praticamente nada mudou, pois a mudança de detenção para reclusão não é relevante.

Referências:

(http://atualidadesdodireito.com.br/lfg/2014/05/13/nova-lei-de-transito-barbeiragem-e-derrapagem-do -legislador/, acesso em 09.11.14).

ANDREUCCI, Ricardo Antônio. Legislação penal especial. 2. ed. rev., atual. E aum. São Paulo: Saraiva, 2006.

RANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui. Leis penais especiais e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Crimes de trânsito. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 1998.

MORAES, Alexandre de. Legislação penal especial. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2005.

PIRES, Ariosvaldo de Campos. Crimes de trânsito na lei n. 9.503/97. Belo Horizonte: Del Rey, 1998.

RODRIGUES, Eduardo. A embriaguez e o crime. Brasília, DF: Brasília Jurídica, 1996.

SALLES JÚNIOR, Romeu de Almeida. Homicídio culposo e a lei n. 4.611/65. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1986.

Sobre o autor
Santos Fiorini Netto

Advogado Criminalista, especialista em ciências penais e processo penal, professor de direito penal (Unifenas - Campo Belo - MG), escritor das obras "Prescrição penal simplificada", "Direito penal parte geral V. I" e "Direito penal parte geral V. II", "Manual de Provas - Processo Penal", "Homicídio culposo no trânsito", "Tráfico de drogas - Aspectos relevantes", "Noções Básicas de Criminologia" e "Tribunal do Júri, de suas origens ao veredicto". Atua na área criminal, defesa criminal em geral - Tóxicos - crimes fiscais - Tribunal do Júri (homicídio doloso), revisão criminal, homicídios no trânsito, etc.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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