Princípios Gerais do Direito

22/12/2014 às 12:12
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O conceito de princípios Gerais do Direito nem sempre foi provido de normatividade. O presente artigo aborda a evolução conceitual dos princípios, assim como sua distinção às regras jurídicas, e por fim, seu principal ponto de modificação conceitual.

1.         Introdução

Regras são normas em que, verificados determinados pressupostos, exigem, proíbem ou permitem algo em termos definitivos. Por sua vez, princípios são normas que exigem a realização de algo da melhor forma possível, de acordo com as possibilidade fáticas e jurídicas. É de onde se assinalam as verdades primeiras, estando assim, ao princípio de todo um sistema que se desenvolve. Porém, nem sempre o conceito de princípio foi provido de normatividade. Tem-se como exemplo o conceito de princípio formado pela Corte Constitucional Italiana em 1956:

Faz-se mister assinalar que se devem considerar como princípios do ordenamento jurídico aquelas orientações e aquelas diretivas de caráter geral e fundamental que se posam deduzir da conexão sistemática da coordenação e da íntima racionalidade das normas, que concorrem para formar assim, num dado momento histórico, o tecido do ordenamento jurídico.

Em um conceito dado como norma:

Princípio é, com efeito, toda norma jurídica, enquanto considerada como determinante de uma ou de muitas outras subordinadas, que a pressupõem, desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito em direções mais particulares (menos gerais), das quais determinam, e portanto resumem, potencialmente, o conteúdo: sejam, pois, estas efetivamente postas, sejam, ao contrário, apenas dedutíveis do respectivo princípio geral que as contém. (CRISAFULLI, 1952 – La Constituzione e le sue Disposizioni di Principio, p. 112)

Neste caso ele é uma norma jurídica determinante de uma ou de muitas outras subordinadas. Os princípios, uma vez constitucionalizados, se fazem a chave de todo o sistema normativo.

A constitucionalização dos princípios abrange duas fases distintas: a programática e não programática, de concreção e objetividade. Na primeira a normatividade é mínima e na segunda, máxima. A força positiva dos princípios na Constituição Federal é incontestável, sem qualquer indeterminação, que antes era comumente invocada para afastar-lhes o sentido normativo de cláusulas operacionais. De princípios gerais passaram para princípios constitucionais. Supera, portanto, a fase hermenêutica das chamadas normas programáticas.

2.         Juridicidade dos princípios

A juridicidade dos princípios passou por 3 fases: jusnaturalista, positivista e pós positivista:

a) Jusnaturalismo e fase metafísica e abstrata dos princípios

O campo  é por inteiro abstrato, ou seja, sua normatividade é nula e duvidosa. Ético-valorativa. “Normas universais do bem obrar”, busca o ideal de justiça.

(...) a diferença mais destacada  entre a tendência histórica ou positivista e a jusnaturalista radica em que esta última afirma a insuficiência dos princípios extraídos do próprio ordenamento jurídico positivo, para preencher as lacunas da lei, e a necessidade consequente de recorrer aos do Direito Natural (demais, com todas as garantias que temos visto), enquanto que a corrente positivista entende que se pode manter dentro do ordenamento jurídico estatal, com os princípios que deste se podem obter por analogia.  (Paulo Bonavides 2008).

Os princípios, portanto, sustentavam uma função puramente informativa – para valorar como certo ou errado, segundo a norma de direito positivo se concordasse ou não com as diretrizes dos princípios – porém sem nenhuma eficácia sintática normativa.

b) Positivismo Jurídico:

Nesta fase os princípios são ingressados já nos Códigos como fonte normativa subsidiária, como válvula de segurança. Não sobrepõe a lei. A Lei e os princípios são, de certa forma, equivalentes na corrente positivista. Porém o juspositivismo faz dos princípios meras pautas supralegais programáticas na ordem constitucional, revelando-se assim, carência de normatividade.

c) Pós-positivismo:

Surge nas últimas décadas do século XX. Os princípios passam a ser tratados como direito.  Segundo Paulo Bonavides:

É na idade do pós-positivismo que tanto a doutrina de Direito Natural como a do velho positivismo ortodoxo vêm abaixo, sofrendo golpes profundos e crítica lacerante, provenientes de uma reação intelectual implacável, capitaneada sobretudo por Dworkin, jurista de Harvard. (BONAVIDES 2008, p. 265)

            A distinção entre regras e princípios passa a ser ponto nuclear, resultado da evidente influência exercida por Ronald Dworkin na atual quadra do pensamento jurídico.

3.         Distinção entre regra e princípio

            O Direito é ordenado por previsões discernidas que as vezes consideram valores e, as vezes,  condutas. As noções básicas sobre princípios e regras surgem daí. Tais conceitos, apesar disso, não possuem fronteiras resistentes, sendo o objeto do Direito, único, não divisível. Assim, todos princípios devem ter um certo grau de regramento e toda regra acaba contemplando um princípio.

            Assim, regras e princípios são díspares, mas, como as regras, os princípios são dotados  de imperatividade. A diferença incide sobre a eficácia jurídica própria de cada uma. Segundo a autora Ana Paula de Barcellos (2002 p.47) os critérios para diferenciação mais utilizados são:

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  1. O conteúdo: as normas possuem um conteúdo menos referente à ideia de valores, ou seja, os princípios formam um ultimato de moralidade e justiça mais cogente do que as normas.
  2. Origem e validade: as regras são derivadas de outras regras ou princípios, enquanto estes últimos já existem por si mesmo.
  3. Função no ordenamento: as regras, ao contrário dos princípios, não possuem uma função justificadora e explicadora.
  4. Compromisso histórico: as regras se destacam pela relatividade do seu conteúdo, enquanto os princípios são, na maior parte, absolutos e permanentes.
  5. Estrutura linguística: Os princípios são aplicados em um número indeterminado de circunstâncias, pois na maioria das vezes não descrevem as condições necessárias para sua aplicação, diferentemente das regras.
  6. Esforço interpretativo exigido: as regras impetram apenas uma aplicabilidade técnica e burocrática, enquanto os princípios demandam um vigor argumentativo muito mais intenso.
  7. Aplicação: Quanto as regras só são válidas e se aplicam ou não se aplica por serem inválidas, ou seja, não são aceitas gradações. Já os princípios deliberam que algo seja cumprido na maior medida possível, aceitando uma aplicação mais ou menos vasta de acordo com as possibilidades existentes.

Para a mesma autora (2002 p.51) há, consideravelmente, duas diferenças entre regras e princípios: a relativa indeterminação dos efeitos e a multiplicidade de meios para atingi-los.

            Na relativa indeterminação das regras os efeitos que os princípios querem produzir são relativamente indeterminados, ao contrário das regras. Estas últimas pretendem produzir um efeito mais específico. Já na multiplicidade de meios para atingi-los, mesmo que o efeito almejado por uma norma seja determinado, os meios para alcançar tal efeito são diversos. Procedimento este, utilizado para descrever as normas programáticas.

Ante o exposto, conclui-se que as regras fazem obedecer uma determinada ocorrência e quando sobrevém essa ocorrência, a norma tem incidência. Porém, quando não sobrevém, não há incidência. E quando duas regras colidem, fala-se em conflito. Ao caso concreto uma só será aplicável.

Já os princípios são as diretrizes gerais de um ordenamento jurídico. Sua perspectiva de incidência é muito mais vasta do que o das regras. Entre eles pode existir colisão, e não conflito. Ou seja, quando colidem não se eliminam.

4.         Princípios Gerais de Direito e os princípios constitucionais

O principal ponto  da enorme modificação em que passam os princípios reside no caráter e no lugar de sua normatividade. Depois saltam dos Códigos para as Constituições, convertendo então, em fundamento de toda a nossa ordem jurídica. São, portanto, postos no ponto mais alto da escala normativa, transformando-se em “norma das normas”.

Tais princípios servirão de critérios para as futuras normas e serão concretizados à medida em que forem editadas normas para sua efetivação. São, justamente, a síntese dos valores mais relevantes da ordem jurídica.

A constitucionalização dos princípios coloca o juiz no marco necessário de uma jurisprudência de valores, ao contrário daquelas guiadas pelas normas, que devem cumprir a exata medida de suas prescrições. Em suma, legislador, jurista e tribunal são, de certa forma condicionados a usá-los como alicerce.

Considerando as Constituições escritas e sob um ponto de vista restringido no meio positivo e formal, será norma constitucional tudo aquilo que vier a ser erigido em seu texto.

A Constituição é o elemento inaugural do Estado, que o cria e o recria nas bases que estabelece.  Porém, na segunda metade do século XX passou-se a encontrar na Constituição outros valores, quais sejam opções políticas fundamentais e programas de ação vinculantes para os poderes públicos.

A dignidade da pessoa humana é atualmente, no nosso sistema, uma direção jurídico dotada de superioridade hierárquica.  As pessoas devem ter condições dignas de existência. A Constituição assim determina.

Quando a Constituição, pelo meio de princípios, passa a juridicizar valores fundamentais, estes são retirados do debate meramente político. Segundo Ana Paula de Barcellos (2002 p. 47) há dois pontos de vista:

a) Existencial: a constitucionalização  dos princípios pode ser capaz de protegê-los da restrição ou supressão através da técnica da “cláusula pétrea”, pela qual se retira da alçada  do legislador ordinário, e até mesmo do poder constituinte derivado ou reformador, a possibilidade de tratar da matéria, salvo para ampliá-la.

b) Operacional: a juridicização constitucional atribui eficácia jurídica, e portanto alguma forma de sindicabilidade judicial, aos efeitos práticos que esses princípios, dotados de superioridade hierárquica, possam produzir.

A autora ainda expõe:

O Constituinte, além de fixar a dignidade como princípio central do Estado, juridicizando o valor humanista, disciplinou a matéria ao longo do texto através de um conjunto de outros princípios, subprincípios e regras, que procuram concretizá-lo e explicar os efeitos que dele devem ser extraídos. (BARCELLOS 2002 P. 62).

A partir do momento que uma norma se torna jurídica, qualquer que tenha sido sua origem, seu cumprimento passa a ser cogente para todos, inclusive para o Poder Público. Há imperatividade concedida ao efeito pretendido pela norma, seja ela uma regra ou um princípio.

5.         Referências

ANTUNES ROCHA, carmen lucia. Principios constitucionais da admnistracao publica. BH Del Rey, 1994

BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais. Rio De Janeiro. São Paulo: Renovar, 2002.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2008.

CRISAFULLI, V. La Constituzione e le sue Disposizioni de Principio, Milão, 1952.

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