A teoria da desconsideração da personalidade jurídica no novo código de processo civil: breves comentários

07/01/2015 às 16:21
Leia nesta página:

O artigo busca traças linhas comparativas sobre a utilização da teoria da desconsideração da personalidade jurídica,positivada no art. 50 do Código Civil, com as alterações sofridas pelo Código de Processo Civil.

A personalidade jurídica é a aptidão de contrair direitos e obrigações na órbita civil. Começa com o arquivamento dos atos constitutivos no órgão competente (se pessoa física ou jur´dica empresária; Registro Público de Empresas Mercantis; se sociedade simples; Registro Civil de Pessoas Jurídicas) e termina pela via judicial ou extrajudicial (dissolução; liquidação; partilha e baixa dos atos no registro próprio). É certo que a personalidade jurídica do sócio; bem como seu patrimônio pessoal; em princípio não se confundem com o da sociedade; em razão da autonomia patrimonial. Repudia ao direito a ideia de que a personalidade jurídica da sociedade sirva de couraça para acobertar situações antijurídicas. O objetivo da teoria é desconsiderar momentaneamente a personalidade jurídica da sociedade para atingir os bens particulares dos sócios, na hipótese de comprovação da prática de atos fraudulentos, confusão patrimonial; desvio de finalidade etc.; preservando-se; deste modo; os interesses e direitos dos credores prejudicados pelo mau uso da sociedade. A teoria não visa a anular; desconstituir ou dissolver a sociedade; e sim desconsiderar; momentaneamente; a sua personalidade jurídica para atingir o patrimônio pessoal do sócio; tendo por objetivo principal evitar o injusto e realizar a justiça.

Sempre que houver fraude; dolo; má-fé; desvio de finalidade ou confusão patrimonial; levanta-se o véu da sociedade para alcançar o patrimônio pessoal dos sócios.

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica não tem aplicação quando a responsabilidade dos sócios advier de expressa previsão legal; por exemplo; nos casos dos arts. 158 da L. nº 6.404/76; 135; III do CTN; 1.015; parágrafo único e incisos; 1.016 e 1.080 do Código Civil e 13 da Lei nº 8.620/93; entre outros.

O Código Civil, no art. 50, positivou a teoria da desconsideração da personalidade jurídica:

“Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.

O novo CPC, no art. 62 dispõe que:

“Art. 62. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado na forma da lei, o juiz pode, em qualquer processo ou procedimento, decidir, a requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou dos sócios da pessoa jurídica”.

Entendo que a redação do novo Código de Processo Civil é mais clara, pois não comete a imprecisão do Código Civil ao restringir a aplicação da teoria no caso de desvio de finalidade ou confusão patrimonial. A teoria é admitida no caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado na forma da lei.

Discute-se, na doutrina, a possibilidade de o juiz desconsiderar, de ofício, a personalidade jurídica. Até onde o estudo me permite ir, essa teoria somente pode ser aplicada se requerida pela parte a quem a desconsideração aproveita. É o que está no art. 50 do Código Civil[1] quando diz que o juiz pode decidir, a requerimento da parte ou do Ministério Público. Para Waldo Fazzio Júnior, o “que se pretende dizer é que o Código Civil de 2002 não acolheu, totalmente, a tese da desconsideração da personalidade jurídica, fazendo-a dependente de iniciativa da parte”. Da mesma forma, o art. 62 do novo CPC, reproduziu a regra do art. 50 do Código Civill, não admitindo a aplicação da teoria de ofício pelo juiz. Conforme sua convicção, o juiz pode aplicar a diregard of legal entity, mas depende sempre de provocação do interessado. A regra do art. 50 do Código Civil não tem a mesma amplitude que lhe confere o Código de Defesa do Consumidor e os demais microssistemas legais. Como dito, a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade não é possível quando a responsabilidade dos sócios advier de expressa previsão legal.

            Em resumo: vamos ver como a doutrina e jurisprudência se posicionam diante das inovações trazidas pelo novo Código de Processo Civil.

O novo CPC estabelece de forma clara a necessidade de intimação dos sócios, quando requerida a aplicação da teoria da desconsideração, nos arts. 64 e 65:

 “Art. 64. Requerida a desconsideração da personalidade jurídica, o sócio ou o terceiro e a pessoa jurídica serão intimados para, no prazo comum de quinze dias, se manifestar e requerer as provas cabíveis.

Art. 65. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória impugnável por agravo de instrumento”

            Em resumo: ainda que a teoria seja utilizada para imputação de responsabilidade aos sócios, alguns cuidados devem ser observados:

  1. A responsabilidade do sócios será, via de regra, subsidiária, salvo comprovada a fraude, razão pela qual aplica-se a teoria menor da desconsideração;
  2. O juiz não deve aplicar a teoria da desconsideração de ofício em razão de vedação do Código Civil e novo CPC, ainda que se admita que o processo de execução se dê por impulso oficial;
  3. Admitida a aplicação da teoria da desconsideração deve-se garantir o contraditório e ampla defesa aos sócios, com a devida intimação ou citação, e, se for o caso, alteração do pólo passivo para inserção dos sócios como executados, sob pena de violação do princípio do devido processo legal.

          


[1]              No mesmo sentido o art. 62 do novo Código de Processo Civil:: “ Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado na forma da lei, o juiz pode, em qualquer processo ou procedimento, decidir, a requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou dos sócios da pessoa jurídica.”.

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Sobre a autora
Monica Gusmão

Professora de Direito Civil, Empresarial e Trabalho de várias instituições, entre elas a FGV; membro do Fórum Permanente em Direito Empresarial da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro; autora de várias obras; articulista...

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