Princípios processuais constitucionais aplicados à execução da pena

14/01/2015 às 22:42
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contraditório, ampla defesa, presunção de não culpabilidade, direito à preservação da imagem: aplicabilidade destes e outros princípios processuais constitucionais à execução da pena

O processo de execução penal é aquele norteado pelos princípios e normas específicos de execução de penas e medidas de segurança. Com o trânsito em julgado da sentença condenatória penal, constitui-se o título executivo judicial, que garante ao Estado, detentor do jus puniendi, o direito de executar a sentença e punir o condenado.

Além dos princípios que norteiam todo e qualquer ramo do Direito, a doutrina reconhece alguns outros que princípios que são específicos para a Execução Penal, quais sejam: da humanidade das penas; da legalidade; da personalização da pena; da proporcionalidade da pena; da isonomia; da jurisdicionalidade; da vedação ao excesso da execução e da ressocialização.

No presente trabalho, analisaremos a incidência dos princípios gerais constitucionais fundamentais e sua aplicação no âmbito do processo de execução penal.

A evolução dos direitos fundamentais na sociedade se deu de forma paulatina, desde o surgimento das primeiras sociedades e uma visão divina dos direitos humanos, até o momento atual, no contexto do Estado Social e Democrático de Direito estabelecido pela Constituição Federal de 1988, em que os direitos fundamentais são fortemente orientados por normas principiológicas, cujo norte exegético impõe uma cláusula geral de tutela do homem que encontra respaldo em diversos artigos que permeiam o texto constitucional.

Os direitos fundamentais, ao lado da tripartição dos Poderes (ou das funções, considerando que o Poder do Estado é uno), constituem-se instrumentos basilares de limitação do poder político.

Democraticamente, o Estado encontra balizas sob as quais deve atuar de forma a não desrespeitar tais ditames constitucionais, e nenhuma das três funções do Estado (legislativa, executiva ou jurisdicional) pode ferir tais direitos e garantias. Certos direitos, conforme foi reconhecido até mesmo pelos iluministas na declaração dos direitos do homem, são universais e supraestatais, encontrando-se inclusive acima do poder constituinte.

O cientista do Direito (tanto o Juiz quanto o legislador) deve entender que a Constituição Federal brasileira não constrói os direitos do homem; ela apenas os reconhece. Tanto assim o faz que os princípios de direitos humanos encontram orientação tanto na Constituição quanto nos textos de diplomas internacionais.

Valter Nunes da Silva Júnior afirma que “no modelo de Estado Democrático-Constitucional, desenhado pela Constituição de 1988, o sistema jurídico é criado em torno da teoria dos direitos fundamentais, de modo que a orientação principiológica deles emanada, além de possuir força normativa, é o instrumento interpretativo de todo o ordenamento infraconstitucional, que deve ser criado à sua imagem e semelhança. Sob o paradigma dessa forma de organização os princípios não apenas são normas, como deixam de ocupar a posição subalterna de complementação de eventuais lacunas ou espaços vazios do ordenamento jurídico, a fim de ocupar posição hegemônica em todo o sistema”.

A universalidade é uma das características dos direitos fundamentais e, portanto, são aplicáveis a toda e qualquer pessoa. A Constituição inclusive reconhece a aplicação de tais direitos aos estrangeiros, ainda que de passagem em território nacional. Entretanto, há que se distinguir a universalidade da não relativização. Em que pese os direitos serem universais, não há direito absoluto que não possa ser relativizado diante de determinados limites.

Os direitos humanos não fogem a essa regra e justamente na aplicação da lei penal temos a relativização de tais direitos, como a liberdade do indivíduo. Se por um lado os direitos fundamentais limitam sob um aspecto absoluto a persecução criminal, por outro o Estado está autorizado a flexibilizar determinado direito como forma de garantir a aplicação da lei penal.

Entretanto, observa-se que, na prática, o Estado vem desrespeitando de forma sistemática diversos princípios constitucionais quando analisamos o processo de execução penal.

Como se já não bastasse a má qualidade dos profissionais que prestam o auxílio jurídico durante o processo penal de conhecimento, durante a execução da pena os condenados são costumeiramente relegados à própria sorte, esquecidos nas penitenciárias e não raro tem seus direitos humanos violados com a conivência do Estado. Tal situação torna-se evidente com os “mutirões” da Defensoria Pública para analisar os processos de execução dos apenados, que com frequência culminam em relaxamentos de prisões com excesso de prazo. Além disso, é de conhecimento público a situação deplorável de violação de direitos humanos em nossas penitenciárias, que inclusive justificou a recente negativa do governo italiano em extraditar Henrique Pizzolato.

A razão disso é a fiscalização praticamente inexistente pela falta de interesse dos principais setores da sociedade em preservar os direitos humanos conquistados à tão duras penas durante os últimos séculos. Além dos direitos humanos básicos, o Estado também deveria primar pela disponibilização da assistência jurídica necessária ao condenado, o que não ocorre na prática.

Assim, princípios processuais constitucionais como o contraditório, a ampla defesa, a presunção de não culpabilidade, o direito à preservação da imagem e outros são ignorados, e o apenado é relegado à marginalidade da sociedade.

Diante desse quadro, questiona-se a funcionalidade do atual sistema penal de monopólio do Estado e ideais abolicionistas e garantistas tendem a ganhar força dentre os acadêmicos da área. Dentre tais correntes, esta última me parece mais adequada para lidar com as questões da criminalidade contemporânea, encarando o fator criminoso como um fato social tratável com o objetivo de minimizá-lo.

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Ferrajoli enumera uma série de princípios que devem ser aplicados pelo Juiz na visão garantista, e dentre eles podemos extrair os princípios processuais constitucionais que não são aplicados na prática no Direito Penal brasileiro, e menos ainda na fase de execução da pena.

O fato é que o devido processo legal e o devido processo penal, bem como os princípios a eles inerentes, não devem ser afastados no momento da execução da pena, ainda que seja aceitável a relativização de determinados direitos humanos nesse momento. O indivíduo que se encontra preso é justamente o que mais necessita da guarida do Estado para garantir-lhe a justa aplicação da lei, pois via de regra já está em uma posição de extrema desvantagem: marginalizado da sociedade, malvisto pela própria família, estigmatizado pelos amigos etc.

Sem o devido amparo estatal e a efetivação das garantias constitucionais que lhe são inerentes, o apenado, abandonado à própria sorte, certamente encontrará guarida no seio daqueles que também foram excluídos da sociedade. Esse círculo vicioso, extremamente prejudicial à sociedade, não terá fim enquanto aos acusados e aos condenados não houver a plenitude das garantias previstas no nosso ordenamento jurídico.


 

Bibliografia:

FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional - 5ª edição – Editora Revista dos Tribunais;

JÚNIOR, Valter Nunes da Silva. Curso de Direito Processual Penal: Teoria (Constitucional) do Processo Penal – 1ª edição – Editora Renovar;

http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/viewFile/1498/1181 acessado em 13/11/2014;

http://www.direitonet.com.br/resumos/exibir/1134/Nocoes-gerais-sobre-execucao-penal acessado em 13/11/2014;

http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=14118 acessado em 13/11/2014;

http://sergiozoghbi.jusbrasil.com.br/artigos/111903743/garantismo-penal acessado em 13/11/2014;

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