Uma das finalidades da denunciação da lide é trazer terceiro para o processo acionando-o depois do contraditório entre as partes primeiras. Por essa razão, verificando-se a possibilidade de condenação do denunciado é que devemos analisar qual a natureza do denunciado no processo, ou seja, se ou quais são as hipóteses em que ele será considerado litisconsorte.
O artigo 75, I do CPC dispõe que “feita a denunciação pelo réu, se o denunciado a aceitar e contestar o pedido, o processo prosseguirá entre o autor, de um lado, e de outro, como litisconsortes, o denunciante e o denunciado”.
Contudo, apesar de expressa previsão legal, parte da doutrina, como Scarpinella Bueno e Nelson Nery Jr., entendem que o denunciado não será litisconsorte, mas assistente do denunciante. Para quem defende essa posição, o argumento seria porque o denunciado não é titular do direito discutido na demanda originária (formada pela relação entre autor e réu), mas da demanda secundária (formada entre denunciante e denunciado). Assim, o denunciado seria considerado assistente simples, auxiliador do denunciante.
A partir dessas considerações resta claro que se nos posicionarmos no sentido de que o denunciado é assistente simples, torna-se impossível a condenação direta do mesmo na ação originária devido à ausência de titulo executivo que a autorize.
Além disso, como bem preceitua Daniel Amorim Assumpção Neves, a conclusão de que o denunciado não é titular do direito discutido na ação originária não leva a conclusão de que seja um assistente simples do denunciante. Há problemas incontornáveis na adoção desse entendimento, em especial quanto à regra de que a atividade do assistente está condicionada à vontade do assistido, o que limitaria indevidamente a sua atuação na demanda originária e, em especial, a regra de que o assistente simples não pode se opor a atos dispositivos de direito praticados pelo assistido, o que ensejaria na denunciação da lide um largo espaço para a fraude processual.
Acompanhando os ditames da legislação, a jurisprudência é pacífica no entendimento de que há litisconsórcio.
CIVIL E PROCESSUAL. COLISÃO DE VEÍCULOS. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS.DENUNCIAÇÃO DA LIDE FEITA PELO RÉU. ACEITAÇÃO. CONTESTAÇÃO DOPEDIDO PRINCIPAL. CONDENAÇÃO DIRETA DA DENUNCIADA (SEGURADORA) ESOLIDÁRIA COM O RÉU. POSSIBILIDADE. 1 - Se a seguradora comparece a Juízo aceitando a denunciação da lide feita pelo réu e contestando o pedido principal, assume ela a condição de litisconsorte passiva, formal e materialmente, podendo, em conseqüência, ser condenada, direta e solidariamente, com o réu. Precedentes do STJ. 2 - Recurso especial não conhecido. (STJ, Relator: Ministro FERNANDO GONÇALVES, Data de Julgamento: 15/06/2004, T4 - QUARTA TURMA).
APELAÇÃO CÍVEL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. EXCEÇÃO DE PRE EXECUTIVIDADE. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. LITISCONSORCIO. POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO DIRETA DO DENUNCIADO. SENTENÇA REFORMADA. Aceita a denunciação, a denunciada ingressa no processo como litisconsorte do denunciante, de modo que, julgada procedente a lide secundária, o autor pode realizar a execução diretamente contra a denunciada, respeitados os limites da obrigação de regresso. Inteligência do artigo 75, I, do Código de Processo Civil. DERAM PROVIMENTO AOS APELOS. (Apelação Cível Nº 70055623672, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Renato Alves da Silva, Julgado em 25/09/2014). (TJ-RS - AC: 70055623672 RS , Relator: Luiz Renato Alves da Silva, Data de Julgamento: 25/09/2014, Décima Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 01/10/2014).
Contudo, em contraponto ao posicionamento do STJ e do CPC, cumpre ressaltar que para a configuração do denunciado como litisconsorte é desnecessário que o mesmo conteste o pedido principal.
Seguindo o posicionamento de Daniel Amorim Assumpção Neves, a utilização do termo “aceitar” é impreciso, porque não importa a aceitação do denunciado para fins de sua integração ao processo, que se fará a partir de sua citação válida; e o denunciado não precisa contestar o pedido da parte contrária para se tornar litisconsorte do denunciante, sendo o litisconsórcio formado com a mera citação válida.
Além disso, a impossibilidade de inserção do denunciado como litisconsórcio por falta de contestação poderia vir a prejudicar o denunciante, na medida em que o oferecimento de contestação pelo denunciante poderia se tornar obsoleto quando quem deveria ter o embasamento fático e jurídico para a defesa deveria ser o denunciado.
Assim, tendo em vista todas essas considerações que afirmam o denunciado como litisconsorte, o juiz pode condenar diretamente o mesmo, pois o litisconsórcio torna o denunciado parte da relação jurídica da demanda principal. Já para quem defende o posicionamento de que o denunciado só se torna litisconsorte se contestar, e, segundo a jurisprudência do STJ, a condenação direta do denunciado somente pode ocorrer se o mesmo aceitar a denunciação e se limitar a contestar a pretensão principal, transformando-se em litisconsorte passivo.
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DENUNCIAÇÃO À LIDE. PRETENSÃODE ANTERIOR CONDENAÇÃO DA DENUNCIADA À OBRIGAÇÃO INADIMPLIDA PELODENUNCIANTE. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NÃO VERIFICADO. AUSÊNCIA DESOLIDARIEDADE PASSIVA E DE BENEFÍCIO DE ORDEM EM FAVOR DODENUNCIANTE. REDISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. INCIDÊNCIA DASÚMULA Nº 7/STJ. RECURSO NÃO PROVIDO. 1- Em caráter excepcional, a condenação direta da denunciada à dívida cobrada pela autora ao denunciante somente poderia ocorrer,segundo a jurisprudência do STJ, se a primeira aceitasse a denunciação e se limitasse a contestar o pedido deduzido na ação principal, transformando-se em litisconsorte passivo do denunciante, o que não se verificou na espécie. Precedentes do STJ. 2- Não é possível determinar que a seguradora (denunciada) pague a dívida contraída pelo recorrente (denunciante) antes que este o faça. Isso porque, além de inexistir solidariedade passiva entre eles (CC/02, art. 265), conferir-se-ia ao recorrente benefício de ordem não previsto em lei. 3- A reforma quanto à distribuição dos ônus de sucumbência encontra óbice na Súmula nº 7 do STJ, salvo em casos de valores ínfimos ou exorbitantes, o que não ocorre no caso em exame. 4- Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 22/11/2011, T4 - QUARTA TURMA).
Ressalta-se que a análise do caso concreto é necessária para que se verifique a necessidade de adaptação com as circunstâncias, como quando o réu não tem condição de satisfazer a obrigação e o denunciado tem. Exemplo: relação de seguro.
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. SEGURADORA LITISDENUNCIADA EM AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MOVIDA EM FACE DO SEGURADO. CONDENAÇÃO DIRETA E SOLIDÁRIA. POSSIBILIDADE. 1. Para fins do art. 543-C do CPC: Em ação de reparação de danos movida em face do segurado, a Seguradora denunciada pode ser condenada direta e solidariamente junto com este a pagar a indenização devida à vítima, nos limites contratados na apólice. 2. Recurso especial não provido. (REsp 925130 SP 2007/0030484-4, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 08/02/2012, S2 - SEGUNDA SEÇÃO).
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS AJUIZADA DIRETA E EXCLUSIVAMENTE EM FACE DA SEGURADORA DO SUPOSTO CAUSADOR. DESCABIMENTO COMO REGRA. 1. Para fins do art. 543-C do CPC: 1.1. Descabe ação do terceiro prejudicado ajuizada direta e exclusivamente em face da Seguradora do apontado causador do dano. 1.2. No seguro de responsabilidade civil facultativo a obrigação da Seguradora de ressarcir danos sofridos por terceiros pressupõe a responsabilidade civil do segurado, a qual, de regra, não poderá ser reconhecida em demanda na qual este não interveio, sob pena de vulneração do devido processo legal e da ampla defesa. 2. Recurso especial não provido. (REsp 962230 RS 2007/0140983-5, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 08/02/2012, S2 - SEGUNDA SEÇÃO).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Bueno, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de Direito processual civil. São Paulo: Saraiva, v.1, 2007, p. 508-510.
Didier Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, v.1. 16 ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2014, p. 394-395.
Nery Jr., Nelson. Código de Processo Civil Comentado. 10 ed. São Paulo: RT, 2008, p. 292-293.
Neves, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 5 ed. São Paulo: Editora Método, 2013, p. 252-255.