Bacharéis de porta de coordenador

19/01/2015 às 17:00
Leia nesta página:

Uma reflexão sobre o resultado do Enem 2014 e suas correlações com o ensino superior.

Os resultados do Enem 2014 deixaram estupefatos alguns professores e demais profissionais ligados à educação. Relativamente a 2013 houve queda nas médias de matemática e redação da ordem de 7,3% e 9,7% respectivamente. Dos 5,9 milhões de estudantes que fizeram a prova, 8,5% tiraram nota ZERO em redação. Na verdade, não sei porque tanto espanto, pois índices baixos de aprovação em testes gerais do tipo “Prova Brasil”, “Enade” e o próprio “Enem” são bastante comuns no Brasil. Por que será, indagam os especialistas? É preciso lembrar que, no caso do Enem, para chegar a fazer este teste, o estudante já passou pela educação infantil, pelo nível fundamental e, no mínimo, 2/3 do nível médio. Isso mesmo, foram aprovados naqueles níveis e se foram aprovados, nestes quase 12 anos estudando, como explicar desempenhos tão sofríveis em provas gerais? Em todos os artigos que leio grande parte da culpa, por esses baixos índices de aprovação, recai quase sempre no professor. Baixos salários, formação deficiente do professor, métodos inadequados, estes e outros motivos, são sempre lembrados para que o rendimento do aluno não seja o melhor. Parece que o aluno não precisa fazer a parte dele, que é estudar na escola e também em casa. E se o professor for cobrado para que haja aprovações em suas respectivas turmas? E se o aluno somente fizer provas que repitam exatamente os exercícios do caderno ou do livro? Mais ou menos assim: equação do 2º grau, o professor fornece o valor de “a”, de “b” e de “c”, bastando ao aluno decorar a fórmula, e questiona na prova: Quais são as raízes? Impossível errar. Ele, o aluno, é aprovado, em matemática, muda de classe e de ano. Cria-se assim o que chamo de aluno memorizador de processos, memorizador de datas, fatos, eventos e fórmulas. E quando surge uma prova preparada por uma banca, com os vários conteúdos, evidentemente questionado de forma diferente daquela que está “acostumado”, o aluno não consegue estabelecer um raciocínio lógico, espacial, verbal etc. E por quê? Porque somente sabe “replicar” um processo, sem sequer precisar entendê-lo. Pergunte a algum estudante do 2º grau para que serve a equação do 2º grau? Não, não teremos resposta, teremos um silêncio sepulcral. É este aluno “memorizador” que chegará ao ensino superior. Agora, vamos Imaginar uma faculdade particular, dessas existentes em qualquer esquina, de qualquer bairro, de qualquer cidade do Brasil. São muitas, apelos da propaganda, a cultura dos bacharéis existente no Brasil, a dificuldade em ser aprovado numa faculdade pública, impele os estudantes memorizadores às faculdades particulares, que são muitas, que são fartas. Imagine então esse estudante, que não aprendeu nada ou quase nada nos níveis fundamental e médio, que foi “estimulado” com aprovações indevidas, como não consegue ser aprovado em testes de universidades públicas, sobra então as faculdades particulares e nelas fazem “provas”, ou somente uma pequena redação, ou provas pela internet, ou até mesmo, sem prova alguma, apenas apresentando um diploma do 2º grau. E aí serão os futuros “bacharéis de porta de coordenador”, o mesmo que os analfabetos funcionais. Explico: quando estes alunos, apenas memorizadores, obtêm notas ruins, começam a se evadir ou a reclamar do professor na porta do coordenador. O coordenador “olha” para o professor e “pensa”:

− Olha, professor, se o aluno tirar nota ruim, fica desestimulado e vai embora, indo embora, não haverá turmas, não havendo turmas, não haverá como manter ou contratar professores, entendeu?

O professor capta perfeitamente o tal “pensamento”. Pronto está formado o caldo que transformará este universitário num futuro “bacharel de porta de coordenador”. Será aprovado, porque o professor que vive somente do magistério (a maioria), tem medo de perder o emprego e propõe uma prova idêntica aos exercícios do caderno, exatamente como ele, aluno, já estava acostumado. Obtém uma bela nota 8 ou 10. Fica muito feliz, o professor também, o coordenador também, o dono da faculdade também, o Brasil também, nossos políticos dirão: “estamos formando mais jovens”, que beleza! todos felizes. Um dia o aluno precisará fazer um prova, OAB, CRC, por exemplo, tenta uma, duas, três e nada de aprovação. A faculdade, por sua vez, vai se arrastando com uma nota 2 ou 3 no conceito Enade, que vai até 5 (O conceito Enade é o principal indicador do Índice Geral de Cursos). Sim! há alunos que fazem sua parte, estudam e “elevam” o conceito da faculdade, ganham bolsas, dão entrevistas nas publicações da faculdade, mas a maioria, não consegue escrever direito, não consegue aprender, por exemplo, álgebra, porque não aprendeu aritmética, não consegue enfim, entender um processo, afinal, “aprendeu” somente, permita-me enfatizar, a memorizar datas, fatos, eventos e fórmulas. “Aprendeu” a memorizar os exercícios do caderno, que eram “pedidos” nas provas parciais e/ou finais da sua faculdade. Chega a formatura e o aluno vai para as redes sociais e posta: “Mais uma etapa vencida na minha vida”. Na verdade um diploma comprado em suaves 48 prestações. Nas empresas, quando for contratado, se for contratado, terá que se contentar com um salário aviltado, pois o aviltamento é proporcional ao (des)conhecimento. E assim, a terra vai girando, os diversos empregos diretos e indiretos, originados em cada escola, vão sendo mantidos no curto prazo, do pipoqueiro, na porta da faculdade, ao dono da faculdade, passando pelo pessoal de limpeza, de vans para transporte, dos auxiliares nas secretarias e, é claro, pelos professores. E vai-se empurrando este grave problema de formação, desde a origem, onde alunos, de qualquer nível, são aprovados sem precisarem saber ou aprender, ou seja, fazer o que se espera de um estudante, estudar, por exemplo.

Sobre o autor
Raimundo Aben Athar

DOUTORANDO EM CONTABILIDADE E CONTROLADORIA - FUCAPE MESTRE EM ECONOMIA - UCAM MBA FINANÇAS - UFRJ ESPECIALISTA EM FINANÇAS - FGV PERITO CONTADOR MEMBRO DA COMISSÃO DE DIREITO CONTÁBIL OAB-CRCRJ

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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