Análise da linguagem e pensamento matemático e jurídico: um estudo comparativo

23/01/2015 às 10:33
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O presente trabalho consiste em destacar semelhanças entre a linguagem matemática e a linguagem jurídica, trazendo semelhanças que vão além das mais evidentes, como é o caso da aplicação matemática em cálculos financeiros e no Direito Tributário.



                  Resumo               

                  O presente trabalho consiste em destacar semelhanças entre a linguagem matemática e a linguagem jurídica. Embora, em um primeiro momento, pareça-nos soar estranho identificar similaridades entre duas áreas relativamente distantes, o Direito e a Matemática compartilham também a Lógica e a Filosofia. O Direito dialoga com muitas outras áreas do conhecimento, bem como a Matemática, no entanto, se considerarmos uma comunicação direta entre ambas, vemos que a Matemática no Direito não se restringe a determinados segmentos, tais como o Direito Tributário. Assim, este artigo objetivou mostrar não tão somente os mais evidentes pontos em comum entre as nobres áreas, mas também buscou trazer aspectos mais profundos entre o universo jurídico e matemático.

Palavras-Chave: Matemática; Direito; Lógica; Filosofia; Linguagem.


Abstract                


                   The present work is to highlight similarities between mathematical language and legal language. Although, at first, it seems to sound strange identify similarities between two relatively distant areas, law and mathematics also share the Logic and Philosophy. Law speaks to many other areas of knowledge, as well as mathematics, however , if we consider a direct communication between them, we see that mathematics in Law is not restricted to certain segments, such as the Tax Law. Thus, this article aimed to show not only as the most obvious common points between the prime areas, but also sought to bring deeper aspects of the legal world and mathematical one.

Key Words: Mathematics; Law; Logic; Philosophy; Language.



                     Introdução        
         

                     O Direito é reconhecidamente uma área do conhecimento que demanda muito interesse pela literatura e que divide autores e doutrinadores segundo sua cientificidade (1). Em contraponto, a Matemática, segundo o matemático alemão Johannes Carl Friedrich Gauss (2) (1777 – 1855), é a Ciência Exata em seu maior grau de pureza: “A Matemática é a Rainha das Ciências”. Ambas as áreas compartilham o fato de serem muito conspícuas em suas bagagens teóricas. Se considerarmos, no âmbito do Direito, apenas o Direito Civil, encontramos facilmente uma miríade de trabalhos, artigos e doutrinas que facilmente rechearia uma biblioteca. Os futuros profissionais das leis possuem apreço pela leitura e, durante sua formação acadêmica, acabam invariavelmente defrontando disciplinas que possuem muita afinidade com o estudo do Direito. Podemos dizer que os profissionais do Direito devem escrever bem e contam com disciplinas que favorecem e desenvolvem a escrita jurídica. Por vezes com denominações diferentes em função da matriz curricular de cada universidade, é verdade que o estudante de Direito acaba tendo contato com conteúdos que não se restringem às disciplinas específicas do Direito, mas também com a Sociologia, com a Antropologia, com a Medicina Legal, com a Economia, com as Ciências Políticas entre outras. Talvez as áreas mais íntimas do Direito, excetuando-se as já mencionadas, ainda incluam a Psicologia, a Criminologia, a Criminalística, a História, a Contabilidade e a Filosofia (3).  A Matemática, por sua vez, possui a linguagem das Ciências Naturais, tornando-se fundamental para áreas como a Física, a Química, a Biologia e a Geologia, por exemplo. Literaturas são produzidas voltadas para cada área trazendo a parcela de ferramentas matemáticas que são necessárias e suficientes para os estudos específicos. As pesquisas das áreas biológicas estão dispondo cada vez mais de recursos matemáticos, como podemos encontrar na obra de Batschelet4 ou buscarmos modelos fisiológicos humanos (5) ou em demais animais (6,7,8).       Todavia, a influência matemática não está restrita às ciências basais, mas as aplicadas também dispõem de Matemática em maior, ou menor grau. Desnecessário citar as Engenharias, Ciências da Computação, Contabilidade e Estatística como representantes deste grupo de ciências que se nutrem da Matemática.                 
                      Se nos ativermos à formação acadêmica, não verificamos nenhuma disciplina no currículo do matemático puro que verse sobre Direito. Todavia, se caminharmos em sentido oposto, verificamos que no currículo do Bacharel em Direito, o graduando entra em contato com a matemática aplicada, em disciplinas como o Direito Tributário, dispondo dos recursos da Matemática Financeira, também presentes na Contabilidade. Os advogados trabalhistas e tributaristas com louvor exemplificam este contato do Direito com a Matemática, e comumente vemos a celebração de parcerias entre advogados e contadores. As Ciências Contábeis residem também na intersecção onde se situa o Direito, no entanto maior é a intimidade com a Matemática e as Ciências da Informática.                 
                      Também é importante ressaltar a aplicação da Matemática para os cálculos financeiros, de tal sorte que existem cursos de Matemática Financeira voltados para advogados, assim como se evidencia a familiaridade com calculadoras financeiras devido à cursos ministrados. Torna-se então factual que já identificamos um primeiro aspecto que une ambas as áreas, mas ainda assim mais profunda é a relação entre o Direito e a Matemática. Muitas questões são levantadas quando pensamos se seria o Direito e a Matemática frutos do engenho humano ou se possuem uma existência per si, uma verdade Aletheica. Os platonistas defendem a matemática independentemente da criação humana, ao passo que o homem faria o papel de descobridor dessas verdades pré-existentes. Há também um embate entre a natureza do Direito, como sendo produto do ser humano ao longo da História cuja origem se justificaria acima de tudo como um mecanismo de controle social. O Direito Tributário, por exemplo, tem suas origens em registros que antecede o nascimento de Cristo, isto é, trata-se certamente de uma ciência que caminha desde os primórdios das sociedades. Outrossim, o positivismo de Comte tenha atingido outros campos do conhecimento, o Jusnaturalismo defende a ideia de justamente existir um Direito Ideal, um modelo a ser seguido e buscado pelo Direito Posto. A Matemática também é interpretada de forma distinta quando vista como ciência, arte, idioma ou até mesmo como um conhecimento que difere de todos os demais pelo seu nível de abstração, possibilitando a chamada “Matemática pela Matemática”, independentemente de alguma relação direta com sua aplicabilidade e, não raro vemos que descobertas matemáticas que aparentavam não ter nenhum uso prático acabam insurgindo como poderosas ferramentas para questões que o avanço da Ciência promove. Podemos claramente verificar esta afirmação se nos lembrarmos do Equiílibrio de Hardy na Biologia.                  
                     Logo, o Direito e a Matemática também se assemelham quanto ao fato de que ambas dividem os estudiosos quanto sua origem. Outro aspecto compartilhado é na verdade outra fonte do conhecimento: aliada a qualquer campo de estudo, a Filosofia pode ser encarada como sendo mais um destes elos.
 

Do Direito à Matemática por uma ponte Filosófica        

        

Em um primeiro momento, a intersecção entre a Matemática e o Direito nos aparenta ser muito frágil. A Filosofia permeia o Direito, assim como, a sua maneira, alimenta e fortifica a Matemática. Desta forma, não estranhamos ao perceber que quando Sir Isaac Newton (1643 - 1727) escreveu a magnânima obra “Principia Mathematica”, o que se entendia como ciência era denominada Philosophiae Naturalis. Tampouco nos impressiona que durante a formação Strictu Sensu de países de língua inglesa, o grau máximo a ser alcançado é o de Doutor da Filosofia - Philosophiae Doctor – PhD. Em outras palavras, podemos pensar na Filosofia neste caso como sendo um cimento que sustenta e une os compartimentos científicos, tecendo assim um continuum até mesmo em áreas distantes. A relação é tão intensa que temos segmentos dedicados inteiramente a estas ciências, a Filosofia do Direito e a Filosofia da Matemática. O Francês René Descartes (1596-1650), considerado o fundador da Filosofia Moderna era além de filósofo, físico e matemático. Blaise Pascal (1623 – 1662), outro francês, também não se limitou à física e a matemática, de tal forma estudar a Filosofia e a Teologia. O polímata brasileiro Rui Barbosa de Oliveira (1849 – 1923) além de jurista, político, tradutor, escritor, orador e diplomata, também se envolveu com a Filosofia. Reconta a História que pensadores de diversas áreas buscam a Filosofia para tentar sanar suas dúvidas ou simplesmente gerar mais dúvidas. Questionamentos profundos são revolvidos quando observamos um assunto sob as lentes dos filósofos. No Direito, a Ética e a Moral são abordadas e trabalhadas com questões que recorrem à Filosofia, tais como simplesmente a definição de moral. Em Matemática, questionamentos inúmeros também ocorrem das quais facilmente podemos citar a sequência de números primos e simplesmente a natureza da nulidade, o zero. Atua também a Filosofia como um estímulo contínuo ao desenvolvimento do pensamento e da forma de pensar sobre determinado assunto. Irrefutável é a Dialética no Direito, basta que lembremo-nos dos processos no Direito. Podemos traçar uma comparação rústica entre a Filosofia, o Direito e a Matemática. O chamado Mundo das Ideias de Platão (428-348 a.C), intangível e perfeito é congruente com a essência que rege o “Mundo do Deve Ser” que encontramos no Direito. A Matemática Pura lida com várias abstrações e que demonstram uma beleza profunda, tangenciando a perfeição que não sensibiliza ao nosso cotidiano, ao menos de forma direta. O “Mundo dos Sentidos” dos filósofos é este moldado em decorrência das referências existentes no mundo das ideias, isto é, aquele busca imitar este em sua forma e essência, o que nos impressiona os sentidos. Analogamente, no “Mundo do Ser” do Direito, vemos a mesma busca que direciona ao mais próximo do que seria Ideal, o Modelo a ser seguido. Em assim sendo, podemos enunciar que o Mundo do Ser almeja o Mundo do Deve Ser, e há uma evolução positiva de forma proporcional ao quão próximo se situa o Mundo do Ser ao Deve Ser. A Matemática Aplicada conquanto disponha das mesmas leis da Pura, disputa com as variáveis do Mundo Real que alteram a exatidão que busca sempre a Matemática. Basta que tomemos os modelos estatísticos e veremos que os dados obtidos são aproximações, atuando como estimadores da realidade estudada. Se considerarmos também as áreas das biológicas, veremos que também se verifica o abismo entre a teoria e prática, tão facilmente observemos que determinados medicamentos podem surtir efeitos em quase a totalidade dos pacientes, mas ainda assim uma parcela destes não responde ao tratamento. Assim como cada indivíduo carrega sua única “identidade fisiológica”, inútil assumir como regra geral que um princípio biológico seja unânime em sua aplicação em que, no caso específico da Biologia, estamos lidando de uma ciência repleta de exceções dentro de sua própria sistemática. Mais delicado se torna o caso do Direito, haja vista que a cultura de nação influencia diretamente no seu cunho, aplicação, julgamento e certamente sua essência. A postura dos brasileiros certamente não é a mesma dos indonésios quanto à questão do tráfico de drogas conforme acompanhamos a execução do brasileiro na Indonésia. Do efeito sinérgico de uma profusão de opiniões de um povo, em um local e num dado tempo, germina o Direito. A Matemática, talvez mais por não depender das opiniões humanas do que qualquer outro fator está imune a essa problemática mantendo suas verdades universais.
                   A Filosofia, por sua vez, mostra certa sensibilidade, uma vez que percebemos diferenças entre o Ocidente e o Oriente, de tal forma que percebemos serem os Orientais mais intrínsecos, de tal forma que a Filosofia se mescla com alguns modos de vida, basta que recordemos de algumas religiões que na verdade consistem em um modelo filosófico de vida, vide o Xintoísmo nipônico ou o Taoismo dos chineses. As próprias artes marciais orientais, em especial as japonesas e chinesas são impregnadas de filosofia, o que não encontramos de forma análoga no Ocidente. Novamente, reitera-se mais um aspecto entre o Direito e a Matemática: a Filosofia que só não apresenta as próprias semelhanças com estas Ciências, mas também auxilia o pensamento e o questionamento de ambas as áreas, em que um determinado momento de nossa História as Ciências Naturais e Filosofia se confundiam. Quando lemos as obras de Newton e do holandês Christiaan Huygens (1629 – 1695) sobre óptica e a natureza da luz, encontramos o título “Princípios Matemáticos de Filosofia Natural”, divergindo do “Tratado sobre a Luz” de Huygens. Newton, além de astrônomo, físico, matemático, teólogo, alquimista e filósofo natural, também dedicou o resto de sua vida na carreira política, como mestre da Casa da Moeda, pela Rainha Ana. Interessante sabermos que não somente Sir Isaac Newton dedicara anos de sua vida a outras ciências, consoante veremos a seguir.

                     
                     Matemáticos escritores, a união entre as letras e os  números
                     

                     
Em termos de Neurofisiologia, não se faz verdade pensar que existe algum mecanismo ou funcionamento do Sistema Nervoso que justifique a tão recorrente preferência por “letras ou algarismos”. Basta que mencionemos Bertrand Arthur William Russell (1872 – 1970) como um matemático britânico que dentre outros prêmios, recebeu o Nobel de Literatura de 1950. Malba Tahan, heterônimo de Júlio César de Melo Moura (1895 – 1974) foi um famoso escritor e matemático brasileiro que por meio de suas obras, das quais o “O Homem que Calculava” é sua mais reconhecida e, segundo Monteiro Lobato (1882 – 1948) a melhor obra do binômio ciência-imaginação transitava confortavelmente entre literatura e matemática. Também argumenta contra a ideia de que existem pré-disposições e limitações entre os aprendizados de áreas aparentemente distintas a frase do matemático alemão Karl Weierstrass (1815 – 1897): “Um matemático que não é também um pouco poeta, jamais será um matemático completo”. É comum encontrarmos expressões no cotidiano de estudantes que chegam até mesmo a optar pelo curso de Direito para evitar contato com a Matemática, da mesma forma que também verificamos estudantes da área de Exatas que repudiam a leitura, o que então faria do curso de Direito algo nem um pouco atraente.              
                      William Shakespeare (1564 – 1616), considerado por muitos o maior escritor que a humanidade já viu é conhecido como alguém que não apreciava muito a Matemática: “Deixei de gostar de Matemática quando o x deixou de ser sinal de multiplicação”.            
                      Por outro lado, Edwin Hubble (1889 – 1953) é sem margens de dúvidas, um expoente da Astronomia e Astrofísica, sendo também Advogado. Desta forma, o que verificamos historicamente é que existe uma tendência, uma função que aparenta ser crescente em relação à aceitação recíproca entre áreas distintas do conhecimento. Outros exemplos que ocupariam muitas linhas nos mostram que talvez a principal barreira entre a comunicação destas áreas seja mais uma questão de interesse ou afinidade do que dificuldades cognitivas. Portanto, a probabilidade de encontrar um indivíduo que goste de ambas e esteja interessado a investigar este campo é bem pequena, quando comparado com as demais já mencionadas.                            
                       
                       Lógica e a Intersecção Direito-Matemática

 
                       Existe uma forte relação entre essas duas nobres áreas e a Lógica. Intuitivamente tomamos decisões lógicas durante nosso cotidiano e não seria diferente ao como pensamos e analisamos uma afirmação em Direito. Diversos fatores podem tornar um artigo de determinada lei interpretável de mais de uma maneira, o que justifica a necessidade da clareza e objetividade do texto jurídico, justamente intencionado evitar dissabores desta natureza. A ambiguidade não deve existir na Matemática, e a mesma é evitada no Direito. Todavia, a própria língua em momentos pode nos trair e possibilitar mais de uma interpretação acerca do mesmo texto. A forma em que podemos pensar matematicamente quanto ao Direito e suas aplicações é uma maneira curiosa e interessante de observarmos o funcionamento do aparelho jurídico pelos olhos da matemática. O uso de tabelas verdade é presente tanto no raciocínio lógico cobrado pelos advogados quanto pelos matemáticos. A Lógica também se especifica em Lógica Jurídica e Lógica Matemática, trabalhando justamente a racionalidade em cada área. Assim como a Filosofia, se traçarmos Diagramas de Venn-Euler, poderíamos interpretá-lo de diversas maneiras. Em um primeiro momento, perceber que a Lógica está presente na Intersecção entre a Matemática e o Direito; também poderíamos situar três distintos conjuntos: Direito, Lógica, Matemática compartilhando uma mesma intersecção ou ainda assumir que Direito e Matemática possuem subconjuntos que correspondem às Lógicas Jurídica e Matemática, respectivamente. A interpretação novamente depende das definições próprias e visão de cada indivíduo acerca do assunto. Essas interpretações dispõem do mesmo recurso, mas estão suscetíveis exatamente ao entendimento de quem irá elaborar. Uma característica destoante entre o Direito e a Matemática é o fato de que, de forma simplista, as leis jurídicas são elaboradas enquanto que as leis da matemática são como traduções de verdades das ciências naturais. Seja italiano ou australiano, não haverá desentendimentos quanto à linguagem da matemática de determinado fenômeno físico. Soma-se às dificuldades do Direito o fato de que as leis se modificam ao longo do tempo, tornando complexa a análise das leis e qualquer tentativa de padronização ou predição. Surge então a Lógica como uma auxiliar, uma ferramenta útil para raciocinar sobre as leis tal como faz o matemático. Quando observamos a Biologia e sua relação com o Direito, vemos que os laços se apertam cada vez mais, o mesmo com a Física e a Medicina, culminado até mesmo na criação de cursos de graduação como é o caso da Física Médica. Pós-graduações estão incluídas como é o caso da Gestão Ambiental e Biodireito. Se focarmos agora no Direito, já mencionamos que este dialoga principalmente com as ciências que tratam de questões políticas, econômicas, morais, históricas, éticas e que também se debruçam em estudar a mente humana e as causas que podem levar o indivíduo a cometer alguma prática criminosa. Assim, certamente não podemos situar a intersecção entre o Direito e Matemática em uma posição de destaque. Por conseguinte, é comum encontrarmos expressões no cotidiano de estudantes que chegam até mesmo a optar pelo curso de Direito para evitar contato com a Matemática, da mesma forma que também verificamos estudantes da área de Exatas que repudiam a leitura, o que então faria do curso de Direito algo nem um pouco atraente. Mas, já vimos que cientistas notáveis já transitaram entre essas áreas o que serve de prova e um incentivo para encorajar o desenvolvimento das afinidades em disciplinas que se mostram tão contrastantes. Reunimos então, junto à Filosofia, a Lógica com importante participação nas semelhanças entre a Matemática e o Direito.

                      A Linguagem Matemática e a Linguagem Jurídica


                      
O Direito possui uma linguagem própria que certamente o leitor não familiarizado com os termos jurídicos e sua acepções encontrará dificuldades para compreender o texto. A Matemática possui uma linguagem que, embora pareça complexa demais para se entender, acaba sendo concisa, objetiva e encerra-se em si mesma. De tal sorte que os símbolos traduzem um significado bem definido e conhecido pelos matemáticos. É suficiente que se priorize a soma antes da multiplicação para que se obtenha o erro. Este mesmo erro decorre de uma interpretação distinta da interpretação que deve ser empregada para solucionar a equação. A Matemática não abre ambiguidades e não permite que opiniões interfiram em seus resultados, pois se assim o for incorrerá em uma resposta falsa. Há um conjunto de regras que invariavelmente devem ser seguidas pelos matemáticos e isso oferece a rigidez e a robustez das verdades matemáticas. O Direito se depara com o problema de que por vezes a lei é imprecisa e ambígua, permitindo uma gama de conclusões sobre o que realmente significa. Isso obriga os juristas e demais profissionais a mergulharem profundamente no estudo da linguagem para que sejam íntimos das palavras e as conheçam o mais profundamente possível. Em decorrência disso, a linguagem jurídica é técnica e exige muito estudo. Externar seus conteúdos geralmente implica em uma simplificação dos seus vocábulos para a melhor compreensão do público leigo.
                      O italiano Galileu Galilei referiu-se à Matemática como “o alfabeto com qual Deus escreveu o Universo”, enaltecendo sua natureza impecável neste quesito. Isso torna a comunicação em termos de linguagem entre o Direito e a Matemática um tanto quanto incompatível. No entanto, alguns traços podem ser evidenciados utilizando da linguagem lógica, como um simples exemplo, o artigo 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: “Ninguém se escusa da lei, alegando não conhecê-la”. Se chamarmos de x todos os indivíduos, e p não escusar-se da lei, podemos traduzir o artigo 3º em: ∀x, p(x), isto é, todos não se escusam da lei, alegando desconhecê-la. Notemos que ainda assim, para assumirmos p estamos à mercê de uma sentença escrita, no caso de nossa Lei, em português, desabando novamente nos problemas já mencionados. Mais além, mesmo depois de assumido e efetuado o raciocínio lógico – o que independe de qual seja o idioma em si – os profissionais do Direito devem esmiuçar cada pormenor da sentença. Imaginemos que o predicado de p tivesse sido representado de forma ambígua, pouco contribui a análise lógica para resolver o que exatamente se referia aos indivíduos em questão. 
                 Ian Stewart (9) traz em sua obra um mito interessante que relaciona o Direito e a Matemática. A história se dá nos Estados Unidos em que em algum local tentou-se legislar sobre o valor de π, fixando-o em 3. Ocorre que se tivesse sido aprovada haveria um problema muito curioso: seja p o valor de π assumido pela legislação, então matematicamente p ≠ π, mas legalmente se afirmaria p = π. Assim, a razão entre (p – π) por (p – π) resultaria em 1 matematicamente, mas resultaria em 0 em termos de lei, incorrendo em um absurdo de 0 = 1, ou seja, aquele matou um, mataria ninguém e quem nunca matou teria matado alguém. De qualquer forma, com esta divertida anedota Stewart nos mostra a dificuldade de se mesclar a linguagem jurídica e matemática.

                 Conclusão

                 De forma breve, mostramos que embora existam muitas dificuldades e incompatibilidades entre o Direito e a Matemática, principalmente no que se refere ao modo de como são escritas para serem transmitidas aos estudiosos e leitores em geral, existem semelhanças entre o pensamento jurídico e o matemático. Destacamos aspectos que vão além da aplicação direta da Matemática nas questões tributárias e de cálculos financeiros, como o questionamento filosófico, o modo de pensar e como pensar, como questionar e perquirir; a presença de uma parte teórica que encontra problemas práticos quando aplicadas devido à infinidade de variáveis do que podemos verificar na realidade tangível; a divergência de opiniões sobre a origem do Direito e da Matemática; a aplicação da lógica como ferramenta comum e como intuitivamente aplicamos à lógica nos textos jurídicos de forma semelhante ao que se verifica na Matemática. Embora ainda muito singela nos pareça essa associação entre Matemática e Direito, citamos também mentes brilhantes que não se limitaram a explorar somente uma ou outra área, mas sim buscar a fusão do conhecimento, pois um mesmo objeto pode ser visto de muitas formas distintas, pelas lentes de muitas ciências. Embora também aparentam residir em dois extremos distantes, sábio foi Aristóteles que nos disse que os extremos são vícios, pois ainda que caminhando em direções opostas em uma mesma reta, esta irá se encerrar em uma circunferência, onde os extremos se tocam, pela hermenêutica de ser a reta uma circunferência de raio infinito.


                   Referências

[1,3] HERKENHOFF, João Baptista. Para gostar do Direito (Carta de Iniciação para gostar do Direito). Editora Livraria do Advogado, Porto Alegre, 3ªed, 2000.

[2] SIMMONS, John. Os 100 Maiores Cientistas de Todos os Tempos. Editora Bertrand Brasil Ltda, Rio de Janeiro, 5ª Ed, 2010.

[4] BATSCHELET, Edward. Introdução à Matemática para Biocientistas. Interciência, São Paulo, 1978.

[5] GUYTON & HALL. Tratado de Fisiologia Médica. Editora Elsevier, São Paulo,12ª Edição, 2011.

[6] RANDALL; BURGGREN; FRENCH. Fisiologia Animal: Mecanismos e Adaptações. Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 4ª ed, 2000.

[7] SCHIMIDT-NIELSEN, Knut. Fisiologia Animal: Adaptação e Meio Ambiente. Editora Santos. São Paulo, 5ª ed, 2011.

[8] MOYES D. Christopher; SCHULTE, Patricia M.; Princípios de Fisiologia Animal. Artmed, Porto Alegre. 2ª ed, 2010.

[9]  STEWART, Ian. Almanaque das Curiosidades Matemáticas. Editora Zahar, Rio de Janeiro., 2009.                                                                                                                        

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Sobre o autor
Henrique José Rosa Pelicano

Graduando em Direito.

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