Estudo comparativo de técnicas de julgamento no atual e no projeto do novo CPC: avanços e retrocessos

01/02/2015 às 11:21
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Nesse estudo comparativo entre recursos no atual e no novo CPC, às vias de entrar em vigência, busca-se demonstrar a ênfase atualmente dada a três grandes pilares no processo civil brasileiro: celeridade, efetividade e eficiência dos atos processuais.

Introdução

A grande quantidade de leis extravagantes que buscaram alterar certos pontos no Código de Processo Civil de 1973 culminaram em algumas incongruências entre dispositivos, o que estimulou a iniciativa de criação de um novo CPC.

As duas grandes novas tendências do Processo Civil brasileiro são imprimir celeridade, efetividade e eficiência aos atos processuais[1] e relativizar a forma, concebendo a finalidade do ato como mais relevante que a obediência a procedimentos pré-determinados.

Gilberto Bruschi dá ênfase ao princípio da instrumentalidade das formas como nova tendência para o processo civil, mas isso não significa que a forma deva ser completamente desprezada. Significa dizer, entretanto, que o ato somente deverá ser anulado se, pela não observância da forma, o fim almejado não for atingido. Caso contrário, o ato poderá ser considerado como válido ou sanado sem que seja declarado nulo (o que deve ocorrer sempre judicialmente).

O atual art. 154 do Código de Processo Civil dá margem para a aplicação do princípio da instrumentalidade; no entanto, o sistema atual ainda opta pela legalidade em detrimento da liberdade das formas.

O novo CPC também busca dar maior ênfase ao direito consuetudinário, determinando que os juízes tenham maior apreço pelos precedentes. O excesso de divergência jurisprudencial causa demasiada insegurança jurídica, o que deve ser amenizado. Com efeito, o sistema de precedentes judiciais não elimina as divergências, mas ameniza-as, de modo a garantir-lhe maior integridade[2].

Em suma, o CPC de 1973 já se mostrava obsoleto em certos pontos, e as novas técnicas de julgamento inseridas no projeto podem trazer benefícios para a qualidade da prestação jurisdicional.

  1. Apelação

1.1 Aspectos introdutórios acerca do recurso

A apelação, tradicionalmente, é o recurso que cabe contra sentença. Segundo Gilberto Bruschi, o novo conceito de sentença deve priorizar o conteúdo do ato decisório, já que o novo modelo do processo – qual seja, o processo sincrético, em que uma só ação pode conter as fases cognitiva e executiva - conceitua sentença como o ato que encerra a fase cognitiva do processo, por ocasião de algum dos incisos dos arts. 267 e 269 do CPC atual. No entanto, não se pode perder de vista que o processo de conhecimento também pode ser extinto por indeferimento liminar da inicial, por exemplo, sem que esse ato se constitua em sentença. Os principais efeitos inerentes à apelação são o suspensivo e devolutivo, podendo o suspensivo ser suprimido nas hipóteses elencadas no art. 520 do atual Código de Processo Civil.

  1. 1.2 Julgamento da apelação

Atualmente, deve o juiz de 2º grau, primeiramente, observar se fora interposto agravo de instrumento ou retido (este último deve ser analisado em sede de preliminar da apelação).

O relator pode, de acordo com o atual CPC, negar seguimento à apelação manifestadamente inadmissível, improcedente ou prejudicada, ou ainda que contrarie súmula ou orientação dominante do tribunal ou de tribunal superior.

O relator também pode dar imediato provimento ao recurso quando a sentença impugnada for contrária a jurisprudência dominante[3] do STJ ou STF.

O revisor analisará o processo, se for o caso (como demandas que versarem sobre questão predominantemente de fato), e será incluída data para julgamento da apelação, em colegiado.

1.3 Mudanças significativas no projeto do novo CPC

A primeira mudança significativa que pode ser destacada quanto à apelação é o julgador competente para efetuar o juízo de admissibilidade desse recurso. Diferentemente do que ocorre no sistema atual, o projeto inova ao determinar que o relator do tribunal é quem será competente para efetuar o juízo de admissibilidade da apelação. Dessa forma, não mais será possível agravar de instrumento da decisão que inadmitir a apelação, dando-se maior celeridade ao procedimento.

É interessante observar que o recurso de apelação, no projeto do novo CPC, se tornou mais abrangente, ou seja: pode ser interposto em mais casos do que no sistema atual. Isto porque o agravo retido será eliminado, e o recurso contra decisão interlocutória (salvo casos de urgência, em que se continuará interpondo agravo de instrumento) será a apelação.

Como se sabe, no sistema atual, contra decisão interlocutória é interposto agravo retido, que deve aguardar o julgamento da apelação para ser apreciado (o objetivo primordial do agravo retido é evitar a preclusão). No entanto, o pedido de apreciação do agravo deve ser expressamente reiterado na petição do recurso de apelação, sob pena de não conhecimento (art. 523, §1º).

 No projeto, é instaurado no Brasil o sistema de “protestos”, que farão as vias do agravo retido, impedindo a ocorrência de preclusão. No momento em que for proferida a decisão interlocutória que se pretende recorrer, deve-se apresentar o protesto. Entretanto, a matéria só será de fato impugnada na apelação.

O efeito suspensivo se mantém. A polêmica a respeito dessa manutenção é a antiga discussão acerca da credibilidade da sentença proferida em primeiro grau. Isto porque a extinção do efeito suspensivo, sem dúvida, conferiria mais definitividade ao decidido em primeira instância.

No entanto, sabe-se que há casos tanto no atual CPC quanto no projeto em que a apelação será recebida somente no efeito devolutivo, podendo a sentença ser imediatamente executada. As mudanças no projeto ficaram por conta do pedido de concessão do efeito suspensivo nos casos em que a própria lei estabelece que este não existirá (como o caso da sentença que condena à prestação de alimentos). O pedido deverá ser encaminhando ao juiz de primeiro grau caso ocorra entre o período de interposição da apelação e sua distribuição no tribunal, ou ao relator caso o recurso já tenha sido distribuído.

Outra mudança quanto a este tópico refere-se à não incidência do efeito suspensivo também nos casos de antecipação de tutela. No atual CPC, art. 520, inciso VII, só se remete ao vocábulo “confirmar” os efeitos da antecipação de tutela. Já no projeto do novo CPC, também só se receberá a apelação no efeito devolutivo nos casos de “concessão” e “revogação” da liminar, assim como a sentença que decretar a interdição (art.1025, incisos V e VI do projeto).

Outro aspecto importante que diz respeito à mudança na técnica de julgamento do recurso de apelação é o número de casos em que o tribunal poderá julgar diretamente o mérito da causa. Como ensina Ana Carolina Bahiense:

“Atualmente, o tribunal pode prosseguir no julgamento do mérito, ainda que não analisado pelo juízo de primeira instância, somente nos casos em que a sentença extinguiu o processo sem resolução do mérito, a matéria discutida for exclusivamente de direito e a lide estiver em situação de imediato julgamento. 

A partir da aprovação final do projeto de lei, o tribunal enfrentará diretamente o mérito quando a lide estiver em situação de imediato julgamento, independentemente de ser, ou não, a matéria discutida exclusivamente de direito. Além disso, o tribunal poderá conhecer diretamente do pedido não somente quando o recurso intentar a modificação de sentença que tenha julgado extinto o processo sem resolução do mérito, mas também quando o tribunal  declarar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou causa de pedir;  constatar omissão de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo;  declarar nulidade da sentença por falta de fundamentação e reformar sentença que reconheceu a decadência ou prescrição” (BAHIENSE, 2013)

Quanto às decisões monocráticas, mantém-se a possibilidade de negar seguimento a recurso manifestadamente inadmissível ou prejudicado (aquele que perdeu seu objeto), atual art. 527. No entanto, são criadas mais hipóteses. Poderá haver julgamento monocrático, por exemplo, se o recurso ou a sentença forem contrários à súmula do tribunal julgador, do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal, em casos de julgamento de recursos repetitivos por estes tribunais superiores. Não mais se remete à expressão “jurisprudência dominante”, tornando o texto legal mais específico.

1.4 Avanços e retrocessos

Há crítica quanto a manutenção do efeito suspensivo. A expectativa de muitos doutrinadores era a de que esse efeito seria retirado do recurso de apelação. No entanto, não se pense que somente a supressão do efeito suspensivo seria a panaceia para todos os males da morosidade no julgamento da apelação. Como bem assevera Araken de Assis, “só o paulatino decréscimo do número de processos futuros, a progressiva informatização e o aprimoramento dos serviços nos tribunais, aumentando a eficiência do processamento de recursos e de causas de competência originária permitirão o julgamento em prazo razoável”.

No entanto, as mudanças trazidas levam à expectativa de que haja maior celeridade no julgamento desse recurso com a vigência do novo CPC.

  1. 2. Embargos de divergência

2.1 Aspectos introdutórios acerca do recurso

Atualmente, os embargos de divergência são interpostos contra decisão que julga recurso especial, divergindo de outra turma, sessão ou órgão especial em sua decisão. Também pode ser interposto contra decisão de julgamento de recurso extraordinário que divirja de outra turma ou plenário. Têm o objetivo, segundo Cândido Rangel Dinamarco, de minorar as incongruências entre turmas do mesmo Tribunal.

Quanto à possibilidade de interposição de embargos de divergência mesmo nos casos em que o acórdão for proveniente da mesma Turma, há entendimento do STJ que admite esta possibilidade, nos casos em que houver mudança na composição da turma, por exemplo[4].

De acordo com o entendimento de Tereza Wambier, o objetivo dos embargos de divergência, muitas vezes menosprezado pelos objetivos de reformar, substituir ou corrigir uma decisão, é o de uniformizar a jurisprudência: objetivo de grande relevância.

Há lei especifica que regulamenta esse recurso – Lei 8950/94 -, apesar de o próprio CPC atual prescrever no art. 546 que os regimentos internos dos tribunais devam regulamentar seu procedimento de forma mais específica. O projeto traz mais dispositivos acerca desse recurso, delimitando de certa forma seu cabimento.

Quanto aos efeitos, é importante salientar a não incidência dos efeitos translativo (aquele que uma vez presente autoriza o julgador a conhecer de ofício as matérias de ordem pública, independente de requerimento) e suspensivo (que prorroga o estado de ineficácia do julgado), pois que se trata do mesmo regime aplicável aos recursos excepcionais (especial e extraordinário).[5]

Contra decisão que inadmitir os embargos de divergência, atualmente não cabe recurso. No entanto, é possível interposição de agravo regimental quando do indeferimento por parte do relator (decisão monocrática). Atualmente cabem, ainda, do acórdão que julgar a divergência, interposição de embargos de declaração.

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Interessante analisar a edição de duas súmulas pelo Superior Tribunal de Justiça que tratam acerca dos embargos de divergência:

Súmula 315. “Não cabem embargos de divergência no âmbito do agravo de instrumento que não admite recurso especial”

Essa súmula se explica da seguinte maneira: uma vez que o agravo de instrumento seja negado, não é julgado o mérito do recurso especial, mas sim a manutenção de sua inadmissão. Logo, já que não houve preenchimento dos requisitos de admissibilidade, não deve ser cabível a interposição de embargos de divergência. Como já mencionado, um dos requisitos para cabimento dos embargos de divergência é o julgamento do recurso especial ou extraordinário.

Súmula 316. “Cabem embargos de divergência contra acórdão que, em agravo regimental, decide o recurso especial”

Essa hipótese refere-se ao caso em que, no julgamento do agravo de instrumento (ou seja, quando este fora admitido), é analisado também o mérito do recurso especial. É o caso prescrito no §3º do art. 544 do CPC atual: o relator conhece do agravo para dar provimento ao recurso especial (sendo satisfeito o requisito de julgamento de mérito do RE).

O CPC atual não traz prazo par interposição de embargos de divergência, prevalecendo a solução dada pelo STJ, por exemplo, que no art. 266, caput, do seu regimento interno prevê o prazo de 15 (quinze) dias para interposição e apresentação de contrarrazões.

  1. 2.2 Julgamento dos embargos de divergência

O presidente do STF ou STJ é o responsável por incluir o julgamento dos embargos de divergência na pauta, designando data para tal e publicando-a. Há leitura do relatório e possibilidade de sustentação oral, com manifestação do Ministério Público, seguida da votação. No mais, segue-se o modelo de julgamento dos outros embargos.

2.3 Mudanças significativas no projeto do novo CPC

O projeto do novo CPC amplia as hipóteses de cabimento de embargos de divergência, apesar de não diferir de forma tão brusca do atual CPC.

 Por exemplo, será possível a interposição desse recurso em casos de competência originária, quando houver contradição do acórdão com outro órgão do tribunal. É também enfatizada a regra de que a divergência poderá ser de ordem material ou processual: ou seja, a divergência pode estar na análise do preenchimento dos requisitos de admissibilidade do recurso. Luiz Manoel Gomes Junior e Miriam Fechio Chueiri dão relevância ainda à permissão de “utilização de paradigma na qual o recurso extraordinário ou especial não tenha sido conhecido, mas desde que o mérito tenha sido analisado”[6].

Além disso, os embargos de divergência ensejarão a suspensão do prazo para a interposição de outro recurso extraordinário.

2.4 Avanços e retrocessos

Nesse caso, a iniciativa do projeto é louvável, uma vez que regulamenta de maneira bem mais específica o procedimento dos embargos de divergência. Além disso, traz com mais minúcias os casos em que esse recurso é cabível, amplia a possibilidade outrora restrita ao embargo por ocasião de interposição anterior de recurso especial ou extraordinário (poderá ser interposto até mesmo em casos de competência originária) e especifica a natureza da divergência, que poderá ser tanto material quanto processual.

  1. 3. Embargos infringentes

  1. 3.1 Aspectos introdutórios acerca do recurso

Quanto a esse recurso, reconhecido expressamente no atual Código de Processo Civil, houve controvérsias quanto à sua manutenção ou retirada no novo CPC.A favor da supressão dos embargos infringentes se manifestou, por exemplo, o Ministro Luiz Fux[7], defendendo que o Brasil é o único país em que esse recurso existe, entendendo-os ineficientes.

Basicamente, os embargos infringentes consistem em ser o recurso que enseja “o voto vencido à apreciação de um órgão maior, dentro do próprio tribunal (no qual está inserido o órgão julgador em que foi proferido o voto vencido), buscando fazê-lo preponderar”[8]. O cabimento desse recurso atualmente é, portanto, quando há voto vencido pelo colegiado, ou seja, que teve a minoria dos votos. É interposto para que o voto minoritário possa vir a prevalecer.

No entanto, esse recurso, mesmo atualmente, não é cabível para impugnar decisão colegiada de todo e qualquer recurso. O CPC atual estabelece seu cabimento quando houver divergência em apelação, ação rescisória e recurso ordinário, basicamente.

Segundo Barbosa Moreira, não importam os fundamentos dos votos de cada julgador, interessando apenas suas conclusões. Importante observar que, em caso de cumulação de pedidos, podem haver conclusões distintas para cada um dos pedidos, o que deve ser analisado com cautela.

  1. 3.2 Julgamento dos embargos infringentes

Quanto ao julgamento dos embargos infringentes, salienta Araken de Assis que o CPC atual não exige que os julgadores da apelação ou ação rescisória participem do julgamento dos embargos. Além disso, o órgão ad quem pode não conhecer dos embargos infringentes, apesar de o relator tê-los admitido.

Em caso de empate no julgamento dos embargos (que pode ocorrer em casos excepcionais, apesar de os órgãos fracionários dos tribunais preverem número ímpar de membros, como por ocasião da falta de um deles), o STF aceita a aplicação da antiga regra do CPC de 1939, que determinava a prevalência do acórdão embargado. Vencendo, o relator redigirá o acordão; sendo vencido, o autor do primeiro voto vencedor o fará. Há efeito substitutivo.

3.3 Mudanças significativas no projeto do novo CPC

É estrutural a mudança quanto a este recurso no projeto do novo CPC. Isso porque os atuais embargos infringentes não mais serão encarados como recurso típico, e sim substituídos por uma técnica de reexame necessário. No art. 1007 do projeto estabelece-se os recursos cabíveis (em obediência ao princípio da taxatividade), a saber:

Art. 1007. São cabíveis os seguintes recursos:

I – apelação;

II – agravo de instrumento;

III – agravo interno;

IV – embargos de declaração/

V – recurso ordinário;

VI – recurso especial;

VII – recurso extraordinário;

VIII – agravo extraordinário;

IX – embargos de divergência.

Como já mencionado, não mais existirá a figura do agravo retido, assim como é criada a figura do agravo extraordinário, e o que mais interessa nesse tópico: os embargos infringentes não mais constarão do rol de recursos no novo CPC. O art. 955 do projeto prescreve que:

Art. 955. Quando o resultado da apelação não for unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, a serem convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores.                      

Essa técnica de julgamento, segundo o projeto, também será aplicada aos recursos de ação rescisória (somente quando a decisão for pela rescisão da sentença) e agravo de instrumento (quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito).

Os principais argumentos favoráveis à supressão dos embargos infringentes são elencados por Marcelo Dantas: a) o recurso causa morosidade processual, até por gerar discussões tocantes a seu próprio cabimento; b) o recurso é ineficiente como forma de aperfeiçoar o julgado, porque geralmente é seguido de um especial ou extraordinário, que possibilitam revisão da matéria junto às cortes superiores, o que tornará inócua a possível alteração que se faça no tribunal a quo; c) a técnica da inclusão do voto vencido garante à parte interessada em recorrer amplas possibilidades de obter tão revisão nas cortes ad quem, já que se garante que vale até para fins de prequestionamento.

Há também uma parcela minoritária que defende a manutenção dos embargos infringentes, utilizando-se dos seguintes argumentos: a proporção do número de embargos infringentes interpostos é pequena em relação à utilização de outros recursos; a quantidade de embargos infringentes providos é alta.

Saliente-se que o Brasil é o único ordenamento que ainda persiste com a existência dessa figura recursal. O que a maioria da doutrina defende atualmente é a supressão dos embargos infringentes, mas nem todos que opinam por essa saída são a favor da criação da nova técnica de reexame necessário.

3.4 Avanços e retrocessos

A questão que fica é: qual seria a diferença, na prática, de suprimir os embargos infringentes como tipo recursal e instituir uma técnica de reexame? Em tese, a instauração dessa nova técnica traria mais rapidez ao procedimento, uma vez que não mais seria necessária a abertura de prazo para possibilidade de interposição do recurso (que, vale lembrar, é sempre facultativo e ônus processual da parte interessada), posterior apresentação de contrarrazões e inclusão do recurso na pauta de julgamento. Ou seja: a nova técnica, ao menos é o que se pretende, ocasionaria um reexame “automático” nos casos em que houvesse voto vencido, podendo gerar uma reanálise da decisão de forma mais rápida.

No entanto, é salutar a reflexão feita por Marcelo Dantas, ao concluir que, na prática, a convocação de novos julgadores não será tão fácil quanto possa parecer. Isto porque, principalmente, devem esses novos julgadores comparecer em número suficiente para que se possa inverter a decisão inicial. Ou seja: caso haja um voto divergente, deverão ser convocados, no mínimo, dois julgadores.

A problemática se vê mais acentuada ao passo que, de acordo com o mesmo doutrinador, existem vários Tribunais de segundo grau que funcionam com três, cinco ou sete desembargadores em câmaras ou turmas constituídas, e, obrigatoriamente, os julgadores que efetuarão o reexame serão oriundos de turmas/câmaras diversas, o que macula o princípio do juiz natural.

A conclusão do autor é que a substituição dos embargos infringentes pela técnica de reexame é pior do que a manutenção do recurso. Isto porque de nada adianta criar uma nova técnica, teoricamente mais simples, mas que não poderá ser concretizada por simples lógica matemática (não há estrutura de pessoal para que seja efetivada). A solução concebida seria a simples supressão dos embargos infringentes, sem que haja a necessidade de uma técnica de reexame.

4. Conclusão

Sem dúvidas, o projeto do novo CPC tem potencial para trazer mais benefícios do que malefícios ao sistema processual brasileiro. No que se refere aos recursos, bem assevera Tereza Wambier que não é sua existência prevista nos Códigos de Processo, por si só, que ocasionam a morosidade processual. As condutas humanas, por vezes eivadas de má-fé, acabam contribuindo em grande parte para a demanda absurda que existe no Judiciário brasileiro. Tome-se por exemplo a mentalidade culturalmente incentivada de que o Judiciário é a primeira resposta para qualquer conflito, e não a última, além de alguns advogados que buscam a maior quantidade de recursos possível para locupletarem-se ilicitamente e deixar seus clientes sem uma solução definitiva para seus problemas.

É também de se enfatizar a instabilidade da jurisprudência nos tribunais, apesar de o sistema de precedentes ser uma tendência forte no Brasil.

Em suma, muito se avançou e há potencial para se avançar ainda mais; entretanto, não é a aprovação de um novo Código que solucionará todos os problemas.

O projeto do novo CPC prevê expressamente o princípio da eficiência do processo como norma fundamental processual[9], assim como a publicidade, a proporcionalidade, razoabilidade e legalidade. A eficiência ganha destaque, pois se torna pressuposto de cumprimento do devido processo legal. Relaciona-se à forma como será gerido o processo, trazendo alguns conceitos do Direito Administrativo para o Processo Civil.

Para finalizar, nenhuma frase se conjuntaria melhor ao sentimento de otimismo que o projeto traz, sem tirar de vista que há de haver um esforço conjunto para que a prestação jurisdicional seja mais eficiente: “Novas leis não operam milagres. O que faz milagres é a boa vontade dos homens”[10].

Referências Bibliográficas

ASSIS, Araken de. MANUAL DOS RECURSOS. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

BRUSCHI, Gilberto Gomes. Apelação Civil: Teoria Geral, Procedimento e Saneamento de vícios pelo Tribunal. São Paulo: Saraiva, 2012.

DINAMARCO, Candido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. V.3 São Paulo: Malheiros, 2009.

FREIRE, Alexandre. DANTAS, Bruno. NUNES, Dierle. JR., Fredie Didier. MEDINA, José Miguel Garcia. FUX, Luiz. CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Novas Tendências do Processo Civil: estudos sobre o projeto do novo Código de Processo Civil. Salvador: Editora Juspodivm, 2013.

NERY JUNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 6ª Ed. Atual., ampl. e reform. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004

MARINONI, Luis Guilherme e ARENHART, Sergio Cruz. PROCESSO DE CONHECIMENTO. 11ª edição, revista e atualizada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 17ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; WAMBIER, Luiz Rodrigues. Breves Comentários À Nova Sistemática Processual Civil, Vol. 3. São Paulo: RT, 2009.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso Especial, Recurso Extraordinário e Ação Rescisória. 2ª edição, reformulada e atualizada da obra Controle das decisões judiciais por meio de recursos de estrito direito e de ação rescisória. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

<<http://www.conjur.com.br/2006jan18/embargos_divergencias_sumulas_315_316_stj>>. Disponível em 02/01/2014.

<<http://www.conjur.com.br/2013-ago-03/ana-carolina-bahiense-cpc-faz-alteracoes-relevantes-apelacao>>. Disponível em 28/12/2013.


[1] Segundo Freddie Didier, “efetivo é o processo que realiza o direito afirmado e reconhecido judicialmente. Eficiente é o processo que atingiu esse resultado de modo satisfatório (...) um processo pode ser efetivo sem ter sido eficiente – atingiu-se o fim da “realização do direito” de modo insatisfatório.” 

[2] Sobre o assunto: Para uma compreensão adequada do sistema de precedentes no projeto do Novo CPC brasileiro. MEDINA, José Miguel Garcia. FREIRE, Alexandre. FREIRE, Alonso. 2012.

[3] “O conceito de jurisprudência dominante apresenta dificuldade, em razão da variação de entendimento a respeito de algumas matérias, nos Tribunais, até mesmo devido à alteração na composição, mas é geralmente compreendido como indicador da posição amplamente majoritária na solução de uma questão por suas diversas turmas ou câmaras, ou pela seção , órgão especial ou plenário, num mesmo sentido.” (GUIMARÃES, José Alvaro: Recursos no Processo Civil. 2012)

[4] STJ, 3ª Seção, AgRg no EREsp 328.989/RS. Min. Felix Fischer. 11.10.2006

[5] Como bem observa Nelson Nery Jr., em Teoria Geral dos Recursos, 6ª ed., pg. 43.

[6] Análise dos principais pontos da proposta de um anteprojeto de um Código de Processo Civil – sistema recursal. Novas Tendências do Processo Civil. Pg. 530. 2012.

[7] Em “A problemática dos embargos infringentes no projeto do novo Código de Processo Civil”. DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Pg. 731.

[8] MARINONI, Luis Guilherme.

[9] JR. Didier, Fredie. Apontamentos para a concretização do princípio da eficiência do processo. Novas Tendências do Processo Civil. Pg. 433.

[10] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Reforma do Processo Civil: São os recursos o grande vilão? Novas Tendências do Processo Civil. Pg. 749.

Sobre a autora
Roberta Silva Vasconcelos

Advogada. Mestranda em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão. Membro do Núcleo de Estudos em Direitos Humanos (NEDH-UFMA).

Informações sobre o texto

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