Je suis "la liberté" : fanatismo

06/02/2015 às 09:57
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Abordagem sobre o fanatismo, exemplificando com situações históricas, até o momento atual, que culmina com o que ocorreu em Paris (janeiro/2015), no Charlie Hebdo., fazendo-se correlação com nossa legislação.

                                              

O fanatismo é uma doença moral. Mais do que isso, é uma doença da personalidade. O fanático é um deformado, que vê a vida e os homens, por outro prisma. É como se olhasse a realidade – fatos, homens, ideias – refletidas por um espelho deformante. Só enxerga o próprio interesse, as próprias maneiras de encarar a vida. Tudo o mais está errado. Só ele tem razão.

Tivemos uma triste manifestação de fanatismo de caráter religioso na época da inquisição. Matavam-se, exilavam-se, perseguiam-se pessoas apenas por não comungarem no mesmo credo. Os judeus foram as maiores vítimas. A fogueira foi instrumento. O fenômeno contra eles repetiu-se com o nazismo, que sacrificou, pelo gás, nos campos de concentração, com requintes de barbarismo, milhões de pessoas  que não tiveram a chance da fuga e do exílio. Verdadeira monstruosidade que, indelevelmente, maculou a história da humanidade.

Os cristãos também sofreram pelo fanatismo, e muitos olvidam tão vergonhosa época, pois no tempo do paganismo romano, não se titubeava em levar às arenas de feras e à cruz, os “inimigos” adeptos de Cristo.

Mais atual é o fanatismo político-ideológico. O nosso tempo é rico de suas manifestações. Durante a guerra de 1939, por exemplo, presenciou-se os tentáculos da perseguição política atingirem até os exilados da ditadura, em Nova Iorque, que lá estavam lutando para sobreviver. Os seus servos queriam matá-los de fome. O exílio era, pela visão distorcida dos governantes, a maneira do governo ditatorial livrar-se deles, como se fossem donos do país, negando aos adversários o direito de viver no seu país, só porque eram contrários ao regime e exceção.

Depois de 1964, outras formas foram inventadas, mais ferozes ou mais sofisticadas de perseguição e de fazer calar os inimigos. Exílio, silêncio, tortura, desconfiança, intimidação, terrorismo. E como o Brasil deu exemplos disto!

Há, todavia, uma modalidade de fanatismo, que é mais comum e às vezes mais sutil. Não tira a vida, não exila, quer impor e reduzir ao silêncio. Exila dentro do próprio país. É o exilio intelectual, o patrulhamento ideológico, tão fanático quantas outras formas, por nós já delineadas.

Poderíamos citar os fanáticos de esquerda e direita. Os seus adeptos não se libertaram da velhice doutrinária. Falam e agem em nome de um socialismo superado e arcaico. Não compreenderam a mudança dos tempos. Não enxergaram a queda de sua ideologia no mundo. E continuam, em nosso país, sempre atrasado meio século em relação à cultura universal, remoendo os seus slogans, como se fossem dogmas definitivos.

O seu recurso mais à mão é o patrulhamento ideológico. Num país pouco afeito a raciocinar sobre valores, num país que nada analisa – nem homens, nem fatos, nem ideias – o que fazem é condenar as pessoas pelas aparências, pela cara de que não gostam, pelo que dizem ao arrepio da verdade deles, que é absoluta. Ninguém pode ser independente. Era como no tempo do fanatismo. Intolerância, inquisição, redução ao silêncio. Tapar a boca, independente, nunca. Suas ideias não importavam. O que fazem só merecer o desprezo, a conspiração do silêncio. A verdade é somente a deles. Só não matam fisicamente. Reduzem ao silêncio, outra forma de morte.

Ocupam os postos de comando da opinião e aí exercem o seu poder ditatorial ferrenho.

Porém, esta situação tem vindo à tona, nos tempos modernos, apesar de não ser desconhecida, há tempos, dos governantes mundiais atuais, no que concerne ao fanatismo de grupos que, ERRONEAMENTE, se auto intitulam “DEFENSORES DO ISLAM”. Ledo engano.

O que ocorreu no Charlie Hebdo, em janeiro/2015, não é o primeiro, e nem será o último cartoon que brinca com líderes ou personagens religiosos a circular na mídia. O que ocorreu foi que, após este episódio de Paris, tais caricaturas ganharam ainda mais notoriedade. O que comumente se observa é que, essas manifestações são encontradas no seio de pessoas com orientação ateísta, mas, de modo sistêmico e imperceptivelmente, acabam sendo compartilhadas por diferentes perfis de usuários e grupos, especialmente nas redes sociais.

Quem vê e visualiza nos cartoons “apenas humor”, certamente não vislumbra o que incontável número de pessoas que sustentam sua fé segundo os ensinamentos de uma religião são violentadas, nos seus mais comezinhos princípios dogmáticos. É, sem sombras de dúvidas, nesse rol de motivações, que nascem brechas para o fanatismo (intolerância) onde vão desembocar os conflitos, alimentado pela antiga lei da ação e reação.

O dileto mestre Pinto Ferreira é usado por Alexandre Moraes para destrinchar o tratamento que o Estado Democrático confere ao direito à liberdade:

“o Estado democrático defende o conteúdo essencial da manifestação da liberdade (de expressão), que é assegurado tanto sob o aspecto positivo, ou seja, proteção da exteriorização da opinião, como sob o aspecto negativo, referente à proibição da censura”. (FERREIRA, Pinto. Comentários... V.1, pág. 68, apud MORAES).

A nossa Carta Magna de 05/10 de 1988, assegura a liberdade de expressão, independente de censura, conforme insculpido no art. 5º, IX, além da livre manifestação de pensamento, constante no mesmo dispositivo legal, inciso VI, contudo, não olvida de assegurar a liberdade de consciência e de crença, com isto, ofertando, a tais dogmas, um escudo de inviolabilidade. Para termos compreensão sobre a ofensa e a ilegalidade dessas manifestações basta fazer uma reflexão sobre este caráter inviolável que a Carta Política de 1988 conferiu ao direito de livre opção religiosa, ou de crença. Se adentrarmos um pouco mais, na interpretação teleológica do dispositivo mencionado e ainda, embasado na doutrina colacionada por Alexandre Moraes, é de se observar, ipso jure, a premência pela qual o viés negativo proíba, além da censura, manifestações de liberdade de expressão que violem e ofendam o direito à liberdade religiosa. A inviolabilidade tem por escopo garantir um direito fundamental, que atua e solidifica a construção da pessoa humana, juris et de jure.

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A partir do instante pelo qual um direito é exercido sem que haja o equilíbrio necessário, ele, certamente, interferirá no exercício de outro, acarretando conflitos e desequilíbrios jurídicos, visto que praecepta juris, pois neminem laedere. A vedação, quanto ao agir, em meu entender, não deve partir de um ato do Estado, mas sim, da consciência de cada pessoa, que opta em expressar suas ideias publicamente.

Nossa jurisprudência é farta e pacífica, quanto ao enfoque trazido à baila, porém creio que o insigne mestre e Juiz de 2ª instância, Desembargador Roy Reis Friede, TRF / 2ª Região, quanto relator do Ag. de Instrumento interposto pelo parquet federal, do RJ, contra a Google objetivando exclusão de vídeos, contendo atos de intolerância e discriminação religiosa, magistralmente conduziu seu voto, da seguinte forma:

“... a liberdade de exteriorização do pensamento, em particular – a exemplo de outros direitos fundamentais -, não pode ser, de nenhum modo, interpretada de forma absoluta, posto que, em certas situações, poderá haver efetivo prejuízo social no que tange, entre outros, ao sinérgico desrespeito aos valores éticos da pessoa e da família”.

Sem que se leve em conta as diversidades e a ponderação, naquilo que se expressa, não há como consolidar a democracia no Brasil, jovem ainda, mas que, com o respeito aos princípios constitucionais abordados atingiremos uma maturidade, que trar-nos-á os frutos que tanto sonhamos colher. Saber usar e exigir ações conscientes não é um ato de autocensura, mas sim, uma demonstração de sobriedade, maturidade, inteligência e equilíbrio, demonstrando um aprendizado no que concerne aquilo que se busca no Direito, pois só assim chegaremos ao lex est commune praecpta.

As barbáries que presenciamos pela mídia, levadas à efeito por fanáticos, perpetram o desiquilíbrio e certamente fomentarão, ainda mais, aquilo que seus executores, ou os que pensam em aderir a causas como estas, pensam, pois a Lei da Ação e Reação, seguramente virá à lume.

Sobre o autor
Gilberto Linhares Teixeira

Estudante de Direito – FANESE – 6º PERÍODO

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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