4. Momento a partir do qual produz seus efeitos.
O momento em que o tratado internacional passa a possuir eficácia deve ser estudado cindindo-se o mesmo em duas partes: a) o momento da assinatura do tratado e b) o momento da ratificação do tratado.
O primeiro momento, o da assinatura (ou celebração) do tratado, como ato de soberania que é, requer, segundo dispõe a Constituição Federal, que seja praticado, privativamente, pelo Chefe de Estado, ou seja, pelo Presidente da República, na qualidade de representante da República Federativa do Brasil nas questões relativas à seara internacional.
Aliás, esse é o comando contido no artigo 84, inciso VIII da Magna Carta, que assim dispõe:
"Art.84. Compete privativamente ao Presidente da República:
(...)
VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos ao referendo do Congresso Nacional".
Convém assinalar, entretanto, que apreciado, ainda neste momento, o tratado ou convenção internacional não obriga o país assinante a observá-lo e cumpri-lo perante as relações jurídicas que forem travadas dentro do seu foro interno, ou seja, ainda não se encontra vigente e integrado ao ordenamento jurídico interno, obrigando apenas o país, no que concerne às relações internacionais que venha a manter com os outros países assinantes (51).
Sendo assim, para que os tratados possam obter vigência e produzir todos os seus efeitos no ordenamento jurídico interno, mister se faz que estes sejam referendados (ou ratificados) pelo Congresso Nacional (CF, art. 49, I) (52), por meio de decreto legislativo.
Mas não é só isso. Após a aprovação pelo Congresso Nacional, a eficácia depende, ainda, da futura edição de decreto do Presidente da República.
Como se vê, trata-se de ato complexo, sujeito à conjugação de vontades do Congresso Nacional, que resolve definitivamente mediante a aprovação por decreto legislativo, e do Presidente da República, que celebra o acordo como Chefe de Estado para promulgá-lo após o referendo do Parlamento (STF, CR 8.279-4, Rel. Min. Celso de Mello, DJU, 14 de maio 1998, p.35-6).
Vê, por conseguinte, que é a conjugação dos Poderes Legislativo e Executivo, independentes e harmônicos entre si (CF, art. 2º), que permite aos tratados produzirem seus efeitos. E, nisto, estes se assemelham às leis ordinárias, vez que obedecem a processo de aprovação muito semelhante ao processo legislativo daquelas (CF, art. 61 usque 69).
5. Pactos Internacionais que exercem ingerência no processo penal brasileiro.
Como se sabe o Brasil é assinante de diversos pactos, tratados e convenções internacionais. Contudo, interessa-nos, no momento, ressaltar dois dos mais importantes no que tange à sua influência no processo penal brasileiro, quais sejam, o Pacto de São José de Costa Rica e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (ou Pacto de Nova York).
O primeiro foi aprovado pelo decreto legislativo nº27, de 1992 (DO de 28.5.1992) e promulgado pelo decreto nº678, de 1992. Tal pacto proporciona sensíveis avanços garantistas (53) para os direitos penal e processual penal brasileiro, permitindo, não só uma leitura mais constitucional desses ramos do direito, como também uma visão mais humanista dos mesmos. Isto, aliás, é o que se constata a partir da leitura dos artigos 4º a 9º, além dos artigos 11, 12, 13, 22, 24, 25, 27, 74, 75, 76, 77 e 78.
O mesmo se diga acerca do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos – aprovado pelo decreto legislativo nº226, de 1991 (DO de 13.12.1991) e promulgado pelo decreto nº592, de 1992 – que, a exemplo de seu artigo 9º, proporciona a proteção e extensão dos direitos e garantias da pessoa humana.
Notas
1. HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Sérgio Antônio Fabris Editor (SAFE), 1991, Rio Grande do Sul.
2. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 10ª edição, Malheiros, São Paulo, 2000, pp. 481-485.
3. VIAMONTE, Carlos Sánchez. Manual de Derecho Constitucional, 4ªedicíon, Buenos Aires, 1959, p.123.
4. VIAMONTE, Carlos Sánchez. El Habeas Corpus: la Libertad y su Garatía, Buenos Aires, 1927, p. 1.
5. Rafael Bielsa, apud Paulo Bonavides, ob. cit. p.483.
6. Rafael Bielsa, apud Paulo Bonavides, ob. cit. p.483.
7. Juan Carlos Rébora, apud Paulo Bonavides, ob. cit. p.483.
8. BARBOSA, Rui. A Constituição e os Atos Inconstitucionais, 2ª, Rio de Janeiro, s/d, pp.193/194.
9. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, tomo IV, "Direitos Fundamentais", Coimbra, 1988, pp.88/89.
10. MIRANDA, Jorge. Ob. Cit. p. 89.
11. CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional - Coimbra: Almedina, 1993, p. 520.
12. DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª edição, 1997, Malheiros, pp.183-184.
13. MOREIRA, Vital. Fundamentos da constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 1991.
14. Ob. Cit. p. 184.
15. BAZDRESCH, Luiz. Curso elementar de garantias constitucionales, México, Editorial Jus, 1977.
16. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, 17ª edição, Saraiva.
17. BASCUÑÁN, Alejandro Silva. Tratado de Derecho Constitucional, Santiago, Editorial Jurídica da Chile, 1963.
18. CAETANO, Marcello, Manual de ciência política e direito constitucional, 6ªed., Lisboa, Coimbra Editora, 1970.
19. Quanto aos direitos e garantias institucionais estes, ao contrário dos individuais, não se referem a pessoas, mas a determinadas instituições (servem de exemplo a maternidade, a família, a liberdade de imprensa, o funcionalismo público, os entes federativos) que possuem sujeito e objeto diferenciados e que são protegidas diretamente como realidade sociais objetivas e só, indiretamente, se expandem para a proteção dos direitos individuais. Para uma visão mais aprofundada acerca do assunto, consulte-se a obra do estudioso português J.J. Gomes Canotilho, intitulada "Direito Constitucional", p. 522.
20. REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito. Saraiva, 1999, São Paulo.
21. MAXILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. Forense, 10ªed., Rio de Janeiro.
22. LICC, Art. 17. "As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes".
23. Luiz David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, dentre outros, em seu manual de Direito Constitucional defendem ta posicionamento. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, tratando do tema, destaca: "É pacífico no direito brasileiro que as normas internacionais convencionais têm força hierárquica de lei ordinária. Em conseqüência, se o Brasil incorporar tratado que institua direitos ‘fundamentais’, estes terão força de lei ordinária" – FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Hmanos Fundamentais. São Paulo. Saraiva, p. 99.
24. STF, Pleno, ADIn 1.480-DF, Rel. Min. Celso de Mello, transcrito no HC 78.375-2 – Informativo STF, nº135, de 7 a11/12/98: "(...) PARIDADE NORMATIVA ENTRE ATOS INTERNACIONAIS E NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS DE DIREITO INTERNO.
– Os tratados ou convenções internacionais, uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias, havendo, em conseqüência, entre estas e os atos de direito internacional público, mera relação de paridade normativa. Precedentes.
No sistema jurídico brasileiro, os atos internacionais não dispõem de primazia hierárquica sobre as normas de direito interno. A eventual precedência dos tratados ou convenções internacionais sobre as regras infraconstitucionais de direito interno somente se justificará quando a situação de antinomia com o ordenamento doméstico impuser, para a solução do conflito, a aplicação alternativa do critério cronológico ("lex posterior derogat priori") ou, quando cabível, do critério da especialidade. Precedentes."
Medida Liminar, decisão do Min. Celso de Mello, DJ, 10 fev. 1999, p. 23, e CR 8.279-4, Rel. Min. Celso de Mello, DJ, 14 de maio de 1998, p. 35-6.
25. A doutrina lembra que, em contraposição a concepção dualista, existe a concepção monista acerca d natureza jurídica dos tratados.
26. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Martins Fontes, 1999.
27. CF, "Art.105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
(...)
III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, quando a decisão recorrida:
a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; (...)" (grifo nosso).
28. Em voto vogal, quando do julgamento, em 22.11.1995, no STF, do HC 72.131-1/RJ.
29. GONET BRANCO, Paulo Gustavo; MENDES, Gilmar Ferreira e COELHO, Inocêncio Mártires. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. Brasília Jurídica. 2000, p.164.
30. Filiam-se a esse entendimento José Carlos de Magalhães (O Supremo Tribunal Federal e as relações entre direito interno e direito internacional, Boletim Brasileiro de Direito Internacional, 61-69:53, 1975-79, p.56), Celso Albuquerque de Mello (Direito Constitucional Internacional, Rio de Janeiro, Renovar, 1994, p. 344), Haroldo Valladão (Direito Internacional Privado, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1974, v.3, p. 93 e ss.), Luciano Amaro (Direito Tributário Brasileiro, São Paulo, Saraiva, 2000, p.169-71), dentre outros.
31. Ob. Cit., p.437 e ss. e, especialmente, p.442-447.
32. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. Saraiva, São Paulo, 1999, p.21.
33. Ob. Cit., p.16.
34. MACHADO, Hugo de Brito. Tributação no Mercosul, no Caderno de Pesquisas Tributárias, Nova Série, nº3, p.87.
35. Ob. Cit., p. 171.
36. A propósito, convém assinalar que o Supremo Tribunal Federal já decidiu acerca da matéria, neste mesmo sentido: "No sistema brasileiro, ratificado e promulgado, o tratado bilateral de extradição se incorpora, com força de lei especial, ao ordenamento jurídico interno, de tal modo que a cláusula que limita a prisão do extraditando ou determina a sua libertação, ao termo de certo prazo (45 dias, contados do pedido de prisão preventiva), cria direito individual em seu favor, contra o qual não é oponível disposição mais rigorosa da lei geral (90 dias, contados da data em que efetivada a prisão – art. 82, §§ 2º e 3º da Lei nº6.815/80)" (RTJ, 162:822, 1997, Extr. 194 - República Argentina, rel Min. Sepúlveda Pertence).
37. CF, Art. 178. "A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade".
38. Ob. Cit., p.19-20.
39. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado; parte geral. 2º ed., Rio de Janeiro, Renovar, 1993, p.102.
40. Note-se, entrementes, que, segundo os defensores deste último entendimento, não será todo e qualquer tratado que possuirá tal natureza jurídica, mas, tão-somente, aqueles que regulam, exclusivamente, direitos fundamentais e garantias individuais e institucionais, ou seja, normas internacionais fundamentais, emanadas dos princípios gerais do direito e dos costumes dos povos civilizados. Nesse sentido, confira-se o art.38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça.
41. Ob. Cit. p. 178.
42. Paulo Gustavo Gonet Branco lembra que a Constituição de 1969, em seu artigo 153, § 36 já dava azo a deduzir-se a existência de outros direitos fundamentais além dos expressamente previstos no texto constitucional.
43. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. A Proteção dos Direitos Humanos e o Brasil. Brasília, Ed. da UnB, 1998, pp. 133-134.
44. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo, Max Limonad, 1996, pp.94 e 98.
45. GRINOVER, Ada Pellegrini, GOMES FILHO, Antônio Magalhães e FERNANDES, Antônio Scarance. As nulidades no processo penal, RT, 6ª ed., São Paulo, 1999.
46. Art. 5º, § 3º. "Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por 3/5 (três quintos) dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais, condicionada à aplicação pela outra parte".
47. STJ: cf. DJU, 11 mar. 1996, RHC 4.849-PR, p. 6664, rel. Min. Adhemar Maciel; e DJU, 19 mar. 1997, RHC 5507-PR, rel. Min. Anselmo Santiago.
48. BACHOF, Otto. Normas constitucionais inconstitucionais?. Trad. José Manuel M. Cardoso da Costa, Coimbra, Livraria Almedina, 1994.
49. É o que ocorre, por exemplo, com as normas constitucionais (assim consideradas porque se encontram no texto da Constituição) que apresentam algum vício formal na sua elaboração, sendo, portanto, inconstitucionais. Nesse sentido, Ada Pelegrinni Grinover, em artigo publicado na Revista do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, nº17 de 1999, págs. 112-126, informa que o inciso XII, do artigo 5º da Constituição Federal, que trata do sigilo das correspondências e das comunicações telegráficas, de dados e telefônicas, teve sua redação modificada durante a confecção da redação definitiva do dispositivo sem ter sido, como impõe a lei, submetida à apreciação da Assembléia Constituinte.
50. MAXIMILIANO, Carlos. Ob. Cit. p.45.
51. Conforme dispõe o artigo 2º do Pacto de São José da Costa Rica: "Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no art.1 ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados-Partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades".
52. CF, Art. 49. "É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional".
53. FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías. Editorial Trotta. Madri, 2000.