A entrada da China na OMC

11/02/2015 às 12:23
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Presente trabalho visa analisar a partir de um ponto de vista histórico, o processo de adesão da China na Organização Mundial do Comercio e as conseqüências internas diante de um cenário político tido como comunista

Cap. 1

A análise da entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC) deve ser compreendida, primeiramente, por meio de uma recapitulação histórica do país. É preciso entender, também, como se deu a reestruturação política e econômica chinesa e como é que se dá o equilíbrio entre um sistema político socialista com uma economia capitalista. Começaremos, portanto, da Revolução Chinesa, em que mostraremos essas mudanças.

A Revolução Chinesa combinou duas dimensões complementares: a social e a nacional. A base da Revolução consistia na luta dos camponeses pela terra e a luta do povo chinês pela reconquista da independência nacional, considerando que a opressão manchu e a invasão das potências imperialistas ocorridas no período de 1840 a 1914 contribuíram para a fragmentação do país. A revolta camponesa era, portanto, contra a exploração e a opressão dos estrangeiros, dos senhores de terras e dos funcionários do Estado Imperial conhecidos como mandarins.

Os camponeses eram obrigados a pagar em torno de 50% de suas colheitas, prestar serviços e trabalhar gratuitamente para os senhores de terra, enquanto esses, juntamente com os mandarins, tinham imunidade fiscal, privilégios legais, acesso fácil e rápido a administração estatal, poder absoluto em suas terras e dominavam a escrita e a leitura. Essa lógica era baseada na ideologia do confucionismo[1], que tomava conta da campesinato e suas formas de organização social.

Além deste tipo de opressão, a China, após 1840, passava a sofrer também, a invasão de outros países, que tentavam impor, através de guerras, seus interesses comerciais e econômicos no território chinês. Houve três fases. De 1840 a 1884, Grã Bretanha, Rússia, França e Estados Unidos impuseram uma expansão comercial à China. Nesta época, o comércio exterior chinês era limitado: só se fazia comércio na cidade de Cantão, alguns produtos não podiam ser comercializados e só se podia comercializar com as Associações de Mercadores chineses – passagem obrigatória para o comércio internacional. Assim, a Grã Bretanha desencadeou as guerras do ópio para acabar com essas restrições. A China rendeu-se às imposições inglesas, alterando definitivamente o seu processo comercial, acabando com as limitações.

Em um segundo momento, até 1894, as potências dão início ao desmembramento da periferia do território chinês, em busca de melhores posições comerciais. O Japão, também participa deste período, equilibrando poderes com os demais países.

A terceira fase inicia-se com o confronto entre a China e o Japão, de 1894 a 1895, do qual os japoneses saíram vitoriosos constituindo uma área de influência no Nordeste da China. Essa divisão ocorre até 1914, com um novo propósito por parte dos países: a idéia de investir capital internacional na economia chinesa, alterando significamente a estrutura do país; sendo mais um fator de descontentamento nacional.

O processo de luta que se deu entre 1927 e 1949 teve como base a formação do Exército Popular de Libertação (EPL), composto por milícias populares, unidades de auto defesa, o partido comunista chinês, organizações dos jovens, mulheres, sindicatos, profissionais etc.

Assim, é preciso destacar o aparecimento no cenário político dos dois partidos: o Kuomitang e o Partido Comunista (PCC).

O Kuomitang retoma o programa republicano democrático burguês baseado na Europa Ocidental e dos Estados Unidos. É formado por setores da burguesia e da nova classe média urbana. Entretanto, o partido permite a entrada de comunistas no interior do partido, o que causa resistência dos seus componentes. O Grupo das Colinas do Oeste é organizado para lutar contra a influência dos comunistas e a pressão aumenta com a força do movimento popular. Assim, Tchiang Kai Chek, líder do Kuomitang, resolve romper com os comunistas ordenando o massacre das lideranças sindicais e políticas ligadas ao PCC, conhecido como massacre de Shangai, e o fechamento das organizações populares.

A República do Kuomitang é estabelecida e caracterizava-se pela conciliação e a unidade das elites sociais, incluindo as potências, e por uma guerra implacável aos movimentos populares, que começa a ganhar força principalmente no campo. (REIS FILHO, 1981, p. 56).

Os comunistas, liderados pelo Partido Comunista, assumiram a liderança na luta de libertação nacional. O modo como conduziam a guerra, favoreceu a sua influência e credibilidade junto aos camponeses. Além de contarem com as operações e sucessos militares, os comunistas conseguiram mobilizar o povo através da implantação de uma nova sociedade chinesa. Assim, lançam as políticas de:

  1. Reforma Agrária: diminuindo a carga de impostos e o nível de arrendamentos cobrados aos camponeses;
  2. Democracia do poder: os órgãos de poder passaram a ser eleitos em votação universal e secreta na proporção de um terço para cada grupo – comunistas, grupo sem filiação político partidária e o grupo dos liberais democratas;
  3. Um novo estilo de vida: predominância dos valores comunitários e igualitários (REIS FILHO, 1981, p. 79 e 80).

Assim, após um período de lutas com o Kuomitang, o partido comunista garantia sua vitória. Em primeiro de outubro de 1949 a República é proclamada na China, presidida por Mao Tsé Tung, que exclamou “Nunca mais os chineses serão um povo escravo!”. O movimento é aclamado devido ao seu processo de organização, mas os problemas não estavam resolvidos. O desafio agora era como construir uma sociedade mais justa que os camponeses almejavam desde o início da Revolução. Assim, o país iniciou uma nova fase de reconstrução da economia e organização da vida social e política.

No imediato pós-revolução, o partido comunista chinês preocupou-se com o combate à inflação e a estabilização da moeda. O capital privado foi gradativamente eliminado e a capacidade industrial foi reativada. Um dos grandes problemas foi a fuga de capitais para Hong Kong e Taiwan, onde o partido Kuomitang se refugiou.

No campo social, a China proporcionou alguns avanços. Foram promulgadas a Lei do Matrimônio – emancipação feminina – e a Reforma do Pensamento, cujo objetivo era reeducar os membros do PCC a partir de uma visão militante e coletiva, rompendo com os valores tradicionais chineses.

A garantia da soberania e de segurança nacional foram as prioridades nas relações internacionais da China. No entanto, o governo buscou na ex-URSS uma aliança quanto à assistência financeira e militar. Além disso, a China teve uma atuação importante durante a Guerra da Coréia (1950-1953), lutando ao lado da Coréia do Norte contra os Estados Unidos. A participação neste conflito tinha como interesse impedir uma futura invasão norte-americana à Manchúria e resposta à política de proteção e reconhecimento de Taiwan dos EUA (VIZENTINI, 2000, p. 15).

Em uma segunda fase, com o I Plano Qüinqüenal (1953-1957), foi incentivado uma base industrial pesada e uma coletivização progressiva aos moldes soviéticos. Todavia, o programa era limitado, mostrando que o modelo soviético não servia para a China. O produto chinês mais forte fora deixado em segundo plano: o setor agrário. Este, junto com a crise da habitação, decorrente da crescente onda populacional e de urbanização, e a falta de abastecimento de alimentos, em função da inexistência de políticas agrícolas e o êxodo rural, gerariam conflitos mais tarde e confirmaria a ineficácia do programa.

As relações com a União Soviética continuaram e houve a aproximação com os países do Terceiro Mundo. Assim, em uma perspectiva de consolidar-se como potência regional, a China não só ampliava as suas relações regionais, como bloqueava qualquer possibilidade de aproximação desses países com Taiwan (VIZENTINI, 2000, p. 17).

Um outro programa em busca do desenvolvimento foi lançado em 1958. O Grande Salto para Frente foi mais uma tentativa de promover o desenvolvimento, buscando uma via chinesa para o socialismo, e em que a segurança interna também fora importante. O programa visava o avanço do setor agrícola e a manutenção do setor industrial. O governo incentivava o trabalho comunitário e os movimentos cooperativistas, como a criação das Comunas Populares. Entretanto, foi mais uma tentativa sem grande sucesso e que foi se agravando com o acirramento do conflito com a URSS, iniciado no período da desestanilização e que se fortificou com os constantes ataques chineses às políticas soviéticas (acusação de intromissão soviética nos assuntos internos), com a intervenção da União Soviética, ao lado da Índia, no conflito sino-indiano e com a postura de Kruschov na crise cubana de 1962. Vale ressaltar a falta de suporte soviético na formação de um arsenal autônomo de armamento atômico, que garantisse a soberania chinesa e uma intervenção mais qualificada no cenário internacional (VIZENTINI, 2000, p. 17-18).

Nos anos 60, a independência e a autonomia passaram a ser as metas centrais, levando finalmente ao conflito sino-soviético: a China desejava ter um arsenal nuclear próprio para garantir ao país o status de potência continental. Assim, os governos chinês e soviético romperam relações diplomáticas, gerando o isolamento internacional da China.

Aliado a isso, os chineses passaram por mais um período de conflito interno. Após 1966, iniciava-se a Revolução Cultural, um movimento de radicalização política diante do exterior dirigido por Mao Tsé Tung em aliança com os setores mais ortodoxos do Partido Comunista Chinês (PCC) liderado por Lin Piao. Os dirigentes do Partido foram acusados de direitismo, revisionismo e tentativa de restaurar o capitalismo, o que gerou descrédito, prisões e expurgos no partido (MAGNOLI, 2001, p. 171).

A partir de 1967, com a instauração da Comuna de Xangai, a luta pelo poder se transforma em conflito entre diferentes facções que se proclamam intérpretes fiéis de Mao. A Revolução Cultural termina em 1969 com a destituição do presidente Liu Xiaoqi.

Nos anos 70, a modernização e o desenvolvimento tornaram-se tarefas estratégicas, que implicavam a normalização das relações com países capitalistas desenvolvidos, alterando radicalmente sua política externa. Assim, após vinte anos de marginalização internacional e de complicados experimentos e conflitos internos, a China aproximou-se do Ocidente até que conseguiu tornar-se membro permanente do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1971. Essa aproximação deu-se, principalmente, com os Estados Unidos, com quem a China formou uma aliança tática contra a “hegemonia soviética”. (VIZENTINI, 2000, p.99).

Durante esta década, enquanto acontecia a renovação dos líderes chineses, a inserção internacional da China era empreendida com sucesso. A China conhecia “um largo período de duro trabalho que frutificou com o desenvolvimento, melhoria das condições de vida do povo, principalmente no campo, além do crescimento do seu prestígio no exterior” (OLIVEIRA, 1990, p.25). Desta forma, em 1978, o Partido Comunista da China lançou uma política de reformas e modernização, que também visava uma revolução científico-tecnológica. Esse plano tinha duplo objetivo: “utilização das “tendências capitalistas” para o desenvolvimento do país (tanto em nível interno como das relações internacionais), assim como a manutenção da ordem comunista chinesa (na sociedade e no interior do partido comunista)” (VIZENTINI, 2000, p.60). Assim, podemos perceber que realmente a China é um país com um governo e dois sistemas. O PCC é um partido caracterizado pelo seu enfoque socialista, entretanto, suas medidas de desenvolvimento são baseadas em preceitos capitalistas.

Conhecida como a política das Quatro Modernizações comandada por Deng Xiaoping, a China elaborou uma estratégia de desenvolvimento em longo prazo, que consistia na reestruturação da indústria, da agricultura, da defesa e da cultura. Para que o sucesso da economia fosse atingido foi necessária uma reestruturação no setor industrial. Assim, a indústria chinesa absorveu em larga escala tecnologia avançada e formou pólos industriais no país. No campo da agricultura, o avanço tecnológico e a sua mecanização foram também pontos essenciais para o desenvolvimento da economia. Os camponeses aprenderam essas novas técnicas empreendendo o plano da modernização, que visava a abertura ao mercado internacional garantindo a tecnologia necessária para dar continuidade ao processo. Foi então que a China fechou acordos de importação de tecnologia e fábricas prontas com os Estados Unidos, Japão e Europa. No campo da defesa, a tecnologia também foi aplicada. As Forças Armadas ganharam novos equipamentos e os militares passaram por duros treinamentos de combate. E a modernização cultural buscava, principalmente, a reestruturação do sistema educacional chinês (REIS FILHO, 1982, p. 90-96).

Desde então, o país vem experimentando um acelerado crescimento econômico e participando ativamente da vida internacional. A China conseguia assim, um tratamento privilegiado em termos econômicos (comércio, investimentos e cooperação tecnológica). As reformas na agricultura (através da descoletivização), por sua vez, eram indispensáveis para eliminar pontos de estrangulamento da economia, permitindo a aceleração da industrialização, com o desenvolvimento de indústrias de bens de consumo para o mercado interno (equilibrando as trocas campo-cidade). A China contava, no entanto, com importantes vantagens comparativas que favoreciam o seu desenvolvimento. O país possuía uma base industrial relevante (siderurgia, máquinas e bens de consumo), um sistema de produção de energia e uma rede de transporte razoável. Dispunha também de mão de obra abundante a um custo extremamente baixo, principalmente no campo, para servir ao setor capitalista da economia. Além do mais, os custos com educação, saúde, habitação, alimentação e transporte público também contam com custos reduzidos.

            Concomitantemente, enquanto o planejamento socialista era descentralizado (envolvendo as comunidades locais e flexibilizando os mecanismos de tomada de decisão), o mercado era centralizado, devido à integração entre as regiões (apesar da diferença econômica e social entre elas) e os ramos da economia.

            De outra parte, o governo chinês criou as Zonas Econômicas Especiais, a partir de 1984, que permitiu a criação de plataformas de exportação, que obtiveram divisas fortes, investimentos e tecnologia. As ZEES são províncias que possuem legislações próprias com objetivos:

  1. Atrair capital externo para o desenvolvimento agrícola e, sobretudo industrial;
  2. Lograr transferência da tecnologia mais avançada possível;
  3. Promover as exportações;
  4. Absorver métodos ocidentais de administração comercial e industrial;
  5. Aumentar a demanda por bens e serviços produzidos em outras regiões do País. (OLIVEIRA, 1990, p.62).

            Sendo assim, as reformas iniciadas por Xiaoping proporcionaram o estabelecimento de uma economia de mercado sob administração do Partido Comunista, o que integrou o Estado Chinês na Sociedade da Informação[2], “quebrando pela primeira vez na história, antigos dogmas do sistema socialista” (OLIVEIRA, 1990, p.26).

            Apesar das boas condições econômicas, a China passava por alguns contratempos no âmbito político e social. As reformas implementadas no país, além de aumentarem a produção da economia chinesa, criaram graves desigualdades sociais no campo e na cidade, desencadeando mobilizações populares contra a corrupção, e repressões por parte do governo, como no episódio da Praça Celestial (Tiananmen) em abril de 1989.

No mesmo ano, o líder soviético Mikhail Gorbatchov visita Deng Xiaoping em Pequim, retomando as relações diplomáticas entre os dois países rompidas desde 1963. Todavia, o cenário era outro. A China assumira uma política externa autônoma, mudando profundamente sua estratégia: abertura e cooperação econômica para o Ocidente e ganhara o status de potência emergente. Afinal, a China passara por uma política preocupada com a segurança até os anos 60, de autonomia e independência na década 1960-70, e voltada para a modernização no pós 1970, equilibrando com a manutenção do socialismo chinês.

Depois do que ocorreu em Tiananmen, a China passou a sofrer diversas críticas no âmbito internacional em assuntos relacionados aos Direitos Humanos e Democracia. No entanto, a década de 90 foi a época em que a China apresentou os maiores índices de crescimento, reacendendo os interesses dos outros países sobre o mercado chinês.

A entrada na OMC, que tende a potencializar uma maior participação no Comércio Internacional, demoraria quase uma década: desde 1986 a China solicitava sua volta ao Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) – antecedente da OMC – do qual se tornou membro contratante em 1947, mas por conflitos internos se desligou dois anos depois. Ajustes estruturais de cunho econômico e financeiro ainda se faziam necessários para que a China se adequasse às normas da OMC, sendo suficientes então, para conseguir tornar-se um membro da Organização, que foi concretizada em dezembro de 2001, em um cenário internacional meio conturbado devido aos atentados terroristas aos Estados Unidos em setembro deste mesmo ano. Dentre esses ajustes, o avanço da desburocratização do Estado chinês era imprescindível e determinante para este acontecimento. As ações e implementações do governo serão discutidas a seguir.

CAP. 2 – Processo de adesão a OMC

            Conhecendo a evolução histórica da China, cabe neste momento entender o processo de entrada deste país na Organização Mundial do Comércio (OMC). Neste capítulo, portanto, trataremos especificamente das negociações e comprometimentos que o governo chinês assumiu com esta organização.

            A Conferência Ministerial da OMC aprovou os termos da adesão da China em Doha (Qatar) em 10 de novembro de 2001. Entretanto, a China tornou-se membro oficialmente no dia 11 de dezembro do mesmo ano.

            Cada adesão a OMC é um evento único, todavia a entrada da China é um caso a parte. No entanto, a China é uma das 23 partes contratantes do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), cujo pedido de readmissão ao sistema de comércio multilateral teve a duração mais longa de negociações na história do GATT/OMC.

            Depois da Revolução da China em 1949 e da oposição entre Mao Tsé Tung e Tchiang Kai Chek, o governo em Taiwan anunciou em 1950 que a China deveria deixar o GATT. Embora o governo de Beijing nunca tivera reconhecido tal decisão, quarenta anos mais tarde, em 1986, a China notificou ao GATT seu desejo de retomar o seu status de membro contratante do GATT e sua vontade de renegociar os termos de sua adesão.

            Além do mais, como parte de sua estratégia de participar ativamente do cenário internacional e aumentar a sua presença nos fóruns multilaterais, a China tornou-se membro do Fundo Monetário Internacional (FMI) em 1980.

            Um grupo de trabalho do GATT foi estabelecido em março de 1987 para examinar o status da China e se encontraram pela primeira vez em outubro deste mesmo ano. O grupo de trabalho se encontrou em outras vinte ocasiões, sem chegar a uma conclusão. Entretanto em 1989, houve uma paralisação dos trabalhos devido aos eventos da Praça da Paz Celestial. E com o surgimento da OMC em 1994, o grupo de trabalho da OMC sobre a adesão da China se encontrou outras dezoito vezes.

            Assim, a China buscou adequação da sua política de comércio exterior em relação às regras do GATT, e posteriormente da OMC, visando tornar-se membro efetivo, de forma a qualificar e potencializar sua participação no comércio internacional. Entretanto, a falta de transparência no uso de tarifas, a utilização indiscriminada de barreiras não tarifárias e não reconhecimento de direitos de propriedade intelectual prolongaram o processo. Foram quase 15 anos de negociações e, como resultado, a China assumiu uma série de compromissos importantes de abertura e liberalização de seu regime, com a finalidade de integrar-se a economia mundial, tais como a revisão das Leis de Patentes, de Marcas Registradas e Direitos Autorais para que fiquem consistentes com as obrigações da OMC (MDIC, 2002, p. 7).

            Em 1995, depois de tentar o ingresso na Rodada Uruguai, a China voltou a apresentar o seu pedido de adesão. Foi negado. Todavia, os membros da OMC acreditavam que a adesão da China reforçaria o sistema multilateral de comércio e contribuiria para o crescimento da economia mundial. Além do mais, contribuiria para a continuidade do processo de modernização da China implementado desde 1979. No entanto, essas reformas foram acentuadas em 1994, alcançando o sistema bancário, de impostos, investimentos, câmbio e exportação.

Vale reforçar que o processo da China na OMC ganhou força com o reconhecimento norte-americano da cláusula da Nação Mais Favorecida (NMF) aos chineses em 1999.

            O comportamento chinês diante de seus compromissos multilaterais foi amplamente discutido pelos membros da OMC. Para tanto é preciso relacionar o processo de adesão da China no contexto dos princípios fundamentais do GATT e da OMC: 1- cláusula NMF; 2- tratamento nacional; 3- abertura de mercado; 4- transparência legislativa; 5- vedações às práticas desleais de comércio e restrições quantitativas às importações; 6- tratamento preferencial para os países em desenvolvimento.

            De acordo com a cláusula NMF, uma concessão feita a um parceiro comercial é imediatamente multilateralizada e, portanto, estendida a todos os demais signatários do tratado, de tal forma que o comércio internacional seja praticado em bases não discriminatórias. Já o tratamento nacional prevê que um produto estrangeiro tenha igual tratamento ao produto nacional, após o pagamento das tarifas.

            O princípio de abertura de mercado é promovido pela OMC por meio de sucessivas rodadas de negociações multilaterais, cujo objetivo é a eliminação progressiva das barreiras comerciais. Os novos membros são levados a liberalizarem os seus mercados durante o processo de negociações.   

            A transparência legislativa é um elemento fundamental do sistema de comércio multilateral. Este princípio determina que os governos dos países membros publiquem regularmente todas as leis, regulações e decisões judiciais referentes ao comércio do país.

            O sistema da OMC também promove vedações às práticas desleais de comércio pelo estabelecimento de disciplinas aos subsídios e dumping, permitindo que os sócios respondam ao comércio injusto através da imposição de medidas compensatórias e de anti-dumping. Além disso, o tratado permite aos sócios individuais a imposição de medidas de proteção temporárias, por meio de regras rígidas, quando enfrentarem uma quantidade alta de importações que causarem algum tipo de dano a sua indústria doméstica. 

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            O princípio de tratamento preferencial para os países em desenvolvimento, prevê períodos de transição para esses países para que possam ajustar os seus sistemas de acordo com as obrigações da Rodada Uruguai. A OMC promove também uma flexibilidade adicional para os países menos desenvolvidos na implementação dos acordos da Rodada Uruguai e aconselha que os países desenvolvidos acelerem suas implementações de abertura de mercado para os produtos exportados pelos países mais pobres.

Por sua vez, para concluir o processo de negociação e aderir à OMC, a China, assim como os demais membros, comprometeu-se em obedecer a todos os acordos da organização, incluindo todas as condições para a aplicação dos princípios descritos acima. Entretanto, é preciso ter em mente que a implementação de tais acordos se dará ao longo dos próximos anos.

Diante das medidas adotadas pelo governo chinês nos últimos anos, estaremos concentrando neste capítulo as ações referentes a tarifas, taxas e preferências, barreiras não tarifárias, as questões referentes à área de serviços e os compromissos chineses diante da adesão à OMC.

            Algumas ações e modificações diversas foram necessárias, sendo discutidas durante as negociações: criação de uma base legal para o comércio exterior, com a reforma dos sistemas de importação e exportação e do câmbio; redução das barreiras alfandegárias e das medidas de proteção, a não elevação dos incentivos à exportação e alterações no sistema tributário e financeiro chinês. 

            A interação entre a economia chinesa e as redes produtivas globais, se aprofunda cada vez mais. Levando em conta o processo de globalização, as empresas multinacionais estão procurando cada vez mais, expandir o seu processo produtivo por diversos lugares do mundo. A China passou a ser um desses lugares devido às mudanças que aconteceram no âmbito legal do país. O governo está promovendo, desde 1980, transformações de cunho técnico e industrial nas formas de produção, incentivos de vários tipos e investimentos crescentes na educação e treinamento de mão de obra e alterações na organização da sociedade chinesa. Assim, está conseguindo aumentar suas vantagens competitivas em relação a outros produtores mundiais (OLIVEIRA, 2003, p. 9).

            Com a Lei Aduaneira de 1987 que regulou o sistema aduaneiro chinês, permitiu-se a queda progressiva da tarifa de importação: 40,3% em 1989, 36,8% em 1994 e 16,4% em 2000. Assim, a China adotou em 1992, o Sistema Harmonizado de Designação e de Codificação de Mercadorias (SH) para os propósitos de organização tarifária, nomenclatura, regras interpretativas e sistema de numeração.

De forma gradativa e substancial a China vem promovendo a abertura de seu mercado, em especial o de serviços, para a competição de empresas estrangeiras. Entretanto alguns níveis tarifários permanecem altos. A China utiliza altas tarifas proibitivas em combinação com restrições a importação para proteger sua indústria doméstica: as tarifas para alguns veículos a motor são maiores que 100% (MDIC, 2002, p. 15). Todavia, a China celebrou acordos de preferências tarifárias com a União Européia (UE), os Estados Unidos e a Coréia do Sul.

No que tange aos compromissos tarifários, a China se comprometeu a reduzir as tarifas para abaixo de 25% em 2005 as tarifas de partes de automóveis para uma média de 10%. Para produtos da aviação civil, são aplicadas tarifas entre 3 e 5%. No acordo com a UE, a China se comprometeu a reduzir tarifas de 11 produtos de cerâmica para até 15% e de 6 produtos de vidro para 5%. Para químicos, a China se comprometeu a reduzir as tarifas para 6,5% e para os farmacêuticos para 10% em produtos de cosméticos. Para máquinas e equipamentos, suas tarifas serão reduzidas em até 10%. E para madeira e papel, o comprometimento de redução das tarifas gira em torno de 7,5%. Em janeiro de 2000, a aduana chinesa anunciou que estava cortando tributos de importação em 2%, cobrindo centenas de produtos em têxteis, matérias brutas, maquinário e partes para produção (MDIC, 2002, p. 15).

Quanto às barreiras não tarifárias, a China vem demonstrando um avanço significativo e gradativo. Em termos de produzir um ambiente de comércio mais previsível e seguro, a China, na área de bens, ligou todas suas tarifas de importação. O país também se comprometeu em reduzir e remover as barreiras alfandegárias, principalmente antes de 2004, mas ainda é preciso muito trabalho por parte do governo.

A China possui uma estrutura bastante restritiva e impõe várias medidas não tarifarias de proteção contra as importações, como quotas, licenças para importar, políticas de substituição de importações e conteúdo local, e desnecessárias certificações restritivas e padrões de quarentena. Por exemplo, empresas com investimentos estrangeiros continuam a relatar as demandas dos requerimentos de performance para exportação em contratos de investimentos, sendo que a falta destes requerimentos podem resultar na perda das licenças para intercâmbio estrangeiro ou fechamento de contratos. O governo chinês impõe restrições quanto ao número e ao tipo de agentes que podem importar. Estas restrições podem tornar-se ainda mais severas em conseqüência de restrições de caráter cambial. A falta de transparência desses instrumentos tem criado barreiras adicionais, embora se tenha iniciado um processo de publicação da legislação referente à importação. Freqüentemente existe falta de regras escritas, e onde existem, são sujeitos a interpretações individuais e freqüentes mudanças (MDIC, 2002, p. 17).

As barreiras não tarifárias são administradas, nos níveis nacional e regional, pela Comissão Governamental de Economia e Comércio (SETC), Comissão Governamental de Planejamento e Desenvolvimento (SDPC) e pelo Ministério de Comércio Exterior e Cooperação Econômica (MOFTEC), Ministério das Indústrias de Informação (MII), Administração Governamental para Inspeção e Quarentena de Entrada e Saída de PRC (CIQ). O volume de importações desses órgãos é resultado das negociações entre o governo central e os ministérios, as corporações estatais e as trading companies. As atividades de negociação de todas as empresas envolvidas em comércio exterior estão sob a política guiada pelo MOFTEC. Somente as empresas autorizadas por esse ministério podem contratar em comércio exterior. Duas modalidades legais são possíveis: Corporações de Comércio Exterior (FTC´s) e empresas produtoras com direitos de comércio exterior (MDIC, 2002, p. 17-18).

A falta de transparência na valoração aduaneira dificulta as importações para a China. Como há variações no tratamento dessas questões em várias partes do país, o mesmo produto pode não somente estar sujeito a diferentes tarifas dependendo do porto de entrada, mas também a determinação arbitraria do valor aduaneiro. Todavia, o governo está transferindo a cobrança de taxas e impostos para o nível federal de forma a acabar com essas desigualdades tarifárias.

A China se comprometeu em cumprir as obrigações de transparência da OMC, incluindo a aplicação uniforme de seu regime de comércio e revisão judicial independente, e fez compromissos adicionais em cada uma destas áreas. No entanto, no relatório do Grupo de Trabalho, a China declarou que não utilizava mais e não voltaria a introduzir preços mínimos ou de referência.

Os preços têm sido gradualmente liberalizados, com menos de 10% atualmente sujeitos a preços controlados. Sob o regime de controle de preços estatal, as autoridades administrativas estipulam: o preço básico e sua faixa de flutuação e o preço teto e piso. As empresas podem trabalhar dentro desses limites (MDIC, 2002, p. 19).

O MOFTEC também utiliza licenças de importação como forma de proteção de seus produtos. Vários produtos já sujeitos a quotas ou a outras restrições precisam ser licenciados e autorizados por este ministério. O MOFTEC administra o sistema nacional de requerimento de importação. Como compromisso na OMC, a China confirmou que a lista de todas as entidades responsáveis pela autorização e aprovação das importações seria atualizada e publicada no Diário Oficial, o boletim do MOFTEC, no mês seguinte a qualquer modificação (MDIC, 2002, p.20).

Desde o início dos anos 90, a China vem eliminando gradativamente essas licenças como parte do processo de adesão à OMC. Em 1999 os produtos licenciados se reduziram a 35, diante dos 53 produtos que antes eram controlados.

A China tem um grande número de restrições a produtos. Em 2000, esse número chegava a 400 produtos. Como não há regras legais, a inserção de exportadores ao mercado chinês é prejudicada. Ainda não é muito claro qual é o critério usado para determinar as quantidades de quotas de determinados produtos.

Em 1996, a China anunciou que iria substituir algumas quotas por quotas tarifárias. Entretanto, até 1998, o governo chinês não havia ainda divulgado as regras de administração das quotas nem seu volume. A única informação era que sobre alguns produtos uma tarifa extra quota de 121,6% seria imposta. O governo chinês propôs a eliminação de quotas até o ano de 2005 como parte da negociação na OMC (MDIC, 2002, p. 22).

           Além dessas restrições, há a proibição de importação de alguns produtos, que de uma certa forma ainda mostra a força do ideário socialista do governo chinês: vestuário usado; drogas que causem dependência; animais e plantas com doenças ou provenientes de áreas infectadas; qualquer material impresso em meio magnético, fotográfico ou filme que possa causar efeitos maléficos aos interesses políticos, econômicos, culturais e morais do povo chinês.

            Como mencionado anteriormente, o governo chinês controla as empresas que atuam com o comércio exterior. Esse direito é reservado às empresas estatais de comércio exterior. Portanto não é permitido que outro tipo de empresa atue nesta área. Considerando que o livre direito ao comércio exterior é uma característica da OMC, esta restrição é uma violação do artigo XX do GATT.

            Contudo, o governo chinês, através do MOFTEC, vem descentralizando gradualmente as operações dos monopólios estatais. O número de empresas estatais autorizadas a comercializar com o exterior vem aumentando. Em 1979 eram 14, enquanto em 1998 este número chegava a 8.800. Em outubro de 1998, o governo anunciou a intenção de se abrir o comércio exterior ao setor privado chinês a partir de 1999. Em janeiro de 2002, foram outorgadas 20 licenças para as empresas privadas, e em fevereiro, foram emitidas mais 41 licenças. Essa restrição representa mais uma dificuldade de exportação para a China, na medida em que apenas essas firmas têm exclusividade de importação (MDIC, 2002, p.24).

            Nos contratos de infra-estrutura firmados nos últimos anos, a China está exigindo requisito de conteúdo local para materiais de construção e equipamentos, bem como transferência de tecnologia. O índice de conteúdo local é estabelecido por projeto mediante um acordo de participação. Desde 1994, o governo chinês vem implantando uma política com vistas a desenvolver uma indústria automobilística no país, o que se caracteriza como uma política de substituição de importações de automóveis, peças e componentes baseados em requerimentos de conteúdo local. A China anunciou a criação de política similar para outros setores da economia (MDIC, 2002, p.25).

            Como em outras áreas, a China empreendeu disciplinas relativas a subsídios e medidas compensatórias, de anti-dumping e de salvaguarda. Também se comprometeu em não usar subsídios de exportação em bens industriais ou agrícolas, e aceitou indicações especiais dos outros sócios em relação a essas práticas, tais como o Mecanismo de Salvaguarda de Produtos Especiais e de Produtos Têxteis. 

            Desde 1997, a alfândega chinesa pode impor direitos anti-dumping e compensatórios às importações que ameacem ou causem dano à indústria doméstica. Caso o importador não concorde com o direito anti-dumping ou compensatório estabelecido, deve recolher o tributo ao governo e, posteriormente, fazer uma petição à alfândega solicitando que reconsidere sua decisão. O governo chinês está, atualmente, analisando a possibilidade de introduzir uma nova legislação sobre dumping e subsídios (MDIC, 2002, p.25).

            Por fim, no que se refere ao oferecimento de serviços, a China esteve tradicionalmente fechada à participação de companhias estrangeiras, tendo na figura do Estado o principal ator nesta área. Entretanto, devido a nova característica da política exterior do governo chinês, de abertura ao mercado externo promovendo reformas do sistema regulatório de alguns segmentos do setor, apontam para uma liberalização gradual de seus mercados. Entretanto, de uma maneira geral, a China continua a limitar a presença de firmas estrangeiras mediante restrições geográficas, regulamentos e sistemas de licenciamento discriminatórios. Ao contrário do que acontece no comércio de bens – cujas barreiras observam-se pela aplicação de tarifas, quotas, medidas fitossanitárias – as barreiras do comércio de serviços ocorrem basicamente pelo estabelecimento de restrições de acesso a mercado e tratamento nacional (MDIC, 2002, p. 34-35).                                                                                                                                                O setor de serviços é uma das áreas mais protegidas da economia chinesa. Limites operacionais rígidos para acesso a mercado e restrições no âmbito geográfico de atividades comerciais restringem o crescimento do setor. Entretanto, investidores estrangeiros demonstram considerável interesse em investir na China apesar dos significativos obstáculos existentes.

            Entre essas barreiras aos investimentos inclui-se a legislação muito restritiva. Fluxos de investimento estrangeiro continuam a ser controlados e canalizados para áreas de apoio ao desenvolvimento nacional. Ademais, o governo chinês proíbe ou limita investimento estrangeiro em investimentos que não estejam nos planos do Estado (MDIC, 2002, p. 36). Todavia, a China também se comprometeu em reduzir gradativamente as restrições aos investidores estrangeiros nos próximos anos.

            Nesta área, podemos destacar uma implementação importante do governo chinês: o campo da Informação. Em 1993, o governo chinês lançou um projeto chamado de Infraestrutura Nacional de Informação (INI), que envolvia os setores das telecomunicações, tecnologia da informação e a indústria do entretenimento. O setor das telecomunicações é um dos mais importantes para o processo de modernização do país de acordo com os dirigentes chineses. No entanto o governo chinês incentiva fortemente os produtores nacionais, mas com a abertura ao exterior, a China passou a competir diretamente com empresas estrangeiras, ficando nítido que as empresas chinesas ainda precisam avançar muito, tanto no que se refere a capital quanto a tecnologia (OLIVEIRA, 2003, p. 10-11).

            As mudanças no mix de produtos e serviços importados e exportados pela China vêm ocorrendo desde 1978, com a queda na proporção dos produtos agrícolas e intensivos em minerais e o crescimento constante dos bens industriais comercializados no exterior, com destaque, nos primeiros anos, para os intensivos de trabalho. As mudanças no padrão de comércio exterior da China acompanham a transformação de sua estrutura industrial e compreendem os mais diversos segmentos (SERRA, 2003, p. 42).

            Sendo assim, foram apresentadas neste capítulo as alterações que a China teve que promover para sua entrada definitiva na OMC em dezembro de 2001. Lembremos que alguns compromissos com a OMC foram acordados para realizar-se após a efetivação da adesão a esta organização.

            É preciso enfatizar, no entanto, que todas essas transformações dentre outros motivos, foram possíveis graças a mudança na formulação da política externa do governo chinês: equilibrar o sistema socialista chinês com a abertura econômica visando o mercado internacional e o próprio desenvolvimento nacional.                                                                                                                                    

            O governo chinês move-se da atitude autárquica, até então predominante, para uma relação mais interdependente com o resto do mundo e iniciou, também na ocasião, a substituição do sistema de planificação centralizada pelo esforço de regulação dos mercados pelo Estado. Esse movimento foi acompanhado de ações no campo político que substituíam o dogmatismo até então vigente por um “pragmatismo criador”, mantendo-se o governo na postura de um “autoritarismo flexível”. (SERRA, 2003, p. 41).

            Os projetos passaram a ser selecionados por critérios econômicos, a partir de projeções de longo prazo, e o controle sobre o desempenho macroeconômico passaria a ser realizado por medidas indiretas, como as operações de crédito, a emissão monetária e a compra e venda de títulos públicos. Mantiveram-se sob controle estatal direto as áreas de energia, recursos hídricos e minerais, silvicultura e usos do solo, câmbio e parte do setor financeiro, além do controle populacional. O sistema fiscal passou a ser operada no plano federal – com a taxação do consumo, a aduana, o imposto sobre valor adicionado e o imposto sobre valor adicionado e o imposto de renda – e também no plano local, substituindo o sistema anterior, no qual os impostos eram cobrados por região, departamentos e empresas (SERRA, 2003, p. 41-42).

            Entretanto, a implementação dessas medidas, apesar de configurarem as bases para a integração do país à economia internacional, trouxe consigo alguns desequilíbrios na sociedade chinesa e uma mudança na linha política do país.

            Assim, esses impactos da entrada da China na OMC tanto no âmbito interno quanto internacional serão discutidos a seguir na última parte deste estudo.
 

Cap. 3 – A China Pós OMC

Depois de quinze anos como candidata, a China atingiu o seu objetivo de tornar-se um membro da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Dezembro de 2001. Esta adesão, associada às reformas promovidas, permite que o país participe e interfira cada vez mais na economia mundial. Com isso, a China está diante de desafios e oportunidades no campo político, econômico e social. Afinal, os contrastes criados por um sistema político fechado e por uma economia mais aberta levantam questões sobre a sustentabilidade do modelo chinês de socialismo de mercado. Assim, neste capítulo abordaremos os impactos que esta posição trouxe no âmbito nacional e internacional, considerando a nova linha do governo chinês com a nomeação dos novos líderes do governo em março de 2003.

         Em novembro de 2002, o Congresso do Partido Comunista, anunciou ao mundo os novos dirigentes da China, que estão sendo chamados de a Quarta Geração – precedidos pelas gerações de Mao Tsé Tung, Deng Xiaoping e Jiang Zemin - que assumiram o governo em março de 2003. Nesta oportunidade, o então líder Jiang Zemin, anunciou que o partido passaria a aceitar ricos capitalistas em suas fileiras, mas rejeitou qualquer mudança no sistema político do país, como a adoção de uma democracia pluripartidária. No entanto, em torno de 100.000 membros do PCC tornaram-se empresários, aproveitando suas conexões e as leis neoliberais das Zonas Econômicas Especiais (ALCÂNTARA, 2003, p. 125).

            O líder ainda justificou que a abertura cada vez crescente da economia deve-se ao fato da necessidade de adaptar a China aos novos tempos e que o avanço chinês é preciso para que o país se desenvolva a contento. As metas estabelecidas por Jiang incluíam novas reformas no mercado de trabalho e nas políticas econômicas do país, além do crescimento da economia em até quatro vezes até 2020. O líder chinês ressaltou que, apesar da adoção de doutrinas capitalistas, o país "jamais deve copiar os modelos políticos do Ocidente", descartando qualquer mudança em direção à democracia ampla e irrestrita. (VEJA ON LINE, 2003).

            Com a nomeação dos novos líderes, Hu Jintao, de 59 anos, tornou-se o novo presidente da China. Pela primeira vez desde a criação do partido, a transição do partido foi tranqüila. Jiang Zemin conduziu a transição e deixou claro que esta mudança não deverá afetar o poder do PCC, pelo contrário, deve fortalecer ainda mais o sistema de governo do país, indicando que o partido tem capacidade para renovar-se em suas camadas mais importantes.

            Os novos dirigentes da China assumiram o poder diante de alguns desafios importantes: O atual sistema político pode se sustentar em paz e prosperidade por mais meio século? Como mantê-lo vivo num tempo em que os raros regimes comunistas que ainda vigoram no mundo estão aos farrapos? E mais: que papel o país deve cumprir numa comunidade internacional cada vez mais envolvida em choques de interesse? (VEJA ON LINE, 2003). Essas são, inclusive, as perguntas de alguns radicais que estão presentes na sociedade chinesa. É sabido que muitos setores no corpo do regime ainda se opõem ao flerte com a globalização. São nacionalistas radicais que circulam na mídia, no Exército, na academia e até mesmo no PCC. Apesar deles, os mesmos informes não escondem a existência de “29,47 milhões de empresas individuais e privadas de indústria e comércio e 236 mil empresas de investimento conjunto chinês-estrangeiro, de gestão cooperativa chinesa-estrangeira e de capital exclusivamente estrangeiro” (MARCOVITCH, 2003, p. 72).

            Na esfera social, o crescimento trouxe um nível de consumismo muito grande, de uma forma          que transformou a paisagem do país. Nas cidades brotaram arranha-céus, prédio de escritórios e novos hotéis. Uma rede rodovias de pista dupla começou a crescer entre as grandes cidades, enquanto aumentava enormemente a utilização de automóveis. Os telefones celulares tornaram-se comuns na nova classe empresarial, enquanto o walkman se dissemina entre os jovens. Roupas, cosméticos, revistas populares e anúncios, refletem a presença do Ocidente na sociedade chinesa. Ao mesmo, aspectos negativos das culturas ocidentais combina-se com os efeitos perturbadores da mudança fazendo surgir grandes problemas, que o governo até então não estava preparado para enfrentar. Todavia, hoje alguns assuntos já fazem parte das discussões dos dirigentes da China, com exceção de temas voltados aos direitos humanos. O dano ao meio ambiente foi imenso e sem controle, marcado especialmente pela poluição do ar e das águas, por um constante encolhimento da área de terras cultiváveis disponíveis para a agricultura e pela diminuição dramática do nível dos lençóis freáticos devido ao excesso de demanda das cidades em expansão. A população cresceu rapidamente. Novas empresas criaram milhões de oportunidades de emprego, mas freqüentemente no nível mais baixo possível de salário, e trouxeram milhões de trabalhadores irriquietos e desenraizados para as cidades, enquanto a lavoura era deixada cada vez mais paras mulheres e para os idosos (SPENCE, 2000, p. 696-697).

            A China sofre de graves disparidades de rendas entre as cidades costeiras, relativamente prósperas, e as pobres regiões agrícolas e industriais do interior. Disparidades semelhantes são encontradas entre as classe sociais, com trabalhadores manuais e lavradores com renda extremamente menor em relação à renda obtida por empresários privados, gerentes e funcionários de empresas estrangeiras (NATHAN, GILEY, 2003, p. 28).

Enfrentando a perspectiva de uma explosão populacional, a China implementou rígidas leis de controle de natalidade nos anos 70. A famosa lei que permitia que cada casal tivesse somente um filho aparentemente fez efeito. O índice de natalidade caiu - a população na virada do século era de 1,2 bilhão de pessoas, contra a previsão de 1,5 bilhão se não houvesse o programa. Há indícios, no entanto, de que o sucesso do controle foi obtido às custas do desrespeito aos direitos humanos - os relatos de abortos forçados e esterilizações compulsórias atraíram uma certa condenação da comunidade internacional, mas que não foi suficiente para que estas práticas terminassem. Surgiu também um fenômeno trágico: a multiplicação dos casos de infanticídio. Como os homens são mais valorizados por sua força de trabalho braçal nas áreas rurais, muitas meninas eram sacrificadas por causa da lei de um filho por casal.

Uma das principais ameaças ao controle de população na China é o número crescente de migrantes, uma população flutuante que reúne mais de 100 milhões de pessoas em constante trânsito pelas áreas rurais. De acordo com os registros do governo, essas pessoas tendem a desrespeitar as regras de natalidade e planejamento familiar, inflando a população total e aumentando a demanda por trabalho e serviços públicos. Além disso, a expectativa de vida dos chineses dobrou desde a tomada do poder por Mao, em 1949. Na virada do século, o índice era de 70 anos em média. Com poucos nascimentos e cada vez mais idosos, a China corre o risco de, no futuro, abrigar a população mais envelhecida já vista no mundo.

         O governo comunista da China garante conceder a seus cidadãos total liberdade de credo e permitir qualquer prática religiosa em seu território. De acordo com os dissidentes, analistas políticos e grupos internacionais de defesa dos direitos humanos, isso não ocorre na prática: a perseguição religiosa ainda seria parte integrante da sociedade chinesa. A seita Falun Gong, que mistura idéias do budismo e taoísmo, é um dos principais alvos: desde 1999, está banida. Além disso, a tolerância religiosa dos chineses também é bastante duvidosa no Tibete: o Dalai Lama, líder espiritual dos budistas tibetanos, continua exilado, apesar dos apelos do mundo em seu nome.

Tema de grande importância histórica na China - no século XIX, o país lutou duas guerras contra o Ocidente por causa do ópio -, o consumo de drogas foi banido pela revolução comunista de 1949. Na época, os traficantes foram executados e os viciados, submetidos a tratamentos obrigatórios. Mas o crescimento econômico ressuscitou o acesso às substâncias proibidas - no fim da década de 90, o governo já calculava em meio milhão o número de pessoas com menos de 35 anos viciadas em drogas. O país retomou sua estratégia de dura repressão aos entorpecentes - mas é cada vez mais difícil conter o tráfico e o consumo das substâncias ilícitas.

Na época das "comunas" de Mao, cada região tinha comitês de governo responsáveis por controlar seus cidadãos - o que mantinha os índices de criminalidade em níveis baixíssimos. A mudança na estrutura social e econômica do país permitiu o surgimento de ramificações do crime organizado no país. Com controle governamental menos rígido e corrupção oficial cada vez maior, as atividades criminosas aumentaram nas últimas décadas, incluindo a prostituição, a pirataria de produtos, o contrabando, a extorsão, o jogo ilegal e o tráfico de drogas e armas.

De acordo com a Anistia Internacional e vários outros grupos de defesa dos direitos humanos, a China continua ferindo as convenções globais e perseguindo de forma implacável seus dissidentes e opositores. Os prisioneiros políticos lotam o sistema penitenciário e são submetidos à tortura, cárceres precários e julgamentos sem direito a defesa. As execuções ainda são comuns e há denúncias sobre o suposto cultivo de órgãos humanos de seus prisioneiros. Há ainda campos de trabalhos forçados e alto índice de trabalho infantil. O governo nega tudo.

A imprensa chinesa é controlada com rigidez pelo governo, que também restringe a entrada de informações externas ao bloquear sinais de televisão e rádio externos e impedir o acesso a sites estrangeiros na Internet. Nos últimos anos, a imprensa chinesa vem tendo liberdade para criticar a corrupção e a ineficácia de funcionários do governo e autoridades, mas a mídia jamais tem autonomia para questionar o poder do Partido Comunista. A televisão é o meio de comunicação mais popular - há mais de 1,1 bilhão de pessoas com acesso aos aparelhos -, e a Internet vem ganhando espaço, apesar do controle do governo sobre sites dissidentes. Em meados de 2003, havia cerca de 68 milhões de usuários da rede no país.

Verificamos então, uma contradição na China de hoje: o país que se tornou a terceira potência espacial do mundo recentemente; que bateu os Estados Unidos como receptor de investimentos externos diretos em 2002 com a atração de 52,7 bilhões de dólares; que é o segundo maior produtor de eletricidade do mundo; que tem 16 milhões de pessoas que viajam ao exterior anualmente e que tem 50 milhões de pessoas na Internet é o mesmo país que tem mais de 627 milhões de pessoas, a metade da população, vivendo com menos de 2 dólares por dia; que ocupa a 104ª posição no ranking de desenvolvimento humano da ONU (IDH); que tem seis de cada dez habitantes sem acesso a saneamento básico; que polui três vezes mais que os EUA em proporção ao PIB, em parte devido à queima de carvão; que mantém 310.000 pessoas em campos de trabalho forçado; que exige que todos os provedores de Internet tenham filtros que neguem acesso a páginas sobre direitos humanos, o Tibete e o massacre da Praça da Paz Celestial (VEJA, (2003, p.).

Em suas declarações os líderes chineses reconhecem as falhas do partido, a insatisfação popular, mas acreditam que, devido ao crescimento econômico e a relativa estabilidade depois do caso da Praça Celestial, podem obter apoio para acalmar a oposição.

Na nomeação dos novos líderes chineses, eles declararam algumas posições e plano de trabalho que o governo chinês passaria a implementar desde então. A seguir fazemos algumas observações quanto a esta questão.

            Nenhum dos líderes nega a elevação do status global da China, que pretendem manter através de um relacionamento de colaboração com os Estados Unidos e de acordos diplomáticos mais amplos envolvendo a Europa e a Rússia. Além de manter o status quo, os líderes chineses pretendem, primeiramente, promover eleições semicompetitivas para posições de governo até o nível de província assim como maior liberdade, dentro de certos limites, para a imprensa, televisão e rádio chineses. No que tange o futuro econômico da China, Wen Jiabao, premiê do Conselho de Estado e responsável pelas questões econômicas do país, acredita que o avanço da economia deve continuar com base no crescimento da demanda interna e menos ênfase no crescimento resultante das exportações. O objetivo é reduzir a desigualdade de renda e tentar controlar as agressões ao meio ambiente (NATHAN, GILEY, 2003, p. 26-27).

             Os líderes alertam que estes planos não devem ser confundidos com a decadência do poder monopolista do PCC. A idéia é seguir com o autoritarismo já conhecido enfatizando o desenvolvimento econômico.

Mantendo a atuação dos governos anteriores, a estabilidade política e social será proveniente da continuidade do rápido crescimento econômico chinês. O que diferenciará, será a base deste crescimento: as exportações estimuladas pelos investimentos estrangeiros abrirão mais espaço para a expansão da demanda interna, ou seja, a elevação do padrão de vida do povo deve ser o início de tudo. Para isso, pretendem tomar medidas efetivas para aumentar a renda dos cidadãos e especialmente a renda familiar de lavradores e residentes de pequenas cidades de baixa ou média renda, assim como trabalhar no sentido de aumentar o poder de compra dessas pessoas (NATHAN, GILEY, 2003, p. 27).

Este processo tende a acarretar na consolidação da popularidade do regime, tornar o mercado chinês uma realidade para as empresas nacionais e estrangeiras e reduzir a dependência chinesa sobre as exportações para os mercados de outros países. 

Uma mudança na estratégia econômica poderá significar mais pressão sobre as empresas estatais não lucrativas, principalmente nas industrias leves e nas industrias pesadas produtoras de aço, automóveis e caminhões, navios e carvão. Após quase duas décadas em que as autoridades incentivavam o crescimento de companhias privadas e venderam os ativos de estatais deficitárias, as empresas do estado respondem hoje por apenas cerca de 25% do PIB. Muitas delas continuam ineficientes, razão pela qual mais da metade dos empréstimos recebidos de bancos estatais não são devolvidos e operários e aposentados costumam fazer manifestações em protesto de salários e pensões não recebidos (NATHAN, GILEY, 2003, p. 28).

            Os novos líderes, ao contrário dos dirigentes de Jiang Zemin, acreditam que essas empresas precisam ser fechadas. De acordo com a política de Jiang, as empresas pequenas eram vendidas e o governo capitalizava as empresas maiores, a fim de criar conglomerados para manter o controle da economia nas mãos do Estado. Para Wen Jiabao, até as grandes empresas que estiverem passando por dificuldades financeiras, exceto aquelas industrias estratégicas, tais como de equipamentos de defesas, de energia, de transporte e de telecomunicações que devem ser de controle estatal, precisam ser vendidas.

            Wen Jiabao também tem se manifestado em questões ambientais. Para ele, o desenvolvimento deve ser mais lento, respeitando a qualidade do ar e da água, de forma a controlar a deterioração do meio ambiente. O novo dirigente criticou o Grande Plano de Desenvolvimento Ocidental, que visava a injeção de dinheiro do governo na construção do interior da região noroeste a fim de explorar os seus recursos e uni-la politicamente ao resto do país e, o plano de transferencia de água do sul para o norte, que propõe uma rede de canais e aquedutos para transportar grandes quantidades de água da região sul do pais, onde a água é abundante, para o árido norte (NATHAN, GILEY, 2003, p. 28).

            Outra proposta dos novos líderes trata da questão dos controles sociais. Assim, os camponeses poderão migrar livremente para qualquer parte do país em que houver trabalho e todos os chineses poderão obter o passaporte facilmente, contrariando o atual sistema de registro domiciliar que vincula o camponês a terra.

Além do mais, os novos líderes chineses, devem dar início a um período de mudanças políticas na China, mesmo que limitadas. Os principais problemas que assolam o sistema político chinês são a corrupção e o abuso do poder por parte das autoridades do partido, que geram insatisfação popular. A solução dessas questões tem duas vertentes: uso de mecanismos internos do partido para corrigir o comportamento dos políticos chineses, como por exemplo, uma atenção maior ao processo de seleção do quadro de funcionários, e além dessa, o governo deveria pregar medidas disciplinares mais rígidas através da exposição à supervisão popular externa, que também descrevem como democracia. Essas medidas incluiriam eleições competitivas limitadas e meios de comunicação parcialmente livres, incluindo a imprensa, a televisão e o rádio (NATHAN, GILEY, 2003, p. 33).

Quanto à política externa chinesa, os novos líderes estão dando seqüência a aquela promovida por Jiang Zemin. O ponto alto desta área foi à criação de um certo grau de estabilidade nas relações políticas entre a China e os Estados Unidos apesar do que os chineses considerarem como uma política extremamente flutuante e muitas vezes irracional dos americanos em relação a China. Ao assumir o comando da China em 1989, Jiang Zemim deparou-se com várias sanções de outros países frente a China. Hoje, como membro da OMC, freqüente parceiro dos Estados Unidos em congressos, e escolhida como sede dos Jogos Olímpicos de 2008, a China se vê como líder respeitado entre as nações. Este é um legado que a geração de Hu Jintao fará o possível para conservar (NATHAN, GILEY, 2003, p. 33).

Os novos líderes declaram que a China não é uma nação insatisfeita com os ocidentais e nem como um país que venha a desafiar o poderio norte-americano, mas como um pilar do status quo global, uma força a favor da estabilidade e da paz. A China apóia a ONU, assim como o que chama de multipolaridade. Apóia, pelo menos verbalmente, as campanhas globais contra a degradação do meio ambiente, assim como as campanhas contra a pobreza e doenças, tráfico de drogas, maus tratos para com refugiados e terrorismo internacional, muito embora tolere grandes danos aos seu próprio meio ambiente (NATHAN, GILEY, 2003, p. 33).

            Com efeito, apresentamos até agora, quais foram os impactos da modernização do país para a sociedade chinesa e a posição do atual governo chinês e do PCC diante do crescimento econômico da China e do futuro do país.

            Agora, para finalizar esta análise, vamos nos ater às conseqüências imediatas que a entrada da China na OMC trouxe para a economia do país e para o comércio internacional.

            Como já considerado no capítulo anterior, a grande discussão das negociações entre os membros da OMC sobre a China, deu-se no campo da eliminação das quotas. Estas serão eliminadas até 2005, e tem havido uma redução geral nas barreiras não tarifárias, que hoje atingem apenas 7,3% dos produtos importados, uma marca bastante inferior aos 23,2% de 1988.

            A política de investimento está também mais aberta. No entanto, a China assumiu o posto do país que mais recebeu investimento externo direto no ano de 2002. As restrições para o estabelecimento de empresas e para a repatriação dos lucros tornam-se cada vez menores. Todavia, procedimentos de desembaraço de cargas e de concessões de visto de trabalho ainda continuam com dificuldades. Outras medidas importantes que vêm sendo implementadas são a eliminação de exigências de transferência de tecnologia para os investimentos externos e de percentuais mínimos de conteúdos locais nos bens produzidos em território chinês por empresas estrangeiras (SERRA, 2003, p. 42).

            Tendo a China como membro da OMC, seus produtores e exportadores poderão negociar em longo prazo, de forma a expandir suas atividades. Quanto mais aberta a economia chinesa se torna, mais a China se beneficiará da segurança legal das regras do sistema de comércio. Não só os investidores estrangeiros, os exportadores e importadores, mas também todos os cidadãos chineses se beneficiarão das reformas mais abertas, não-distintivas que a China está empreendendo atualmente. 

            A China está presente de forma expressiva no comércio internacional. Os produtos chineses “invadiram” os mercados dos países em geral. Por exemplo: os produtos intensivos em trabalho respondem hoje por 42% do total das exportações chinesas; os produtos chineses deste segmento representam cerca de 12% do total exportado no mundo, ao passo que as exportações deste grupo de produtos têm caído tanto nos países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento, desde 1985; produtos de alta tecnologia e em bens intensivos de capital tem recebido altos investimentos, respondendo por 20% das exportações chinesas e por 2,5% do mercado mundial, o que reflete o processo de upgrading industrial por que vem passando a economia chinesa. O investimento externo direto responde por 50% das exportações chinesas nesses segmentos. As empresas estrangeiras utilizam componentes importados em grande escala, permitindo a presença cada vez maior dessas empresas que passaram a competir com as empresas nacionais; sobre os têxteis, o sistema de quotas deve acabar em dez anos. Todavia, com a adesão da China ao Agreement on Textiles and Clothes (ATC), o mercado interno e internacional devem beneficiar-se (SERRA, 2003, p. 43).

Acordos regionais estão sendo firmados pelo governo chinês como parte de sua estratégia econômica. Tanto os países desenvolvidos quanto em desenvolvidos estão sentindo os reflexos da entrada da China na OMC. Estados Unidos, Japão, Coréia e União Européia – os maiores parceiros comerciais – além do Canadá e outros países estão ganhando com a abertura dos mercados chineses e com as importações mais baratas dos produtos daquele país. Até mesmo o Brasil vem adquirindo benefícios com os chineses: a China pulou do 7º para o 2º maior parceiro comercial do Brasil neste ano. Entretanto, a competição de suas exportações para o resto do mundo deve ganhar fôlego com a presença maciça da economia chinesa.

            Uma área importante é a de serviços. Com a remoção das barreiras, o fluxo de investimentos diretos e a formação de firmas locais ganharão força, o que possibilitará um maior apoio a outros setores da economia.

A China é atualmente o 10º importador de serviços comerciais, saltando para o 6º com a inclusão de Hong Kong, e o 12º exportador, passando para o 5º com Hong Kong. O número de grupos varejistas está aumentando o que faz crescer a concorrência no setor.

Com a entrada da China no Acordo de Tecnologia da Informação, que hoje compreende 57 países e representa 90% do mercado, a tendência também é para um aumento nos investimentos neste setor. A indústria de tecnologia chinesa vem apresentando desempenhos bem satisfatório após a entrada na OMC. O país concluiu recentemente uma ampla revisão de seu sistema de leis e regulamentos sobre marcas comerciais e direitos autorais que se adapta muito bem ao padrão da OMC.

Além deste acordo, a China já é signatária do Tratado de Berna e firmou em 1994 o Tratado de Cooperação de Patentes, tendo se comprometido a aderir, ao Acordo de Comércio dos Aspectos Relacionados aos Direitos de Propriedade Intelectual (TRIPS). Todavia, isto consiste no aumento da produção chinesa, uma vez que o país terá que investir ou pagar pelas licenças que usar.

Quanto aos bancos estrangeiros, houve uma certa resistência na permissão da entrada deste serviço. No sistema atual, os bancos são separados das empresas de seguro para conter a especulação no mercado. Sendo assim, os principais bancos continuam sobre o controle do Estado, sendo pequeno o setor privado nacional. Entretanto, com os compromissos firmados junto a OMC, os bancos deverão entrar no país a partir de 2005. Assim, espera-se que os depósitos sejam feitos em sua grande maioria nesses bancos, já que oferecem um nível maior de serviços e remuneração. Com a competição, os bancos nacionais deverão sofrer perdas, o que deve acarretar em uma política de melhora em suas aplicações e em seus serviços.

            A China também carrega alguns problemas. Com a falta de transparências de suas leis, que continuam sendo diferentes pelo país, e o acesso ainda difícil às agências estatais para as empresas estrangeiras, a China pode ser questionada na OMC, já que os outros países podem sentir-se prejudicados e podem tomar medidas unilaterais. E se o país não diminuir ainda mais as restrições quanto à transferência de tecnologia nos contratos de investimentos diretos, pode receber retaliações, como por exemplo, acordos bilaterais entre países ou blocos (SERRA, 2003, p. 43).     

            No entanto, há ainda muitas restrições no setor de serviços, com a presença de muitas barreiras à entrada e a operação nos segmentos bancários e de telecomunicações. As empresas estrangeiras são discriminadas nos impostos que incidem sobre a renda e sobre a produção. A taxação sobre a renda auferida chega a 50% em alguns casos, no setor de serviços, e a 28% no segmento manufatureiro. As restrições são menores para operações em arranjos joint ventures, que exigem, por outro lado, uma série de compromissos e garantias. As regras da OMC serão aplicadas para empresas privadas e estatais, eliminando-se, assim, todos os subsídios existentes para as do Estado. Haverá, no entanto, um aumento da pressão pelo levantamento das restrições nos serviços (SERRA, 2003, p. 47).

            Os esforços chineses não param por aí: estão trabalhando para integrar a China aos outros continentes. O país está se aproximando significamente da Asean, buscando formar uma área de livre comércio comum para os próximos dez anos, reforçando as economias dos países atraindo mais capital externo. Há também as iniciativas da formação de alianças com outros países da Ásia e em desenvolvimento, como a Índia.

            Com efeito, a entrada da China na OMC fortalecerá o comércio mundial incondicionalmente, independente de todos os problemas aqui expostos. A cooperação internacional com este país tende a aumentar, levando em consideração o potencial econômico que a China apresenta ao mundo. Em âmbito nacional, o país se beneficiará do aumento dos investimentos externos diretos, estimulando a continuidade das reformas estruturais que tanto enfatizamos. Entretanto, há ainda muita coisa a fazer, já que determinados setores continuam sofrendo com o protecionismo do país, como a área de serviços.

            As conseqüências da entrada da China na OMC no campo econômico apresentam-se como positivas para os dois lados. Todavia, acarreta em uma série de problemas, principalmente sociais, que o governo chinês tem a urgência de se preocupar, como focamos no início do capítulo. As informações que apresentamos demonstra, apesar da insistência do PCC, que o sistema socialista na China se mostra contraditório e até mesmo insuficiente e incapaz para manter a estabilidade social no país. A economia está altamente capitalizada, entretanto, boa parte da população ainda não tem acesso a direitos e garantias que teoricamente este sistema lhes proporcionaria. No entanto este é, com certeza, um dos maiores desafios dos novos dirigentes chineses.

            O fato é que a modernização econômica da China é irremediável. A globalização tem o seu caráter perverso e os chineses estão enfrentando isto cotidianamente. Diversos outros países o enfrentam também. O que é interessante na China é que esta globalização vem acompanhada de preceitos socialistas – que se mostraram ineficientes ao longo da história - o que torna curioso o seu desenvolvimento. O mundo com certeza está atento aos próximos acontecimentos e avanços deste país. Se ela vai ultrapassar a hegemonia norte-americana nos próximos anos? É muito cedo para saber; o valor do seu PIB é um dos exemplos desta dúvida. No entanto, não podemos fechar os olhos diante deste grande país que vem provocando uma alteração efetiva nas relações econômicas internacionais.

           

             


[1] O confucionismo é uma concepção político-moral que privilegia o respeito pela autoridade, o sentido das hierarquias, o culto do passado. Embora conservador, não é imobilista. (REIS FILHO, 1981, p. 13).

[2] De acordo com Keohane e Nye a Revolução da Informação mudou uma característica importante das Relações Internacionais – o mundo onde a segurança e o poder importam menos e os países estão conectados por múltiplos relacionamentos sociais e políticos.

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Michele Pavão

Advogada formada pela Universidade Mackenzie, com especialização em Direito Digital. Atuação de mais de 10 anos no mercado publicitário. Interesses: Direito do autor, do Entretenimento e Digital.

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