"A cultura do encarceramento" no Brasil é criticada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal

12/02/2015 às 18:13
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A “política do encarceramento” foi duramente criticada pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Ricardo Lewandowski em um evento realizado no Tribunal de Justiça de São Paulo, no último dia 06 de fevereiro. O Ministro atacou o excesso de prisões no país e a ideia de que quanto mais gente presa, mais segurança a sociedade terá.

No mesmo evento, Desembargadores repetiram que o Brasil prende muito e prende mal. E coube ao Ministro Ricardo Lewandowski apontar os números que comprovam isso: o país tem 600 mil presos, sendo 40% deles provisórios. Isso equivale a 240 mil presos que não tiveram seus casos julgados, mas estão atrás das grades.

O Ministro advertiu que o projeto que cria a cadeia de custódia não muda necessariamente a situação carcerária do país, pois é preciso mudar a “cultura do encarceramento”, que também passa pela Magistratura. O Presidente do Supremo lembrou que o excesso de prisões não se deve só aos Delegados de Polícia ou aos membros do Ministério Público: “temos nossa parcela de responsabilidade, com as decisões dos juízes de execução”.

Também na mesma oportunidade, o Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, José Renato Nalini, afirmou que a “Magistratura é vulnerável à cultura da prisão. O juiz reflete o desejo da sociedade”, dizendo, outrossim, "que a grande quantidade de penas de prisão aplicadas por juízes se dá, muitas vezes, porque os Magistrados estão sujeitos à pressão popular, que exige atitudes como o aumento das penas e a redução da maioridade penal."

O Desembargador da corte paulista, Henrique Nelson Calandra concorda: “Juiz também é assaltado. É sequestrado. Juiz é gente como a gente.” No entanto, acha que isso deve ser enfrentado. As prisões da operação “lava jato”, na qual o juiz Sergio Moro decidiu por manter encarcerados empresários acusados de corrupção, são atacadas por Calandra. “Talvez a prisão cause mais dano do que proveito. Importantes empresas brasileiras estão sofrendo reveses operacionais imensos, e criam uma cadeia de insolvência que vem se resolver aqui, no TJ-SP, com cobranças”.

O Presidente do Tribunal Regional Federal da 3a. Região, Fábio Prieto afirmou, por sua vez, que a própria estrutura do Judiciário faz com que o juiz esteja mais sujeito à pressão externa do que deveria: “O juiz hoje é submetido a três tipos de controle: a corregedoria, a corregedoria da Justiça Federal em Brasília e a corregedoria do CNJ. A estrutura permite que o juiz seja pressionado. Pois quem tem três tipos de controle não tem a independência funcional plena, o que, apesar de não causar um dano necessariamente à independência do juiz, permite que eles sejam pressionados a atenderem interesses."

Também presente no evento, o Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, Dr. Marcos da Costa, lembrou que, "atualmente, o preso provisório sai, em média, de 3 a 4 meses depois do flagrante, quando tem a primeira audiência com o juiz. Isso faz, segundo ele, com que a prisão sirva para alimentar a criminalidade, pois, uma vez no sistema penitenciário, o acusado vai ter contato com a escola do crime, vai ser pressionado e cooptado. Se tivermos menos prisões, completa, teremos o menor fornecimento de elementos para o crime organizado."

O próprio Governador do Estado, apesar de entender que "investigar e prender é essencial para diminuir a atividade delituosa e acabar com a impunidade, aduziu que não pode haver demora nos julgamentos dos presos e o número de presos provisórios precisa ser reduzido." (Fonte: Revista Consultor Jurídico, com acesso no dia 09 de fevereiro de 2015).

Coincidentemente, na mesma revista acima citada, noticia-se que "no Brasil, exceção virou regra: prende-se para depois apurar, diz Marco Aurélio"

Pois é. Em depoimento ao jornalista Marcos de Vasconcellos, o Ministro Marco Aurélio afirmou que a "Justiça brasileira passa por um momento crítico, em que a prisão passou a ser regra e a liberdade, exceção entre os acusados", afirmando "acompanhar com incredulidade as notícias sobre a operação lava jato, que vê como um reflexo do Judiciário. O juiz acaba atropelando o processo, não sei se para ficar com a consciência em paz, e faz a anomalia em nome da segurança.”

Dizendo-se impressionado com a condução coercitiva de acusados que não resistiram a ir prestar depoimento, como no caso do tesoureiro do Partido dos Trabalhadores, o Ministro Marco Aurélio disse: “A criatividade humana é incrível! Com 25 anos de Supremo, eu nunca tinha visto nada parecido. E as normas continuam as mesmas”.

Ele aproveitou para criticar o Enunciado nº. 691 da súmula do Supremo Tribunal Federal, editada pela Corte Suprema em 2003. Para ele, "a súmula é um erro e precisa ser corrigida, pois coloca o ato do relator do caso acima do ato do colegiado, isso porque não permite ao Supremo Tribunal Federal rever a decisão do primeiro, mas permite que a corte reveja a decisão da turma que julgar o caso." O Enunciado, disse o Ministro, "subverte a hierarquia da Justiça". “Dessa forma, o que vinga é o misoneísmo, a observância do estabelecido sem observância do contrário. Uma obediência cega à norma, que nos faz lembrar do Padre António Vieira, que disse que a pior cegueira é a que cega deixando os olhos abertos” Fonte: Revista Consultor Jurídico, 8 de fevereiro de 2015, 10h29.

Pois bem.

É indiscutível que a prisão em todo o mundo passa por uma crise sem precedentes. A idéia disseminada a partir do século XIX segundo a qual a prisão seria a principal resposta penológica na prevenção e repressão ao crime perdeu fôlego, predominando atualmente “uma atitude pessimista, que já não tem muitas esperanças sobre os resultados que se possa conseguir com a prisão tradicional”, como pensa Cezar Roberto Bitencourt.[1]

É de Hulsman a seguinte afirmação: “Em inúmeros casos, a experiência do processo e do encarceramento produz nos condenados um estigma que pode se tornar profundo. Há estudos científicos, sérios e reiterados, mostrando que as definições legais e a rejeição social por elas produzida podem determinar a percepção do eu como realmente ‘desviante’ e, assim, levar algumas pessoas a viver conforme esta imagem, marginalmente. Nos vemos de novo diante da constatação de que o sistema penal cria o delinqüente, mas, agora, num nível muito mais inquietante e grave: o nível da interiorização pela pessoa atingida do etiquetamento legal e social.”[2]

O próprio sistema carcerário brasileiro revela o quadro social reinante neste País, pois nele estão “guardados” os excluídos de toda ordem, basicamente aqueles indivíduos banidos pelo injusto e selvagem sistema econômico no qual vivemos; o nosso sistema carcerário está repleto de pobres e isto não é, evidentemente, uma “mera coincidência”. Ao contrário: o sistema penal, repressivo por sua própria natureza, atinge tão-somente a classe pobre da sociedade. Sua eficácia se restringe, infelizmente, a ela. As exceções que conhecemos apenas confirmam a regra.

Aliás, a esse respeito, há uma opinião bastante interessante de Maria Lúcia Karam, segundo a qual “hoje, como há duzentos anos, mantém-se pertinente a indagação de por que razão os indivíduos despojados de seus direitos básicos, como ocorre com a maioria da população de nosso país, estariam obrigados a respeitar as leis.”[3]

De forma que esse quadro sócio-econômico existente no Brasil, revelador de inúmeras injustiças sociais, leva a muitos outros questionamentos, como por exemplo: para que serve o nosso sistema penal? A quem são dirigidos os sistemas repressivo e punitivo brasileiros? E o sistema penitenciário é administrado para quem? E, por fim, a prática de um ilícito é, efetivamente, apenas um caso de polícia?

Ao longo dos anos a ineficiência da pena de prisão mostrou-se de tal forma clara que chega a ser difícil qualquer contestação a respeito. Em nosso País, por exemplo, muitas leis penais puramente repressivas estão a todo o momento sendo sancionadas, como as leis de crimes hediondos, a prisão temporária, a criminalização do porte de arma, a lei de combate ao crime organizado, etc, sempre para satisfazer a opinião pública (previamente manipulada pelos meios de comunicação), sem que se atente para a boa técnica legislativa e, o que é pior, para a sua constitucionalidade. E, mais: o encarceramento como base para a repressão.

Assim, por exemplo, ao comentar a lei dos crimes hediondos, Alberto Silva Franco afirma que ela, “na linha dos pressupostos ideológicos e dos valores consagrados pelo Movimento da Lei e da Ordem, deu suporte à idéia de que leis de extrema severidade e penas privativas de alto calibre são suficientes para pôr cobro à criminalidade violenta. Nada mais ilusório.”[4]

Certamente a aplicação da pena de privação da liberdade como solução para a questão de vazamentos de informações em concursos, avaliações e exames públicos é mais um equívoco do nosso péssimo legislador, pois de nada adiantam leis severas, criminalização excessiva de condutas, penas mais duradouras ou mais cruéis... Vale a pena citar o grande advogado Evandro Lins e Silva, que diz: “Muitos acham que a severidade do sistema intimida e acovarda os criminosos, mas eu não tenho conhecimento de nenhum que tenha feito uma consulta ao Código Penal antes de infringi-lo.”[5] O mesmo jurista, Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, em outra oportunidade afirmou: “precisamos despenalizar alguns crimes e criar punições alternativas, que serão mais eficientes no combate à impunidade e na recuperação do infrator (...). Já está provado que a cadeia é a universidade às avessas, porque fabrica criminosos, ao invés de recuperá-los.”

A nossa realidade carcerária é preocupante; os nossos presídios e as nossas penitenciárias, abarrotados, recebem a cada dia um sem número de indiciados, processados ou condenados, sem que se tenha a mínima estrutura para recebê-los; e há, ainda, milhares de mandados de prisão a serem cumpridos; ao invés de lugares de ressocialização do homem, tornam-se, ao contrário, fábricas de criminosos, de revoltados, de desiludidos, de desesperados; por outro lado, a volta para a sociedade (através da liberdade), ao invés de solução, muitas das vezes, torna-se mais uma via crucis, pois são homens fisicamente libertos, porém, de tal forma estigmatizados que tornam-se reféns do seu próprio passado.[6]

Hoje, o homem que cumpre uma pena ou de qualquer outra maneira deixa o cárcere encontra diante de si a triste realidade do desemprego, do descrédito, da desconfiança, do medo e do desprezo, restando-lhe poucas alternativas que não o acolhimento pelos seus antigos companheiros; este homem é, em verdade, um ser destinado ao retorno: retorno à fome, ao crime, ao cárcere (só não volta se morrer).

Bem a propósito é a lição de Antônio Cláudio Mariz de Oliveira: "Ao clamar pelo encarceramento e por nada mais, a sociedade se esquece de que o homem preso voltará ao convívio social, cedo ou tarde. Portanto, prepará-lo para sua reinserção, se não encarado como um dever social e humanitário, deveria ser visto, pelo menos, pela ótica da autopreservação." (Folha de São Paulo, 06/06/2005).

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O Professor de Sociologia da Universidade de Oslo, Thomas Mathiesen avalia que “se as pessoas realmente soubessem o quão fragilmente a prisão, assim como as outras partes do sistema de controle criminal, as protegem – de fato, se elas soubessem como a prisão somente cria uma sociedade mais perigosa por produzir pessoas mais perigosas -, um clima para o desmantelamento das prisões deveria, necessariamente, começar já. Porque as pessoas, em contraste com as prisões, são racionais nesse assunto. Mas a informação fria e seca não é suficiente; a falha das prisões deveria ser ‘sentida’ em direção a um nível emocional mais profundo e, assim fazer parte de nossa definição cultural sobre a situação.”[7]                 

Vale a pena citar, mais uma vez, Lins e Silva, pela autoridade de quem, ao longo de mais de 60 anos de profissão, sempre dignificou a advocacia criminal brasileira e a magistratura nacional; diz ele: “A prisão avilta, degrada e nada mais é do que uma jaula reprodutora de criminosos”, informando que no último congresso mundial de direito criminal, que reuniu mais de 1.000 criminalistas de todo o mundo, “nem meia dúzia eram favoráveis à prisão.”[8]

Ademais, as condições atuais do cárcere, especialmente na América Latina, fazem com que, a partir da ociosidade em que vivem os detentos, estabeleça-se o que se convencionou chamar de “subcultura carcerária”, um sistema de regras próprias no qual não se respeita a vida, nem a integridade física dos companheiros, valendo intra muros a “lei do mais forte”, insusceptível, inclusive, de intervenção oficial de qualquer ordem.

Já no século XVIII, Beccaria, autor italiano, em obra clássica, já afirmava: “Entre as penalidades e no modo de aplicá-las proporcionalmente aos crimes, é necessário, portanto, escolher os meios que devem provocar no espírito público a impressão mais eficiente e mais perdurável e, igualmente, menos cruel no organismo do culpado.”[9]

Por sua vez, Marat, em obra editada em Paris no ano de 1790, já advertia que “es un error creer que se detiene el malo por el rigor de los suplicios, su imagen se desvanece bien pronto. Pero las necesidades que sin cesar atormentan a un desgraciado le persiguen por todas partes. Encuentra ocasión favorable? Pues no escucha más que esa voz importuna y sucumbe a la tentación.”[10]

Esquece-se novamente que o modelo clássico de Justiça Penal vem cedendo espaço para um novo modelo penal, este baseado na idéia da prisão como extrema ratio e que só se justificaria para casos de efetiva gravidade. Em todo o mundo, passa-se gradativamente de uma política paleorrepressiva ou de hard control, de cunho eminentemente simbólico (consubstanciada em uma série de leis incriminadoras, muitas das quais eivadas com vícios de inconstitucionalidade, aumentando desmesurada e desproporcionalmente a duração das penas, inviabilizando direitos e garantias fundamentais do homem, tipificando desnecessariamente novas condutas, etc.) para uma tendência despenalizadora.

Como afirma Jose Luis de la Cuesta, “o direito penal, por intervir de uma maneira legítima, deve respeitar o princípio de humanidade. Esse princípio exige, evidentemente, que se evitem as penas cruéis, desumanas e degradantes (dentre as quais pode–se contar a pena de morte), mas não se satisfaz somente com isso. Obriga, igualmente, na intervenção penal, a conceber penas que, respeitando a pessoa humana, sempre capaz de se modificar, atendam e promovam a sua ressocialização: oferecendo (jamais impondo) ao condenado meios de reeducação e de reinserção.”[11]

O Direito Penal não deve ser utilizado para incriminar toda e qualquer conduta ilícita (atentando-se para o princípio da intervenção mínima[12]), devendo, diversamente, ser resguardado para situações limites, posicionamo-nos contrariamente à nova criminalização, afastando a incidência do Direito Penal, pois só assim ele (o Direito Penal) terá “um papel bastante modesto e subsidiário de uma política social de largo alcance, mas nem por isso menos importante. Uma boa política social (inclusive ambiental, diríamos nós), ainda é, enfim, a melhor política criminal”, como afirma Paulo de Souza Queiróz.[13]

O combate a esta prática odiosa sob todos os aspectos não passa necessariamente pelo Direito Penal, muito pelo contrário: sanções administrativas e civis seriam, muitas das vezes, mais eficientemente aplicadas e, por conseguinte, mais eficazes e intimidatórias. Poderíamos, por exemplo, adotar o que o jurista alemão Winfried Hassemer chama de Direito de Intervenção (Interventionsrecht), uma mescla entre o tradicional Direito Penal e o Direito Administrativo; este novo Direito excluiria as sanções tipicamente penais com garantias menores que o Direito Penal tradicional. Segundo ele, as suas principais características seriam: o seu caráter fundamentalmente preventivo, de imputação de responsabilidades coletivas, sanções rigorosas, com impossibilidade de admitir penas de privação de liberdade, atuação global e não casuística, atuação subsidiária do Direito Penal, e, por fim, a previsão de “soluções inovadoras, que garantam a obrigação de minimizar os danos.”[14] Seria, portanto, um Direito sancionador, sem os princípios e regras do Direito Penal das pessoas físicas.

Outra questão tormentosa é a prisão temporária, uma verdadeira prisão para averiguações, uma prisão que serve, tão-somente, para investigar, quando, na verdade, a lógica é outra: investiga-se para, se necessário (periculum libertatis), prender.

Aliás, a lei que criou a prisão temporária (Lei nº. 7.960/89) padece de vício de origem, pois ela foi criada pela Medida Provisória nº. 111/89 quando deveria sê-lo, obrigatoriamente, por lei em sentido formal, votada pelo Congresso Nacional. Como observou Alberto Silva Franco, esta lei “originou-se de uma medida provisória baixada pelo Presidente da República e, embora tenha sido convertida em lei pelo Congresso Nacional, representou uma invasão na área da competência reservada ao Poder Legislativo. Pouco importa a aprovação pelo Congresso Nacional da medida provisória.”[15]

Mutatis mutandis, citamos a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 4980 contra a Medida Provisória 497/2010, convertida na Lei 12.350/2010. O autor da ação, o Procurador-Geral da República afirma na inicial que, ainda que em caráter de excepcionalidade, o STF admite o controle de constitucionalidade dos requisitos para a edição de uma medida provisória – relevância e urgência. E “a conversão [da MP em lei] não tem o condão de convalidar a norma originalmente viciada”, sustenta. Reporta-se, neste contexto, a decisões da Suprema Corte no julgamento das ADIs 3330 e 3090, relatadas, respectivamente, pelos ministro Ayres Britto (aposentado) e Gilmar Mendes. A lei derivada da MP 497/2010 inseriu em seu texto uma alteração no artigo 83 da Lei 9.430/1996. Tal artigo disciplina o envio da representação fiscal para fins penais ao Ministério Público, fixando a necessidade de prévio esgotamento das instâncias administrativas. A MP – e a Lei 12.350/2010, que resultou da sua conversão –, incluiu no artigo os crimes contra a Previdência Social, previstos nos artigos 168-A e 337-A do Código Penal. A PGR alega inconstitucionalidade no que se refere aos crimes de natureza formal, especialmente o de apropriação indébita previdenciária (artigo 168-A do CP), por ofensa aos artigos 3º; 150, inciso II; 194, caput e inciso V, e 195 da Constituição Federal, bem como ao princípio da proporcionalidade, sob a perspectiva da proteção deficiente. Observa que a MP 497 “violou a limitação à edição de medida provisórias, contemplada no artigo 62, parágrafo 1º, inciso I, letra “b”, da CF, ao tratar de matéria penal e processual penal, vedada por tal dispositivo. A PGR lembra que a alteração do artigo 83 da Lei 9.430/1996 originou-se, segundo a exposição de motivos que acompanhou a MP, da necessidade de ajustar a legislação previdenciária ao tratamento normativo conferido aos demais tributos. Serviria para corrigir uma omissão surgida por ocasião da criação da Secretaria da Receita Federal do Brasil ou Super-Receita, em 2007, no sentido de uniformizar o procedimento adotado para os crimes previdenciários com aquele adotado para os crimes tributários. No entanto, segundo a Procuradoria, de 2007 a 2010 passaram-se três anos, o que não sustenta o argumento da inexistência de tempo hábil, a título de urgência, para regulamentar a matéria por lei ordinária. “Em verdade, aproveitou-se a edição da medida provisória que versa sobre questão verdadeiramente urgente e relevante – a realização da Copa do Mundo e da Copa das Confederações, no Brasil – para inserir dispositivo absolutamente estranho à matéria”, afirma a autora. Presentes os pressupostos – fumaça do bom direito e perigo na demora de uma decisão –, a PGR pede a concessão de liminar para suspender a eficácia do artigo 83 da Lei 9.430/1996, com a alteração promovida pela Lei 12.350/2010, no que se refere aos crimes formais, especialmente o de apropriação indébita previdenciária. No mérito, pede a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo. (Fonte: STF).

A inconstitucionalidade desta prisão nós defendemos há algum tempo. Se do ponto de vista formal pode-se até concluir que a antiga prática foi regularizada (a famigerada prisão para averiguações), sob o aspecto material, indiscutivelmente, continua a mácula aos postulados constitucionais. Como bem notou Paulo Rangel, “no Estado Democrático de Direito não se pode permitir que o Estado lance mão da prisão para investigar, ou seja, primeiro prende, depois investiga para saber se o indiciado, efetivamente, é o autor do delito. Trata-se de medida de constrição da liberdade do suspeito que, não havendo elementos suficientes de sua conduta nos autos do inquérito policial, é preso para que esses elementos sejam encontrados. (...) Prender um suspeito para investigar se é ele, é barbárie. Só na ditadura e, portanto, no Estado de exceção. No Estado Democrático de Direito havendo necessidade se prende, desde que haja elementos de convicção quanto ao periculum libertatis.”[16]

A propósito, veja-se a preocupação dos juristas espanhóis Gimeno Sendra, Moreno Catena e Cortés Dominguez, segundo os quais não se pode “atribuir a la medida cautelar el papel de instrumento de la investigación penal.

Dizem eles que “sin duda alguna, esa utilización de la prisión provisional como impulsora del descubrimiento del delito, para obtener pruebas o declaraciones, ha de rechazarse de plano, pues una concepción de este tipo excede los límites constitucionales, y colocaría a la investigación penal así practicada en un lugar muy próximo a la tortura indagatoria.”[17]

Aliás, tramita no Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4109), ajuizada pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB): “A prisão temporária, conhecida como prisão para averiguações, foi rejeitada pelo governo dos militares, por haver sido considerada flagrantemente antidemocrática.” Para a legenda, a redação imprecisa da lei questionada provoca infindáveis controvérsias nos meios jurídicos. O PTB afirma entender que a prisão temporária, além de agredir a garantia do devido processo legal, ultrapassa a razoabilidade dos objetivos que busca. Outra inconstitucionalidade flagrante da prisão temporária seria o desrespeito ao artigo 5º, inciso LVII, da Carta, que afirma que “ninguém poderá ser tratado como culpado, qualquer que seja a natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista a esse respeito, decisão judicial condenatória, transitada em julgado”. Além do mais, o partido trabalhista entende que o instituto da prisão temporária já se demonstrou ineficaz em auxiliar a segurança pública. Em vigor desde 89, não apresentou resultados no que se refere à diminuição da criminalidade. “Ao contrário, nesses últimos 19 anos, as estatísticas criminais têm registrado, sublinhe-se, inquestionável aumento, especialmente nas cidades de maior porte.” A determinação contida na lei, de que o juiz deve decidir o pedido de prisão temporária no máximo em 24 horas também é um exagero e teria o objetivo, segundo o partido, de impedir que o magistrado tenha a possibilidade de sequer examinar os autos, concedendo a prisão sem uma análise detalhada dos autos. “A prisão temporária serve, de fato, para produzir tão somente grande repercussão na mídia, gerando a falsa impressão de que tudo foi resolvido”, alega o partido político. O resultado que se busca com a prisão para averiguações é a obtenção de confissões, não raro com o emprego inconstitucional da tortura, salienta ainda o PTB, pedindo ao Supremo que declare a inconstitucionalidade da Lei 7.960/89, com as alterações produzidas pelas Leis 8.072/90 e 11.464/07.

Atentemos que a Lei nº. 12.403/11 alterou substancialmente o Título IX do Livro I do Código de Processo Penal que passou a ter a seguinte epígrafe: “Da Prisão, Das Medidas Cautelares e Da Liberdade Provisória”. No Capítulo I – Das Disposições Gerais – foram modificados os artigos a seguir comentados:

O novo art. 282 estabelece que as medidas cautelares previstas em todo o Título IX deverão ser aplicadas observando-se um dos seguintes requisitos: a necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais (periculum libertatis).

Além destes requisitos (cuja presença não precisa ser cumulativa, mas alternativamente), a lei estabelece critérios que deverão orientar o Juiz no momento da escolha e da intensidade da medida cautelar, a saber: a gravidade do crime, as circunstâncias do fato e as condições pessoais do indiciado ou acusado (fumus commissi delicti). Evidentemente, merecem críticas tais critérios, pois muito mais condizentes com as circunstâncias judiciais a serem aferidas em momento posterior quando da aplicação da pena, além de se tratar de típica opção pelo odioso Direito Penal do Autor.[18]

Procura-se, portanto, estabelecer neste Título os requisitos e os critérios justificadores para as medidas cautelares no âmbito processual penal, inclusive no que diz respeito às prisões provisórias, incluindo-se a prisão temporária, “pois são regras abrangentes, garantidoras da sistematicidade de todo o ordenamento.”[19] Ademais, a prisão temporária encontra-se prevista neste Título IX do Código de Processo Penal (art. 283).

A propósito, vale transcrever um excelente trabalho de Alexandre Morais da Rosa e Salah H. Khaled Jr. (http://justificando.com/2014/07/15/logica-cinto-de-castidade-na-prisao-temporaria/):

"A prisão temporária muitas vezes utiliza-se da lógica do cinto de castidade. Embora não se tenha certeza sobre o seu surgimento, a sua imposição conforma um meio de limitar e restringir a liberdade sexual da mulher. A lógica que orienta a mecânica restritiva do aparato é a de cerceamento absoluto da vontade potencial do outro. Trata-se de um mecanismo de sujeição orientado pela suspeita pré-constituída do censor do desejo alheio. Desse modo buscava-se garantir a ordem imposta pelo pai – sociedade patriarcal – mesmo quando este estivesse ausente. Era comum o pai que não queria ver a filha mantendo relações sexuais ou mesmo o marido ciumento proverem a mulher de cinto de castidade, situação que inacreditavelmente se mantém ainda hoje. A pergunta é se a utilização impede o desejo ou somente adia o ato, talvez com maior vigor? Essa lógica acaba se mostrando contraproducente para o próprio censor, uma vez que reforça o desejo pelo “proibido” e pode provocar vínculos de solidariedade inesperados com aquele que é violentado. Não são poucas as histórias triunfantes de libertação e rompimento das amarras. Certas energias não são represadas impunemente. Nesses casos o castigo para o censor pode ser muito maior do que o preço pago por uma liberdade irrestrita.A prisão temporária também pode facilmente se prestar a limitar e restringir a liberdade, quando é empregada perversamente em sentido preventivo, como proibição do direito de expressão, reunião e manifestação, por exemplo. E tudo em nome do pai. Da ordem. Da moral. Dos bons costumes. E principalmente, do silêncio. De um silêncio que é típico de ditaduras e que não podemos aceitar. Apesar de arcaico, o cinto ainda tem seus adeptos. Pessoas que adoram jaulas e mordaças. Que não suportam o diferente e que somente dormem tranquilas quando prospera a mesmidade das coisas. Resta aos que se solidarizam com as vítimas do cerceamento preventivo de seus direitos, fazer aquilo que a democracia nos permite. Barulho. Muito barulho.É ilegal a prisão com base no que alguém pode potencialmente vir a fazer, ou que se supõe que um dia faça. Ainda mais quando este suposto “fazer” configura exercício de direito fundamental. Testemunhamos nos últimos dias um exercício de futurologia inteiramente incompatível com o Estado Democrático de Direito, como o é a própria prisão temporária, ainda que em alguns casos essa ilegalidade fique mais manifesta do que em outros. A prisão temporária, convertida que foi da Medida Provisória nº 111/89, regulada pela Lei nº7.960/89, é manifestamente inconstitucional. O Supremo Tribunal Federal analisando (ou melhor, tergiversando) a questão, entendeu (Medida Cautelar nº 162, julg. 14.12.89) que a prisão não era obrigatória, devendo, de qualquer sorte, ser fundamentada. Entendemos diversamente, com aponta Fauzi Hassan Choukr “No julgamento anunciado, a Corte Suprema tangenciou os temas fundamentais da matéria, e corroborou uma vez mais a inequívoca vocação legislativa do Poder Executivo, desta vez acobertando-a com o manto da não obrigatoriedade da aplicação da medida pelo magistrado no caso concreto, que apenas tomaria a medida com a devida fundamentação. Verdadeiramente não é este o ponto central do descumprimento da cláusula constitucional que determina ser a medida provisória empregada apenas em casos de extrema urgência e relevância.“[1] Aury Lopes Jr indica que: “nasce logo após a promulgação da Constituição de 1988, atendendo a imensa pressão da polícia judiciária brasileira, que teria ficado ‘enfraquecida’ no novo contexto constitucional diante da perda de alguns importantes poderes, entre eles o de prender para ‘averiguações’ ou ‘identificação’ dos suspeitos. Há que se considerar que a cultura policial vigente naquele momento, onde prisões policiais e até a busca e apreensão eram feitas sem a intervenção jurisdicional, não concebia uma investigação policial sem que o suspeito estivesse complemente à disposição da polícia. (…) Então não se pode perder de vista que se trata de uma prisão cautelar para satisfazer o interesse da polícia, pois, sob o manto da ‘imprescindibilidade para as investigações do inquérito’, o que se faz é permitir que a polícia disponha, como bem entender, do imputado. (…) A prisão temporária cria todas as condições necessárias para se transformar em uma prisão para tortura psicológica, pois o preso fica à disposição do inquisidor. A prisão temporária é um importantíssimo instrumento na cultura inquisitória que ainda norteia a atividade policial, em que a confissão e a ‘colaboração’ são incessantemente buscadas. Não se pode esquecer que a ‘verdade’ esconde-se na alma do herege, sendo ele o principal ‘objeto’ da investigação.“[2]Nesse contexto, até porque se assume postura democrática, deve-se declarar inconstitucional a Lei (sic) n. 7.960/89, deixando-se bem claro que se elementos para preventiva se fizerem presentes, que se a requeira. Temporária só decreta quem não entendeu a dimensão da presunção de inocência e do direito de não produzir prova contra si mesmo, sem falar da novidade (prisão cautelar como cinto de castidade: para evitar crimes). Isto porque a mentalidade inquisitória da prisão para averiguações, para esclarecimentos, não se compadece com o processo democrático. Deveria ter acabado o tempo em que as pessoas eram presas para se investigar, embora, reconheça-se, seja a mentalidade de muita gente que opera no direito penal, em regra, porque foram formados – ou seduzidos – pelos discursos fáceis da lei-e-da-ordem, para os quais a tolerância deve ser zero! No entanto, os discursos da matriz inquisitória continuam sendo reproduzidos e prosperam de forma irrestrita, conformando uma verdadeira lógica persecutória de extermínio do inimigo.[3]De outro lado, a partir da teoria dos jogos[4] a prisão temporária serve como tática de aniquilamento midiático e patrimonial[5]. Desestabilizam a possibilidade de defesa direta mediante o massacre nos meios de comunicação e, por outro lado, avisam aos demais que se terão igual tratamento draconiano, ou seja, quem a autoridade policial entender que poderá cometer crime, pode ser preso, com chancela judicial, sem base fática que não o imaginário. Aliás, as decisões primam pela qualidade ao inverso, de regra, embora os Tribunais não queiram ver isso. Cabe lembrar, ademais, que todas as prisões devem ser excepcionais, provisórias e atender ao comando da proporcionalidade (adequação, necessidade, proporcionalidade em sentido estrito).A incerteza e opacidade[6] do campo de batalha processual podem ser chamados de atritos, como queria Clausewitz, ao exigirem a tomada de posição estratégica e tática, antecipando os movimentos do jogador. A transformação do processo em jogo de guerra possibilita entender a pressão externa de personagens, especialmente do populismo penal[7]: a) mídia – vende o produto crime; b) políticos – que usam o medo como plataforma política; c) máfia, crime organizado, – lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e pessoas, os quais podem intervir na prova (coação); d) polícia – para valorizar seu status; e) magistrados, Ministério Público, defensores. Esses novos jogos penais viciados pelo populismo não servem para estabilizar, mas para renovar o estado de medo e pânico. Se sabe que a pena não resolve, nem encaminha a questão. A crença no aumento de punições e processos penais céleres, sem garantias processuais, fomenta a sensação de segurança, tão imaginária quanto histórias infantis, ainda que vendidas pela mídia delivery e manejadas politicamente. Vende-se o crime como o sintoma do mal a ser extirpado[8]. É preciso entender a relação entre jogo processual e política. Sem isso a leitura do processo penal e dos movimentos de recrudescimento é ingênua. O processo pode cooperar com o controle social, mas não pode ser subserviente a ele. Não pode ser um aliado de trincheira. Se assim se postar perde a dimensão coletiva de garantia que a razão exige e que demarca o próprio sentido da jurisdição no Estado Democrático de Direito. É necessária certa autonomia do processo penal. Não se pode condenar ninguém, em Democracia, em nome de fins políticos ou midiáticos. Daí a função contramajoritária do processo penal: deve ser o jogo democrático pelo qual se pode, ao final, se e somente se, cumpridas as normas, aplicar-se uma sanção estatal. Do contrário o jogo sujo para com a democracia prevalecerá[9].Alguns dizem que não vivenciamos a ditadura, embora tenhamos nossas desconfianças. Ainda que se tenha possibilidade de Habeas Corpus, mais uma vez, o direito foi instrumentalizado para dar o verniz de legalidade ao mundo militarizado. Liminares são negadas e arbitrariedade confirmadas. Poderíamos ficar quietos e seria mais inteligente. No mundo em que a mentalidade militar continua guiando o modo de pensar do Poder Judiciário (Não se fez comissão da Verdade no Poder Judiciário), prisões temporárias, para averiguação, mandados coletivos, tudo o mais, no fundo servem para perpetuar a opressão da manutenção da ordem. A pergunta ingênua é: que ordem? Lembremo-nos que o cinto de castidade somente aumentava o desejo. Ontem e hoje. Nesses casos, aumenta o desejo de todos nós. Foi com repressão injustificada que as ruas foram tomadas nas jornadas de junho, como podem ser tomadas novamente. Alguém pode apostar que não? As redes sociais fizeram com que o censor perdesse o controle do jogo. A proibição atiça a libido do rebelde em potencial. Qualquer controle preventivo de natureza totalitária não é apenas inaceitável, está fadado ao fracasso. A resistência democrática não pode admitir a reafirmação de uma lógica lombrosiana de persecução de pessoas vistas como coisas, como portadoras de uma maldade que deve ser restringida antes que sequer seja esboçada uma “ameaça” para a coletividade.  Prisão antecipada ao fato? Cinto de castidade para controlar a libido de liberdade? Que se rompam os grilhões e que a rebeldia flua. Não estamos falando em caos e destruição e sim em direito de manifestação, de expressão, de reunião e até mesmo de formação de opinião. Que tempos sombrios esses em que livros vermelhos são apreendidos como se fossem disseminadores de perversão. Fruto proibido em pleno século XXI? Estará a serpente espreitando o paraíso e temos que zelar pela pureza do homem de bem?Para terminar, diálogo de um filho de seis anos com o pai, diante das prisões televisionadas.Pergunta o filho: –  Pai, o que eles fizeram? O pai responde: – não fizeram nada.– Então porque foram presos? Porque alguém mandou prender. – E podia? – Não.  Por que continuam presos? – Porque a maioria dos Juízes está em Berlin. Será? (Notas: [1]  CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo Penal à luz da Constituição. São Paulo: EDIPRO, 1999, p. 87. [2] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 145-146. Ver a edição mais recente, publicada pela editora Saraiva. [3] KHALED JR, Salah H. A busca da verdade no processo penal: para além da ambição inquisitorial. São Paulo: Atlas, 2013. [4] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. [5] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 905-906: “Hoje, a pirotecnia das megaoperações policiais, com seus nomes marcantes (uma interessante estratégia do marketing policial), para além das sirenes e algemas, conta com esse importante argumento: indisponibilidade patrimonial. Mais do que prender, engessar o patrimônio dos suspeitos passou a ser uma grande notícia, até porque, esteticamente, é embriagante ver no telejornal “as mansões cinematográficas e os caríssimos carros importados que serão sequestrados”. Assim, as medidas assecuratórias estão despertando do repouso dogmático para serem instrumentos de uso e abuso diário.” [6] CÁRCOVA, Carlos Maria. La opacidad del derecho. Madrid: Trotta, 1998, p. 18: “Existe, pues, una opacidade de lo jurídico. El derecho, que actúa como una lógica de la vida social, con un libreto, como una partitura, pardójicamente, no es conocido o no es comprendido por los actores en escena. Ellos cumplen ciertos rituales, imitam algunas conductas, reproducen ciertos gestos, con escasa o nula percepción de sus significados y alcances.” [7] LACLAU, Ernesto. La razón populista. Trad. Soledad Laclau. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2011: BATISTA, Nilo. Punidos e mal pagos. Rio de Janeiro: Revan, 1990. [8] PASTANA, Débora Regina. Cultura do medo: reflexões sobre a violência criminal, controle social e cidadania no Brasil. São Paulo: Método, 2003; SILVA, Denival Francisco da (org.) . Sistema Punitivo: o neoliberalismo e a cultura do medo. Goiânia: Kelps, 2012. [9] O processo que pretende fazer justiça com condenação sem limites se vale do pragmatismo punitivista, o qual aceita, muitas vezes, jogadas trapaceadas, com base em elementos ilícitos, voltados ao fim maior: condenar. Em alguns casos o regozijo beira à obtenção da felicidade da missão cumprida. Esse texto busca lançar luzes sobre o modo obscuro em que o processo judicial se instaura e segue."

Assim, quaisquer das medidas cautelares (inclusive a prisão temporária) só se justificarão quando presentes o fumus commissi delicti e o periculum libertatis (ou o periculum in mora, conforme o caso) e só deverão ser mantidas enquanto persistir a sua necessidade, ou seja, a medida cautelar, tanto para a sua decretação quanto para a sua mantença, obedecerá à cláusula rebus sic stantibus.                                                          


Notas

[1] Bitencourt, Cezar Roberto, Novas Penas Alternativas, São Paulo: Saraiva, 1999, p. 1.

[2] Hulsman, Louk e Celis, Jacqueline Bernat de, Penas Perdidas – O Sistema Penal em Questão, Niterói: Luam, 1997,  p. 69

[3] Karam, Maria Lúcia, De Crimes, Penas e Fantasias, Rio de Janeiro: Luan, 1991, p. 177. 

[4] Franco, Alberto Silva, Crimes Hediondos, São Paulo: Revista dos Tribunais, 4ª. ed., 2000,  p. 97.

[5] Ciência Jurídica – Fatos – nº. 20, maio de 1996.

[6] Em manifesto aprovado pela unanimidade dos presentes ao VIII Encontro Nacional de Secretários de Justiça, realizado nos dias 17 e 18 de junho de 1991, em Brasília, foi dito que havia no Brasil, segundo o Ministério da Justiça, milhares de mandados de prisão aguardando cumprimento, e que as prisões, em todos os estados da federação, estavam superlotadas, o que comprometia o tratamento do apenado e pavimentava o caminho para a reincidência (in Prisão – Crepúsculo de uma Era, Leal, César Barros, Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 55).

[7] Conversações Abolicionistas – Uma Crítica do Sistema Penal e da Sociedade Punitiva, São Paulo: IBCCrim, 1997, p. 275.

[8]idem

[9] Dos Delitos e das Penas, São Paulo: Hemus, 1983, p. 43.

[10] Marat, Jean Paul, Plan de Legislación Criminal, Buenos Aires: Hamurabi, 2000, p. 78 (tradução espanhola do original Plan de Legislation Criminelle, Paris, 1790).

[11] “Pena de morte para os traficantes de drogas?”, publicado no Boletim da Associação Internacional de Direito Penal (Grupo Brasileiro), ano 1, nº. 01 (maio de 2005), p. 04. 

[12] Para Luiz Regis Prado, “o princípio da intervenção mínima ou da subsidiariedade estabelece que o Direito Penal só deve atuar na defesa dos bens jurídicos imprescindíveis à coexistência pacífica dos homens e que não podem ser eficazmente protegidos de forma menos gravosa.” (Curso de Direito Penal Brasileiro. Parte Geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 81). Sobre o assunto, conferir o ótimo QUEIROZ, Paulo de Souza. Do caráter Subsidiário do Direito Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 1998

[13] Direito Penal – Parte Geral, 4ª. ed., 2008, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, p. 103.

[14] A Preservação do Ambiente através do Direito Penal, Revista Brasileira de Ciências Criminais 22. A esse respeito conferir Jesus-Maria Silva Sanchez, Política Criminal Moderna? Consideraciones a partir del ejemplo de los delitos urbanísticos en el nuevo Código penal español, Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 23.

[15] Crimes Hediondos, São Paulo: Revista dos Tribunais, 4ª. ed., 2000, p. 357.

[16] Direito Processual Penal, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, 7ª. ed., pp. 643/644.

[17] Ob. cit., p. 524.

[18] Neste mesmo sentido Pierpaolo Cruz Bottini, “Medidas Cautelares – Projeto de Lei 111/2008”, in As Reformas no Processo Penal, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 458.

[19] Pierpaolo Bottini, ob. cit., p. 457.

Sobre o autor
Rômulo de Andrade Moreira

Procurador-Geral de Justiça Adjunto para Assuntos Jurídicos do Ministério Público do Estado da Bahia. Foi Assessor Especial da Procuradoria Geral de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador - UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador - UNIFACS (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e Membro fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (atualmente exercendo a função de Secretário). Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação dos Cursos JusPodivm (BA), Praetorium (MG) e IELF (SP). Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.

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