O mundo do espetáculo. Virtual e contundente.

Virtual e contundente.

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15/02/2015 às 14:49
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Análise do mundo contemporâneo, o mundo do espetáculo que se mostra tão virtual e paradoxalmente contundente.

Parece que a materialidade da reflexão é realmente realizada pelo próprio corpo. A consciência aprende com o corpo a refletir.

É a relação corpo a corpo que nos possibilita ser espacial e ser temporal. Porém, o mundo virtual[1] é desprovido da referência do espaço e do tempo, o que fatalmente desloca o centro de nossa experiência.

O que realmente acontece quando perdemos a espacialidade e a temporalidade de nosso corpo e da nossa experiência?

Estamos, pois atópicos, ou seja, sem espaços e, nos situamos na acronia, ou seja, sem tempo. Identificamos o mundo virtual por essas duas ausências características, a saber: a atonia e acronia.

Atualmente através dos satélites e a informática percebemos que nosso cérebro se expande cada vez mais; E, com isso, se diminui a distância espacial e temporal, chegando mesmo até abolir o espaço e o tempo.

De fato, o universo está online durante vinte e quatro horas ao dia, sem obstáculos de distância e de diferenças geográficas, culturais, sociais, políticas, nem com a distinção entre o dia e a noite, ontem e amanhã.

A contundência do mundo virtual se faz presente em paralelo ao mundo real. E, o influencia. Afinal, tudo se passa exatamente aqui e agora. Nesse exato instante.


Como se vê nas salas de bate-papo (chats) onde é possível conversar com pessoas de outro extremo do planeta e cuja presença online é instantânea e imediata. Então também se percebe que as operações financeiras são realizadas num piscar de olhos entre empresas e bancos, situados em os mais distantes pontos.

Com a revolução da informática estamos diante de nova inserção do saber e da tecnologia no modo de produção capitalista.

Nas revoluções técnicas e tecnológicas anteriores, a pesquisa científica teórica era autônoma e se tornava ciência aplicada quando empregada por meio de tecnologias vinculadas à produção econômica, ou quando os resultados teóricos eram retomados com fins econômicos em laboratórios mantidos por empresas de produção.

Hoje a ciência tornou-se prioritariamente uma força produtiva. Deixando de ser uma força de conhecimento autônoma e de ser suporte para o capital para se converter no principal agente de acumulação e reprodução de capitais. Cogita-se, por exemplo, em capital[2] intelectual das empresas.

Consequentemente a força e o poder capitalista encontram-se hoje no monopólio do conhecimento e da informação. E, é isso que dá origem a expressão sociedade do conhecimento[3].

A sociedade do conhecimento é uma nova etapa da sociedade industrial, é a aldeia global da era tecnotrônica. Um dos primeiros a desenvolver o conceito de sociedade da informação foi o economista Fritz Machlup. Seu trabalho culminou o estudo intitulado “The production and distribution of knowledge in United States” em 1962.

O problema da tecnologia e seu papel na sociedade contemporânea têm sido muito discutidos na literatura científica usando uma série de rótulos e conceitos.

Portanto, sociedade da informação[4] também chamada sociedade de conhecimento ou nova economia[5] que surgiu ao final do século XX, com origem no termo globalização. Tal sociedade se encontra em contínua formação e expansão.

Com essa expressão pretende-se indicar que a sociedade e a economia contemporânea se fundam sobre a ciência e a informação graças ao uso competitivo do conhecimento, da inovação tecnológica e da informação nos processos produtivos e financeiros, bem como os serviços como a educação, a saúde e o lazer.

O ponto crucial é saber quem tem a gestão de toda essa massa de informação, quem tem o controle coletor e distribuidor dessa gigantesca massa de informação.

Afinal, quem tem de fato detém o poder da informação[6]?


David Harvey autor da obra “Cidades Rebeldes” que fora publicado em 2014, é um geógrafo inglês, formado pela Universidade Cambridge e atualmente trabalha com diversões e questões ligadas à geografia urbana.

Mas, recentemente, Harvey tem defendido a tese do crescimento zero para a economia global e, durante o fórum social mundial de 2010 afirmou que: “Três por cento de crescimento composto (geralmente considerada a taxa de crescimento mínima satisfatória para uma economia capitalista), está se tornando cada vez menos viável de se sustentar sem recorrer a toda sorte de ficções[7] (com aquelas que têm caracterizado os mercados de ativos financeiros e o mundo dos negócios ao longo das últimas duas décadas)”.

Há boas razões para acreditar que não há alternativa senão através de nova ordem mundial de governança que afinal deverá gerir a transição para uma economia de crescimento zero.

Em 2013, David Harvey pouco antes das manifestações que dominaram as ruas em junho de 2014, aqui no Brasil, veio aqui para o Seminário Margem Esquerda da Editora Boitempo.

Evento marcou a publicação de uma nova tradução de “O Capital” de Karl Marx e integrou o projeto: “Marx: a criação destruidora” que reuniu nomes como Michael Heinrich, Slavoj Zizek, Chico de Oliveira, José Arthur Gianotti, Robert Scwarz, entre outros, para debater o legado da Magnum opus de Marx.

Em sua obra, “Condição Pós-moderna” publicada em 1993 apontou como consequência da nova forma assumida pelo capitalismo, a chamada globalização, uma transformação, sem precedentes na nossa experiência do espaço e do tempo que é designada por ele como a compreensão do espaço temporal.

Harvey faz uma distinção entre a forma que tinha a organização da produção econômica até o momento em que se inicia a chamada globalização[8] e o que acontece com ela.


No período que antecede a globalização o que predomina é a organização fordista[9] de trabalho. Identificamos o fordismo normalmente como a linha de montagem da produção, mas significa bem mais do que isso. Representa a economia na qual uma empresa detém e controla a produção desde a matéria-prima até a ponta final que é a distribuição e o consumo do produto.

Uma única empresa controla todas as etapas. Para fazer isso de forma racional, ou seja, para gerar lucro, as empresas tendiam a se concentrar em uma única planta. Uma coisa que era típica na produção fordista era um empenho na qualidade final do produto.

Assim um produto era consagrado no mercado, mantido na tradução do mercado e do consumo, expandido, graças a sua qualidade[10].

O primeiro elemento de qualidade para as empresas desta época era a durabilidade. As empresas estavam ligadas a ideia de fazer estoque porque os produtos de boa qualidade eram duráveis e você tinha o estoque para atender à demanda crescente que se faria em torno do produto.

Na era da globalização temos o fim da grande revolução industrial. A produção está inteiramente fragmentada da classe trabalhadora que tinha no local de trabalho como um lugar onde se organizava, onde se criava seus referenciais de identidade e de luta.

Era o modo pelo qual esta se organizava em associações e sindicatos. Quando então isto se esfacela, a classe trabalhadora não tem mais o referencial e precisa reinventar, criar e produzir novos referenciais para ela como classe social.

Porque o que surge agora é apenas um conjunto fragmentado de indivíduos operando isoladamente uns dos outros e, não é por acaso que, nesta nova forma de produção, ressurge o que existiu no início do capitalismo e que depois desapareceu: a empresa familiar.

Temos assim o fenômeno da fragmentação econômica e da dispersão sociopolítica. Todo este processo é negado e ocultado pelo movimento oposto que é o movimento que vai produzir uma unificação sem precedentes.

É essa verificação que Harvey vai chamar de “compressão espaço-temporal”. Com avanço tecnológico eletrônico e de informação há a fronteira e a compressão do tempo[11], onde tudo se passa imediatamente agora, sem passado e também sem futuro.


Assim, a produção no processo de globalização abandonou evidentemente a ideia de qualidade, e abandonou também  e mais veementemente a ideia de estocagem de mercadorias e opera apenas com o descartável.

Enfim, tudo é descartável. Volátil e efêmera a nossa experiência desconhece, portanto qualquer sentido de continuidade e, se esgota em um presente reduzido e urgente, há sempre um instante fugaz.

Nada exemplifica melhor a referida fugacidade temporal e sua respectiva redução que se consolida num só instante, sem passado e sem futuro como o Twitter[12] que estabelece a comunicação[13] em estreitos cento e quarenta caracteres.

Vivemos sob o signo da telepresença e da teleobservação (onde as câmeras de monitoramento se multiplicam tanto no aspecto privado como no público) onde tudo parece nos ser imediatamente dado e oferecido sob a forma de transparência de imagens apresentadas como evidências. E que são armazenadas e acessíveis.

Se compararmos as análises de Maurice Merleau-Ponty[14] sobre o nosso corpo na era contemporânea de atopia e acronia, podemos afirmar que há um mundo novo, um mundo tremendamente virtual e desprovido de espessura temporal-espacial.

Um mundo no qual o nosso corpo o reduz: de um lado à percepção visual de imagens plenas e fugazes e, de outro lado, a atividade mecânica de controle de operações e sinais propostos pelos autômatos.

Um mundo sem lugares, distâncias, profundidades e qualidades. O mundo da utopia.

Um mundo sem tempo no qual nada passa e também nada permanece, pois tudo coexiste sem passado e sem o tempo. No qual nada passa, nada fica, pois tudo coexiste num só presente que é interminável. Enfim, o mundo da acronia. Mas ainda nos interrogamos: o que afinal significa virtual?

Deve-se reconhecer que a sucessão dos regimes de acumulação capitalista muito contribuiu para a modernização da dinâmica dos processos laborais, das formas de regulação, da composição política do proletariado, do tipo de organização de produção.

Tais novas configurações territoriais do capitalismo contemporâneo derivaram em sua grande parte da sucessão de rupturas desencadeada a partir do colapso sistêmico do regime de acumulação fordista na segunda metade do século XX.

E, neste período, o fordismo passa por aguda crise marcada pela baixa lucratividade, elevação inflacionária nos países capitalistas, taxas de juros altos empregados pelos EUA, desvalorização do dólar, crise do petróleo, avanço do modelo de reivindicação das classes sociais, compilação da teoria crítica ao trabalho.

Associado a isso, ainda ocorreram eventos tais como a desintegração vertical das indústrias de produção de massa que se evidenciou nos anos 70 e 80 e, em plena fase de reestruturação econômica e reajustamento político e social, de que as estruturas socioespaciais produzidas na industrialização fordista estavam em dissolução e aniquilamento.

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Tais estruturas ao ser parcialmente substituídas por novas formas e novas funções na organização industrial e na vida socioeconômica e política nos países capitalista exige, paulatinamente, o fim da rigidez das relações sociais de produção e consumo e, assim, a emergência de modelo denominado de acumulação flexível.

Na concepção de Harvey a transição de um regime de acumulação fordista para o modelo de acumulação flexível permitiu minar certa rigidez normativa preexistente entre as relações sociais e promover a restauração do progresso do sistema capitalista.

As práticas relacionadas a esta nova etapa de acumulação de capital em resposta à crise do capitalismo, para o qual Harvey aponta as seguintes características: flexibilidade dos processos de trabalho, dos produtos e padrões de consumo; surgimento de serviços financeiros e novos mercados; manutenção de taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional; rápidas mudanças dos padrões do desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas; valorização do trabalho no setor de serviços; e, finalmente, a inserção de conjunto e práticas industriais em áreas até então, pouco industrializadas que utilizam estratégias arrojadas de atração de capital, mão de obra barata, isenção de imposto e baixo custo de instalação das empresas (Flandres, na Bélgica; Califórnia, nos EUA; Cingapura, em Cingapura; Seul, na Coréia do Sul, entre outros).

Além disso, a profusão de técnicas e tecnologias que permitem a “compressão do espaço-tempo”[15] acompanhada por uma radical reestruturação no mercado de trabalho diante da volatilidade do mercado e do aumento de competição interempresarial e também um retrocesso do poder de luta dos sindicatos trabalhistas.

Esta fase, iniciada na década de 60 e parcialmente completada no início dos anos 90 provocou mudanças estruturais não somente na organização do trabalho e operação produtiva, mas em todos os segmentos do consumo.

Esse novo princípio contém em único processo de tratamento da produção, desde a mercantilização das formas culturais até a racionalização do trabalho operário.

Por tal razão, identifica-se uma maior mobilidade e flexibilidade do capital, tendendo para uma existência nômade crescente e representando uma relação global em todos os setores da economia, da política e da sociedade.

Inicialmente, o novo modo de desenvolvimento capitalista, estrutura-se mediante o tratamento da informação e a introdução de novas tecnologias a partir da automação das máquinas e sua extensão normativa para os sistemas virtuais de controle na vida social.

Para Mônica Arroyo, “a informação aparece, então, como o principal motor da vida contemporânea, como a forma de energia predominante no comando de todas as fases do processo de produção”. Neste sentido, a informação se define como um meio eficaz de abordar e seduzir as fragilidades do indivíduo.

Estes novos aliados do modelo capitalista lançam mão de recursos tais como: softwares de interfaces microeletrônicas, a produção de conhecimento para alcançar o pleno desenvolvimento dos meios de acumulação e de gestão organizacional das atividades produtivas.

Este modelo de acumulação, que combina estratégias comerciais, escoamento da produção, gestão de excedentes, teve seu nascimento no Japão durante os anos 70 e ficou conhecido como toyotismo[16].

É importante lembrar que este novo conceito de produção e consumo, apesar de ter origem em terras nipônicas, a sua dimensão foi deveras alargada em diversos países, podendo dispor de outras nomenclaturas regionais.

O conjunto de inovações organizacionais que transformou profundamente as estruturas de produção, quanto à relação dos processos de trabalho (contratos, organização no interior da empresa, salários, gestão de recursos humanos) e do convívio social (dinâmica do consumo, lazer, acesso), apresenta como objetivo básico o atendimento dos quesitos necessários para a prosperidade do capital.

Estas modificações buscam uma maior eficiência produtiva associada à produção sem estoque e de pronta reação à demanda do mercado.

Para Coriat, essas inovações consistem na combinação de dois princípios: auto-ativação e Just in time. O primeiro, a auto-ativação, procede para um único processo de transformação do trabalhador em atores multifuncionais a partir da linearização da produção e da organização do trabalho em torno de postos polivalentes.

O segundo, o just in time, refere-se ao maior rendimento do trabalho vivo, centrado na manipulação e observação simultânea da necessidade de suprir no tempo estipulado a quantidade exata de produtos.

Pode-se afirmar que a característica deste refere-se à diminuição do tempo de giro da mercadoria e a racionalização do trabalho. Isto se torna possível mediante a introdução de novas tecnologias de produção, como a automação e robotização dos sistemas, em relação à redução do tempo de circulação do consumo do produto, o denominado tempo de vida substancial.

Esses dois campos são de grande importância para entender a constituição do capitalismo contemporâneo e as relações de interdependência.

Segundo Harvey, “a meia vida de um produto fordista típico, por exemplo, era de cinco a sete anos, mas a acumulação flexível diminuiu isso em mais da metade em certos setores (como o têxtil e o de vestuários)”.

Os investimentos foram repassados por ambas as áreas, porém, ocorre uma intensificação na da preparação do novo consumidor. Com efeito, dedica-se uma maior atenção nos artifícios de indução de necessidades e de transformação cultural ordenada no cenário material da vida.

O modo de funcionamento da reprodução capitalista reside, sobretudo, na imaterialidade (trabalho intelectual/linguístico e trabalho afetivo) e na simbiose entre a produção e o consumo.

De modo que, no presente período, conhecimento/informação transformam-se na base do processo de valorização e circulação da mercadoria.

A circulação deve ser concluída em uma determinada extensão de tempo de rotação, socialmente necessária para o consumo e ditada pelas lógicas do mercado antes de se tornarem obsoletas para a sociedade.

A valorização implica, neste sentido, a forma de acesso ao universo da mercadoria e no exercício de tornar ativa a “pulsão espontânea” de consumo do indivíduo.

O poder do consumo é epidêmico[17], envolve o indivíduo e estimula a dinâmica da sociedade capitalista. O consumo, como argumenta Rolnik, foi (e é) “cafetinado” a serviço da acumulação capitalista.

Para Santos, “o poder de consumo é contagiante, e sua capacidade de alienação é tão forte que sua exclusão atribui às pessoas a condição de alienados”.

O que está em jogo é a racionalidade consumista, em moldes não mais apropriáveis pelos antigos conceitos do paradigma produtivista, tais como produção-produção e, sim, pela forma categórica de transformar simples objetos em ícones do consumo.

Para que isto ocorra, o capitalismo contribui para oprimir o ócio, reduzir o tempo, padronizar o gosto e controlar a natureza intrínseca das coisas.

O papel do desenvolvimento avassalador do capitalismo reflete-se na transformação dos hábitos cotidianos, das relações entre as pessoas, das percepções dos espaços e dos seus respectivos significados[18].

Assim concebida, esta cultura redefine o território e cria  territorialidades orientadas pelo mercado.  (In: COSTA, Pedro Henrique Ferreira; GODOY, Paulo Roberto Teixeira. O capitalismo contemporâneo e as mudanças no mundo do consumo. X Colóquio Internacional de Geopolítica. Disponível em http://www.ub.edu/geocrit/-xcol/330.htm; Acesso em 15/02/2015.)

O mundo virtual é ambiente simulado através de recursos computacionais destinados a permitir a interação dos seus usuários através de avatares. Em geral, são ambientes imersivos ou realidades paralelas. Possuem o conceito de persistência, pois o estado de seus objetos se preserva independentemente de presença do usuário.

MMORPGs[19] (Massively Multiplayer Online Role Playing Games) usualmente lúdico e não se preocupa em replicar as regras e o funcionamento da vida real, seja em como o ambiente se comporta como em quem são os seres que o habitam.

Geralmente determinam uma vida linear, estabelecendo metas e objetivos evolutivos. Para compreendermos o conceito de mundo virtual vale a pena mencionar outro conceito com o qual este tende a ser indevidamente confundido o conceito de possível.

O modo de relação entre o possível e o real, e entre o virtual e o real também, não é o mesmo. Na tradição filosófica do possível é aquele que pode vir a existir se houver um agente ou as circunstâncias que o façam passar a existência.

O real é o que existe efetivamente. O possível é o que pode vir a existir, conforme existam condições favoráveis. Também na tradição filosófica tendia-se a identificar o possível e o virtual.

A semente é a árvore virtual. Ou a árvore possível. Isto é, considerava que o possível e o virtual em simples potencialidades latentes que poderia vir à existência se houvesse um agente ou circunstâncias favoráveis ao acontecimento.

Ainda na perspectiva filosófica, uma expressão como “realidade virtual” como a realidade virtual é não senso, posto que o virtual seja irreal. É mero possível e ainda inexistente, algo irreal.

A revolução cibernética e a informática[20] modificaram o conceito de virtual. O virtual é o real e já existe. Este não se opõe ao real, se opõe ao atual.

Agora se estende por virtual como algo real e existente que aguarda uma atualização. É aquilo que pode ser infinitamente atualizado. O virtual é o que não pode ser determinado por coordenadas espaciais ou temporais porque ele existe sem estar presente em um espaço e tempo determinados.

Ou seja, para o virtual a atopia e a acronia são seu modo de ser. É o seu modo de existir e a atualização é o modo de relação dos indivíduos humanos como sistemas informacionais.

Verifica-se uma diferença entre a forma fordista da organização do trabalho par a relação do capital e a nova forma assumida pela economia com a globalização.

O que é virtualizar uma empresa capitalista? Em um modo empresarial clássico, uma empresa reunia seus empregados num mesmo edifício. O emprego do tempo dos funcionários era especificado or suas horas (horários de trabalho).

Uma empresa virtual, em contrapartida, faz o uso maciço do teletrabalho. E tende-se a substituir a presença física dos empregados nos locais de trabalho pela participação em uma rede de comunicação eletrônica e, o uso de recursos computacionais em uma rede de comunicação eletrônica e, favorecendo a cooperação.

O centro gravitacional da organização contemporânea de trabalho não é mais um conjunto de postos de trabalho e de empregos de tempo, mas sim, um processo dinâmico de coordenação que redistribuiu as coordenadas espaço-temporais, do coletivo de trabalho e de cada um dos membros em razão das diferentes exigências da empresa.

Isto é a fragmentação total onde ninguém precisa encontrar ninguém, bastando apenas uma relação mediada pela telecomunicação e a telepresença.

Com o virtual surge a cibercultura que se encontra ligada ao virtual de duas maneiras: de forma direta e indireta.  A primeira forma refere-se à digitalização da informação que pode ser aproximada da virtualização.

Os códigos dos computadores[21] inscritos nos discos rígidos invisíveis são facilmente copiáveis ou transferíveis de um nó para outro da rede, são quase virtuais que sejam independentes de coordenados espaço-temporais determináveis.

No centro das redes digitais a informação situada em algum lugar, ou seja, em um determinado suporte. Mas ele está também virtualmente presente em cada ponto da rede onde esta seja solicitada.

O mundo virtual considerado como um conjunto de códigos digitais é um potencial de imagens, enquanto uma determinada cena durante uma imersão no mundo virtual se atualiza, este potencial em contexto particular de uso sempre se aprimora.

Indiretamente a digitalização e a virtualização se relacionam porque as redes digitais e interativas[22], no seu desenvolvimento, se favorecem mutuamente.

Assim, a comunicação contínua como digital, o movimento de virtualização, iniciado há muito tempo com técnicas antigas como a escrita, a gravação de som e imagem, o rádio, a televisão e o telefone.

O ciberespaço[23] encoraja um estilo de relacionamento quase independente dos lugares geográficos: telecomunicações, telepresença e das coincidências dos tempos.

A extensão do ciberespaço acompanha e acelera uma virtualização geral da economia e da sociedade, e a inteligência coletiva[24] do meio multiplica e coloca em sinergia diferentes competências.

Do desígnio à estratégia os cenários são alimentados pelas simulações e pelos dados que são colocados à disposição pelo universo digital.

O ciberespaço[25] julga alguns, é o vetor de um universo aberto, isto é, a depuração de um espaço universal, ou seja, o não espaço. Muito de seus idealizadores e defensores do ciberespaço se refere a ele significativamente como um espaço desincorporado e espiritual.

Possibilidades, segundo alguns, de que nós possamos nos transformar em seres de pura luz, livres da brutalidade, e do caos próprio de nossos corpos, livres do espaço, livres do tempo.

Novos anjos de um novo paraíso terrestre no qual evidentemente não haverá a morte porque poderemos fazer um download de nossas mentes para os computadores e transcendendo a materialidade, o espaço e o tempo, e finalmente viver eternamente no espaço digital.

Ora, como se percebe, nós estamos de volta ao nosso ponto de partida: de volta ao clássico problema filosófico da relação entre o corpo e alma, a matéria e o espírito, o mundo e o pensamento.

É intrigante observar a oposição entre duas atitudes predominantes no mundo contemporâneo. De fato, enquanto a cultura[26] do ciberespaço propõe a desmaterialização do homem, a sua transformação em ser de pura luz sem espaço e sem tempo, por sua vez a genética, a bioquímica e a neurobiologia tomam direção justamente oposta, posto que proponha a pura materialidade do espírito, a indistinção entre cérebro e alma, cérebro e consciência.

Estas duas atitudes estão presentes quando usamos expressões como inteligência artificial, armas inteligentes, tecidos inteligentes, remédios inteligentes, edifícios inteligentes, etc., sem perceber que passamos a utilizar a designação “inteligente” para objetos técnicos.

Desta forma, nós passamos a considerá-los como coisas habitadas por consciências ou almas, enfim, caímos numa concepção animista.

Mas em contrapartida, do lado do ciberespaço[27] nós nos tornamos puras almas angélicas sem corpo enquanto do lado da ciência nós nos tornamos puros corpos sem alma.

Estas questões são discutidas e problematizadas em particular em dois filmes: Matrix e Avatar[28].

Qual o impacto dessa desmaterialização nas relações sociais? Sempre soube desde Weber que a ética protestante foi inseparável do capitalismo porque trouxe aquilo que era indispensável para a exploração do trabalho e defendia a ideia de que o trabalho é virtude suprema e a preguiça representava um pecado mortal.

E, para conseguir todas as energias dos indivíduos e toda energia dos trabalhadores fosse exclusivamente dirigida para o trabalho, se tece a repressão sexual elevada a um nível poucas vezes conhecida na história da humanidade.

Não é por acaso que no período da moral vitoriana que se detém também o nascimento da psicanálise, porque opera com a repressão do desejo como condição de exercício do trabalho.


Todo mundo diz que nós mudamos de registro porque nossa sociedade não é uma sociedade do trabalho de massa, e, sim, a sociedade do consumo em massa.

E que para haver o sucesso do consumo em massa é preciso desreprimir o desejo dar asas soltas ao desejo e, sobretudo, dar asas soltas à busca do prazer.

Lembremos que qualquer liberação feita no modo de produção capitalista não libera coisa alguma.

Então o que é esta suposta liberação do desejo? Este suposto direito ao prazer? E na verdade a maneira pela qual você passa controlar o próprio desejo, não mais através da ética do trabalho, mas através da ética do consumo.


Tudo está ligado, portanto, a ideia do indivíduo de sucesso, competitivo, do sucesso a qualquer preço, que é eternamente jovem e eternamente belo.

O que conduz as mulheres à bulimia e à anorexia das modelos, os homens ao desejo pelos automóveis, todo este emaranhado que é vendido como desejo liberal.

Então refém de uma nova forma de repressão de desejo pelo controle dele e pela determinação de quais são os objetos válidos de desejo.

O resultado desse processo é muito pior do que o anterior porque o no processo anterior havia um esforço enorme de  passar por essa repressão a simbolização[29].

Esse processo de simbolização nós não vemos mais em nossa sociedade contemporânea porque tudo que pertencia ao universo simbólico caiu para a dimensão do signo, virou espetáculo e como signo é aquilo que você aponta e daquilo de que você se apropria.


E como não tem mediação simbólica, o que tem é uma luta mortal pelo acesso desses sinais: o sucesso, a juventude, o poder e a riqueza.

E isso gera uma violência, uma competição absolutamente colossal. Quando passamos por essa acronia, atopia e para a desmontagem do nosso corpo como ser sensível e, como ser simbólico e assim nos reduzimos a sinais virtuais fora do espaço e do tempo, eu acabo sem saber o que sobrou dos seres humanos.

Outros questionamentos nos assombram: qual é o novo ser humano que está surgindo?

Porque parece que aquele que existiu, acabou. Como será o que virá?

Ele vai nascer num campo sem simbolização[30], só de sinalização, sem espaço, sem tempo e sem corpo. Pois tudo será virtual.

Olgária Matos através de seu ensaio "O Mal-estar na contemporaneidade: performance e tempo" propõe uma reflexão apurada sobre a organização institucional e do trabalho segundo as exigências do capitalismo contemporâneo e as dinâmicas da modernidade, derivando na alienação e dominação do homem pelo mercado mundializado ou globalizado.

A educação contemporânea se notabiliza por deixar de ser a educação para a liberdade para se tornara educação para adaptação.

Referências:

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999;

______. A galáxia da Internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003; LEVY, Pierre. O que é o virtual. São Paulo: Ed. 34, 1996;

 ______. As tecnologias da inteligência. São Paulo: Ed. 34, 1997; ______. A inteligência coletiva. São Paulo: Edições Loyola, 1998; ______. A máquina universo. Porto Alegre: ArtMed, 1998; Disponível em:

http://revolucoes.org.br/v1/sites/default/files/modernidade_republica_em_estado_de_excessao.pdf Acesso em 02.02.2015.

 ______. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999; PELLANDA, Nize Maria Campos; PELLANDA, Eduardo Campos (org.). Ciberespaço: um hipertexto com Pierre Lévy. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2000.

MATOS, Olgária. Modernidade em estado de exceção. Disponível em:http://revolucoes.org.br/v1/sites/default/files/modernidade_republica_em_estado_de_excessao.pdfAcesso em 02/02/2015.

_____________ A cidade perversa e o esgotamento do prazer. Disponível em: http://www.emetropolis.net/download/edicoes/emetropolis_n07pdf   Acesso em 02/02/2015.

_____________ O mal-estar na contemporaneidade: performance do tempo. Disponível em: http://seer.enap.gov.br/index.php/RSP/article/view/159 Acesso em 02/02/2015.

COSTA, Pedro Henrique Ferreira; GODOY, Paulo Roberto Teixeira. O capitalismo contemporâneo e as mudanças no mundo do consumo. X Colóquio Internacional de Geopolítica. Disponível em http://www.ub.edu/geocrit/-xcol/330.htm; Acesso em 15/02/2015.

HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. São Paulo: Loyola, 1993.

LIMONGI FRANÇA, Ana Cristina; RODRIGUES, Avelino Luiz. Stress e Trabalho – Uma Abordagem Psicossomática. São Paulo: Atlas, 1996.

Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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