ADI 2163 e a questão da intervenção do Estado no domínio econômico

23/02/2015 às 10:12
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O intuito do presente trabalho é analisar os argumentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal na ação direta de inconstitucionalidade acerca da concessão da meia entrada e a intervenção do Estado no domínio econômico.

RESUMO: O intuito do presente trabalho é analisar os argumentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal na ação direta de inconstitucionalidade acerca da concessão da meia entrada e a intervenção do Estado no domínio econômico.

ABSTRACT: The purpose of this article to analyze the arguments of the Federal Supreme Court regarding the Direct Unconstitutionality Action on the granting of half price and the state intervention in the economic domain.

Palavras-chave: Meia entrada; ADI 2163; intervenção estatal;

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A questão da intervenção estatal. 3. Julgamento da ADI. 4. Conclusão

ADI 2163 e a questão da intervenção do Estado no domínio econômico

1. Introdução

A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2163 foi proposta pela Confederação Nacional do Comércio (CNC) contra a Lei 3.364/2000 do Estado do Rio de Janeiro que concede meia-entrada para jovens de até 21 anos de idade, estudantes ou não.

Tal concessão gerou uma pluralidade de discussões, em especial acerca da competência para legislar sobre o meio ingresso, bem como os limites do Estado no momento deste intervir no domínio econômico.

2. A questão da intervenção estatal

Apesar de tal benefício ser um meio de incentivo à cultura, ele interfere significativamente no domínio econômico, ou seja, na atividade empresarial que utiliza a cultura para gerar renda e lucro. Além disso, deve-se levar em consideração que a atividade cultural, assim como qualquer outro setor econômico aberto à iniciativa privada, está exposta a riscos advindos da lei que regula o mercado.

Por esse motivo, cabe ao poder público democratizar o acesso à cultura e ao mesmo tempo equilibrar a atividade econômica e os direitos e garantias sociais e individuais.

No caso da ADI 2163, a requerente apontou, ainda, que o Estado não oferecia nenhum subsídio ao condicionar a livre iniciativa à cobrança de 50% de desconto a um determinado grupo.

Além disso, a CNC alegou que a norma impugnada afrontava o disposto nos artigos 170 e 174 da Constituição Federal de 88, uma vez que promove uma intervenção infundada pelo Estado no domínio econômico, através do que a requerente alegou ser uma fixação de preços. Isso porque foi imposta aos empresários do setor a cobrança de preços diferenciados para determinada categoria da população.

A Intervenção do Estado no domínio econômico é prática recorrente, sendo em alguns momentos de maneira mais acentuada e em outros mais branda. Em contrapartida, temos a construção de um estado neoliberal em cuja Constituição percebe-se a primazia da defesa da liberdade e da livre iniciativa, o que nos faz questionar até que ponto a atuação do estado no domínio econômico se mantém de forma legítima.

Contudo, apesar de haver uma relutância por alguns em aceitar a atuação estatal no domínio econômico, tal intervenção pode ser extremamente necessária para a vida em sociedade, especialmente no que se refere nas relações de consumo ou trabalho.

3. Julgamento da ADI

Ao analisar os votos dos ministros quanto à constitucionalidade ou não do art. 1 da Lei 3.364/2000 do Rio de Janeiro, percebe-se, primeiramente, a divergência acerca da competência para legislar sobre a aplicação do desconto. No entanto, o ministro Eros Grau não admitiu o vício formal alegado e afirmou que não apenas a União como também os Estados-membros e Distrito Federal podem atuar no domínio econômico, nos termos do art. 24, inciso I da CF. Além disso, sustentou que devido à ausência de lei federal sobre o referido benefício, o Estado exerceu sua competência plena.

O ministro Gilmar Mendes, no julgamento da ADI, alegou que a concessão do benefício iria gerar sérios ônus para a atividade privada, uma vez que poderá acarretar na elevação do preço dos ingressos ou até tornar inviável essa atividade econômica.

Posteriormente, o ministro Eros Grau alterou seu voto ao entender que a Lei afrontava a isonomia, uma vez que a discriminação pela idade não justificaria o tratamento desigual em benefício dos menores de 21 anos.

4. Conclusão

A questão sobre a intervenção do Estado no domínio econômico sempre gerou grande repercussão admitindo existindo diversas opiniões divergentes. No entanto, para que sejam realizados os fundamentos e os fins previstos na Constituição, é necessário que o Estado atue sobre o domínio econômico. A intervenção, contudo, não é apenas adequada, mas indispensável à consolidação e preservação do sistema capitalista de mercado.

Ocorre que, apesar da Constituição assegurar a livre iniciativa, ela determina ao Estado a adoção de providências tendentes a garantir o efetivo exercício do direito à educação, à cultura e outros direitos assegurados, de modo a atender sempre o interesse da coletividade.

A defesa, nesse caso, destacou que a Constituição brasileira de 1988 adotou o modelo capitalista de produção, motivo pelo qual tem como princípio a liberdade da iniciativa privada. Ademais, alegou-se que não há previsão na Constituição que permita ao Estado interferir nos negócios privados para exigir a cobrança de preços diferenciados para estudantes ou jovens de até 21 anos.

Todavia, o Estado tem plenas condições de agir na ordem econômica de modo a consolidar as diretrizes e os fundamentos dispostos na Constituição. Portanto, a intervenção é legitima na medida em que ela possibilita a concretização dos direitos à cultura.

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A grande discussão é que, se de um lado o objetivo dos legisladores estaduais é estimular o acesso à cultura e ao lazer, como prevê a Constituição e por parte dos jovens beneficiários o de garantir seu desenvolvimento humano e intelectual, de um outro lado, como afirmou a requerente, a lei é inconstitucional, pois atinge a esfera econômica dos particulares, configurando-se uma intervenção estatal “indevida” na economia, além de violar o princípio da livre iniciativa.

De fato, o ordenamento constitucional econômico se pauta em princípios constitucionais que, dentre eles, estabelecem a intervenção estatal, contrapondo-se a economia liberal que se preocupava antes de tudo em zelar pelo contrato e propriedade privada, e destinando o máximo de liberdade aos agentes econômicos.

A ideia de abrangência do Poder Público sempre gerou discussão, especificamente sobre quais seriam os limites da interferência do Estado no domínio econômico, assim como quais seriam os grupos sociais que deveriam receber o benefício e quem arcaria com os custos desse desconto.

Portanto, o fato de ser um benefício econômico oponível à iniciativa privada é o que torna a meia-entrada uma questão controversa. Segundo o argumento da requerente, destaca-se o repúdio do empresário a uma intervenção estatal na economia que acaba por ferir o princípio central da ordem econômica brasileira, a livre iniciativa.

O Estado brasileiro se utiliza frequentemente da possibilidade de interferir na esfera econômica, sobretudo para discipliná-la de modo a materializar os direitos fundamentais, bem como dar eficácia aos demais princípios integrantes da ordem econômica. Portanto, faz-se necessária que a intervenção tenha mais qualidade e precisão, para que os fins aos quais se propõe, em grande parte louváveis, sejam concretamente alcançados.

5. Bibliografia

Eros Roberto Grau. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 11ª ed. 2006.

Fernanda Cury de Faria. RIBEIRO, Marcia Weber Lotto. INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO. Revista Científica Semana Acadêmica. Fortaleza, ano MMXII, Nº. 000012, 10/07/2013. Disponível em: http://semanaacademica.org.br/intervencao-do-estado-no-dominio-economico.  Acesso em: 21/02/2015.

Sobre a autora
Jessica Ferreira

Acadêmica de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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