Cláusula de raio em contratos de locação em shopping centers

23/02/2015 às 10:14
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O artigo trata da metodologia utilizada pela Superintendência Geral do CADE na análise do processos administrativos que recomendou a condenação de shopping centers e administradoras por adoção de cláusulas de raio em contratos de locação.

1. Introdução

A Superintendência-Geral do CADE recomendou, em maio do ano passado, a condenação de dez shopping centers e oito administradoras por adoção de cláusulas de raio em contratos de locação firmados com lojistas em Porto Alegre (RS) e São Paulo (SP)[1].

2. A utilização da cláusula de raio pelos shopping centers

A cláusula é muito presente nos contratos de locação em shopping center, e tem por objetivo impedir que o lojista-locatário se instale em outro estabelecimento que explore o mesmo ramo de comércio a uma certa distância do Shopping.

Embora esse tipo de dispositivo não seja considerado ilegal em todo e qualquer contrato, ele tem potencial de gerar efeitos anticompetitivos dependendo de como as suas condições são estabelecidas pelo shopping center. Por esse motivo, a clausula de raio não contempla a possibilidade de aplicação do critério de ilegalidade per se na avaliação de condutas anticompetitivas e, por conseguinte, impõe a análise dos efeitos com base na “regra da razão”, ou seja, a aplicação ao caso concreto dos princípios da razoabilidade ou proporcionalidade.

A cláusula representa um risco à ordem econômica uma vez que ela pode restringir a concorrência e dificultar a entrada de novos concorrentes, bem como pode restringir a inovação, melhorias e mudanças no tenant mix do shopping e, ao mesmo tempo, impedir a montagem adequada do tenant mix  dos concorrentes.

Em contrapartida, há de se destacar que a cláusula pode ser extremamente necessária ao negócio. Segundo as Representadas, ao defender a utilização da clausula, alegaram que ela protege os investimentos realizados e assegurar a viabilidade econômica do empreendimento. Além disso a clausula mantem o tráfego de clientes no local, beneficiando não apenas a administradora do shopping, como também os locatários.

3. Metodologia aplicada

Assim, devido a adoção da regra da razão na avaliação da legalidade ou não da clausula, o presente trabalho buscou identificar os recentes critérios utilizados pelo órgão antitruste para que seja estabelecido entre as partes o ambiente concorrencial que a lei brasileira procura garantir e proteger.

A metodologia aplicada pelo CADE foi um tanto quanto inédita em relação aos precedentes do Conselho. Isso porque nos dois processos em exame foi prescindida a análise de market shares das representadas. Ademais, a decisão do Conselho também sugeriu “safe harbors” da conduta, ou seja, limites para a utilização da clausula sem o receio de surgir eventual investigação pelo CADE. Vale ressaltar, que tais medidas, apesar de seguir a linha de raciocínio que o tribunal do CADE tende a seguir, foram recomendações da Superintendência Geral e, por isso, ainda podem ser alteradas.

Além disso, deve-se levar em consideração que a analise quanto aos efeitos anticompetitivos dependerá também da região em que se situa o shopping. Os processos ora em analise, por exemplo, em relação às regiões de São Paulo e Porto Alegre, se tratam de cidades bastante povoadas e, portanto, a analise poderia ser completamente diferente caso fosse uma cidade menos povoada.

Assim, nos pareceres, foram estabelecidos os seguintes critérios para a análise das cláusulas de raio, de forma a propor limites quanto aos seguintes aspectos: (i) objeto do contrato, (ii) extensão do raio, e (ii) duração da cláusula.

a) Extensão

A Superintendência Geral do CADE entendeu ser razoável a aceitação de cláusulas de até 2 Km e, portanto, cláusulas com raio superior a 5 Km não devem ser aceitas, tendo em vista que as áreas (São Paulo e Porto Alegre) são densamente povoadas.

Já os raios com extensão entre 2 e 5 Km poderão ser aceitos em algumas ocasiões, se houverem características especiais no mercado que justifiquem um raio maior. Deste modo, para a análise destes casos, foram definidos certos parâmetros para medir a razoabilidade ou não da cláusula, como por exemplo:

(i) densidade populacional da área;

(ii) indício de delimitação do raio com o objetivo de prejudicar eventuais concorrentes já instalados ou com previsão de instalação;

(iii) investimentos do shopping na área para torná-la comercialmente atrativa; e

(iv) poder de mercado do agente dentro do raio definido.

b) Duração

Entendeu-se razoável que cláusulas de raio de até cinco anos devem ser aceitas e, acima disto deverão ser analisadas as peculiaridades de cada caso, a fim de apurar a razoabilidade ou não do tempo definido.

Nos casos em que o período de duração for superior a cinco anos, os seguintes parâmetros devem ser levados em consideração:

(i) investimento greenfield ou de ampliação de espaço;

(ii) tempo de retorno do investimento realizado;

(iii) indicio de delimitação do tempo da cláusula com objetivo de prejudicar eventuais concorrentes já instalados ou com previsão de instalação; e

(iv) investimentos do shopping na área para torná-la comercialmente atrativa.

Vale ressaltar também que, segundo o entendimento da Superintendência, as cláusulas sem limitação temporal não deverão ser aceitas.

c) Objeto

Após a análise de jurisprudência e doutrinas, concluiu-se que o negócio abarcado pela cláusula deve ser restringido apenas a lojas com marca idêntica e que ofereçam basicamente, os mesmo produtos da locatária. Portanto, serão aceitas as cláusulas que incluam: (i) os controladores da sociedade locatária, bem como suas controladas; e (ii) a mesmo marca.

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Em contrapartida, não serão aceitas as cláusulas que incluam: (i) outros acionistas ou sócios não controladores; e (ii) outros estabelecimentos do mesmo locatário, mas de marca diversa, inclusive do mesmo ramo.

4. Conclusão

Assim, tomando por base a jurisprudência do CADE e a doutrina nacional e internacional, os critérios de admissibilidade foram determinados da seguinte maneira:

(i) Cláusulas de raio com extensão de até 2 Km, com duração de até 5 anos e que incluam somente os controladores da locatária e a marca definida no contrato serão aceitas.

(ii) De maneira oposta,  cláusulas com extensão de raio superior a 5 Km e que incluam acionistas ou sócios não controladores ou outros estabelecimentos do mesmo locatário de marca diversa, não serão aceitas.

(iii) Raios maiores que 2 Km e menores que 5 Km, bem como cláusulas com duração superior a 5 anos deverão ser analisados caso a caso, conforme os parâmetros mencionados.

5. Jurisprudencia

Processo Administrativo 08012.012740/2007-46 (Representante: Ministério Público Federal do Rio de Janeiro e Representada: Shopping Iguatemi em Porto Alegre)

Processo Administrativo 08012.012081/2007-48 (Representante: CADE Ex Officio Representadas: Shopping Eldorado, Shopping Morumbi, Shopping Jardim Sul, Shopping Villa Lobos e Shopping Higienópolis).


[1] Processo Administrativo no.  08012.012740/2007-46 e no. 08012.012081/2007-48.

Sobre a autora
Jessica Ferreira

Acadêmica de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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