Terceira via do Direito Penal: Uma nova visão de proteção às vitimas de crimes.
Há muito tempo o Direito Penal se apresenta mais especificamente na defesa dos interesses dos autores de crimes.
Houve uma época que parte da doutrina denominava o Direito Penal como Carta Protetora dos Delinquentes.
Até hoje o comportamento da vítima, em alguns crimes, tem papel decisivo na aplicação da pena, ao autor do crime, conforme define o artigo 59 do Código Penal Brasileiro que trata das circunstâncias judiciais na primeira etapa de aferição, própria do sistema trifásico de Nelson Hungria, adotado no artigo 68 do Código Penal.
De um tempo para cá o ordenamento jurídico passou a volver suas atenções também para proteção a vítima, chamado de Direito Penal de Terceira Via, ainda em sede Direito Penal.
No 53º Concurso de ingresso para a carreira do Ministério Público em Minas Gerais, o examinador questionou:
No tocante ao poder punitivo estatal, o que se entende por terceira via do direito penal? Vejamos o espelho de resposta da questão:
"A terceira via do Direito Penal, na concepção de Claus Roxin, é a reparação de danos , legitimada que está pelo princípio da subsidiariedade do direito penal. Isso porque, para além da pena e da medida de segurança, ela é uma medida penal independente, que alia elementos do direito civil e cumpre com os fins da pena. Para o consagrado doutrinador, a reparação substituiria ou atenuaria a pena naqueles casos nos quais convenha, tão bem ou melhor, aos fins da pena e às necessidades da vítima. A inclusão no sistema penal, sancionador da indenização material e imaterial da vítima, significa que o Direito Penal passa a se aproximar mais da realidade social".
Na concepção de Roxin, a reparação pode ser entendida como uma prestação de caráter autônomo. Essa prestação autônoma pode servir para alcançar os fins penais tradicionais das sanções, e, desde que os alcance, deve substituir a pena ou atenuá-la conforme o caso. Para o autor, a consideração da reparação no direito penal tem, enquanto sanção autônoma, um caráter próprio no qual se mesclam elementos civis e penais. Ao compensar o dano, tem caráter civil. De outra borda, se levados em conta os esforços do autor para a reparação, esta assume uma modificação que converge para o sentido jurídico-penal. No direito penal, é justamente a vinculação da reparação com os fins de prevenção geral e especial que a diferencia da indenização civil, assumindo como uma prestação dotada de características que difere da respectiva civil. A partir destas considerações, o autor afirma que a reparação deverá desenvolver-se mo âmbito das penas e das medidas de segurança como uma terceira via no direito penal. A legitimação jurídica dessa terceira via está no princípio da subsidiariedade. Este viria, assim, a legitimar a possibilidade de renunciar à pena, na medida em que fossem satisfeitas as necessidades preventivas através da realização de uma prestação positiva orientada à superação das consequências do delito, em que pese a existência da ameaça abstrata de pena. O princípio da subsidiariedade estende sua operatividade além dos limites tradicionais em que se havia confinado como limite ao legislador, isto é, como pauta contenedora que incide sobre a decisão judicial a respeito da concreta reação penal. Logo, o juiz deve atuar com vistas às finalidades político-criminais do direito penal, tendo especialmente em conta a reparação”. PRADO, Cláudio Amaral do. Despenalização pela reparação de danos: a terceira via. Leme: J.H. Mizuno, 2005, p. 166- 167. E deve ser dito que a reparação de danos não necessariamente precisa ser patrimonial, já que poderá ser de ordem moral, com uma retratação, pedido de desculpas, etc. Neste sentido: PALERMO, Pablo Galain. La reparación del daño como ‘tercera vía’ punitiva? Especial consideración a la posición de Claus Roxin. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, v. 13, n. 55, jul/ago. 2005, p. 189/191.
Já no âmbito Cível, pode a vítima se valer das normas e instrumentos do Direito Civil, em especial do artigo 186 do NCC.
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Neste contexto de modificação, foi assim que aconteceu em 1995 quando da publicação da Lei dos Juizados Especiais Criminais, o que possibilitou a composição civil dos danos provocados, consoante artigo 74 da Lei nº 9.099/95, além de proporcionar condições de transação penal.
Art. 74. A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo Juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente.
A mais recente modificação na legislação brasileira aconteceu em 2008, quando da publicação da Lei nº 11.719, de 2008, que determinou nova redação ao artigo 387 do Código de Processo Penal, que diz respeito aos requisitos necessários a prolação da sentença penal condenatória.
Assim, neste ambiente de mutação, o juiz ao proferir a sentença condenatória, fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido.
Também transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros, nos termos do artigo 63 do Código de Processo Penal.
Transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art. 387 do Código de Processo Penal, sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido.
Por fim, diante de todo o avanço na proteção dos direitos das vítimas de crimes, ainda é muito tímida a tutela dos seus direitos.
Diante dessa timidez, surgem para as vitimas de crimes, como alternativa viável, o legítimo interesse jurídico no âmbito da possibilidade jurídica, de promover as ações de reparação de danos, porventura, sofridos contra o Estado, na chamada responsabilidade objetiva, artigo 37, § 6º, da Constituição da República, de 1988, por prestação deficiente de Segurança Pública, afirmação conclusiva diante do quadro coático e bagunçado em que vivenciamos nos dias atuais no Brasil.
Assim, provando a situação de vítima de crimes, o nexo de causalidade, consubstanciado na omissão e leniência estatal, e o evento danoso, resta-se ao Estado indenizar o lesado, inclusive, cumulando as indenizações por danos materiais e morais pelo mesmo fato, a teor da Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça.
Essa omissão se evidencia, claramente, quando dados fornecidos pela Anistia Internacional demonstram um expressivo aumento de 157% dos caso de estupro no Brasil.
Isto se mostra claro também quando 53 mil pessoas são assassinadas, anualmente, no Brasil, a maior parte envolvida na guerra por disputa de limites territoriais do tráfico ilícito de drogas.
Claro também são os nefastos dados de 10 mulheres assassinadas diariamente no país, ou a cada dois minutos cinco mulheres são espancadas no Brasil, ou ainda quando o nosso país ocupa o segundo lugar do mundo onde a mulher fica mais vulnerável e suscetível a ser vítima de crime.
Assim, uma atividade que deveria ser essencial de Estado, tutela dos direitos fundamentais, notadamente, à segurança pública, infelizmente se mostra cada vez mais deficiente em função de falência legislativa, dos desvios de recursos dos cofres públicos e ausência de compromissos com a sociedade.