Medidas provisórias e Decretos-lei: Direito Italiano e Brasileiro

26/02/2015 às 17:02
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Resumo: As Medidas Provisórias e os Decretos-Lei são instrumentos normativos muito discutidos no direito contemporâneo e suas repercussões na análise da separação dos poderes, conforme o ideal de Montesquieu. A possibilidade do poder executivo legislar autonomamente através desse instituto é algo que tem desafiado a equação tradicional de divisão de poderes e, ocasionalmente, permitido um engrandecimento demasiado desse novo legislador. O Brasil experimenta, desde 1937, a utilização do mecanismo do Presidente da República legislar, diferentemente da Itália, que implementa mecanismo similar e sobre a qual foi determinante na inspiração de nosso constituinte originário.

O presente artigo, portanto, visa discutir e comparar a implementação de tais instrumentos na democracia brasileira e na democracia italiana, comparando as diferenças e pontos de convergência entre esses países.


Introdução

A crescente demanda que o estado social exige, juntamente com a velocidade que a dinâmica da sociedade e da economia caminha, faz com que se exija uma maior participação do poder executivo no processo decisório e de formulação de ações conforme o princípio da legalidade.

A preocupação, no entanto, é sobre o demasiado apego à equação tradicional de Montesquieu para divisão dos poderes e a busca por legitimidade perante os poder extraordinário do executivo de legislar. Conforme o mencionado autor:

Da Constituição da Inglaterra, as três espécies de poder: o legislativo, o executivo ("O executivo das coisas que dependem do direito das gentes") e o judiciário ("O executivo das que dependem do direito civil").

(...) "pelo primeiro, o príncipe ou o magistrado faz leis para um certo tempo ou para sempre e corrige ou ab-roga as que estão feitas. Pelo segundo, faz a paz ou a guerra, envia ou recebe embaixadas, estabelece segurança, previne as invasões. Pelo terceiro, pune os crimes ou julga as querelas dos indivíduos. Chamaremos este último o poder de julgar e o outro, simplesmente o poder executivo do Estado. (MONTESQUIEU, 1995).

A divisão tradicional dos poderes interfere nas relações institucionais da política e do direito, sendo assim, essa busca por legitimidade na inovação jurídica é uma das grandes imbróglios que os teóricos da democracia visam resolver de maneira pragmática, mas acabam sempre apegados a tradicional divisão dos poderes.

O grande temor, que não permite vislumbrar outra modalidade de divisão do poder de decisão, diz respeito à possibilidade de engrandecimento do poder executivo o que levaria a sufocar e até mesmo aparelhar os demais poderes constituídos, algo que  certamente nos conduziria a volta de uma tirania ou de um estado absolutista. Tendo isso em vista, a solução encontrada seria as delegações legislativas, ou seja, o poder executivo possuindo a necessidade e urgência de exercer o poder de legislar, solicitaria extraordinariamente tal competência para a instituição competente: o parlamento.

O cerne da questão, portanto, envolve a crescente necessidade atual do poder executivo legislar, de maneira cautelar, ou seja, de modo a prevenir ou agir com a velocidade necessária que as transformações da sociedade contemporânea e o estado de direito exigem. Sendo assim, antes do advento da medida provisória em si, alguns países, como a Itália, buscavam implementar um modo de decisão política que tivesse maior agilidade em sua implementação, tal fato se justificaria, historicamente, devido a urgência de um mecanismo de decisão centralizado naquele contexto de duas guerras mundiais.

Nesse sentido, o que configuraria uma legitimidade legiferante extraordinária seria sua urgência e relevância daquelas medidas, fato que a priori impediria um debate e uma deliberação consensual por parte de um parlamento, pois esse atua de maneira mais lenta e exigindo um maior debate e convergência de opiniões. Nesse contexto é que surgem os Decretos-Lei.


Decretos-Lei na Itália

A Itália possuiu somente duas constituições após a unificação, sendo que uma delas esteve em vigência perante o estado fascista e as guerras mundiais e a outra após o período bélico propriamente dito, trata-se da constituição de 1947. Em relação ao instrumento do decreto-lei, verificamos que sua primeira utilização data de 1843, ocasião em que se inicio a utilização de tal instrumento.

O período anterior da constituição de 1947, a experiência italiana, desde a monarquia constitucional até o regime fascista, nos demonstra a tendência inexorável de aumento e abuso do poder legiferante do executivo utilizando-se desse mecanismo para governar e muitas vezes se engrandecer.

A lei nº 100 de 31 de janeiro de 1926 mostra exatamente o momento em que se passa de poder delegatório do legislativo para o executivo, para o poder autônomo do executivo em legislar através de decreto-lei. Nesse processo, cabe salientar que a tomada de poder pelo regime fascista em 1922, ocasionou uma busca por  maior proatividade legislativa desse regime em contraposição ao modo de gerir  do anterior  estado liberal, conseqüentemente houve uma maior centralização de poder nas mão do executivo que passou a restringir direitos políticos e, desse modo, passou a gerar um enfraquecimento do parlamento. Com essas medidas, obviamente, tratou-se de implementar uma maior autonomia legislativa ao governo fascista, independentemente de delegação.

Lei nº 100, de 1926, dispunha: "Art. 3º. Con decreto Reale, previa deliberazione del Consiglio dei Ministri, possono emanarsi norme aventi forza di legge: 1º) quando il Governo sia a ciò delegado da una legge ed entro i limiti della delegazione; 2º) nei casi straordinari, nei quali ragioni di urgente ed assoluta necessità lo richiedano. II giudizio sulaa necessità e sull'urgernza non è soggeto ad altro controllo che a quello político del Parlamento". (ITÁLIA, Lei nº 100, de 1926)

Desse modo, o governo fascista só tinha responsabilidade perante o rei e não mais perante o parlamento. A questão da abstrata interpretação de urgência e necessidade, fez com que se abusasse de tal instrumento, ocasião em que o próprio regime fascista buscou impor limites. Nesse contexto, o parlamento foi reduzido a chancelador dos atos do poder executivo, contribuindo exclusivamente para sugerir algumas propostas legislativas ou alterar o texto já eficaz. Nesse regime, ainda foi adotado o prazo de sessenta dias para aprovar o decreto-lei, modificando a estrutura anterior que garantir até dois anos de vigência.

O decreto-lei ou decreti leggi, portanto, segundo Marioti, possuía quatro características principais: 1- a existência de uma situação de necessidade; 2-a ser enfrentada com urgência; 3- através de medidas do executivo com força de lei; 4- que deverão ser submetidas posteriormente ao parlamento;

Com a decadência do regime fascista e a tendência ao fim da guerra, a Coroa destituiu o poder fascista e optou pela continuidade da implementação do decreto-lei como medida para tomada de decisão até a transição para o regime democrático. A própria constituição provisória foi editada por decreto-lei. 

A questão, portanto, é que ao destituir o governo fascista e implementar a assembléia constituinte para elaborar nova constituição, faltava-se o poder delegante para dar o competência extraordinária ao executivo de praticar atos legislativos. Desse modo, com a Câmara dos Fascistas e das corporações suspensas, se tornaria ridículo uma delegação do poder parlamentar de legislar sem a legitimidade intrínseca a esse. Sendo assim, a Corte Constitucional italiana optou por excluir o instituto da delegação proferindo poder legislativo geral e autônomo ao poder executivo.

A percepção política de se impor limites aos abusos de edição de decreto-lei só vieram após a sentença da Corte Italiana º 302/1998:

(..) como princípio, a reiteração de decreti-leggi suscita graves dúvidas relativamente aos equilíbrios institucionais e aos princípios constitucionais, tanto mais graves em razão de os efeitos surgidos com fundamento no decreto reiterado terem sido ressalvados, não obstante a decadência ter-se verificado por obra dos decretos sucessivamente produzidos.Diante dessa exigência a Corte faz votos de que se produzam rapidamente as reformas necessárias para evitar o esvaziamento do significado dos preceitos contidos noart. 77 da Constituição. Ao mesmo tempo, todavia, não pode escusar-se, como no presente julgamento, de destacar as violações à Constituição devidas à reiteração dos decretos.(Mariotti, 1999, p. 45-46)

Desse modo, o parlamento italiano promulgou a Lei nº 400, de 23 de agosto de 1988, cujo art. 15 veda a edição de decreti-leggi para: a) conceder delegações legislativas; b) dispor sobre matéria constitucional e eleitoral, autorizar a ratificação detratados internacionais, aprovar orçamentos e prestação de contas orçamentárias; c) renovar as disposições de atos cuja conversão em lei tenha sido negada, ainda que por uma só das Câmaras do Parlamento; d) repristinar disposições que a Corte Constitucional tenha declarado ilegítimas por vícios substanciais ou de competência; e) regular as relações jurídicas decorrentes dos atos não convertidos em lei.

Por fim, cabe salientar que o controle jurisdicional, responsável por analisar os pressupostos de admissibilidade do decreto-lei, ou seja, urgente necessidade acabou por excluir da possibilidade de juiz recusar de aplicar o conteúdo ou não reconhecer do decreto-lei por julgar não haver tais pressupostos.  Desse modo, garantiu-se a autonomia e eficácia do poder de legislar do governo instituído naquele momento.

Atualmente, após as experiências autoritárias do regime anterior, os constituintes da constituição de 1947 buscaram criar uma constituição rígida, ou seja, sob o controle jurisdicional de constitucionalidade e o fortalecimento dos direitos civis e políticos.

Em relação ao instituto do decreto-lei visou-se uma maior responsabilização do gabinete do governo perante a elaboração de decreto-lei, podendo o mesmo ser demitido voluntariamente em caso de abuso e não aprovação do mesmo. Foi garantido a obrigatoriedade de apresentação imediata do decreto-lei ao parlamento e Corte Constituição poderá anular a medida provisória caso não apresente os pressupostos de urgência da mesma. Por fim, ficaria a cargo do parlamento regular as relações geradas durante a vigência dos decretos-leis; e o instituto da reedição poderia ocorrer em caso de prorrogação do prazo vigência quando houver inércia do parlamento ou a reapresentação de matéria idêntica quando o prazo de vigência houver acabado e a mesma não tiver sido convertida em lei.

Em suma, cabe demonstrar, em nível comparativo, a transcrição do art. 77 da Constituição italiana: “Art. 77-  O Governo não pode, sem delegação das Câmaras, promulgar decretos que tenham valor de lei ordinária. Nos casos extraordinários de necessidade e de urgência, o Governo poderá adotar, sob sua responsabilidade, medidas provisórias com força de lei. Deve, contudo, apresentá-las no mesmo dia para apreciação das Câmaras que, mesmo dissolvidas, são convocadas e devem reunir-se dentro de cinco dias. Os decretos perdem o seu poder legal desde o início, se não convertidos em lei no prazo de sessenta dias a partir da sua publicação. As Câmaras podem, contudo, regulamentar com lei as relações jurídicas surgidas na base dos decretos não convertidos em lei”. (ITÁLIA, Constituição da República Italiana, 1947)

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Tais medidas, no entanto, não configurou mudança nos costumes legislativos e o abuso das reedições de decreto-lei permaneceu até a decisão final da Corte Constitucional Italiana, em 1995, prevendo ser inconstitucional a reedição de qualquer medida provisória que trate de segurança nacional, calamidade pública e normas financeiras (Castro, 2000). Posteriormente, em 1997 foi aprovada a emenda constitucional vedando a possibilidade de reedição.

A elaboração de decretos lei na democracia italiana tem suas características próprias devido às especificidades da organização política que o país adota, ou seja, em um contexto de parlamentarismo a elaboração de medidas provisórias conta com uma maior participação e deliberação dos membros do governo vigente (gabinete). Desse modo, o governo vigente, comandado pelo primeiro ministro, que tradicionalmente é responsável perante o parlamento, discute os pressupostos políticos de relevância e urgência que um decreto-lei deve ter para a implementação de uma inovação normativa visando o interesse público. Essa medida é prontamente submetida ao parlamento para o controle posterior, configurando a atividade do parlamento como fiscal interferente nas ações do poder executivo.


Medidas Provisórias no Brasil

O Estado brasileiro em períodos em que estavam vigentes as constituições de 1824, 1891, 1934 e 1946 não experimentou a possibilidade do poder executivo de legislar. Já nas constituições de 1937, 1967, 1969 e 1988, houve ou mecanismo da Medida Provisória ou o do Decreto-Lei, dando a possibilidade desse ente agir perante a inovação no ordenamento jurídico com plena eficácia.

Em 1937, o Presidente Getúlio Vargas, se aproveitou da ausência do Congresso Nacional para legislar em nome da União, conforme a própria constituição permitia. Em 1964, com o golpe militar, os atos institucionais passaram  a ter força de emenda constitucional, ou seja, o chefe do executivo editava atos em que se tinha o valor de inovar na ordem constitucional.

Com a Constituição de 1967, há a possibilidade de edição de leis delegadas e de decreto-lei, conforme o modelo italiano, só que tratando exclusivamente sobre finanças e segurança nacional. Posteriormente, há a edição do ato institucional nº 5, instaurando a dissolução/suspensão do congresso nacional e, consequentemente, a garantia de amplos poderes ao poder legislativo de legislar.

O Brasil, portanto, passou em sua história política, por abusos quando não limitados os poderes do chefe de estado e de governo em relação à atividade legiferante, o que mostra a extrema necessidade do controle do parlamento e da justiça para impor limites a atuação dessa atividade.


Diferenças e semelhanças entre Brasil e Itália

 No caso do sistema parlamentar italiano, é evidente há uma maior participação e deliberação do gabinete e membros do governo chefiado pelo Primeiro-Ministro. Já no caso brasileiro, há o mecanismo institucional de decisão monocrática do Presidente da República em relação à pertinência e oportunidade política e jurídica de se apresentar uma Medida Provisória ao poder legislativo.

Apesar disso, a prática nos demonstra que, apesar de haver essa decisão personalista, há a participação e o encaminhamento das necessidades e pressões políticas que os Ministérios sofrem em relação às demandas sob sua competência. Nesse sentido, é comum haver essa participação ativa e consultiva dos ministros para a elaboração de Medidas Provisórias. Desse modo, constatamos que a diferença pragmática entre os modelos adotados é, basicamente, a responsabilidade do poder de legislar do executivo, ou seja, no parlamentarismo italiano, o gabinete como um todo é responsável perante o parlamento, podendo ser caso de demissão voluntária caso haja uma abuso de poder, já no caso brasileiro, a responsabilidade fica sobre a Presidência da República, e não há mecanismos de dissolução da chefia do governo, mas sim, apenas o controle político durante sua tramitação e o controle jurisdicional durante (mandado de segurança) e após a promulgação.

A possibilidade de controle jurisdicional também teve ressonância com a suprema instância do judiciário brasileiro, ficando, naquele país, a responsabilidade em analisar os pressupostos de urgência e relevância quando houver a prática de algum abuso por parte do Presidente.

As Medidas Provisórias, na Constituição Federal de 1988, foram, portanto, um instrumento quase que “repristinado” da Constituição e experiência italiana, com a implementação de limites através da emenda 32/01:

Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

I - relativa a: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

b) direito penal, processual penal e processual civil; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

II - que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

III - reservada a lei complementar; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

IV - já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 4º O prazo a que se refere o § 3º contar-se-á da publicação da medida provisória, suspendendo-se durante os períodos de recesso do Congresso Nacional.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 5º A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 6º Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subsequentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 7º Prorrogar-se-á uma única vez por igual período a vigência de medida provisória que, no prazo de sessenta dias, contado de sua publicação, não tiver a sua votação encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 8º As medidas provisórias terão sua votação iniciada na Câmara dos Deputados. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 9º Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

O abuso nas edições e reedições das Medidas Provisórias não aprovadas, fez com que se fosse necessária a imposição de limitações formais e materiais regulando a possibilidade de edição de medidas provisórias penais, tributárias e nos casos que o legislador reservou à edição de lei complementar medida provisória limites materiais existentes com relação a leis delegadas, que é a proibição de serem editadas pelo Presidente da República quando versarem sobre matéria de: nacionalidade, cidadania, direitos políticos e eleitorais, organização do Poder Judiciário e do Ministério Público (a carreira e a garantia de seus membros), planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamentos e créditos adicionais e suplementares. No que se refere possibilidade de edição de medidas provisórias penais, tributárias e nos casos que o legislador reservou à edição de lei complementar. se refere a possibilidade de reedição de Medidas Provisórias, assim conforme Alexandre de Moraes, “prevendo as regras de processo legislativo, teve como finalidade diminuir a excessiva discricionariedade na edição de medidas provisórias, prevendo uma série de limitações materiais, bem como a impossibilidade de reedições sucessivas”.

As Medidas Provisórias na atual conjuntura brasileira, pós emenda 32 /01, garantindo os limites para a reedição, se manifesta de maneira a garantir um andamento legítimo das deliberações e ações do poder executivo. No entanto, a análise empírica desse mecanismo sob a vigência de um regime presidencialista atesta que há sim uma competência extraordinária de legislar sobrepujando o poder competente para isso. O que se configura, portanto, é a submissão do poder legislativo a mero chancelador ou contestador dos atos do poder executivo, evidenciando, nesse contexto, a atividade fiscalizatória do parlamento em detrimento de sua também competência legislativa ordinária.

Sob outro enfoque, poder-se-ia argumentar que há a competência privativa do parlamento para legislar sobre determinados assuntos, como, por exemplo, a criação de códigos. No entanto, apesar disso, verificamos que no mundo que experimenta constantes mudanças e se relaciona de maneira cada vez dinâmica, há a necessidade de regulamentar a ordem para garantir a segurança e o estado de direito, ocasião em que nos leva a pensar que os códigos seriam instrumentos normativos que não se adequam a tais mudanças que a contemporaneidade nos exige.

A análise crítica desse poder de inovar, de pronta eficácia, a ordem jurídica no contexto brasileiro, nos faz pensar que há uma tendência do poder legislativo em se tornar apenas um legislador acessório, ou talvez, um representante de um grupo ou bandeira, e não necessariamente do povo de maneira abstrata e ampla. Tal afirmação se dá pela obrigatoriedade que há em se trancar a pauta das casas do poder legislativo à partir do quadragésimo quinto dia da edição da Medida Provisória, sendo assim, como há a constante necessidade de edição das mesmas,  na prática, verificamos poucas ocasiões em que se tem a pauta destrancada para a deliberação de projetos de autoria dos parlamentares, e mesmo quando isso ocorre, a base governista no parlamento busca procrastinar caso não haja interesse do executivo de que se aprove tal matéria.

Igualmente, caberia ao poder executivo o papel de legislar de maneira ampla para esse "povo" e ao parlamento o fazer-se representar os grupos de pressão, que refletem a sociedade, perante esse ato criador de normas com força de lei, sendo assim, obviamente, uma sub-representação implica em exclusão de outros grupos com menos capacidade de se fazer representar.


Considerações Finais:

Por fim, o modelo brasileiro de instrumentalização da Medida Provisória como ato de governo com força de inovar no ordenamento, traz consigo a inevitável subordinação do poder legislativo perante o executivo, ou seja, o que antes era a delegação de competência na história política italiana se adequou ao modelo presidencialista brasileiro, através da implementação em nossa nova ordem constitucional. Esse instrumento mudou, na prática, a dinâmica da função do parlamento brasileiro e concepção da competência legislativa dos parlamentares que passaram de legisladores ordinários para "emendadores" e fiscalizadores de possíveis abusos do presidente.


Referências

ABREU JUNIOR, Diogo Alves de. Medidas provisórias: o poder quase absoluto I. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2002. 74 p. - (Temas de interesse do Legislativo; n. 1)

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

CASTRO, Reginaldo Oscar de. As medidas provisórias. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 24 jan. 2000. Seção Tendências e Debates, p. 9.

CLEVE, Clêmerson Merlin. Medidas provisórias. 2. ed. rev. eamp1. São Paulo: M. Limonad, 1999.

DANTAS, Ivo. Aspectos jurídicos das medidas provisórias. 3. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 1997.

MARlOTII, Alexandre. Medidas provisórias. São Paulo: Saraiva, 1999.

MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, baron de la Brède et de. O Espírito das Leis. Tradução de Fernando Henrique Cardoso. Brasília: Universidade de Brasília, 1995.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19ª edição, ed. Atlas 2006.

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Sobre o autor
Leonardo Nesso Volpatti

Cientista Político e Estudante de Direito - UnB.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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