A Resolução CONTRAN n 358/2010 é inconstitucional!

27/02/2015 às 17:32
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Em breve, alguns profissionais de trânsito, apesar de credenciados pelo DETRAN, correrão o risco de serem impedidos de continuar exercendo a profissão para a qual se habilitaram, por força de uma simples Resolução do CONTRAN, nitidamente inconstitucional!

Como é cediço, a Resolução CONTRAN n. 358/2010  (com posteriores alterações) regulamenta o credenciamento de instituições ou entidades públicas ou privadas para o processo de capacitação, qualificação e atualização de profissionais de trânsito (Diretores, Examinadores e Instrutores de Trânsito), e de formação, qualificação, atualização e reciclagem de candidatos e condutores de veículos.

Com base na mencionada Resolução, a Diretoria de Educação para o Trânsito do DETRAN-SP publicou o Comunicado DETF n. 2/2013 (DOE de 22/11/2013), dirigido aos profissionais de trânsito que possuem credencial (expedida pela referida Diretoria) com a titulação “Diretor Geral – CFC B” e “Diretor de Ensino – CFC B”, nos seguintes termos:

“1. As credenciais permanecerão válidas até a data de 13 de agosto de 2015, tendo em vista o prazo de cinco anos, previsto na Resolução Contran n. 358/2010;
2. Findo o prazo, os profissionais deverão frequentar Curso de Atualização para Diretor Geral e/ou Diretor de Ensino submetendo-se às exigências estabelecidas na Resolução Contran n. 358/2010, Portaria Detran n. 830/2011 e demais normas do DETRAN-SP.
3. Este Comunicado entra em vigor na data de sua publicação.”

A seu turno, a Gerente da Escola Pública de Trânsito (do mesmo DETRAN) publicou o Comunicado GEPT n. 4/2015 (DOE de 11/02/2015), nos seguintes termos:

“Comunico que as credenciais de Instrutor de Trânsito e de Examinador de Trânsito que estejam dentro do prazo de validade, continuarão Válidas, até a data expressa nas respectivas credenciais, mesmo para os Instrutores e Examinadores que não se inscreveram no Programa de Atualização promovido pelo Denatran. Para as credenciais que constam validade "Indeterminada" entendam-se válidas até o dia 13/08/2015, conforme o previsto no artigo 46, da Resolução Contran 358/2010; e
Comunica ainda, que o Programa de Atualização Instrutores e Examinadores de Trânsito, cuja inscrição foi prorrogada até o dia 10/02/2015, promovido pelo Denatran, não substitui a atualização prevista na Resolução Contran 358/2010.
Este comunicado entra em vigor na data de sua publicação.”

Analisando-se o primeiro comunicado, é fácil concluir que os Diretores (Geral e de Ensino) deverão, dentre outras exigências, apresentar diploma de nível superior (ou até de pós-graduação), caso queiram continuar exercendo as suas atividades, com o que não se pode concordar, pelos motivos a seguir expostos.

Sem entrar no mérito do absurdo constante do segundo comunicado, ou seja, da “validade” (de uma credencial) que deixou de ser indeterminada (por meio de um simples comunicado), o fato é que, a nosso ver, a Resolução CONTRAN n. 358/2010 é inconstitucional. Aliás, nesse sentido se posicionou o digno Promotor de Justiça Alberto Carlos Dib Júnior, nos autos do Processo n. 0039236-48.2010.8.26.0053, em trâmite na 3ª Vara da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

NÃO há nenhuma LEI regulamentando o exercício da função (ou profissão) de DIRETOR (GERAL ou de ENSINO), e muito menos de COORDENADOR DE CURSOS DE TRÂNSITO (denominação, aliás, criada pela indigitada Resolução).

Logo, “falece o CONTRAN de competência para fazê-lo”, conforme acertadamente decidiu o MM. Juiz a quo (nos autos do processo acima mencionado), o que, aliás, foi ratificado pelo nobre Relator, nos autos do recurso de apelação. 

Ao CONTRAN cabe “apenas detalhar, explicar ou determinar aquilo que está expresso no Código”, conforme lecionam os saudosos Mestres GERALDO DE FARIA LEMOS PINHEIRO E DORIVAL RIBEIRO .

Sendo assim, e considerando que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (CF, art. 5º, II), a exigência de nível superior ou de pós-graduação para que o instrutor possa exercer com liberdade suas prerrogativas, ou até mesmo para frequentar cursos de aperfeiçoamento ou de reciclagem (promovidos pelos órgãos executivos de trânsito dos Estados ou do Distrito Federal), é flagrantemente inconstitucional.

Lembre-se que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer” (CF, art. 5º, XIII), e que compete privativamente à União legislar sobre direito do trabalho e condições para o exercício de profissões (CF, 22, I e XVI).

Portanto, por mais nobres que sejam os motivos, o CONTRAN não pode extrapolar a sua competência para exigir algo não previsto em LEI.

Não se pretende discutir, aqui, o que é bom ou ruim para o trânsito, do ponto de vista educacional, mas, sim, colocar em discussão o disposto na Resolução CONTRAN n. 358/2010, diante da Constituição Federal.

Por fim, caso alguém discorde do nosso posicionamento, aproveita-se a oportunidade para recomendar a leitura de uma respeitável decisão do Ministro DIAS TOFFOLI, nos autos da AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4387 (ADI 4387), julgada procedente pelo E. Supremo Tribunal Federal, a qual, embora não trate do assunto em questão, serve, com o devido respeito, para colocar o CONTRAN em seu devido lugar, vale dizer, de órgão NORMATIVO, e NÃO LEGISLATIVO.

São Paulo, 23 de fevereiro de 2015.

GILBERTO ANTONIO FARIA DIAS
Advogado;
Subtenente veterano do Comando de Policiamento de Trânsito da Polícia Militar do Estado de São Paulo;
Autor e editor do Manual FARIA de Trânsito,
15ª edição, 2014.

Sobre o autor
Gilberto Antonio Faria Dias

Advogado, pós-graduado em Direito Público,Subtenente veterano da Polícia Militar do Estado de São Paulo,autor do Manual Faria de Trânsito, 16ª edição, 2016

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