Teoria natalista

28/02/2015 às 16:58
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Porque é correto afirmar que o ordenamento jurídico brasileiro, principalmente a Lei 10.406/2002, adotou a Teoria Natalista para fincar o termo inicial da personalidade civil?

Porque é correto afirmar que o ordenamento jurídico brasileiro, principalmente a Lei 10.406/2002, adotou a Teoria Natalista para fincar o termo inicial da personalidade civil?

Sem embargo de todas as ressalvas que a doutrina faz à Teoria Natalista, principalmente à luz de princípios constitucionais expressos e implícitos, é correto afirmar, sem maiores dúvidas, que o ordenamento jurídico pátrio, mormente o Código Civil adotou, sim, a referida Teoria Natalista e, se digo isso o faço com base numa interpretação mais do que literal e gramatical, mas principalmente sistemática.

O artigo 2.º do Código Civil diz, expressamente que “a personalidade civil da pessoa começa (a partir) do nascimento com vida”.

Contudo, o mesmo artigo diz que “a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. Se verificarmos sistematicamente o ordenamento, perceberemos que os direitos postos a salvo, desde a concepção são apenas os patrimoniais. Com efeito, o artigo 542 diz que a doação feita ao nascituro valerá e, mesmo assim, só valerá se for aceita por seu representante; o artigo 1.798 diz que as pessoas já concebidas são legitimadas a suceder desde a abertura da sucessão. Vale dizer, direitos patrimoniais. Importante aspecto diz respeito à nomenclatura, que diz que os já concebidos são considerados pessoas, mas isso não altera o termo inicial para aquisição de personalidade.

Vejamos que os direitos de personalidade não são deferidos aos nascituros, bastando olharmos atentamente o disposto no artigo 1.606 do Código Civil para percebermos que a ação investigatória de paternidade, que é declaratória de estado, só pode ser ajuizada pelo suposto filho, e por ninguém mais, e só enquanto viver. Ora, se este suposto filho morre, a titularidade passa aos seus sucessores, mas, mesmo assim, a titularidade só passará sucessores se este suposto filho ou morreu menor ou morreu incapaz, talvez por que o legislador tenha entendido que se este suposto filho continuasse vivo, ao se tornar adulto ou capaz, poderia querer provar a sua filiação e só não o fez por que era menor ou incapaz e seu representante não lhe permitiu estar em juízo. Conclui-se, portanto, que, se o suposto filho morreu maior ou plenamente capaz, não será dado aos sucessores provar a filiação, sendo esta, inclusive, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no que tange a investigação de paternidade ou de origem genética concorrente e per saltum” (REsp 876434).

Quando teoricamente se reconhece direito ao desenvolvimento da personalidade ao nascituro, o que se reconhece é imposição que ele, nascituro, sequer pode recusar, como , por exemplo, a previsão do artigo 26 da Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) que diz que o reconhecimento de filho pode preceder o nascimento. Ora, não se fala verdadeiramente em direito do nascituro, mas de faculdade do genitor que, se exercida, não pode ser recalcitrada pelo nascituro.

Analisemos a questão dos alimentos gravídicos. A verba deferida sob esta rubrica refere-se a um mínimo existencial, o que significa dizer que não é um verdadeiro patrimônio, ou seja, é um instrumento que proporciona o desenvolvimento dos direitos de personalidade. Pergunta-se: direitos de personalidade de quem? Aqui a proteção é para a mãe, que deve ter o direito de ter uma gestação saudável (e gestação saudável em todos os aspectos é, sim, um direito de personalidade, afinal, o rol dos direitos de personalidade é exemplificativo). O artigo 2.º da Lei 11.804/08, que trata dos alimentos gravídicos diz, clara e expressamente quais são os objetivos dos alimentos gravídicos: alimentação especial, despesas adicionais decorrentes da gestação, medicamentos, internações, etc. Ora, quem se alimenta com alimentação especial e tem despesas adicionais decorrentes da gestação é a gestante, e não o nascituro.

Vale dizer também que os tribunais se inclinam nesse sentido, como no caso do apresentador “Rafinha Bastos”, que foi absolvido da acusação de injuriar o então nascituro gestado por Wanessa Camargo, cantora. Não fosse assim, presumir-se-ia, como diremos adiante, que o feto, de fato, se sentiu ofendido, num exercício de ilação incompatível com o direito.

Ademais, se concluirmos que o Código Civil adotou teoria concepcionista, fincando o termo inicial da personalidade com a concepção, isto é, antes do nascimento com vida, seriamos obrigados a concluir que a morte não seria o termo final, o que contrariaria o disposto no artigo 6.º, que diz claramente que a existência da pessoa natural termina com a morte e, se a pessoa termina terminada está também a sua personalidade. Se é verdade que alguns atributos da personalidade se estendem para depois da morte, como o bom nome, a honra, a imagem, o direito de desenvolvê-los não continua com o óbito do titular e, ao contrário do que muitos doutrinadores dizem o que se reconhece nas ações de indenização por danos morais ou à imagem é o sofrimento das pessoas próximas ao morto, vale dizer, é o dano reflexo ou em ricochete, ou seja, o que se queria era ofender o morto, mas como morto está, os ofendidos foram os seus familiares, que tiveram danificada a lembrança que possuíam do falecido. Quando o artigo 943 diz que o direito de exigir reparação se transmite com a herança é importantíssimo salientar o seguinte: o que se transmite é o direito de exigir a reparação e não o reconhecimento do dano. De fato, se admitirmos que os sucessores podem exigir o reconhecimento de um dano praticado enquanto o titular era vivo, partiríamos para a suposição de que o morto não exigiu o reconhecimento do dano e sua reparação, enquanto era vivo, por que, ou não teve tempo, ou por que teve medo do ofensor ou, o que é pior, suporíamos que o morto de fato se sentiu lesado em vida e, gerando para o réu o ônus de uma prova desconstitutiva impossível de ser realizada, já que o suposto ofendido não poderá ser interrogado, por exemplo.

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Por essas razões, com o devido respeito aos que defendem teorias diversas, penso que o nosso ordenamento adotou a Teoria Natalista.

Sobre o autor
Lucas Duarte

BACHAREL EM CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS APLICADAS PELA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SANTOS.

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