Retenção de bagagem por hotel: uma analise jurídica

04/03/2015 às 09:44
Leia nesta página:

HOTEL, RETENÇÃO DE BAGAGEM, AUTOTUTELA, CREDOR PIGNORATÍCIO

Não é tão raro o gerente de hotel e seus subordinados se veem na controversa situação na qual um hóspede se vê impossibilitado de realizar o pagamento dos gastos com hospedagem e extras realizados no estabelecimento hoteleiro, ou mesmo realiza manobra ou meio ardil para não pagar suas despesas. É bem verdade que para tal situação não existe procedimento único e acima de críticas.

Uma das possíveis soluções é o meio de hospedagem deixe que o hóspede desocupe a Unidade Habitacional pode se socorrer de ação de cobrança. No entanto, sabe-se que a marcha processual não se dá de forma suficientemente ágil para salvaguardar os interesses do hotel. Além de haver dúvidas quanto à solvência e até mesmo da boa fé de tal pessoa.

Ademais um cliente que não consegue, ou não quer, pagar de pronto suas despesas via de regra ou pelo menos em uma pronta análise de credito não seria merecedor de prazo na forma de fatura e o respectivo boleto bancário como usualmente são emitidos para agências e operadoras de turismo.

Nesse ponto entra em cogitação a possibilidade da retenção da bagagem do então hóspede como meio coercitivo, para se gerar garantia do futuro pagamento. Essa possibilidade está prevista na Lei 10.406/2002, conhecido como Novo Código Civil, que configura os estabelecimentos hoteleiros como “credores pignoratícios” em seu artigo 1.467 assim dispõe:

“Art. 1.467. São credores pignoratícios, independentemente de convenção:

I - os hospedeiros, ou fornecedores de pousada ou alimento, sobre as bagagens, móveis, joias ou dinheiro que os seus consumidores ou fregueses tiverem consigo nas respectivas casas ou estabelecimentos, pelas despesas ou consumo que aí tiverem feito;”


 

Em termos simples, os credores pignoratícios são os que podem legalmente exercer a autotutela, ou seja, podem exercer seus direitos sem o prévio consentimento do poder judiciário, o que é uma exceção à regra. Tal exceção está prevista no artigo 1.468 do Novo Código Civil como transcrevo:

“Art. 1.470. Os credores, compreendidos no artigo 1.467 podem fazer efetivo o penhor, antes de recorrerem à autoridade judiciária, sempre que haja perigo na demora, dando aos devedores comprovante dos bens de que se apossarem.”

Certos cuidados devem ser tomados antes mesmo de Mesmo essa possibilidade sofre restrições, o Novo Código Civil, no seu artigo 1.468 assim dispõe:

“Art. 1.468. A conta das dívidas enumeradas no inciso I do artigo antecedente será extraída conforme a tabela impressa, prévia e ostensivamente exposta na casa, dos preços de hospedagem, da pensão ou dos gêneros fornecidos, sob pena de nulidade do penhor.”

Extrai-se de tal disposição legal que antes mesmo da retenção deve-se ter em mãos a Nota Fiscal de Serviços, expondo com perfeição os serviços cobrados e seus valores. Por mais prosaico isso que possa parecer tal documento deve ser apresentado ao hóspede para que seja exposto a ele saiba exatamente o que lhe está sendo cobrado, garantindo assim transparência e possibilitando a ele refutar as cobranças.

No ato da retenção o gerente deve observar com muito cuidado o princípio da proporcionalidade, a plausabilidade e a razoabilidade de tal ato, a fim de não se gerar excesso de penhor, nem mesmo gerar danos irreparáveis ao hóspede/consumidor. Há ainda circunstâncias fáticas e pessoais que devem ser observadas, por exemplo, caso o hóspede tenha previsto compromisso a ser cumprido na cidade não devem ser retidas roupas que ele deve usar em tais compromissos. Assim evita-se, ou pelo menos não se cria prova, para ação de danos morais que venha a ser movidas pelo hóspede. Tal proporcionalidade está prevista no artigo

“Art. 1.469. Em cada um dos casos do art. 1.467, o credor poderá tomar em garantia um ou mais objetos até o valor da dívida.”

No momento da penhora deve-se elaborar uma exaustiva ( leia-se; completa e detalhada) lista com os bens retidos, sendo prudente ainda a obtenção de fotos a fim de bem configurar cada um dos bens.

É de suma importância que o estabelecimento hoteleiro, imediatamente (24 horas nos termos do artigo 635 do NOVO CPC): 

"Art. 635. Tomado o penhor legal nos casos previstos em lei, requererá o credor, ato contínuo, a homologação. Na petição inicial, instruída com o contrato de locação ou a conta pormenorizada das despesas, a tabela dos preços e a relação dos objetos retidos, pedirá a citação do devedor para pagar ou contestar na audiência preliminar que for designada"

E por meio de seu(s) advogado(s), proceder a homologação judicial conforme o artigo 1.471 do Novo Código Civil, que assim dispõe:

“Art. 1.471. Tomado o penhor, requererá o credor, ato contínuo, a sua homologação judicial.”

Tal homologação deve ser realizada para que não se enseje a acusação do crime de exercício arbitrário das próprias razões (art. 345 do Código Penal). Já na fase judiciária da penhora das bagagens será discutida a fora de pagamento e a possível liberação das bagagens.

Em suma, é prudente e oportuno que o gerente assim que decida pela estratégia de reter bens de um hóspede que contacte seu advogado e que seja por ele instruído acerca dos procedimentos a serem adotados.

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Referências

Lei nº 10.406/2002 - Novo Código Civil.

Decreto-lei nº 2.848/1940 – Código Penal

Lei nº 5.869/73 – Código de Processo Civil

Sobre o autor
Bernardo Corrieri

Advogado, especialista em Direito Criminal, atuante em Brasília-DF. Formado em Administração IESB(2003). Direito (2016), Plantão 61- 98206-5010

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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