UM CASO CONCRETO DE DEPORTAÇÃO

04/03/2015 às 12:17
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O ARTIGO PÕE EM DISCUSSÃO O INSTITUTO DA DEPORTAÇÃO AO LADO DE OUTROS COMO A EXPULSÃO E EXTRADIÇÃO, ESTABELECENDO DIFERENÇAS CONCEITUAIS E ANALISA CASO CONCRETO HAVIDO NA MATÉRIA.

UM CASO CONCRETO DE DEPORTAÇÃO

ROGÉRIO TADEU ROMANO

Procurador Regional da República aposentado

Divulgou-se que a Justiça Federal determinou a deportação do italiano Cesare Battisti, que foi condenado à prisão perpétua na Itália por quatro assassinatos cometidos na década de setenta e que, no ano de 2011, recebeu um visto de permanência  das autoridades brasileiras.

Na decisão foi justificado que Battisti se encontra em situação irregular, já que “é um criminoso condenado em seu país”, e, por essa razão, não tem direito a um visto nem a permanecer no Brasil.

Battisti foi condenado à prisão perpétua em 1979, acusado de participar de quatro assassinatos cometidos pela organização que integrava, a Proletários Armados pelo Comunismo. Ele sempre negou participação nos crimes.

O italiano se refugiou no México e logo depois na França, onde foi beneficiado pela política do então presidente François Mitterrand, que permitia a ex-guerrilheiros viver legalmente no país.

Com o fim do governo de Mitterrand, a Justiça francesa autorizou a extradição de Battisti para a Itália, e ele voltou a fugir, desta vez rumo ao Brasil, aonde chegou em 2004 e viveu como clandestino até 2007, quando foi preso.

Em 31 de dezembro de 2010, último dia de seu segundo mandato, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu rejeitar a extradição e autorizou Battisti a permanecer em território brasileiro, o que causou um atrito nas relações entre Roma e Brasília. O italiano deixou a prisão em junho de 2011.

Com base na decisão do então presidente, Battisti obteve um visto para permanecer no Brasil, uma medida considerada ilegal pelo Ministério Público, que recorreu à Justiça Federal para anular o documento. O Ministério Público argumenta que um estrangeiro condenado por crime doloso não pode receber visto no Brasil.

A Justiça Federal  acatou a argumentação do Ministério Público e argumentou que a deportação não contradiz a decisão de Lula de negar a extradição, já que Battisti não será necessariamente entregue às autoridades da Itália, mas enviado "ao país de procedência ou outro que consinta em recebê-lo".

A teor do artigo 58 do Estatuto do Estrangeiro, consiste a deportação na saída compulsória do estrangeiro. A deportação consiste, pois, na saída compulsória do estrangeiro do território nacional, fundamentada no fato de sua irregular entrada(geralmente clandestina) ou permanência no pais. Não se confunde, pois, com um impedimento de entrada.

Observa-se que a Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, que define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, conserva a deportação como instituto autônomo e de características próprias para a retirada do estrangeiro do Brasil, ao lado da expulsão e da extradição, seguindo uma sistemática que já existia sob o regime do Decreto-lei nº 7.957/45, reproduzido no Decreto-lei nº 941/69.

Yusssef Sahid Cahali(Estatuto do Estrangeiro, 1983, pág. 211) ensinou que a deportação se basta com a entrada ou estada irregular no País do estrangeiro que se introduziu no Brasil sem estar devidamente autorizado, para tanto, nem satisfez, a posteriori, as condições legais de admissibilidade; para a expulsão, a lei enumera uma série de atos praticados pelo estrangeiro, que sejam justificadores da medida, seja o comportamento atentatório à segurança nacional, à ordem política e social e tranquilidade e moralidade pública ou seja nocivo à conveniência e aos interesses nacionais.

A deportação não depende, em geral, de processo específico, bastando a verificação pelas autoridades competentes da irregularidade na entrada ou permanência do estrangeiro no território nacional e apenas depois de notificado regularmente retirar-se, de modo que não o fazendo, sujeita-se à retirada compulsória. Por sua vez, na expulsão, exige-se o inquérito policial ou investigação sumária, com observância de regras processuais mais rígidas, ato esse de exclusiva competência do Presidente da República.

A deportação afasta o estrangeiro do território nacional quando nele se encontrar em situação irregular, mas não impede o regresso de forma regular. Ao contrário, a expulsão afasta do território nacional o estrangeiro, sujeitando-o a sanções penais.

Determinam os artigos 57 e 58  do Estatuto do Estrangeiro:

Art. 57 Nos casos de entrada ou estada irregular de estrangeiro, se este não se retirar voluntariamente do território nacional no prazo fixado em Regulamento, será promovida sua deportação. (Renumerado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81)

        § 1º Será igualmente deportado o estrangeiro que infringir o disposto nos artigos 21, § 2º, 24, 37, § 2º, 98 a 101, §§ 1º ou 2º do artigo 104 ou artigo 105.

        § 2º Desde que conveniente aos interesses nacionais, a deportação far-se-á independentemente da fixação do prazo de que trata o caput deste artigo.

        Art. 58. A deportação consistirá na saída compulsória do estrangeiro. (Renumerado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81)

        Parágrafo único. A deportação far-se-á para o país da nacionalidade ou de procedência do estrangeiro, ou para outro que consinta em recebê-lo.

Estabelece o parágrafo primeiro do artigo 57 que será deportado:

  1. O estrangeiro que, tendo sido admitido na condição de natural de país limítrofe, domiciliado em cidade contígua ao território nacional, para exercer atividade remunerada ou frequentar estabelecimento de ensino nos municípios fronteiriços a seu respectivo país, vier a se afastar dos limites territoriais daqueles municípios(artigo 21, § 2);
  2. O estrangeiro que, procedendo do exterior, afastar-se do local de entrada e inspeção sem que o seu documento de viagem e o cartão de entrada e saída hajam sido visados pelo órgão competente do Ministério da Justiça(artigo 24);
  3. O estrangeiro admitido sob condição de desempenho de atividade profissional certa e fixação em região determinada, que se mudar, dentro do prazo que lhe foi fixado na oportunidade da concessão ou transformação do visto para permanência condicional, seja do domicílio, seja da atividade profissional, ou que vier a exercê-la, sem autorização prévia do Ministério da Justiça, fora daquela região(arts. 18, 37§ 2º, e 101);
  4. O estrangeiro que se encontra no Brasil ao amparo de visto de turista, do trânsito ou temporário na condição de estudante, que exercer qualquer atividade remunerada no território nacional(art. 98, initio);
  5. O estrangeiro titular de quaisquer vistos temporários, e cujos dependentes venham a exercer atividade remunerada no território nacional(art. 98, ab initio);
  6. O estrangeiro com visto temporário admitido na condição de correspondente de jornal, revista, rádio, televisão ou agência noticiosa estrangeira, que venha a exercer atividade remunerada por fonte brasileira(art. 98, segunda parte);
  7. O estrangeiro titular de visto temporário ou admitido na condição de natural de país limítrofe, para o exercício de atividade remunerada ou frequência em escola nos municípios fronteiriços a seus respectivo pais, que vier a estabelecer-se com firma individual ou exercer cargo ou função de administrador, gerente ou diretor de sociedade comercial ou civil, ou que se inscrever em entidade fiscalizadora do exercício de profissão regulamentada(art. 99, com ressalva no parágrafo único);
  8. O estrangeiro admitido na condição de temporário, sob regime de contrato, que, sem autorização expressa do Ministério da Justiça, exercer atividade junto a entidade diversa daquela pela qual foi contratado, na oportunidade da concessão de visto(art. 100);
  9. O estrangeiro admitido como serviçal com visto de cortesia, que exercer atividade remunerada que não seja a serviço de titular de visto de cortesia oficial ou diplomático(art. 104, § 1º);
  10. O estrangeiro admitido como serviço com visto de cortesia, que, no prazo de trinta dias a contar da data em que cessar o vinculo empregatício, não tiver a sua saída do território nacional providenciada pela missão, organização ou pessoa, a cujo serviço se encontrava(art. 104, § 2º);
  11. O estrangeiro que tenha entrado no Brasil na condição de turista ou em transito, que se tenha engajado como tripulante em porto brasileiro, salvo se em navio de bandeira de seu país, por viagem não-redonda(art. 105).

O Estatuto do Estrangeiro ainda prevê casos de deportação nos artigos 125, IX, combinado com o artigo 25; artigo 125, XV, combinado com o artigo 26, § 1º.

Por certo é vedada a deportação de estrangeiros se esta implicar em extradição não admitida pela lei brasileira, segundo dispõe o art. 63 do Estatuto do Estrangeiro.

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Na lição de Valério de Oliveira Mazzuoli(Curso de Direito Internacional Público, 3ª edição, pág. 655), a causa de deportação é o não cumprimento de requisitos necessários para o ingresso regular ou para a permanência no país. Assim trata-se de causa estranha à prática de crime. A prática de delito pode ser motivo para a expulsão ou para a extradição de estrangeiros, mas nunca para a sua deportação. Isso porque o que existe,  em caso de deportação, é a não observância das regras que o Estado tem relativamente ao ingresso de estrangeiros no território nacional, não se assemelhando, em nada, à prática de conduta ilícita.

No caso em tela, com o devido respeito, se não foi admitida extradição por conta de prática de delitos penais não se pode conceder deportação pelos mesmos motivos que levaram ao indeferimento daquela medida, sob pena de se extrapolar competência.    

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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