RESUMO: O espiritismo é um tipo de literatura muito peculiar no Brasil, com grande repercussão e aceitação até mesmo dos não adeptos à doutrina de Allan Kardec. Com a vasta quantidade de obras psicografadas, não pode ser afastada a indagação: Quem é o titular dos direitos autorais na obra psicografada? Em busca da resposta dessa perquirição, o presente trabalho expõe a obra psicografada realizada através do fenômeno mediúnico e os direitos as quais são englobadas. O objetivo dessa pesquisa é demonstrar que o direito autoral na obra psicografada pertence ao médium a qual escreveu, e não aos seus herdeiros, tampouco ao espírito que o inspirou. Seria absurda a ideia de legislar sobre o misterioso, o incognoscível e o religioso. Haja vista que feriria a laicidade do Estado e que para o direito, a personalidade jurídica do ser humana se inicia com o nascimento com vida (gerando diretos e obrigações) e cessa com a sua morte. Logo o espírito a qual o médium recebeu as informações não é sujeito de direitos e obrigações, não sendo resguardado o direito autoral nas obras psicografadas.
PALAVRA-CHAVE: Psicografia. Médium. Direito Autoral. Obras Psicografadas. Espiritismo.
ABSTRACT: Spiritualism is a very peculiar kind of literature in Brazil, with great impact and acceptance even non followers to the doctrine of Allan Kardec. With the vast amount of psychographic Books, can’t be ignored the question: Who owns the copyright in psychographed Books? Searching for the answer to this perquisition, this paper raises the psychographic book done by psychic phenomenon and the rights which are encompassed. The objective of this research is to demonstrate that copyright in psychographed book belongs to the medium which he wrote, and neither to his heirs, nor the spirit that inspired it. It would be absurd the idea of legislating on the mysterious, the unknowable and the religious. Considering that hurt the secular state and to the right, the legal personality of the human begins with the live birth (generating direct and bonds) and ends with his death. Soon the spirit which the medium has received the information is not subject of rights and obligations, not saved for copyright in psychographic books.
KEYWORDS: Psychography. Medium. Copyright. Psychographic books. Spiritualism.
SUMÁRIO: introdução. Aplicação do direito autoral em obra psicografada. Direito autoral do ponto de vista do médium. Convenções internacionais e legislação pertinente. O Plágio. Destinos finais dos rendimentos das obras psicografadas. Breve análise do caso Humberto de Campos. Considerações Finais. Referências.
INTRODUÇÃO
A leitura nos leva ao um mundo único, onde encontramos às delícias da imaginação, desenvolvendo a sensibilidade e dando amplo potencial criativo e cognitivo. A leitura aborda infinitos temas, ajudando até mesmo a construir um ser humano. Mas, para que possamos ler, precisamos que alguém tenha a capacidade para escrever um livro. Contudo, nunca nos perguntamos se quem escreveu aquela obra, tem algum direito sobre a mesma? E se a obra for psicografada, quem tem posse em relação ao direito da obra? O Médium, o espírito ou os herdeiros?
E é exatamente perante todos esses questionamentos que daremos o ponta pé inicial para adentramos no assunto referente ao direito autoral na obra psicografada.
Trataremos então na presente pesquisa sobre: A aplicação do direito autoral em obra psicografada, abrangendo o direito autoral do ponto de vista do médium, a legislação nacional e as Convenções Internacionais as quais fazemos parte, o plágio que ainda existe no nosso dia-a-dia e os destinos finais dos lucros que essas obras fazem movimentar o orçamento do país. Para complementar trouxemos um caso que ocorreu no Brasil: Caso Humberto de Campos.
Desejamos assim que a leitura seja no mínimo agradável e que possamos esclarecer possíveis dúvidas. Afinal de contas as coisas materiais podem ser retirada de nós, entretanto o conhecimento, jamais!
APLICAÇÃO DO DIREITO AUTORAL EM OBRA PSICOGRAFADA
A obra psicografada terá a sua proteção como qualquer outra obra, quadro ou música existente. Afinal de contas, estamos falando de uma criação intelectual, o que justamente a Lei 9.6010/98 resguarda.
Para que haja a criação de uma obra literária, é necessária a passagem de três etapas para o seu nascimento, segundo HENRI DESBOIS apud MOTA JUNIOR[6]:
Logo, aquele que escreveu a obra, obrigatoriamente passou por todas as três etapas elencadas anteriormente. E como já é do nosso conhecimento, o autor, pessoa humana é detentor de direitos e obrigações.
Contudo não há como negar que o autor da obra psicografada terá a sua criação protegida, seja ela produzida de uma forma mediúnica ou não. SOLTANOVITCH (2012, p. 30)ainda que destaque que ela tenha sido ditada, inspirada ou escrita por um espírito.
No mesmo sentido elenca LEITE apud SOLTANOVICH[7]:
O autor supracitado ainda acrescenta:
Se, porém admitirmos que as ideias, relações ou fatos, enfim, o conteúdo contido nas obras psicografadas é de autoria de um ser espiritual ou não – humano e que a criação de tal obra não deveria diretamente de um esforço criativo humano, devemos considerar que sobre ideias, revelações e fatos em si não recaia qualquer proteção autoral. Contudo, obrigatoriamente, deveremos reconhecer a existência de um mínimo de criatividade humana na seleção, organização e compilação de tais ideias, fatos ou revelações e na forma de expressão pela qual tais ideias, fatos e revelações foram transportadas para o mundo terreno, o que nos levará a inafastável conclusão que a obra psicografada deverá ser vista e considerada como obra intelectual representada por uma compilação de textos que, em razão de seus critérios de seleção, preenche os requisitos de criatividade e originalidade sendo, assim, protegida sob a égide dos direitos autorais. LEITE apud SOLTANOVICH (2009, P. 192 e segs).
Ainda assim há quem discorde a respeito da tutela de proteção do direito autoral na obra psicografada, conforme preceitua NETTO apud MOTA JUNIOR (1998, p. 61) objeto de proteção do direito de autor é a obra intelectual, conceituada pelos principais tratadistas como a criação intelectual fixada em suporte material (corpus mechanicus).
Enfim, para concretizarmos a ideia exposta, o legislador e muito menos o Julgador poderá reconhecer a existência de uma fé. Independente de religião ou não, ambos teriam que ser justos. Afastando assim a religião, bem como as várias maneiras de psicografar, se realmente existem ou não. Seria inviável e inaceitável dizer que o direito autoral não pertence ao médium. Afirma SOLTANOVICH (2012, p. 31) obra psicografada é protegida sim, este é um fato, independentemente da fé do Julgador e seus direitos autorais pertencem àquele que a psicografou, ou seja, ao médium.
Vale ressaltar que o único meio existente e capaz para proteger os direitos autorais e cessar as violações é o Poder Judiciário. Haja vista que ocorreu a desatividade do Conselho Nacional de Direito Autoral, vinculado ao Ministério da Educação e Cultura, onde havia um direcionamento de atribuições administrativas para uma ampla proteção ao direito do autor.
{C}1{C}
DIREITO AUTORAL DO PONTO DE VISTA DO MÉDIUM
O árduo trabalho exercido por um médium é de extrema importância para aqueles que acreditam na psicografia. Afinal de contas, permitir que um espírito utilize o seu corpo para que possam se comunicar com o mundo material, são para poucos.
O médium que realiza esse trabalho e produz uma obra intelectual mediúnica, tendo a sua fonte expiradora como um espírito, tem consciência que o escrito não é seu. Sendo que na grande maioria das vezes o médium esquece até da proteção autoral existentes em seu trabalho[8].
No entanto, qualquer obra, seja ela psicografa ou não, tem seus direitos autorais protegidos. Esse direito é exclusivo daquele que produziu a obra, cabendo somente a ele doar seus direitos, ou utiliza-lo da forma que melhor entender.
Apesar do autor ter essa liberdade de manifestação, expressão e pensamento preservada em sua atividade intelectual, somente teria que tomar as cautelas necessárias para que não ofenda a honra, a imagem ou até mesmo o direito de outrem.
Portanto, como cabe exclusivamente ao autor a utilização da obra, o mesmo ocorre com o médium. Este pode reconhecer SOLTANOVITCH (2012, p. 32) o direito alheio e conceder os direitos autorais à família do falecido. Essa concessão é feito por um simples contrato entre as partes, como forma de manifestação de vontade de doação ou cessão de direitos autorais. A validade desse contrato se resguarda pela forma livre e consciente de pessoas capazes que o fazem, sendo objeto lícito e passível de execução na justiça.
CONVENÇÕES INTERNACIONAIS E LEGISLAÇÃO PERTINENTE
O conceito da obra literária psicografada protegida é obtido naturalmente conforme a lei vigente, todavia o mesmo não ocorre com a sua autoria pois isso envolve âmago do problema: A quem pertence o direito autoral nas obras psicografadas?
CHAVES apud MOTA JUNIOR, responde essa indagação[9]:
Não há em nenhum País do mundo qualquer respaldo sobre a proteção direta à obra psicografa, identificando assim de forma taxativa, quem ao certo seria o real detentor dos direitos autorais.
De um modo geral, somente temos a proteção dos direitos autorais, trazido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo XXVII, item 2: Toda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor.
Já no Brasil a legislação pertinente a respeito do direito autoral é a Lei 9.610/98, mais especificamente o artigo 7º da referida Lei: São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se investe no futuro, tais como...
Se formos interpretar o caput da artigo supracitado de uma forma extensiva, podemos entender que, não é apontado a criação humana como um requisito necessário para que a obra seja protegida e sim a criação do espírito, logo não exclui a criação de quem esta em outro plano. SOLTANOVITCH (2012, p. 48) ou seja, o próprio espírito que inspira o outro na criação de sua obra.
Entretanto não podemos só nos prender a breve analise do artigo 7º, caput da Lei do direito autoral, mas também devemos estudar em conjunto o Capítulo do Código Civil que trata da Personalidade e da Capacidade, localizados no Título I “Das Pessoas Naturais”. Que resguarda que somente pessoa humana é detentora de direitos e obrigações, nos termos do artigo 2o: A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. Combinado com o artigo 6º A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva. Ambos do Código Civil.
Destarte, a existência de pessoa natural se estingue com a morte, nos termos da lei, independentemente da crença de quem interpreta ou do aplicador da norma. Sendo assim, esta é a base para se pensar em proteção do direito autoral.
Pois bem, neste momento devemos citar um trecho do livro psicografado pro Chico Xavier, “Crônicas de além túmulo”, ditado pelo espírito de Humberto de Campos, protagonista de um processo judicial que será apresentado posteriormente, que transcreve sobre a liberdade de seus direitos autorais na qualidade de espírito[10]:
Muitas vezes o “autor psicografado” por ser famoso, faz com que as vendas das obras seja feita em números muito grandes, e pensando em questões patrimoniais, é a ele conferido o crédito pelo escrito da obra. Haja vista que o Nome do Morto psicografado é outra polêmica envolvida no assunto, não focando para os direitos autorais, mas sim sobre os direitos de personalidade.
O autor Carlos Alberto Bittar faz uma analise breve e taxativa sobre a obra psicografada[11]:
Ainda há aqueles que afirmam a tese de que há divisão entre direito do “autor psicografado” e o médium, dizendo que este último é tratado como intérprete, possuindo direitos conexos, nos termos do artigo 90, Lei 9.610/98[12]:
Entretanto, ainda há de se falar nos herdeiros do autor psicografado, onde por total ausência legal, não teriam quaisquer direito autorais decorrentes da criação, haja vista que conforme preceitua o artigo 6º do Código Civil, já transcrito anteriormente, a existência da pessoa natural cessa com a morte.
O único direito que a família do psicografado poderia ter, seria por meio de medidas acautelatórias, visando proteger e preservar o nome do falecido ou o texto de uma obra supostamente plagiada, tomando como base o artigo 17 do Código Civil{C}[13]{C}:
Destacando que ainda seja o nome da pessoa que já tenha falecido.
Ainda que na literatura psicografa não haja “desprezo público”, pode-se dizer que há um determinado procedimento e as questões envolvendo direitos autorais. O fato é que de acordo com o artigo 20 do Código Civil a utilização do nome somente pode ocorrer com autorização por escrito{C}[14]{C}:
Caso ainda exista um cônjuge supérstite ou seus herdeiros, poderiam reclamar infração ao direito de personalidade por uso indevido do nome do falecido e não ao direito autoral ou moral do autor. Desta forma, se fosse reconhecido a possibilidade da família do falecido reclamar o direito moral do autor, estaríamos diante da tese de que o falecido adquiriu direitos após a sua morte, o que é vedado por lei. Como também, por consequência, o reconhecimento de obra psicografada, gera uma declaração, ainda que indireta da religião Espírita, o que também é vedado pelo Poder Judiciário, afinal de contas o Estado é laico.
Para concretizar, não seria viável impetrar com uma ação pleiteando o direito moral do autor através dos herdeiros, pois a tese de que seria uma ofensa ao direito de personalidade, com a utilização do uso indevido de nome de terceiro, mesmo que denominada “Espírito de fulano de tal”, seria na realidade uma proteção a outra norma legal e não aos direitos autorais. A família do falecido poderia utilizar norma para impedir o uso indevido do nome sem a sua autorização, com base nos direitos de personalidade.
Para tanto, existem doutrinadores que fixam que o médium é detentor dos direitos conexos e, portanto, a família do psicografado seria titular do direito autoral puro. Entretanto, não há qualquer previsão legal mais uma vez a respeito, pois novamente é reconhecer o espiritismo não como religião, mas como uma fonte de direito, sendo vedado[15].
Como já afirmado na tese inicial, só é detentor de direitos, pessoa que esteja viva, exceto se tratar de obra póstuma, ou a que o autor no curso de seu trabalho, venha a falecer e outro tenha dado continuidade aos escritos deixados. Mesmo assim, estaríamos diante de coautoria de obra, dividindo créditos e direitos autorais.
O PLÁGIO
O plágio, muito comum na atualidade, pode ser definido como MOTA JUNIOR[16]:
No Brasil, o plágio além de ter sua tutela civil e administrava, é conduta criminosa de quem a utiliza, conforme preceitua o Artigo 184 do Código Penal: Violar direitos de autor e os que lhe são conexos: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
Pois bem, ao falar sobre plágio, muitas pessoas associam que a obra psicografada é um plágio. Obra literária psicografada não é sinônimo de plágio, pelo simples fato de ser considerada mediúnica, ainda assim se versar sobre uma ideia ou tema já antes abordado. Nesse sentido nos ensina ASCENSÃO apud MOTA JUNIO{C}[17]{C}:
O assunto plágio é de extrema delicadeza, cujo reconhecimento é demanda prova muito cuidadosa. Dizem que Shakespeare cometeu o plágio em sua obra Hamlet, a qual pertenceria a sua autor desconhecido. Pode-se dizer que através da psicanálise, a tentação ao plágio é instintiva, da própria natureza do homem.
Nota-se que não estamos instigando ao plágio, longe disso, somente afastamos a obra plagiada da obra psicografada, pois como já dito somente não são sinônimos por esta ter sido criada por meio mediúnico. Porém pode ocorrer, como em qualquer tipo de obra literária, incluindo a psicografada, apropriação parcial ou total de criação literária, alheia já existente, essa conduta sim configura plágio. Assim, a responsabilidade deve recair sobre o médium e seus editores, MOTA JUNIOR (1999, p. 51) porquanto a eles cabe o dever de verificar a autenticidade daquilo que se decidem a publicar.
Acrescenta SOLTANOVITCH [18]:
Para fecharmos o assunto, para os estudiosos do espiritismo, somente ocorreria plágio se o médium tivesse conhecimentos técnicos sobre a obra do Espirito a qual estivesse psicografando, ou que com o espirito, enquanto vivo, tivesse um elo forte, ao ponto de adquirir as características e a linguagem literária dele.
DESTINOS FINAIS DOS RENDIMENTOS DAS OBRAS PSICOGRAFADAS
A produção literária das obras psicografa é enorme e cresce cada vez mais, pois além de criar inúmeros empregos, está passando a gerar recursos financeiros incalculáveis, como o resultado das sucessivas traduções e edições de obras, adaptações para o rádio, televisão, teatro e cinema.
Diante dessa realidade, seria incontestável nos indagar: qual o destino dos rendimentos da produção literária psicografada? Essa reposta foi dada por NOBRE apud MOTA JUNIOR já que o médium[19].
Chico Xavier (1910-2002), desde o primeiro volume até o último de sua obra Parnaso dealém-túmulo, recebido em 1932, destinou os resultados financeiros as serviços assistenciais, não aceitando receber nem o ressarcimento sequer do material que empregada, consumindo dias e noite para a recepção das mensagens, datilografando-as e revisando-as. Seguindo os ensinamentos de Chico Xavier[20]:
Pois bem, já que esse tipo de obra atrai e muito o público, seria interessante incentivar os destinos dos rendimentos para
{C}a) Uma parte dos rendimentos para as obras filantrópicas e assistenciais, e,
{C}b) A outra parte para fomentar, incentivar e patrocinar a pesquisa científica no campo da fenomenologia mediúnica. MOTA JUNIOR (1999, p. 180).
BREVE ANÁLISE DO CASO HUMBERTO DE CAMPOS
Para encerrarmos essa pesquisa trazida pelo presente trabalho, buscamos um caso concreto para que possamos mostrar que existe a problemática sobre a quem pertence o direito autoral na obra psicografada.
O caso mais conhecido e pioneiro no Brasil que envolve obras psicografadas e longas discussões a respeito, ocorreu no ano de 1944: o caso “Humberto de Campos”.
Humberto de Campos Filho, era membro da Academia Brasileira de Letras e ocupava a cadeira 20. Sabe-se que Humberto foi jornalista, político, crítico, cronista, contista, poeta, biógrafo e memorialista. Seu falecimento ocorreu em 05 de dezembro de 1934. A partir de 1935 Chico Xavier passou a receber mensagens de Humberto[21].
Com a publicação das obras supracitadas atribuídas ao Espírito Humberto de Campos, e a repercussão na imprensa ocasionou que sua esposa, ou seja, a viúva Srª. Catharina de Paiva Vergolino, vulgo Dona Paquita, como era mais conhecida, juntamente com seus dois filhos, herdeiros de Humberto, ingressasse com uma ação declaratória, obedecendo às Regras do Código de Processo Civil de 1939, contra Chico Xavier (médium que psicografava as obras e a Federação Espírita Brasileira (editora das obras).
A petição inicial, posteriormente ter feito a exposição dos fatos e do direito, postulou os seguintes pedidos[22]:
Em fase de contestação, os réus foram citados e constituíram o renomado advogado Miguel Timponi para patrocinar lhes a defesa, analisando preliminarmente: as condições da ação, pressupostos de formação, desenvolvimento válido e regular do processo e as pretensões alternativas formuladas pelo polo autor na inicial, concluindo[23].
Com o tramite, o processo foi sentenciado, focando apenas nos limites em que foi proposta a inicial, ou seja, visava que “declarasse, por sentença, se são ou não são do espírito de Humberto de Campos as obras literárias referidas na inicial...”, entendo que os autores são carecedores da ação. Explanaremos apenas o dispositivo final para sermos mais breves[24]:
Por fim, a sentença foi submetida a recurso de Agravo de Petição nº 7.361, a Quarta Câmara do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, por votação unânime, foi mantida integralmente a decisão de primeiro grau, de acordo com o acórdão de 03 de novembro de 1944, sendo Relator o Desembargador Álvaro Moutinho Ribeiro da Costa. Destaca-se que também somente citaremos a última parte do acórdão[25]:
Isto posto, terminarmos desta forma os esmiuçar do assunto: Direito Autoral em obra psicografada, com a citação do caso “Humberto de Campos”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podemos concluir com o presente trabalho que muito se desenvolveu para chegarmos a ter uma legislação específica que regulamenta-se os direitos do autor. Esta Lei foi sancionada em 19 de fevereiro de 1998, sob o número 9.610, conhecido como: A Lei do direito autoral.
O direito autoral resguarda um conjunto de prerrogativas conferidas ao autor e àqueles ligados a ele, dando-lhe o direito de gozar dos benefícios patrimoniais e morais resultantes de suas criações, resguardando as relações entre o grandioso criador e quem faz a utilização de suas criações artísticas, literárias e científicas.
O homem esta em constante mudança e a cada dia esta se inovando em inúmeras áreas. Por mais que tenhamos os cuidados mais minuciosos para não deixarmos qualquer assunto sem resposta, seria impossível preenchermos todas as dúvidas existentes no nosso mundo material e quem dirá em assuntos do mundo incorpóreo. Sabemos que a ligação existente com o outro mundo é feita através dos médiuns, pessoas que sentem em qualquer grau a influência de espíritos e transmitem através dessa faculdade várias espécies de manifestações. Pode-se dizer que o fenômeno mediúnico da psicografia (manifestação mediúnica através da escrita) é o mais conhecido nos tempos de atuais, justamente por termos renomados nomes adeptos deste trabalho, como por exemplo Francisco Cândido Xavier.
Com uma caneta em punho qualquer pessoa pode escrever grandiosos textos, poemas ou até um best-seller. Mas, quando essa escrita é feita sob a influência de um espírito que esta em plano superior, adentramos no tema das obras psicografadas.
As obras psicografadas, apesar de não estarem especificadas na Lei do direito autoral, merecem seu amparo como qualquer outra obra científica, artística ou literária. De acordo com o Código Civil, a personalidade jurídica só se inicia com o nascimento com vida e cessa com a morte, ou seja, a capacidade de ser sujeito de direitos e obrigações pressupõe a existência de um ser humano. Logo, não há como falar que o detentor do direito autoral nas obras psicografadas seria o espírito inspirador, pois com o evento morto cessa qualquer direito e obrigação que o mesmo tinha em vida, muitos menos podemos transferir tal direito aos herdeiros desse espírito, justamente pelo que já foi explanado, os herdeiros somente teriam algum direito se a obra estivesse sido escrita em vida. É mais do que óbvio que o direito autoral esta conferido ao médium. Afinal de contas temos a plena consciência e certeza que o nosso Estado é laico, e legislar sobre o misterioso, o religioso ou até mesmo incognoscível, feriria o nosso maior princípio e estaríamos impondo apenas um seguimento como religião, seria reconhecer o espiritismo como fonte de direito, o que é vedado. A questão não é se acreditamos ou não no fenômeno mediúnico da psicografia ou se somos adeptos ao espiritismo, mas sim discutirmos os direitos englobados a uma obra, a qual foi criada com muita dedicação e esforço por um médium (leia-se autor).
Vale ressaltar que desde os primórdios podemos verificar que existe a publicidade enganosa, a qual fere o Código de Defesa do Consumidor. Afim de sanar que haja algum engano em relação à obra psicografada, é necessário que conste na capa da obra, que a mesma é psicografada, bem como o nome do médium a qual psicografou, deixando o público alvo ciente que não se trata de uma obra original do autor enquanto vivo.
Contudo, por mais que inúmeros autores das obras psicografadas não tenham a preocupação com o direito autoral, nem sequer com a remuneração gerada pela mesma, é necessário que se reconheça que tais obras são protegidas, pois agregam também o nosso conhecimento cultural.
Por fim, deixamos claro que com essa breve pesquisa o nosso intuito não foi esgotar o assunto ou ditarmos um ponto final a esta peregrinação, mas sim contribuir para um melhor entendimento sobre o tema. Afinal de contas o crescer e a sabedoria são deslumbrantes, devendo estar em constante aperfeiçoamento. Deste mundo material não levamos nada, apenas o nosso saber.
REFERÊNCIAS
BITTAR, Carlos Alberto. DIREITO DE AUTOR. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 1994.
JUNIOR, Eliseu F. da Mota. DIREITO AUTORAL NA OBRA PSIOGRFADA. São Paulo, Franca. Editora Nova Era, 1999.
SOLTANOVICH, Renata. DIREITOS AUTORAIS E A TUTEL DE URGÊNCIA NA PROTEÇÃO DA OBRA PSIOGRAFADA. São Paulo: Leud, 2012.
SITES
BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de Fevereiro de 1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm. Acesso em: 08 de setembro de 2014.
BRASIL. Lei no 10.406, De 10 de Janeiro de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 08 de setembro de 2014.
{C}[6] Três etapas marcam a elaboração literária, q ue são o objeto, a ideia, a composição, a expressão. O escritor começa por conceber o tema de sua obra; então ele organiza a ideia principal das aventuras da intriga, se ele pretende escrever um romance ou uma peça de teatro, ou os argumentos se a sua intenção é produzir uma obra científica ou uma alegação;=: a composição, o plano será o fruto de seus esforços. A expressão será o desenvolvimento disso.
Esta análise tem, é verdade, o defeito de desmembrar a realidade, de separar, com a finalidade de análise, elementos que, de fato, são reunidos. Quando a obra está acabada, concebe-se a dissociação, à maneira de uma anatomia; mas durante a elaboração, as três etapas são associadas, assim como a respiração e a circulação do sangue contribuem para manter a existência física. Não se pode conceber a ideia sem a expressão adequada; no seu interior o plano não toma corpo sem o emprego de palavras apropriadas; em resumo, toda oração supõe uma coordenação, que se alcança pro uma composição de detalhe.
Entretanto, ele constrói a partir da experiência de levar em conta, desde a gênese das obras literárias, a sucessão dos três estágios. É enquanto os distinguindo que é possível tirar partido de critério, deduzir a originalidade para ajudar a reconhecer quais são os benefícios que solidificam o direito do autor. (1978, p. 32).
[7]{C} Não há como se negar que as obras psicografadas chegam ao conhecimento dos homens porque são criadas ou produzidas por transmissão por outro ser humano, assim sendo devem ser consideradas como obras humanas, independentemente de se acreditar ou não na possibilidade da autoria ser espiritual ou não – humano. (2009, p. 192 e segs).
{C}[8] No momento em que ele reconhece ser apenas a fonte do texto, eventuais direitos autorais poderiam ser exigidos pelos herdeiros daquele espírito indicado na obra, até porque há uma declaração pública do escritor que as ideias postas no livro não são suas. Esta declaração pública é no sentido de afirmação de que a obra é mediúnica. SOLTANOVITCH (2012, p. 32).
{C}[9] A lei não contempla a hipótese. No que, sem dúvida, anda com muito acerto: não se trata de uma sua lacuna, mas de uma omissão internacional, pois não é matéria de direito, e sim assunto de convicção íntima, de crer ou não crer. (1995, p. 287).
{C}[10] Desta vez, não tenho necessidade de mandar os originais de minha produção literária e determinada casa editora, obedecendo a dispositivos contratuais, ressalvando-se a minha estima sincera pelo meu grande amigo José Olympio. A lei já não cogita mais da minha existência, pois, do contrário, as atividades e os possíveis direitos dos mortos representariam séria ameaça à tranquilidade dos vivos.
Enquanto aí consumia o fosfato do cérebro para acudir aos imperativos do estômago, posso agora dar volume sem retribuição monetária. O médium está satisfeito com a sua vela singela, dentro de pauta evangélica do ‘dai de graça recebestes’ e a Federação Espírita Brasileira, instituição venerável que o Prefeito Pedro Ernesto reconheceu de utilidade pública, cuja livraria vai imprimir o meu pensamento, é sobejamente conhecida no Rio de Janeiro, pelas suas responsáveis finalidades sociais, pela sua assistência aos necessitados, pelo seu programa cristão, cheio de renúncias e abnegações santificadoras. SOLTANOVITCH apud XAVIER (1937, p. 04)
{C}[11] Outra questão particular nessa matéria é a da obra psicografada, que vem, com a evolução do espiritismo, formando literatura própria e com editoras especializadas. É a obra realizada por uma pessoa (médium) que a recebe de um espírito de luz, normalmente, transformada aquela em veículo material. Mas, como a questão envolve conotações metajurídicas e na comunicação da obra aparece o nome do elaborador material, a este compete o respectivo exercício, que, aliás, vem sendo efetivado, à generalidade, em prol de campanhas beneficentes promovidas pelas entidades espíritas, responsáveis quanto à publicação. (1994, p. 36).
{C}[12] Artigo 90: Tem o artista intérprete ou executante o direito exclusivo de, a título oneroso ou gratuito, autorizar ou proibir:
I - a fixação de suas interpretações ou execuções;
II - a reprodução, a execução pública e a locação das suas interpretações ou execuções fixadas;
III - a radiodifusão das suas interpretações ou execuções, fixadas ou não;
IV - a colocação à disposição do público de suas interpretações ou execuções, de maneira que qualquer pessoa a elas possa ter acesso, no tempo e no lugar que individualmente escolherem;
V - qualquer outra modalidade de utilização de suas interpretações ou execuções.
[13] Artigo 17. O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória.
[14]{C} Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
[15] Os direitos conexos são reconhecidos, no plano dos de autor, a determinadas categorias que auxiliam na criação ou na produção ou, ainda, na difusão da obra intelectual. São denominados direito ‘análogos’ aos de autor, ‘afins’, ‘vizinhos’, ou ainda, ‘parautorais’, também consagrados universalmente. BITTAR (1994, p. 152).
{C}[16] A indevida apropriação intelectual pela cópia que o agente faz de uma criação literária ou artística já existentes, tomando posse total ou parcial de obra alheia, de forma explícita ou implícita, dando a luz uma criatura espúria e dela assumindo a paternidade inexistente. (1999, p. 48).
{C}[17] Já sabemos que a essência criativa não é a ideia pura, que como tal é livre. Esta funcionará como tema: mas um tema pode ser milhares de vezes aproveitado sem haver plágio. Pode ser um tema histórico, um tema de ficção, como o de Romeu e Julieta, ou qualquer outro. O plágio só surge quando a própria estruturação ou apresentação do tema é aproveitada. Refere-se pois àquilo a que outros autores chama a composição, para distinguir quer da ideia quer da forma. (1992, p. 65-66).
{C}[18] Além do mais, o autor do livro indicado como sendo plágio de outro, precisa ter vivido as mesmas experiências e lido os mesmo livros do que o autor plagiado para ter o mesmo sentido, sentimento e ritmo nas palavras escritas. Pensando em obras psicografadas, o médium precisa ter um conhecimento literário digno de um perito sobre o tema abordado. (2012, p. 63).
{C}[19] Recebe a graças a uma faculdade especial, deveria divulga-la sem qualquer proveito financeiro, permitindo que seus resultados materiais pudessem ser dirigidos ao campo assistencial ou de difusão doutrinária, como faz o maior dos intérpretes do mundo incorpóreo nos nossos dias – Francisco Cândido Xavier. (s.d, p. 53-53).
[20]{C} Dinalva Pereira Franco, que fundou em Salvador, na Bahia a “Mansão do Caminho”, admirável entidade que há mais de quarenta anos vem acolhendo milhares de crianças carentes, as quais, se não fossem educadas naquela instituição, certamente não teriam como fugir a um destino incerto e muitas vezes cruel. Pois a maior parte dos recursos necessários ao sustento dessa obra assistencial resulta dos mais de cem livros psicografados por Dinalva Franco. MOTA JUNIOR (1999, p. 179).
{C}[21] Chico passou a ser o grande receptor das mensagens do autor de ‘Memórias’. O texto que abriu o desfile de tantas lições que colocou o escritor entre os mais lidos da literatura espírita tinha o título de ‘Palavra dos Mortos’ e serviu de introdução para o livro ‘Palavras do Infinito’, sendo que em 1937 a “Federação Espírita do Brasil”, com sede no Rio de Janeiro, lança um livro psicografado pelo médium Chico Xavier, o “Crônicas de Além-Túmulo”. Não era o primeiro, nem o segundo. Era o quarto de um série que, hoje, atende o total de doze livros. CAMPOS FILHO apud MOTA JUNIOR (1997, p. 174).
{C}[22] Sem querer entrar no exame do mérito literário dessas produções – obtidas, segundo versão espírita, por métodos “mediúnicos” – deseja a Suplicante que V. Excia., submetendo a hipótese – para sua elucidação – a todas as provas científicas possíveis, se digne declarar por sentença, se essa obra literária É OU NÃO DO “ESPÍRITO” DE HUMBERTO DE CAMPOS.
No caso negativo, se – além daapreensão dos exemplares em circulação – estão os responsáveis pela publicação:
{C}a) – passíveis da sanção penal prevista em artigos 185 e 196, do respectivo Código.
{C}b) – proibir de usar o nome de Humberto de Campos, em qualquer publicação literária.
{C}c) – sujeitos ao pagamento de perdas e danos, nos termos da Lei Civil.
No caso afirmativo, isto é, se puder ficar provado que a produção literária em apreço é do “Espírito de Humberto de Campos”, deverá V. Excia., “data vênia”, declarar:
{C}a) – se os direitos autorais pertencerão exclusivamente à Família de Humberto de Campos ou ao mundo espírita, representado, entre nós, pela Federação Espírita Brasileira; devendo, outrossim, ficarem definidos não só o caráter da intervenção do “médium” como os limites – sob o ponto de vista literário e econômico – da sua participação.
{C}b) – se, reconhecidos os direitos da Família de Humberto de Campos, poderão os titulares desses direitos dispor livremente dessa bagagem literária, sem quaisquer restrições, como dispõe da obra produzida ao tempo do desaparecimento do escritor.
{C}c) – se a Federação Espírita Brasileira e a Livraria Editora da mesma Federação estão passiveis das sanções previstas na Lei, pela publicação das obras referidas nos itens 2 e 3, sem prévia permissão da família do escritor. TIMPONI apud MOTA JUNIOR (1978, p. 12-13).
{C}[23]{C} “I — preliminarmente, a absolvição de instância sob o tríplice fundamento:
a) o petitório é ilícito e juridicamente impossível (art. 201, n.º III, do Cód.
de Proc. Civil);
b) a petição inicial é inepta (art. 160 e 201 n.º VI do Cód. de Proc. Civil);
c) a ação declaratória é imprópria (art. 2º § único do Cód. de Proc. Civil).
II — Caso, entretanto, na sua alta sabedoria, assim não houver por bem o ilustrado julgador, pedem, então, os R.R. que seja julgada improcedente a ação (se a condicionalidade do pedido o permitir . . .) para:
a) que, perante a lei civil, o autor da produção mediúnica é o único capaz
de autorizar a sua divulgação;
b) que os herdeiros somente poderão exercer direitos autorais sobre as obras, publicadas ou inéditas, que constituíam o patrimônio de Humberto de Campos ao tempo de sua morte;
c) que os R.R., consequentemente, não estão sujeitos às sanções legais relativas à ofensa aos direitos autorais.
III — Na hipótese negativa (trata-se meramente da consulta da petição inicial), ser declarado:
a) que os R.R. não são passíveis da sanção prevista nos arts. 185 e 196 do
Código Penal;
b) que a designação “ESPÍRITO DE HUMBERTO DE CAMPOS”, nas obras mediúnicas, não é defeso por lei, eis que não compromete o bom nome do escritor e não prejudica o patrimônio dos seus herdeiros;
c) que, em conclusão, não tendo os R.R. causado dano, a nenhuma reparação estão sujeitos” .TIMPONI apud MOTA JUNIOR (1978, p. 174-175).
{C}[24] Do exposto se conclui que, no caso vertente, não há nenhum interesse legítimo que dê lugar à ação proposta. Além disso, a ora intentada (ação declaratória) não tem por fim a simples declaração da existência ou inexistência de uma relação jurídica, nos termos do § único do artigo 2º do Código de Processo, e sim a declaração de existência ou não de um fato (se são ou não do 'espírito' de Humberto de Campos as obras referidas na inicial), do qual hipoteticamente, caso ocorra ou não, possam resultar relações jurídicas que a suplicante enuncia de modo alternativo. Assim formulada, a inicial constitui mera consulta; não contém nenhum pedido positivo, certo e determinado, sobre o qual a Justiça se deva manifestar. O Poder Judiciário não é órgão de consulta. Para que se provoque a sua jurisdição, o litigante, mesmo na ação declaratória, há de afirmar um fato que se propõe a provar e pedir que o Juiz declare a relação jurídica que desse fato se origina. A não ser que se peça a declaração de autenticidade ou falsidade de algum documento (caso em que o autor deve afirmar inicialmente, para provar, depois, se é falso ou verdadeiro o documento), o objeto da ação declaratória há de ser necessariamente a existência ou inexistência de uma certa relação jurídica e não do fato de que ela possa ou não se originar. Só afirmando um fato e a relação jurídica que dele deriva, poderá o autor vencer a ação ou dela decair.
Como observa, com razão, a contestação, a presente ação declaratória, tal como está formulada a conclusão inicial, jamais poderia ser julgada improcedente, se fosse admissível.
Isto posto, julgo a suplicante carecedora da ação proposta e a condeno nas custas. P. R. Rio de Janeiro, 23 de Agosto de 1944.
{C}a) João Frederico Mourão Russel. ORLANDO apud MOTA JUNIOR (s.d, p. 265-267).
{C}[25]{C} Inatacável, portanto, a conclusão admitida no despacho saneador de que no caso vertente não há nenhum interesse legítimo que dê lugar à ação proposta. Ainda mais: examinando o objeto da presente ação declaratória, acentua a decisão recorrida que a mesma não tem por fim a simples declaração de existência ou inexistência de uma relação jurídica, nos termos do parágrafo único do art. 2º do C.P.C., mas objetiva, segundo os itens formulados na inicial, a proposição de mera consulta, eis que a autora não afirma um fato e a relação jurídica que dele deriva, mas, ao contrário, pretende que a Justiça, submetendo a hipótese, isto é, a investigação sobre a produção de obras supostamente literárias atribuídas ao ‘espírito’ de Humberto de Campos — para sua elucidação — a todas as provas científicas possíveis, e, assim, declare a existência ou não de um fato do qual, num terreno hipotético, possam resultar relações jurídicas alternativamente enunciadas pela autora. De fato, a inicial, objetivando semelhante investigação, constitui mera consulta; não contém nenhum pedido positivo, certo e determinado a que a Justiça se deva cingir e sobre o qual se possa manifestar. Razão assiste, ainda, sob esse aspecto, ao ilustre Juiz, prolator da decisão recorrida, atentos os pressupostos, já ressaltados, da ação declaratória, a cujo ingresso em juízo se impõe a arguição de interesse legítimo inerente à existência ou inexistência de uma relação jurídica ou à declaração da autenticidade ou falsidade de documento. Ora, basta considerar o que vem exposto na inicial, visando o debate na tela do Poder Judiciário de questão cuja transcendência científica permanece envolta nas sombras de dúvidas até aqui intransponíveis ao conhecimento humano, como o incognoscível, nitidamente com o caráter de consulta, investigação e positivação, para o fim de ser admitida a existência ou não de determinado fato, de que resultaria a demonstração de ser ou não do ‘espírito’ de um grande escritor, falecido, incriminada publicação, para, desde logo, se concluir pela ilicitude do pedido da autora e, sobre ser assim, que esta não logrou enquadrar semelhante pedido nos pressupostos legais da ação declaratória a ponto de impor se conclua, inarredavelmente, pela impropriedade do meio judicial visado. Vem a propósito citar, nesse passo, a lição expedida por Torquato de Castro (Ação Declaratória), invocada pelos agravados, a folhas 334: ‘E por isso os escritores e várias leis processuais, entre as quais a nossa, referem-se a relações jurídicas como sendo o objetivo normal das declaratórias, no sentido de que tal expressão melhor define e delimita a matéria que é suscetível de proteção jurídica, nessa figura particular de ação.’ E, mais adequadamente, a opinião de Kisch que aquele escritor cita sobre as declaratórias positivas ou negativas: ‘Em ambos os casos, o objeto da demanda é uma relação jurídica. Não é possível demandar a declaração de que um fato é verdadeiro ou falso, nem mesmo no caso em que ele seja juridicamente relevante, isto é, que acarrete consigo consequências jurídicas para a parte. Ninguém pode pedir a declaração de que é maior de idade; ou de que se acha em juízo são; de que a mercadoria entregue é da mesma classe da amostra; ou de que o trabalho realizado foi executado de acordo com as regras da arte; ou de que tal ato tenha sido por ele praticado. Unicamente para um fato relevante permite a lei uma exceção — para a declaração da autenticidade ou falsidade de um recibo, um testamento, ou uma letra de Câmbio, embora estas qualidades dos documentos não sejam relações jurídicas.’ E em face do que fica exposto, é de ser confirmada a jurídica sentença agravada. Rio 3 de Novembro de 1944. — Edmundo de Oliveira Figueiredo, Presidente com voto. —– A.M. Ribeiro da Costa, Relator. TIMPONI apud MOTA JUNIOR (1978, p. 244-245).