Confesso, precisei ver a reportagem umas três ou quatro vezes para acreditar que o juiz federal Flávio de Souza, responsável por julgar o caso Eike Batista dava um “rolezinho” com o Porsche Cayenne que acabara de mandar apreender do empresário. Acreditou com todas as forças que ele, o magistrado, seria o depositário mais fiel que se poderia conseguir para cuidar do sofisticado automóvel. A patética, acintosa, absurda e desrespeitosa situação foi denominada pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) como “embaraçosa”. Embaraçosa! Ora, situação embaraçosa é quando digitamos no teclado do telefone “Carlinha” e o corretor de texto escreve “vaquinha”; é uma situação embaraçosa quando pedimos a conta no restaurante e percebemos que esquecemos a carteira em casa(...) O fato de um juiz ser flagrado dirigindo o carro de quem está julgando, é vergonhoso e impossível de explicar, denota profundo desdém do personagem em questão com a opinião pública; a certeza da impunidade e o enorme desrespeito aos seus pares e à carreira. Gritemos às autoridades que não se transforma o indecente em palatável.
Temos recebido bombardeio constante de notícias mostrando juízes extrapolando em suas funções, mandando prender porque chegou atrasado, embora o vôo em que iria embarcar estivesse no horário; porque foi parado em operação da Lei Seca, com automóvel sem documentos, se recusado a fazer o teste do bafômetro e até juiz que manda retirar o aplicativo de bate-papo que é moda em todo mundo, Whatsapp, do ar (...)
A lei Orgânica da magistratura (LOMAN) diz em seu artigo 35 “que o magistrado deve manter conduta irrepreensível na vida pública e particular”. Todavia, infelizmente, as últimas notícias demonstram exatamente o contrário. No mesmo artigo da lei dos Magistrados também diz que “o magistrado deve manter conduta irrepreensível na vida pública e particular”. O Código de Ética da Magistratura em seu artigo 19 determina: “Cumpre ao magistrado adotar as medidas necessárias para evitar que possa surgir qualquer dúvida razoável sobre a legitimidade de suas receitas e de sua situação econômico-patrimonial”. No Art. 37 está estampado que “Ao magistrado é vedado procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções.”
Bem, como dizia meu saudoso pai “triste é saber que o papel aceita tudo”. Ou seja, queremos ver a colocação de todas essas impecáveis previsões legais em prática. Se faz necessário abandonar a proteção institucional e cortar na própria carne em nome da descência para que não se coloque no mesmo balaio o probo e o indigno.
A verdade é que vivemos hoje a mãe de todas as crises: a ausência completa de perspectiva. As pessoas não acreditam mais que exista remota chance de mudança, de melhoria. Não acreditam nas instituições e por conta disto confundem a instituição com a pessoa que a representa, confundem juiz com juízo e com judiciário. Aliás, por questão de justiça, não somente o judiciário mas todas as instituições públicas carecem de moralização. A população já não suporta mais os desvios éticos, a corrupção e os desmandos em níveis jamais imaginados.
Para quem não sabe, os juízes gozam de prerrogativas constitucionais. Mas há que se deixar bem claro que o motivo dessas garantias existirem é para que possam exercer na plenitude suas funções com total liberdade e isenção, e, nem de longe, para agir como carapaça para desvios de conduta. Não se pode subverter a ordem. A função do julgador é de extrema importância e nobreza. Exatamente por isto, precisamos de juízes íntegros, conscienciosos, comprometidos em entregar à população algo que não seja menor do que ela merece.
Importante salientar que nos demais poderes, Executivo e Legislativo, não se fala em perpetuação no cargo, não existe a condição de vitaliciedade. Mais uma característica da funcão que demanda extrema necessidade de austeridade e retidão, porque além de toda a população, o Judiciário tem competência para julgar os membros dos outros poderes. Desta forma, dada a importância de suas atribuições, não se pode esperar outra postura que não seja a de punir exemplarmente quem traz lama à instituição. Não tenho a menor dúvida que esta prerrogativa, da forma como se apresenta, repercute de forma negativa e macula o que se espera da instituição, haja vista, ser fundamento que ampara a impossibilidade de punir com rigor arbitrariedades praticadas por maus juízes o que redunda no perdimento da credibilidade do próprio Poder Judiciário. A sociedade clama por meios de retirar do magistrado que comete crimes a garantia da vitaliciedade.
O instituto que nasceu para amparar juízes cumpridores de suas funções não pode servir de blindagem a quem anda às margens da Lei. Pois, o que se intentava no momento que foi instituído, era garantir aos magistrados a necessária liberdade de atuação fazendo com que passassem ao largo preocupações com quaisquer ingerências políticas. O que não se pode permitir, é que sob o manto da vitaliciedade descansem elementos inescrupulosos que desonrem a toga; os que cometem atrocidades de toda a sorte e ao final recebem como punição o afastamento de suas funções ou uma polpuda aposentadoria. Triste verdade, porque para que perca o cargo é necessário que haja senteça judicial com trânsito em julgado (aquela que não cabe mais recurso).
O que se sonha é que a Lei seja igual para todos e que todos sejam iguais perante a Lei, pois não há forma maior de alcançar a efetividade das Leis do que a certeza de que elas serão cumpridas, em todas as instâncias, por todas as pessoas e em toda plenitude, indistintamente.
A pior de todas as maldades institucionais é, sem a menor dúvida, a maldade implementada pelo poder Judiciário, porque contra esta não há a quem recorrer. Por sua importância, o judiciário precisa impor a este juiz reprimenda proporcional à ofensa que causou à instituição, aos juízes éticos e cumpridores de seus deveres, que aplicam a Lei com retidão e consciência, e, à maior prejudicada, a Sociedade. Esperamos, com toda veemência, que não seja a punição algo ridículo e que agrida ainda mais a coletividade, sob pena de rompimento do já desgastado e esgarçado tecido institucional.