Inicialmente, cabe esclarecer que a problemática posta em discussão neste artigo é relevante, tendo em vista que o artigo 47 da Lei Complementar - LC 123/2006, foi alterado pela LC 147, de 07 de agosto de 2014, passando a determinar que sejam concedidos, nas licitações públicas, tratamentos diferenciados e simplificados às microempresas - ME e empresas de pequeno porte - EPP, trazendo modificações substanciais no planejamento e na execução da licitação.
Destacam-se como inovações da LC 147/2014 a exigência de licitações exclusivas para ME e EPP nos itens de contratação cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), a possibilidade de subcontratação de ME e EPP na aquisição de obras e serviços e a exigência de se estabelecer, para aquisições de bens de natureza divisível, cota de até 25% (vinte e cinco por cento) para a contratação de ME e EPP.
A LC 147/2014 alterou, ainda, outros dispositivos da Lei Complementar 123/2006, e das leis 5.889/1973, 11.101/2005, 9.099/1995, 11.598/2007, 8.934/1994, 10.406/2002 e a 8.666/1993.
O artigo 47, da LC nº 123/2006, passou, com a alteração mencionada, a ter a seguinte redação, in verbis:
“Art. 47. Nas contratações públicas da administração direta e indireta, autárquica e fundacional, federal, estadual e municipal, deverá ser concedido tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte objetivando a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica.” (grifo meu)
Diante da dicção do referido artigo, emerge dúvida, no meio acadêmico, na doutrina, e nas execuções das licitações públicas sobre a aplicabilidade ou não deste dispositivo nas contratações púbicas no âmbito do Poder Judiciário e do Poder Legislativo.
No meu entender, ele não se aplica aos referidos Poderes pelas seguintes razões:
- O texto do artigo delimita de forma inequívoca a sua abrangência à Administração direta, indireta, autárquica e fundacional, excluindo-se o Poder Judiciário e o Poder Legislativo.
- A despeito de o artigo 1º, da LC 123/2006, incluir no âmbito de sua aplicação os Poderes da União, dos Estados, do DF e dos Municípios, prevalece-se neste conflito de regras a norma específica do artigo em epígrafe, a qual dá contornos mais definidos aos sujeitos passíveis de aplicarem o tratamento diferenciado e simplificado por ela proposta.
- Cotejando-se a nova redação com a redação anterior, verbis, verifica-se que, antes, previa-se a sua aplicabilidade às contratações públicas da União, dos Estados e dos Municípios, incluindo-se todos os Poderes. Com a sua alteração, demonstra-se clara vontade do legislador em especificar os Órgãos e Entidades competentes para promover as políticas públicas ali mencionadas.
“Art. 47. Nas contratações públicas da União, dos Estados e dos Municípios, poderá ser concedido tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte objetivando a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica, desde que previsto e regulamentado na legislação do respectivo ente.” (grifo meu)
- Ao se analisar os artigos 42 a 46, Seção I, das Aquisições Públicas, da LC 123/2006, observa-se que eles se aplicam às licitações de uma forma geral, abrangendo todos os Poderes, ao passo que o artigo 47 e seguintes inaugura uma hermenêutica restrita aos Órgãos e Entidades nele previstos, o que leva a crer que houve intencionalidade no delineamento dos sujeitos ora analisados.
- Percebe-se que a proposta da LC 147/2014, com esta alteração, é a de promover política pública de fomento e de inclusão das microempresas e empresas de pequeno porte, função típica do Poder Executivo e que, em princípio, contrasta com as funções institucionais do Poder Judiciário e do Poder Legislativo.
- O Princípio da Separação dos Poderes corrobora o entendimento de que o legislador não pretendeu atribuir ao Poder Judiciário e ao Poder Legislativo encargo que essencialmente cabe ao Poder Executivo.
- Por último, o Poder Executivo, dada a sua expertise na gestão administrativa e na condução das políticas públicas, tem todas as condições de avaliar o impacto das medidas adotadas, com o fim de promoção do desenvolvimento econômico, social e tecnológico, aspectos que compõe o “espírito” desta Lei Complementar. Os demais Poderes dificilmente teriam tal capacidade de controle e de avaliação.
Pelo exposto, identificam-se razões que nos levam a concluir pela não obrigatoriedade de aplicação do artigo 47 e dos subsequentes que dele dependam, da LC 123/2006, às contratações públicas do Poder Judiciário e do Poder Legislativo.
Não obstante a conclusão mencionada, pode ser defendida a tese de se recomendar a sua aplicação nas contratações dos Poderes Judiciário e Legislativo, com o fim de colaborar com a política de fomento do Poder Executivo e de maximizar os objetivos propostos no referido artigo, desde que tal medida não traga prejuízos aos órgãos promotores do procedimento licitatório.
Observa-se, por fim, que a aplicação do artigo 47, nas licitações públicas, por parte dos demais Poderes, não prejudicaria diretamente a missão institucional de cada um deles, haja vista que a sua execução se circunscreveria somente às atividades administrativas.