Proteção internacional e princípios norteadores do direito à informação

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Este artigo busca evidenciar que o direito à informação é um direito universal, já consagrado em outros países, delineando diretrizes ou princípios com a finalidade de estabelecer comparações na aplicação destes no ordenamento pátrio.

1          INTRODUÇÃO

Ao regulamentar o artigo 5º, inciso XXXIII da Constituição Federal, o Brasil, além de garantir ao cidadão o exercício do seu direito de acesso à informação, cumpre, também, o compromisso assumido pelo país ante a comunidade internacional em vários tratados e convenções, tais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto de Direitos Civis e Políticos e as Convenções Regionais de Direitos Humanos.  

Todavia, somente com a entrada em vigor, no dia 16 de maio de 2012, da Lei nº 12.527/11, sancionada em 18 de novembro de 2011, conhecida como a Lei de Acesso à Informação, é que efetivamente busca-se concretizar a garantia constitucional do acesso à informação no país.

O estudo da Lei de Acesso à Informação vai levar em consideração à pesquisa de ordenamentos jurídicos externos, pois o direito de acesso à informação é um direito universal, já consagrado em outros países, não se restringindo apenas ao Brasil. Assim, buscar subsídios nestas legislações é uma forma de estabelecer comparações e obter auxílio com as experiências já concretizadas, método assistencial para a interpretação e a aplicação dos mesmos princípios jurídicos porventura existentes no Brasil.

Os cidadãos bem informados têm melhores condições de promover os demais direitos essenciais, como saúde, educação e benefícios sociais. Destarte, o acesso à informação pública é cada vez mais reconhecido como um direito em várias partes do mundo. Cerca de noventa países possuem leis que regulam este direito.

2          PROTEÇÃO INTERNACIONAL AO DIREITO À INFORMAÇÃO

Diferentes documentos legislativos de direitos humanos ou universais que ergueram o direito a informação ao nível de direito universal, tendo este recebido reconhecimento internacional como direito fundamental.

A Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização dos Estados Americanos (OEA), o Conselho da Europa e da União Africana, além de outros respeitáveis organismos internacionais responsáveis pela proteção dos direitos humanos, acolheram o direito fundamental de acesso à informação sob a guarda do Estado, além de reconhecerem a importância de uma regulamentação efetiva que assegure sua concretização.

Atualmente, mais de noventa países adotaram legislações específicas para regular o exercício do direito de acesso a informações públicas. A primeira nação a legalmente positivar sobre o direito de acesso foi a da Suécia, em 1766. Entretanto, a inclusão de tal direito entre as liberdades garantidas nas constituições, assim como a adoção de legislação específica que materialize este direito, somente vem acontecendo nos anos recentes. Em países como Bulgária, Estônia, Polônia, Romênia e África do Sul, que há raro tempo transitaram para a democracia, o direito de acesso a informações públicas foi consolidado em suas Constituições. Já na América Latina, grande parte dos países, tais como Chile, Colômbia, Equador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Peru, República Dominicana, Uruguai e Brasil, possuem leis específicas de acesso à informação.

Assim, pode-se afirmar que a sociedade internacional vem, por meio de tratados, declarações, pactos, ou nas suas próprias constituições ou leis, impondo barreiras à atuação do Estado, privando-o de, arbitrariamente, cercear ou restringir as liberdades de seus cidadãos, pois tais documentos efetivam a garantia do acesso à informação. Nesse sentido, o Estado deveria não apenas fornecer informações quando exigidas, mas também ter a iniciativa de produzir e divulgar as informações de interesse público que estão em seu poder, desenvolvendo uma política de acesso à informação.

A Organização das Nações Unidas (ONU), em 1946, foi uma das primeiras organizações internacionais a reconhecer a liberdade de informação como um direito fundamental quando, durante sua primeira sessão, adotou a Resolução 59[1].

Dois anos mais tarde, o Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), adotada pela ONU, consolidou o direito a liberdade de expressão e informação como direito a ser erguido e efetivado sem limitações geográficas, ampliando ainda mais seu reconhecimento:

Artigo 19, DUDH - “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.

Em 1966, a XXI Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas adotou o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (ICCPR), um tratado com força de lei, tendo este sido ratificado por 160 Estados em julho de 2007. O ICCPR reafirmou, em seu Artigo 19[2], o direito a liberdade de opinião e expressão de maneira similar à Declaração Universal de Direitos Humanos.

Importante ressaltar que tais instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos não pronunciavam, especificamente, um direito à informação. Ou seja, as garantias gerais de liberdade de expressão, naquela ocasião em que foram abraçadas, não eram entendidas como abrangendo o direito de acesso à informação mantida por órgãos públicos.

Todavia, o direito é dinâmico e está sempre dentro de um processo de contínua transformação, cuja interpretação precisa adaptar-se à evolução dos tempos. Assim, os mencionados instrumentos internacionais de direitos humanos já possuíam essa visão de longo alcance e, assim, não restringiram o âmbito da garantia de liberdade de expressão, fundamento primordial que, com passar dos anos, abarcou a proteção do acesso à informação sob o controle de órgãos públicos.

Nesse contexto, a Organização dos Estados Americanos (OEA), desde a sua fundação, em 1948, protege as liberdades de pesquisa, opinião e expressão, mas somente reconheceu formalmente o direito de acesso à informação quando, em 1969, na sua Série sobre Tratados nº 36, adotou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, um tratado com força de lei que prevê a liberdade de expressão em seu Artigo 13. No ano 1994, reuniu-se um conjunto de princípios que debate a garantia da liberdade de expressão positivada no Artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, tendo essa carta de princípios sido denominada ‘Declaração de Chapultepec’. Tal Declaração vem ganhando prestígio em muitos países continente americano, sendo referência na proteção da liberdade de expressão, pois inseriu, expressamente, o direito de acesso à informação detida pelos órgãos públicos, adotando o direito à informação como direito fundamental:

“I – Não há pessoas nem sociedades livres sem liberdade de expressão e de imprensa. O exercício dessa não é uma concessão das autoridades, é um direito inalienável do povo.

II – Toda pessoa tem o direito de buscar e receber informação, expressar opiniões e divulgá-las livremente. Ninguém pode restringir ou negar esses direitos.

III – As autoridades devem estar legalmente obrigadas a pôr à disposição dos cidadãos, de forma oportuna e eqüitativa, a informação gerada pelo setor público. Nenhum jornalista poderá ser compelido a revelar suas fontes de informação.” [3]

Importante ressaltar que, em 19 de setembro de 2006, a Corte Interamericana de Direitos Humanos proferiu decisão no sentido de que a garantia geral da liberdade de expressão do Artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos protege o direito de acesso à informação sob guarda dos órgãos públicos. Em termos específicos, a Corte afirmou:

“77. Com respeito aos fatos do caso em pauta, a Corte considera que o Artigo 13 da Convenção, ao garantir expressamente os direitos de “buscar” e “receber” “informações”, protege o direito de toda pessoa de solicitar acesso à informação sob o controle do Estado, com as exceções reconhecidas segundo o regime de restrições da Convenção. Consequentemente, o referido artigo abrange o direito dos indivíduos de receber as referidas informações e a obrigação positiva do Estado de fornecê-las de modo que a pessoa possa acessar a fim de conhecê-las ou receber uma resposta motivada quando, por razão reconhecida pela Convenção, o Estado possa limitar o acesso a ela neste caso em particular. As informações devem ser fornecidas sem necessidade de se provar interesse direto ou envolvimento pessoal a fim de obtê-las, exceto nos casos em que uma restrição legítima se aplique”. [4]

No referido caso, a Corte entendeu, por unanimidade, que o Estado reclamado, o Chile, havia infringido o direito de liberdade de expressão, garantido pelo Artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Igualmente, a Corte decidiu que o Chile não somente fornecesse as informações para as vítimas e as indenizasse, mas também adotasse as medidas necessárias por meio de legislação nacional para efetivar o direito a informação e, inclusive, capacitasse os servidores públicos para a efetivação desse direito.

Outro texto relevante é o contido na Declaração Interamericana de Princípios da Liberdade de Expressão, que é considerada, nos dias atuais, o documento oficial mais completo sobre a liberdade de expressão no sistema interamericano, dispondo que o acesso à informação mantida pelo Estado constitui um direito fundamental de todo indivíduo e os Estados têm obrigações de garantir o pleno exercício desse direito, como pode ser verificado em seu preâmbulo[5] e em seus princípios[6].

Nos últimos anos a Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos vem, assiduamente, perpetrando novas resoluções sobre a garantia do acesso à informação pública. Estas resoluções destacam o dever dos Estados de concretizar e respeitar o acesso à informação de posse do poder público, demonstrando a importância dessa garantia para o exercício da democracia.

Mais um relevante organismo internacional que busca resguardar os direitos humanos é o Conselho da Europa, uma organização intergovernamental que, hoje, abrange 47 Estados-membros. O Conselho da Europa adotou, em 04 de novembro de 1950, a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais (ECHR), que entrou em vigor apenas em 1953. Tal documento tem por objetivo proteger os direitos humanos e as liberdades fundamentais, permitindo um controle judiciário do respeito desses direitos individuais. O seu Artigo 10 mostra uma pequena alteração em relação às garantias constantes dos Artigos 19 da DUDH e do ICCPR, e do Artigo 13 da CADH, posto que utilize o termo “receber e transmitir[7]” em substituição ao direito de “buscar” a informação.

Além disso, em dezembro de 2000 a União Européia formalmente adotou a Carta de Direitos Fundamentais, documento político que menciona os direitos humanos perante os quais os seus 27 Estados-membros têm compromisso. O Artigo 42[8] da Carta regulamenta o direito de acesso a documentos mantidos pelas instituições da União Européia. Em Dezembro de 2009, com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa[9], a Carta foi investida de efeito jurídico vinculativo, de forma semelhante aos demais tratados, tendo sido alterada e proclamada pela segunda vez em dezembro de 2007. A Carta resulta das tradições constitucionais comuns aos países da União Européia e o reconhecimento do direito a informação nesse documento indica que essa garantia foi ampliada, sendo um direito fundamental a ser respeitado por todos os Estados da União Européia.

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Já na União Africana os episódios atinentes ao direito à informação são mais remotos. Contudo, em outubro de 2002 a Comissão Africana sobre Direitos Humanos e dos Povos adotou uma Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão na África. Conforme seu próprio preâmbulo, essa Declaração reitera a garantia de liberdade de expressão constante do Artigo 9 da Carta Africana sobre Direitos Humanos e dos Povos[10], e expressamente defende o direito de acesso à informação detida por órgãos públicos, ditando inclusive princípios que regem tal garantia:

IV Liberdade de Informação

1. (...)

2. O direito à informação será garantido por lei e de acordo com os seguintes princípios

- todos têm o direito de aceder a informação na posse de órgãos públicos;

- todos têm o direito de aceder a informação na posse de órgãos privados, o que é necessário para o exercício ou protecção de qualquer direito;

- qualquer recusa de revelar informação será sujeita a recurso junto de um órgão independente e/ou dos tribunais;

- aos órgãos públicos será exigido que, mesmo na ausência de um pedido, publiquem activamente informação importante de significativo interesse público;

- ninguém será objecto de qualquer sanção por revelar, em boa fé, informação sobre infracções ou de informação que pudesse revelar uma séria ameaça à saúde, à segurança ou ao ambiente, salvo em casos nos quais a imposição de sanções serve um interesse legítimo e é necessária numa sociedade democrática; e

- as leis de secretismo serão emendadas conforme necessário de modo a cumprirem com os princípios de liberdade de informação. [11]

Pode-se concluir, portanto, que o direito internacional reconhece a garantia de acesso à informação em posse de órgãos públicos como um direito fundamental. Além disso, essa garantia internacional do direito à informação estabelece uma presunção geral em favor da divulgação de informações mantidas por órgãos públicos, no sentido de que não apenas os Estados devam garantir o direito à informação, mas também que sistemas eficientes devam ser criados para concretizá-lo.

3          PRINCÍPIOS NORTEADORES DO ACESSO À INFORMAÇÃO

A regulamentação de uma lei específica sobre a garantia do direito de acesso à informação foi debatida e aconselhada por organizações internacionais como a ONU, OEA e Organização para Segurança e Cooperação na Europa.

Tais organizações internacionais chegaram à conclusão de que o direito de acessar informações que estão em posse da Administração Pública é um direito tão relevante que foi elevado para o nível de direito fundamental, o qual, entendem tais organizações, deve ser efetivado na esfera nacional de cada Estado através da elaboração de uma legislação abrangente, fundamentada na ideia da máxima abertura, estabelecendo a premissa de que toda informação é acessível, podendo haver apenas restritas exceções.

As diretrizes ou princípios a seguir analisados foram formulados pelo ARTIGO 19[12], que com a finalidade de contribuir com as discussões sobre o conteúdo e extensão do direito de acesso a informações públicas e a maneira de sua regulação.

Tais princípios foram redigidos com base em leis e padrões internacionais e na legislação comparada, assim como em extensivas consultas aos especialistas no tema. Este item é organizado em torno de nove princípios primários apresentados no Direito do Público a Estar Informado.

3.1       Princípio da Máxima Divulgação

Um princípio fundamental que conduz o direito a informação é o princípio da divulgação máxima. Este princípio estabelece a premissa de que toda informação mantida por organismos públicos deve estar sujeita à divulgação e que essa premissa só pode ser superada em circunstâncias muito restritas.

Esse princípio basilar é a própria essência do acesso à informação e fundamenta o próprio conceito de liberdade de informação o qual, na verdade, deveria estar expresso na Constituição de cada país, buscando delimitar claramente a definição do acesso à informação e o reconhecendo como um direito fundamental.

Nessa circunstância, o objetivo primordial da legislação infraconstitucional seria apenas regulamentar a forma de se aplicar a máxima divulgação na prática, instituindo os procedimentos, prazos e responsabilidades.

A informação detida pelo Estado é sempre pública, devendo o acesso a ela ser restringido apenas em casos peculiares. Isto significa que a informação produzida, guardada, organizada e gerenciada pelo Estado em nome da sociedade é um bem público. O acesso a essa informação constitui-se em um dos fundamentos para consolidação da democracia.

Assim, os órgãos públicos têm o dever de divulgar a informação, um bem público que todo cidadão tem o direito de conhecer e ter acesso. Portanto, o exercício desse direito não deve estar sujeito à demonstração de interesse específico na informação.

3.2       Princípio da Obrigação de Publicar

Para a liberdade de informação ser devidamente concretizada necessita-se não só que os organismos públicos forneçam informações que lhes sejam solicitadas, mas também que publiquem e divulguem, de maneira voluntária e pró-ativa, documentos e informações de essencial e significativo interesse público.

Por iniciativa própria o Estado deve divulgar informações com a finalidade de assegurar a transparência da administração pública e a participação bem informada da população, dando plena condição ao cidadão de combater a corrupção e de participar mais ativamente dos assuntos políticos.

A obrigação de publicar depende de algumas limitações, tais como limites de recursos. Entretanto, tal obstáculo deve diminuir no decorrer do tempo, pois as novas tecnologias ajudarão na implementação de sistemas que irão aumentar a quantidade de informações diariamente disponibilizadas.

A lista de informações públicas com as informações que deveriam ser publicadas dependerá de cada organismo público. A legislação tem o dever de regulamentar a obrigação geral de publicar e, especificamente, quais as categorias essenciais de informação que devem ser publicadas.

3.3       Promoção de um Governo Aberto

O acesso à informação depende, inevitavelmente, de uma mudança na cultura enraizada de sigilo na esfera do governo. Informar os cidadãos sobre os seus direitos e promover a abertura do governo são aspectos essenciais para que os fins de uma legislação de acesso à informação sejam alcançados. A experiência em vários países demonstra que um serviço público descomprometido com práticas de transparência pode seriamente prejudicar a mais progressiva das legislações.

Por este motivo, as atividades de promoção como a publicação e distribuição de um guia informativo sobre como fazer um requerimento de informações, o estabelecimento de penalidades para aqueles que restringirem o acesso à informação e a boa gestão de documentos oficiais são elementos eficazes em um regime de liberdade de informação. A legislação deve exigir que recursos e atenção adequados fossem destinados à promoção dos objetivos e finalidades da lei.

3.4       Limitação da Abrangência das Exceções

As exceções ao direito de informação devem ser excepcionais e, obviamente, devem ser previamente definidas em lei de maneira clara, pois os interesses legítimos de sigilo também necessitam de consideração.

No caso de recusa de acesso à informação por uma autoridade pública, essa deve motivar sua decisão, de maneira à claramente fundamentar a razão da negação. Assim, a autoridade pública deve demonstrar que a informação, cuja divulgação pretende impedir, encontra-se abrangida pelo âmbito de um limitado grupo de exceções.

A rejeição da divulgação da informação somente será justificada se a autoridade pública puder comprovar que, naquele caso concreto, tal recusa respeita o ‘teste de três fases’, uma criação da jurisprudência internacional. Esse teste objetiva ponderar, em cada caso concreto, a relação custo (dano) e benefício (interesse público) na divulgação de uma dada informação.

De acordo com esse teste tripartite, pode ser considerada uma informação legítima de sigilo, ou seja, uma exceção ao acesso à informação quando, em um dado caso concreto, existirem as seguintes condições: a informação requerida relaciona-se a um dos objetivos legítimos para restrição do acesso à informação, ou seja, no caso de previsão legal; a divulgação daquela informação específica poderá efetivamente causar graves danos a tais objetivos; e o prejuízo ao objetivo em questão deve ser maior do que o interesse público na liberação da informação específica.

Importante ressaltar que as limitações do acesso à informação pública são excepcionais e que a legislação deve regulamentar de forma clara tais limitações, estabelecendo que as recusas devam ser justificadas por escrito pela autoridade pública. Além disso, destaca-se que as restrições que tem por finalidade resguardar o Estado de situações de embaraço ou da divulgação de ilegalidades ou irregularidades, não deverão ser consideradas legítimas ou justificáveis pela legislação.

3.5       Procedimentos que Facilitem o Acesso

Para que o direito de acesso à informação se concretize, é necessário que os requerimentos de informação sejam processados rapidamente e com imparcialidade, além de haver meios para o requerente demandar a revisão independente de qualquer recusa de informação pela autoridade pública.

O processo decisório sobre o requerimento de informação deve dar-se em três etapas distintas: na esfera do próprio órgão público ao qual a informação foi solicitada; em sede de recurso a um órgão administrativo independente; e no âmbito dos tribunais.

É imprescindível que o governo adote determinadas providências para garantir a certos grupos específicos da população, como os analfabetos e os portadores de necessidades especiais, uma efetiva acessibilidade às informações. Os órgãos públicos devem estar equipados com sistemas internos de informação abertos e acessíveis e possuírem servidores públicos preparados que garantam o acesso dos cidadãos aos dados e informações daquele órgão.

Relevante aduzir que as informações já publicadas de forma acessível não devem ser alvo de novas solicitações e, caso contrário, o Estado não estará obrigado a prestá-las novamente, devendo apenas indicar quando e onde essa publicação foi realizada. Ademais, o Estado também pode recusar-se a fornecer informações consideradas fúteis ou vexatórias, devendo sempre justificar seu posicionamento.

Em todos os casos, a lei deve estipular prazos curtos para o processamento das solicitações.

3.6       Princípio da Modicidade

O custo para o acesso à informação pública não pode ser alto por uma questão óbvia: a cobrança de taxas elevadas ou excessivas é um obstáculo à materialização da garantia de acesso à informação sob guarda dos órgãos públicos, contrapondo-se essa cobrança ao próprio sentido do direito, sendo um contrassenso contra o fundamento da liberdade de informação, que é exatamente a promoção do acesso aberto à informação.

Os elevados custos vão ao encontro dessa garantia porquanto desestimulam potenciais pedidos de informação. Assim, o serviço de consulta e fornecimento de informação deve ser gratuito, exceto nos casos de reprodução de documentos pelo órgão público consultado, circunstância em que poderá ser cobrado exclusivamente o valor necessário ao ressarcimento do custo dos serviços e dos materiais utilizados, nunca excedendo os custos efetivos havidos.

Apesar disse princípio, distintas são as legislações dos países quanto os custos. Em alguns ordenamentos estão ajustadas taxas mais altas às solicitações comerciais com a finalidade de subsidiar as solicitações de interesse público.

3.7       Reuniões Abertas

Tal princípio traz a noção de que a garantia de informação compreende, além das informações registradas pelos órgãos públicos, as reuniões destes. Assim, o direito informação pública incluiria, também, o direito do cidadão de participar das reuniões públicas, não havendo distinção entre as informações devidamente registradas ou as conduzidas oralmente durante uma reunião pública.

Por conseguinte, o ordenamento jurídico deveria dispor sobre a necessidade de aviso prévio e adequado das reuniões públicas, garantindo a presença voluntária da população.

Assim, as reuniões somente poderiam ser fechadas em casos bastante específicos, respeitando as exceções regulamentadas pela lei ou quando existirem razões relevantes para fazê-lo.

Observa-se, entretanto, que são poucos os casos de leis de acesso à informação que dispõem sobre a abertura das reuniões dos órgãos públicos.

3.8       A Divulgação tem Primazia

De acordo com esse princípio, as leis que são incoerentes com o princípio de máxima divulgação devem ser alteradas ou revogadas. Para isso, os Estados deveriam comprometer-se a rever todas as leis que limitam a divulgação de informações, buscando harmonizá-las com a cultura do acesso à informação.

Mais imediatamente, deveria o Estado determinar que os preceitos legais de acesso à informação prevalecessem sobre as leis de sigilo, havendo uma interpretação restritiva das exceções ao direito de informação. Na impossibilidade desse caso, a legislação que trate do sigilo ao público deve respeitar os princípios básicos da lei de acesso à informação. Assim, as exceções previstas nessa lei de acesso devem ser específicas e claras, de modo a não ser mais admitida a criação de outras leis que acrescentem novas exceções.

3.9       Proteção de Denunciantes

O indivíduo que divulga informações sobre atos ilícitos, ações impróprias e irregularidades deve ser protegido de qualquer sanção legal, administrativa ou empregatícia.

As expressões “ações impróprias e irregularidades”, na perspectiva deste princípio, compreendem ações criminosas, não cumprimento de obrigações legais, erro judicial, corrupção ou desonestidade ou graves prevaricações relacionadas a um órgão público. Abrangem, ainda, ameaças graves contra a saúde e segurança públicas ou ao meio ambiente, estejam ou não estas ameaças ligadas a ações individuais ilegais.

Os denunciantes devem se beneficiar de proteção desde que tenham atuado em boa fé e na crença de que a informação era substancialmente verdadeira e de que divulgava provas de irregularidades. Tal proteção deve ser aplicada mesmo quando a divulgação constitua transgressão de exigências legais ou laborais.

4          CONCLUSÃO

O direito de acesso a informações públicas, insculpido no art. 5º, XXXIII, da Constituição Federal de 1988, vem sendo amplamente discutido, ante ao fortalecimento paulatino da ideia de que tal acesso constitui-se em um dos fundamentos da democracia, ao aprimorar a capacidade dos indivíduos de participar de modo efetivo da tomada de decisões que os afetam.

Durante um grande lapso temporal a legislação nacional acerca do assunto foi extremamente fraca, tratando do tema de modo muito superficial. Em 18 de novembro de 2011 foi sancionada a Lei nº 12.527, que começou a vigor em maio de 2012, regulamentando o acesso a informações públicas. A regulamentação da Lei representou um grande avanço, pois o livre acesso das pessoas aos atos do governo é um dos princípios republicanos básicos na construção de uma nação. O documento e a informação produzidos pelo agente público, pelo governante ou pelo político, não pertencem a ele nem ao Estado, mas sim ao cidadão. Daí a importância desta Lei, que trouxe diversos mecanismos para a efetivação do direito de acesso à informação pública.

Em diversos países já existia regulamentação mais ampla e profunda, bem como em tratados e convenções de organismos internacionais. A análise do direito estrangeiro permite verificar se a Lei nº 12.527 correspondente ao que deve, de fato, ser observado para a efetivação do acesso à informação, estando de acordo com o regime de princípios ou diretrizes para uma legislação sobre acesso à informação.

Assim, verificou-ser quais são as características do direito de acesso à informação em organismos de âmbito supranacional, analisando em seguida que a Lei nº 12.527 reúne todas essas características de abertura do governo.

A nova Lei de Acesso à Informação é só um passo de todo um processo de formação de uma política de acesso à informação que começa a se desenhar no cenário nacional por clara influência dos organismos internacionais. Entretanto, a criação de uma legislação é apenas uma etapa na construção de uma política de transparência no país. A norma deve ser transformada em ações e fatos, pelo Executivo e demais poderes, para sua efetivação, possibilitando maior conhecimento da população sobre os atos do governo.

Somente no decorrer da implementação da política de acesso é que se verá até que ponto os órgãos abrangidos pela Lei de Acesso à Informação conseguirão traduzir e interpretar os princípios e normas legais em condições efetivas de acesso do cidadão às informações governamentais.

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[1] “A liberdade de informação constitui um direito humano fundamental e […] a pedra de toque de todas as liberdades a que se dedica a ONU” – Resolução da Assembleia Geral da ONU 59, 14 de dezembro de 1946.

[2] Artigo 19, ICCPR - “Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza (...)”.

[3] MARCÍLIO, Maria Luiza. Declaração de Chapultepec -1994. Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-n%C3%A3o-Inseridos-nas-Delibera%C3%A7%C3%B5es-da-ONU/declaracao-de-chapultepec-1994.html. Acesso em: 09/07/2012.

[4] Order of the Inter-American Court of Human Rights. Case of Claude-Reyes et al. v. Chile. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_151_ing.doc. Acesso em: 09/07/2012.

[5] “CONVENCIDO de que a garantia do direito de acesso à informação mantida pelo Estado assegurará maior transparência e prestação de contas das atividades do governo e o fortalecimento das instituições democráticas; (...)”.

[6] Princípio 4 – “O acesso à informação mantida pelo Estado constitui um direito fundamental de todo indivíduo. Os Estados têm obrigações de garantir o pleno exercício desse direito. Esse princípio permite somente limitações excepcionais que precisam ser definidas previamente por lei na eventualidade de um perigo real e iminente que ameace a segurança nacional das sociedades democráticas”.

[7] Artigo 10, ECHR - Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. (...)”.

[8] Artigo 47, Carta de Direito Fundamentais – “Qualquer cidadão ou cidadã da União, e qualquer pessoa física ou jurídica residente ou com sede em um Estado-membro, tem direito de acesso aos documentos do Parlamento, do Conselho e da Comissão Europeus”.

[9] Artigo 6 do Tratado de Lisboa.

[10] Artigo 9  da Carta Africana sobre Direitos Humanos e dos Povos – “1. Todas as pessoas têm direito à informação. 2. Todas as pessoas têm direito de exprimir e de divulgar as suas opiniões dentro das leis e dos regulamentos.”

[11] Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão em África. Adotada pela Comissão Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, reunida na sua 32ª Sessão Ordinária, em Banjul, Gâmbia, de 17 a 23 de Outubro de 2002. Disponível em: library.fes.de/pdf-files/bueros/.../upd11_05princip_liberdade.pdf. Acesso em: 09/07/2012.

[12] ARTIGO 19. Disponível em: http://artigo19.org/wp-content/uploads/2012/09/Panfleto-princ%C3%ADpiosFINAL.pdf. Acesso em: 09/07/2012.

Sobre a autora
Sammara Costa Pinheiro Guerra de Araújo

Professora Substituta da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte - UERN. Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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