Editada há mais de um ano e em vigor desde 29 de janeiro de 2014, a Lei Anticorrupção – Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013 – foi regulamentada e publicada no Diário Oficial da União desta quinta-feira1. A medida é considerada por alguns como uma resposta às manifestações que ocorreram no País recentemente.
A regulamentação era esperada, uma vez que o inc. VIII do art. 7º da referida Lei dispôs que, para a aplicação das punições, deve-se levar em consideração “a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica”.
O Decreto regulamenta diversos aspectos da Lei, tais como: critérios para o cálculo da multa; parâmetros para avaliação de programas de compliance; regras para a celebração dos acordos de leniência; e disposições sobre os cadastros nacionais de empresas punidas.
A Lei confere à Controladoria-Geral da União – CGU competência exclusiva para instaurar, apurar e julgar atos lesivos à administração pública nacional e estrangeira, bem como para avocar processos para exame de regularidade ou correção de andamento. A comissão do processo administrativo de responsabilização será composta por dois servidores efetivos, que terão prazo de até 180 dias – prorrogáveis – para conclusão do processo. Também será de competência do Ministro-chefe da CGU expedir orientações e procedimentos complementares para a execução do Decreto.
A partir da regulamentação, ficam estabelecidos os mecanismos e procedimentos de integridade, auditoria, aplicação de códigos de ética e conduta e incentivos de denúncia de irregularidades que devem ser adotados pela empresa e monitorados pela CGU. Conforme consta do Decreto, o programa de integridade deve ser estruturado, aplicado e atualizado de acordo com as características e riscos atuais das atividades de cada pessoa jurídica, a qual, por sua vez, deve garantir o constante aprimoramento e adaptação do referido programa.2
A apuração da responsabilidade administrativa de pessoa jurídica será efetuada por meio de Processo Administrativo de Responsabilização – PAR. Terá competência para a instauração e para o julgamento do PAR a autoridade máxima da entidade em face da qual foi praticado o ato lesivo, ou, em caso de órgão da administração direta, do seu Ministro de Estado.
Destaca-se, na norma, que a autoridade, ao tomar ciência da possível ocorrência de ato lesivo à administração pública federal, decidirá – ou seja, ato discricionário – pela abertura de investigação preliminar, instauração de PAR ou pelo arquivamento da matéria. É importante que esta autoridade esteja observando o princípio do in dubio pro societate.
O princípio é considerado injusto por alguns por impor medidas persecutórias pelos órgãos de controle. Nesse sentido, cabe ressaltar que deve prevalecer também a razoabilidade e proporcionalidade nas investigações.
O referido princípio é muito conhecido no Direito Penal; todavia, é uma técnica utilizada com frequência para resolução de dúvida em Processos Administrativos Disciplinares na Administração Pública nos quais pressupõe-se a culpabilidade do agente até prova em contrário.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça posicionou-se conforme transcrito a seguir:
Improbidade Administrativa – prova emprestada – in dubio pro societate
[...] A decisão que recebe a inicial da ação de improbidade deve conter fundamentação, ainda que de maneira concisa. Nessa fase processual, prevalece o princípio do in dubio pro societate, não se exigindo do magistrado uma cognição exauriente.3
Indícios suficientes para o recebimento da petição inicial – revolvimento de matéria fática
[...] Ademais, destaca-se que o Superior Tribunal de Justiça tem firme posicionamento no sentido de que, existindo indícios de cometimento de atos enquadrados na Lei de Improbidade Administrativa, a petição inicial deve ser recebida, ainda que fundamentadamente, pois, na fase inicial prevista no art. 17, §§ 7º, 8º e 9º, da Lei n.8.429/92, vale o princípio do in dubio pro societate, a fim de possibilitar o maior resguardo do interesse público.4
A luta contra a corrupção e a improbidade administrativa ainda está longe de findar. O que se espera com esse Decreto é que prevaleça o interesse público sobre o privado. O combate à impunidade deve começar não só pelos altos cargos do serviço público, mas sim com o posicionamento correto do cidadão diante da possibilidade de prática de qualquer ato ilícito.
1 PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Decreto nº 8.420, de 18 de fevereiro de 2015. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 19 mar. 2015. Seção 1, p. 03-06.
2STUCKERT, Roberto Filho. Lei Anticorrupção é regulamentada. Portal CGU. Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/noticias/2015/03/lei-anticorrupcao-e-regulamentada>. Acesso em: 19 mar. 2015.
3SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial nº 1.190.244/RJ. Relator: Ministro Castro Meira. Julgado em: 05/05/2011.
4 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Agravo Regimento no Agravo no Recurso Especial nº 3.030/MS. Relator: Ministro Mauro Campbell Marques. Julgado em: 03/05/2011.