Breves considerações acerca dos crimes da Lei de drogas

20/03/2015 às 14:36
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Curta análise sobre os crimes previstos na lei 11.343, trazendo alguns posicionamentos recentes dos tribunais superiores.

Lei 11.343 - Lei de drogas

Legislação

  1. Lei 6368/76 – é a antiga lei de drogas
  2. Lei 10.409/02 – essa lei tratou tanto dos crimes quanto dos procedimentos especiais. Ocorre que na parte dos crimes teve um veto. Então, só se aplica com relação aos procedimentos.
  3. Lei 11.343/06 – temos tanto a parte de crime quanto a parte de procedimento especial. Essa lei revogou as duas leis anteriores.

Droga

Definição – artigo 1ª, parágrafo único da lei 11.343 – substâncias ou produtos capazes de causar dependência. O art. 66 complementa o artigo 1ª.

Essas substâncias são previstas na portaria SVS/MS 344/98

*Produtos sob controle especial também são considerados droga.

Lei penal em branco – é aquela em que o preceito primário é incompleto, necessitando de outra norma para que possa haver a aplicação do tipo. Quando outra norma é criada por uma instância legislativa diversa daquela que criou a lei penal, tal como o poder executivo, temos uma lei penal em branco própria/heterogênea em sentido estrito.

Perícia – é dispensável a realização de exame pericial para constatar que as substâncias constantes da lista podem causar dependência. A perícia serve para constatar que aquele material é droga e não que cause dependência. HC 139667 STJ.

”IV - A simples verificação de que as substâncias prescritas pelo paciente encontram-se elencadas na Portaria nº 344/98 da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde (SVS/MS) na lista C1, que trata das substâncias sujeitas a controle especial, é suficiente para a sua caracterização como droga, sendo prescindível a realização de exame pericial para a constatação de que tais substâncias, efetivamente, causam dependência. O exame pericial será necessário para que outros dados (v.g.: natureza e quantidade da substância apreendida, potencialidade tóxica, etc), que não a possibilidade de causar dependência, sejam aferidos, porquanto esse último ponto já é respondido a partir da previsão da substância nas listas mencionadas”

Art. 28 – Porte e cultivo para consumo próprio

Tipo objetivo – art. 28, caput

Trata-se de crime de ação múltipla em que a realização de mais de uma conduta constitui crime único.

a) Adquirir – obter a propriedade, de forma onerosa ou gratuita.

b) Guardar – que é reter, ocultar. Alguns autores dizem que guardar é reter em nome de terceiro

c) Ter em depósito

d) Transportar – levar a droga de um lugar para outro

e) Trazer consigo – portar, possuir pessoalmente, é a droga estar junto ao corpo.

*Obs. Não pune a conduta “usar”.

*Obs. Salvo a modalidade adquirir, as outras condutas são permanentes.

- o uso pretérito não é incriminado. Assim, mesmo que o sujeito diga que usou drogas e a informação seja constatada em exames, ele não será punido.

Objeto material – droga – portaria 344/98. É necessário que o item apreendido o princípio ativo componente da droga e que sua existência seja constatada por exame pericial. A potencialidade da droga causar dependência não é levada em consideração, haja vista que a portaria traz um rol taxativo das substâncias.

Elemento normativo – sem autorização ou em desacordo com determinação legal complementar.

Tipo subjetivo

a) Dolo – vontade de realizar o tipo

b) Elemento subjetivo especial do tipo (dolo especial) – aqui é o “para consumo pessoal”. Faltando esse elemento subjetivo “pessoal”, a conduta se torna tráfico.

Art. 28, §2º - diz que o juiz atenderá a natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente – é o juízo de valor feito pelo juiz diante do caso concreto.

Consumação e tentativa

Consuma-se com a realização de uma daquelas condutas. Todas as formas são permanentes (trazer consigo, guardar, etc.), exceção feita ao adquirir que seria crime instantâneo.

É possível e a tentativa, muito embora na prática sejam reduzidos os casos

Existe uma tese questionando a constitucionalidade do artigo 28, por ofensa aos princípios da intimidade da vida privada e da ofensividade. RE635659 STF

Penas

Não há PPL para o art.28

Espécie – advertência, prestação de serviços à comunidade e medida educativa à programa ou curso educativo. (não é cominada a pena privativa de liberdade)

Duração – prazo máximo de 5 meses. Em caso de reincidência, prazo máximo de 10 meses.

Outras medidas para garantir o cumprimento - §6 do 28 – admoestação verbal e multa (40 a 100 dias multa – dia multa vale de 1/30 a 3x o salário mínimo). Essas duas medidas são sucessivas, ou seja, primeiro ocorre a admoestação verbal depois aplica-se a pena de multa.

Forma equiparada

a) Art. 28, §1º - condutas – aquele que semeia, cultiva ou colhe

Objeto material – planta que será destinada à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

Semente – há divergência jurisprudencial. Se fizer o teste na semente a aparecer a substância química, o sujeito cai no art. 28.

*Obs: se não for para o consumo pessoal, configura o art. 33, §1º, II.

**Obs: antes da 11.343 não tinha esse tipo de dispositivo. Diziam alguns que o fato era atípico, outros diziam que era tráfico e ainda, tinha quem defendesse que aquilo era posse para o uso.

Ação penal – pública incondicionada

Questões pontuais

a) Princípio da insignificância – para uma corrente não se aplica ao delito do artigo 28, porque a pequena quantidade já é da natureza do próprio delito (STJ – RHC 34466 e AREsp 56002).

Para uma segunda posição é admissível (STF - HC 110475)

b) Prescrição – art. 30 – prescreve em dois anos a imposição e execução das penas.

c) competência – em regra compete ao JECRIM. Se houver concurso com os crimes do 33 ao 37, trata-se de exceção, conforme artigo 48, §1º.

*nada impede o concurso entre 28 e 33 (usuário e traficante), mas há, nesse caso, a absorção do 28 pelo 33(consunção).

d) Prisão em flagrante – art. 48, §2º - não se imporá flagrante nos delitos do art. 28. Também é vedada a detenção do agente. O agente deverá ser encaminhado ao juízo competente ou assumir compromisso de a ele comparecer. Lavra-se o TCO (termo circunstanciado de ocorrência)

Art. 33 – tráfico

Tipo objetivo

a) condutas – são 18 verbos típicos (é um crime de ação múltipla). Se o agente praticar mais de uma conduta no mesmo contexto, responderá por apenas um único crime.

Objeto material – Droga (portaria 344/98)

*Obs: o cloreto de etíla não consta nas convenções internacionais. Tem decisão do STJ que diz que, se a droga vem de um país onde é permitido, não configura tráfico internacional de drogas (HC 34514 e 26399).

A resolução 104/2000 da ANVISA retirou da lista o cloreto de etíla por 7 dias. O STF entendeu que houve abolitio criminis e o STJ entendeu que não (HC192.023).

Tipo subjetivo

Não tem elemento subjetivo especial (dolo específico)

Se o agente não tem consciência da droga? Não é crime, pois somente é considerada na modalidade dolosa e jamais na culposa.

Consumação e tentativa

Se consuma com a prática de qualquer uma das condutas (crime de perigo abstrato)

Na modalidade remeter consuma-se com o envio da droga, independentemente da droga chegar no seu destinatário.

Na modalidade adquirir, o STJ entende que consuma-se com a avença, independentemente da efetiva entrega (REsp 820420)

No que tange à tentativa há certa divergência na doutrina. A primeira posição não admite, considerando as 18 condutas típicas, pois o agente sempre incorreria em uma dessas condutas. Para a segunda posição, a tentativa é perfeitamente admissível.

É possível a aplicação do princípio da insignificância? Predomina que não (STF HC88820 – e STJ HC 248652)

Bem jurídico tutelado – saúde pública

Sujeitos

Ativos: qualquer pessoa (salvo na modalidade prescrever, quer seria crime próprio de médicos e etc)

Passivo: seria toda a coletividade

Forma equiparada

Art. 33, §1º, inciso I – o objeto material aqui não é a droga, mas sim a matéria prima, insumo ou produto químico destinado à preparação da droga.

A lei 10.357/01 estabelece normas sobre a utilização e fiscalização de alguns produtos químicos. O decreto 4262/02 consta a acetona.

Inciso II – o objeto material não é a droga, mas sim as plantas. Semear, cultivar ou fazer a colheita.

Ex. de planta – cannabis sativa.

Inciso III – a preocupação é com o local ou com o bem utilizado para o tráfico.

*obs: se o agente empresta o local para que outra pessoa use drogas. Ele responde pelo 33, §2º (tipo específico)

Art. 33, §2º - induzimento, instigação ou auxílio ao uso de drogas

É necessário que o induzimento, auxílio ou instigação estejam voltados a pessoas determinadas (mesma coisa do 122 CP).

- não é hediondo, cabendo, assim, fiança, sursis, etc.

Consumação – é necessário que a pessoa a quem a conduta foi dirigida efetivamente faça o uso da droga.

ADI 4.274 – o STF decidiu, serem incabíveis decisões judiciais que proíbam as chamadas “marchas da maconha”, em que manifestantes realizam passeatas pleiteando a liberação do uso e porte do referido entorpecente.

Art. 33, §3º - forma privilegiada

“Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos consumirem” – pena de detença de 6 meses a 1 ano.

- É infração de menor potencial ofensivo, haja vista que a pena máxima do crime é de um ano, cabendo a aplicação da9.099.

Art. 33, §4º - Causa de diminuição

a) noção – denomina-se de tráfico privilegiado.  Se trata de uma causa de diminuição a ser aplicada na terceira fase da dosimetria.

b) âmbito de atuação – aplica-se ao art. 33 caput e §1º

c) requisitos cumulativos (na falta de um não se aplica a diminuição).

c.1) Primário

c.2) bons antecedentes

c.3) não se dedicar as atividades criminosas

c.4) não integrar organização criminosa.

d) afastamento da minorante – expressiva quantidade de droga, pois denota dedicação as atividades criminosas; concurso com o artigo 35 também afasta;

e) Quantun – de 1/6 a 2/3

Art. 34 – Petrechos para o tráfico

Petrechos são maquinários/aparelhos destinados à fabricação, preparação ou produção de drogas. Ex: produtos químicos, formas, balança de precisão, “pinos” para armazenamento de cocaína, etc.

- Os materiais punidos são aqueles usados para a criação da droga. Assim, cachimbos ou maricas, por exemplo, não são punidos.

Hediondez – o crime em análise é considerado hediondo (juntamente com os arts. 33 e 36 – associação- ).

Livramento condicional – nos termos do art. 44, só é possível o livramento condicional após o cumprimento de 2/3 da pena.

Art. 35 – associação para o tráfico

Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e §1º e 34”.

Mínimo de pessoas – trata-se de crime de concurso necessário de, pelo menos, duas pessoas

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Código Penal

Tráfico de Drogas

Organização criminosa

Nome do tipo

Associação criminosa – art. 288 CP

Associação para o tráfico – art. 35 da lei 11.343

Organização criminosa – art. 1º,§1º da lei 12.850

Quantidade de agentes

Mínimo de 3

Mínimo de 2

Mínimo de 4

Pena

3 a 6 anos de reclusão

3 a 10 anos de reclusão

3 a 8 anos de reclusão

Reiteração de condutas – diferentemente do que ocorre com o crime de associação criminosa do CP ou na lei de organizações criminosas, na lei 11.343 não exige a reiteração de condutas criminosas.

Embora não exija a reiteração de condutas criminosas, exige-se um prévio acordo de vontade entre os criminosos.

Consumação – com a mera reunião de dois indivíduos para a prática de tráfico.

Se ocorrer qualquer dos crimes do art.33, caput e 1º  ou do art. 34, haverá concurso material de crimes.

Hediondez – esse tipo não é considerado hediondo pela doutrina e jurisprudência (são hediondos o 33, caput e §1º, o art. 34 e o art. 36)

Art. 36 – Financiamento ao tráfico

Financiar ou custear a prática de qualquer dos crimes previstos nos artigos 33, caput e §1º , e 34 desta lei” – pena de reclusão de 8 a 20 anos (maior pena da lei 11.343)

Financiar ou custear é dar recursos financeiros para que agentes cometam tráfico ou adquiram petrechos para o tráfico.

Hediondez – é considerado hediondo

Art. 37 – informante colaborador

colaborar, como informante, com grupo, organização ou associação destinados à prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e §1º, e 34 desta lei” – pena de reclusão de 2 a 6 anos.

É o caso do fogueteiro. O policial que informa ao traficante de operações policiais a serem realizadas incorre nesse crime, além de incorrer, quase sempre, em corrupção passiva.

Hediondez – não é considerado hediondo.

Art. 38 – prescrição de drogas

Prescrever ou ministrar, culposamente, drogas, sem que delas necessite o paciente, ou fazê-lo em doses excessivas ou em desacordo com determinação legal

Esse crime é próprio de médico, pois só ele é quem pode prescrever ou ministrar drogas.

Vale nootar que a conduta deve ser sempre culposa. Caso contrário, o médico estaria incorrendo no crime do art. 33, caput.

O parágrafo único fala de uma conseqüência lógica do crime, qual seja, a comunicação feita pelo juiz ao Conselho Federal da categoria.

Também é crime de menor potencial ofensivo

Art. 39 – conduzir veículo após ingestão de drogas.

Conduzir embarcação ou aeronave após o consumo de drogas, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem” – detenção de 6 meses a 3 anos + cassação da habilitação ou proibição de obtê-la.

 Um crime de perigo. Basta que os condutores desses veículos usem drogas para que esteja configurado o delito.

Forma qualificada

Se o veículo for de transporte coletivo de passageiros. Nesse caso a pena sai de detenção para reclusão de 4 a 6 anos.

Aqui, a lei visou proteger as pessoas que fazem o uso do transporte, dando maior gravidade à conduta.

Art. 40 - aumento de pena para os art. 33 a 37

As causa a seguir elencadas serão aplicadas somente aos arts. 33 a 37, não sendo aplicadas, portanto, a prescrição de drogas de maneira culposa ou a condução de veículos após ingestão de drogas.

Inc. I – trata da transnaciolidade do delito. Quando a droga é proveniente do exterior.

Não é necessário que o agente consiga sair ou entrar no país, bastando a finalidade. Aqui, a competência é federal.

Inc. III – a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos de diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos

Importante observar que esse rol trazido pelo inc. III é um rol taxativo. O agravamento da pena decorre do lugar onde a infração é cometida.

Inc. V – tráfico interestadual – o crime é investigado pela PF e a competência para julgar é da PC

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