Jurisdição, ação e condições da ação segundo o novo CPC

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21/03/2015 às 13:18
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Toda a teoria geral do processo será remodelada a partir do novo CPC que ainda aguarda a sanção presidencial. Nesse modesto artigo abordo temas como jurisdição, ação e condições da ação no Estado Constitucional e, mais precisamente, no neoprocessualismo.

ResumoToda a teoria geral do processo será remodelada a partir do novo CPC. Nesse modesto artigo abordo temas como jurisdição, ação e condições da ação no Estado Constitucional e, mais precisamente, no neoprocessualismo. A esperança é que se empreenda maior celeridade e efetividade a dormente tutela jurisdicional brasileira.

Palavras-chave: Jurisdição, ação, condições da ação, Teoria Geral do Processo. Novo Código de Processo Civil.


Como é sabido, a jurisdição é prestada por meio do processo que representa conjunto de atos necessários praticados com o objetivo de obter a resposta[1] judicial.

Uma vez provocado o Judiciário insta exercer sua função de dizer o Direito (iuris + dictio) o que serve para definir o litígio e, finalmente, dar razão a quem tenha. Enfim, traduz-se o exercício da ação.

A ação como direito à jurisdição se afirma principalmente quando o Estado veda a autotutela (embora admitida como o direito de retenção e o desforço pessoal) assume a responsabilidade de resolver os conflitos sociais.

Promovida a ação, erige para o Estado o dever da prestação jurisdicional, decidindo de forma fundamentada. O Estado exerce sua soberania também através da função jurisdicional (que corresponde aplicar a lei ao caso concreto).

A provocação da jurisdição é feita pelo exercício do direito de ação, sendo o processo, o instrumento para deixar assentada a decisão em relação àquele caso concreto, tornando-a pública.

O vocábulo “ação” é utilizado, portanto, no sentido de meio de provocar o Estado para exercer a atividade jurisdicional. Nota-se então a sua natureza mais processual do que constitucional.

A prestação da atividade jurisdicional está diretamente vinculada à presença ou não de requisitos necessários que correspondem às condições da ação e aos pressupostos processuais[2]e ao mérito da causa.

Na prestação ou atividade jurisdicional, qualquer pessoa pode pleitear, esteja certa ou não, tenha ou não razão. Por outro lado, o termo “tutela jurisdicional” que descende do latim tutere significa tutela, proteção. E, somente assume o direito à tutela jurisdicional quem efetivamente tenha razão.

A ação é um direito a que corresponde ao dever do Estado de prestar jurisdição. A ação processual possui conteúdo que consiste naquela obrigação no plano do direito material e, agora faz parte do próprio processo. Esta pretensão recebe a denominação de pretensão processual vez que é formulada dentro do processo.

No sistema brasileiro, a ação é necessária para o exercício da jurisdição posto que seja um poder inerte conforme evidenciar o princípio do dispositivo constante no art. 2º do CPC.

A palavra “ação” [3] tem patente polivalência, podendo abarcar diversos significados. A pretensão processual é o conteúdo da ação processual e, em regra, corresponde à pretensão de direito material.

Porém, há casos em que não se equivalem, como por exemplo, você sendo credor tem o direito de cobrar certa quantia em dinheiro, mas não pode cobrá-la, por exemplo, por impedimentos como a prescrição[4]. Assim a pretensão de direito material opera como um limite sobre a pretensão de direito material.

A ação dentro do direito processual[5], ao longo de sua evolução [6]veio a galgar diversos significados (tais como direito cívico, direito à jurisdição, como demanda e, etc.). Cristalizando-se ao final como direito público[7], subjetivo, autônomo e abstrato apto a invocar o Estado a prestar a tutela jurisdicional.

E a ação no Estado Constitucional que não pode ser limitado a um ato de provocação de jurisdição, pois deve também oferecer ao cidadão a possibilidade de obter a efetiva proteção do direito material violado ou ameaçado de lesão.

Desta forma, a ação não é meramente proposta e, sim exercida, desenvolvendo-se com o fito de permitir o julgamento de mérito e, no caso de reconhecimento do direito material, venha a tutela jurisdicional realmente protegê-lo.

Nesse contexto, as condições da ação são requisitos para o seu pleno exercício e possuem relação com o mérito[8], não podendo ser considerados como requisitos para a existência da ação. Em verdade, tais referidos requisitos são os primeiros degraus para a apreciação do mérito e, ipso facto, prosseguindo para o reconhecimento do direito.

Não há fundamento para se admitir duas modalidades de ação, sendo uma com base na Constituição Federal e, outra ação com assento no CPC. A ação é uma só, sendo que as suas condições de ação são apenas requisitos para seu integral exercício, ou seja, para a apresentação do pedido.

Mesmo ante a ausência das chamadas “condições de ação”, é inegável que a jurisdição atuou e a ação fora exercida. Aliás, conforme confirma o disposto no art. 263 do CPC.

É fato que a aferição das condições de ação com base apenas na afirmação do demandante que se dá logo no início do procedimento. Portanto, o que importa é a afirmação do autor e, não sua confirmação na realidade posto que tal verificação já se refira ao mérito da causa[9].

Frise-se que para Liebman que só tem direito à tutela jurisdicional[10] aquele que tem razão, portanto, a ação constitui o direito ao julgamento de mérito e que não depende de sentença de procedência. Desta forma, ante a sentença de improcedência, inexistiria tutela jurisdicional, haveria ação e jurisdição, mas o autor não poderia obter a tutela jurisdicional.

Mas o correto é concluir que diante da improcedência do pedido, de fato, não se presta a tutela jurisdicional ao direito material[11] vez que não fora reconhecido.

Se assim, o fosse, o direito à tutela jurisdicional seria um direito concreto. O que não confere com a real natureza abstrata da ação. Desta forma, o CPC nos impõe a conclusão que mesmo ante a improcedência do pedido a parte a quem não é reconhecida razão.

Cumulação de demandas é questão de alta indagação, além de permitir solucionar vários problemas que serão enfrentados quando forem examinados outros institutos processuais. Edward Carlyle Silva exemplifica: Maria propõe demanda em face de João, com pedido de separação judicial. Ela alega abandono do lar e violência doméstica por parte do marido. Existem nesse caso duas demandas em único processo.

Entretanto, o art. 292 do CPC versa sobre a cumulação de pedidos, com a cumulação de demandas em razão das causas de pedir. Pois Maria pede a separação com fundamento de abandono de lar e outra separação com fundamento na violência. Note-se que o pedido é o mesmo com duas causas de pedir distintas. A cumulação de causas de pedir é chamada pela doutrina de cumulação causal.

Já a cumulação prevista no art. 292 do CPC quando Maria alegar a violência por parte do João e formular dois pedidos, o da separação e indenização, por exemplo. Também há cumulação de demandas é a chamada, nesse caso de cumulação de pedidos.

A cada pedido estaríamos diante de uma demanda diferente. Apesar de a doutrina pátria defender a pretensão processual, como sendo o objeto do processo, e, portanto, elemento passível de pluralidade, a causa de pedir[12] das próprias partes também pode dar ensejo ao surgimento da cumulação de causas.

O art. 292 do CPC trata de cumulação de pedidos[13], mas refere-se apenas a um dos elementos passíveis de cumulação entendido no sentido de pretensão. Ressalte-se que os pedidos não precisam ser conexos, e o próprio legislador demonstra que existe diferença entre as espécies de cumulação e os casos de conexão.

Há quem afirme que o art. 292 do CPC cuida da cumulação de pedidos[14], e a doutrina se divide entre aqueles que entendem ser o caso de cumulação de ações, de pedidos ou de pretensões.

Tradicionalmente os doutrinadores costumam proceder a classificação das ações tendo em vista o tipo de provimento jurisdicional pedido pelo autor, quando do exercício do direito de ação.

Essa forma de classificação das ações tem origem no pressuposto de que, se toda ação implica em determinado pedido de provimento jurisdicional, e, ainda mais, se entre as ações é possível estabelecer diferenças, exatamente na medida da distinção entre os possíveis provimentos pedidos em juízo, é justificável a classificação das ações[15].

Podem ser ações de conhecimento, ações de execução e ações cautelares[16]. O processo de conhecimento é aquele em que a parte realiza a afirmação do direito, demonstrando sua pretensão de vê-lo reconhecido pelo Judiciário, mediante a formulação de um pedido, cuja solução será ou no sentido positivo ou no sentido negativo, conforme esse pleito da parte seja resolvido por sentença de procedência ou improcedência.

Há ampla possibilidade de realizar produção de provas, todas dirigidas e vocacionadas a demonstrar a existência do direito (regra geral pelo autor) ou a existência de fato que o impeça, modifique ou a finalize (regra geral do réu).

Por essa razão, o juiz realiza ampla cognição, analisando todos os fatos alegadas das partes. Existe, portanto, nesse processo a chamada cognição exauriente. Outra característica do processo do conhecimento é a sua aptidão para a produção de coisa julgada.

O processo de execução tem atividade prevalentemente material, busca-se um resultado prático e concreto, como por exemplo, a retirada de um bem do patrimônio do devedor e sua entrega ao credor; a expropriação e alienação de bens do devedor e entrega do dinheiro obtido ao credor.

Serve de meio para a efetivação de determinadas títulos executivos judiciais, o processo de execução também serve para, com o s mesmos meios executórios, atuar concretamente comandos existentes em documentos firmados entre as partes, aos quais, a lei confere a mesma força executiva atribuída à sentença condenatória. São os chamados títulos executivos extrajudiciais (exemplos: notas promissórias, cheque, contratos e, etc.).

Há uma tendência contemporânea[17] em nosso processo civil de eliminação do emprego do processo executivo para efetivação de sentenças judiciais. Vindo a efetivação da sentença que versa sobre o cumprimento disse tipo de obrigação (de fazer e não fazer) em que proferida (art. 461do CPC).

Em 2002 adotou-se o mesmo modelo de tutela para obrigações de entrega de coisa (art.461-A CPC). A Lei 11.232/2005 prevê que as sentenças condenatórias a pagamento de quantia certa sejam cumpridas (ou seja, executadas) no próprio processo em que foram proferidas, numa fase chamada cumprimento de sentença, e compondo o chamado processo sincrético[18] (art. 475, inciso I e ss. do CPC).

O processo cautelar [19]pode ser desenvolvido no sei do processo de conhecimento, quer no processo de execução. Como o princípio da efetividade norteia todo o sistema processual, no sentido de que todo aquele que invoca a tutela do Estado, por meio da jurisdição, deve receber uma resposta satisfatória, pouco importando, se irá receber uma procedência ou improcedência.

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Afinal, se a jurisdição é em princípio inafastável e indelegável, esta deve a todos quantos dela precisem uma resposta efetiva, isto é, a que resolva a lide no sentido jurídico e prático[20].

Tanto o processo de conhecimento quanto o de execução[21] possuem um tempo próprio e necessário que é inexoravelmente decorrente dos seus respectivos procedimentos. Havendo a presença do risco (periculum in mora) e sendo razoável a hipótese de que o provimento jurisdicional seja favorável ao autor, porque existe a indicação, ainda que mínima, da plausibilidade do direito de que afirma ser titular (fumus boni iuris) [22].

Desta forma, o autor poderá servir-se do processo cautelar para que, por meio de uma medida de natureza cautelar garanta a eficácia do processo principal, seja do provimento jurisdicional definitivo (de conhecimento), seja do próprio processo de execução, a fim de evitar a frustração de seus efeitos concretos[23].

Conforme Lênio Luiz Streck, a Constituição é o alfa e ômega da ordem jurídica e oferece os marcos que devem pautar as decisões da comunidade política. E sublinha que a ofensa à Constituição pelo Judiciário sempre é mais grave do que qualquer outra desferida por qualquer dos outros poderes.

Assim, contemporaneamente a jurisdição passa a ocupar papel de maior destaque frente aos demais Poderes, daí a necessidade de limites à decisão judicial.

Aliás, inicialmente Streck apostava na commonlização[24] em face do Projeto de novo CPC, e deverá produzir uma nova doutrina. E ratifica o dever fundamental de resposta correta que caracteriza a jurisdição contemporânea[25].

A democracia não pode ser compreendida meramente como o somatório de vontades dos indivíduos pertencentes a uma coletividade, reafirmando-se numa concepção numérico-estatística.

Há novo sentido para o princípio democrático, segundo o qual os dispositivos contramajoritários assumem a relevância, pois garantem que não sejam violados, por meio de uma decisão majoritária, “aqueles ditos direitos do homem” [26].

A noção contramajoritária se materializa, por exemplo, quando o controle de constitucionalidade exercido pelo STF declara a inconstitucionalidade um ato do Legislativo ou do Executivo, fazendo oposição à vontade dos representantes do povo[27].

O controle de constitucionalidade, porém, é o poder de aplicar e interpretar a Constituição, em matéria de grande relevância, mas contra a vontade da maioria legislativa (que é impotente para se opor à decisão judicial).

O direito de ação apesar de guardar lembrança com o direito de petição, que é igualmente assegurado constitucionalmente conforme o inciso XXXIV do art. 5º da CF/1988[28]. Mas não se confundem, pois o direito de petição não é apenas dirigido ao Judiciário, se trata requerimento que visa resposta de definitividade, ao contrário do direito de ação.

Normalmente, o direito de ação é exercido pelo autor na propositura da demanda, através da petição inicial. Sendo possível ao demandante propor duas ou mais ações num mesmo momento, fenômeno que chamamos de “cumulação de ações”.

O conceito de ação é bastante debatido e hoje se cogita da ação de direito material e ação de direito processual. A ação de direito material é aquela em que violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue com a prescrição nos prazos previstos nos arts. 205 e 206 do C.C.

Esse direito subjetivo consiste no poder de exigir, em abstrato, uma conduta alheia nos limites da lei, e uma vez tornando-se exigível esse direito pela ocorrência do fato previsto da norma, transpondo o direito subjetivo ao estágio avançado de pretensão, e inocorrendo o cumprimento espontâneo, exsurge para o titular o direito de agir, de se satisfazer praticamente o previsto em lei.

Essencialmente a ação de direito material corresponde a autotutela que na maioria dos sistemas jurídicos é vedada, sendo um trágico resquício de luta histórica secular, através da qual o Estado absorveu a prática da vingança privada, substituindo-a pelo meio civilizado do monopólio da jurisdição.

Modernamente, tal atuar do sujeito da pretensão não se dirige a realização pelas próprias mãos, daquilo que a ordem jurídica confere, senão a exigir que o Estado, por meio da jurisdição[29] reconheça o dever jurídico violado e recomponha a sua situação, tal como prevista na lei.

Cogita-se então, que a ação de direito material passe para as mãos do Estado-Juiz como meio de controle social. Essa realização prática do direito violado pressupõe a investigação prévia do direito afirmado que nem sempre se confirma em favor daquele que se diz titular do direito subjetivo e da pretensão.

Entretanto, o processo franqueia as suas portas a todos que se afirmem ser titulares. A ação é o agir no sentido de obter dos tribunais e pressupõe um direito anterior de provocar o exercício da jurisdição, que é o direito de acesso à justiça, o qual exigível se transmuda também em pretensão, ambos atualmente constitucionalizados.

A pretensão exercida na tutela jurisdicional[30] reclama que o Estado exerça basicamente duas atividades: 1ª) a de reconhecimento ou não do direito afirmado (e para tanto basta o exercício da ação processual); 2ª) o de satisfação da pretensão o que pressupõe o acolhimento do pedido.

Diversas teorias tentaram explicar o fenômeno “ação”. A mais primitiva destas, e atualmente inteiramente superada era a tese imanentista ou teoria clássica que enxergava o direito de ação como parte integrante do próprio direito material.·.

Foi essa a orientação do Código Civil de 1916 conforme constava o art. 75 que aduzia: “Para cada direito violado há uma ação que lhe assegura”.[31]

A autonomia do direito de ação só fora reconhecida em meados do século XIX em razão do embate envolvendo Windscheid versus Muther. Em síntese, o embate consistia no fato de o primeiro, autor e professor, consagrado ter sido questionado pelo segundo, o que gerou a elaboração de vários artigos.

Ao final, fora reconhecida a autonomia da ação, bem como a existência da pretensão material direcionada contra o demandado (uma vez que insatisfeita) e, outra pretensão processual dirigida à questão posta em juízo.

Inicialmente surgiu a teoria abstrata e, somente depois, a teoria concreta, é comum constatar nos manuais de processo civil, que inicialmente pauta seu estudo sobre a teoria concreta, já que esta representa um franco retrocesso quando comparada com a teoria abstrata.

É certo que, segundo a teoria concreta, que tinha como um de seus defensores Adolph Wach[32], o direito de ação só existiria concretamente se também existisse o direito material.

É que nos casos de improcedência do pedido, não haveria o direito material e, ao mesmo tempo, também não haveria o direito de ação que pudesse defendê-lo.

A referida teoria, no entanto, nos conduziria as situações totalmente insolúveis quando, por exemplo, o demandante requeresse a inexistência da relação jurídica material. Sendo procedente o pedido[33] e, reconhecida judicialmente como inexistente a relação jurídica, não seria possível justificar o direito do demandante em acionar o Estado-Juiz, se o mesmo não possuía nenhum direito material.

A teoria abstrata fora elaborada pelo alemão Degenkolb e pelo húngaro Plósz e já não tinha obstáculo insuperável. E reafirmava que direito de ação seria o direito de obter do Estado uma prestação jurisdicional qualquer que fosse o seu teor. Independentemente da existência de direito material. É a teoria mais empregada atualmente e a que melhor explica as múltiplas nuances do fenômeno “ação”.

No Brasil, o CPC veio a adotar a tese eclética[34] que amalgamou a tese abstrata e a tese concreta. A teoria eclética depende essencialmente os mesmos postulados da tese abstrata, inovando por condicionar o exercício do direito de ação ao total preenchimento das condições da ação que se reportam, por sua vez, ao direito material.

Portanto, na aferição da legitimidade das partes se pressupõe a relação jurídica de direito material. Aliás, eis a grande contradição da teoria eclética a pressupõe inicialmente a existência do direito material para deste extrair as condições de ação e, que, depois, dele prescinde, ao permitir a prolação de sentença declarando a inexistência do direito alegado pelo autor.

Fica a ressalva que a teoria da asserção[35] que fora justamente criada para explicar a suposta contradição. E, além disso, os defensores da teoria eclética também defendem a afirmação de que as condições da ação são necessárias justamente para que haja filtro capaz de impedir o uso abusivo do direito de ação[36].

O art. 267, inciso VI do CPC demonstra que fora adotada a teoria eclética. Apesar de bem descrever a chamada legitimidade ad causam[37].

Por vezes a lei também pode conferir legitimidade[38] para outra pessoa completamente estranha aos fatos ocorridos. É o caso da legitimação extraordinária ou substituição processual (vide art. 6º do CPC).

Já para Elpídio Donizetti Nunes, o que interessa para a verificação da legitimidade é o direito abstratamente invocado, a afirmação do autor, de tal forma que o juiz possa estabelecer um nexo entre a narrativa e a conclusão.

Ou seja, a legitimação para esse autor decorre da pertinência abstrata com o direito material controvertido, pois o CPC, em casos excepcionais, autoriza pessoa estranha à relação jurídica pleitear, em nome próprio, direito alheio.

Abstrata porque, para ter legitimidade, não se exige que a pertinência com o direito material seja real, concreta, basta a mera afirmação.

O Superior Tribunal de Justiça ao julgar inúmeros casos, rotineiramente se depara com questões envolvendo a legitimidade ad causam. Dada a importância do tema, colacionamos os seguintes julgados:

A Primeira Seção desta Corte, no julgamento do EREsp 708.237/RJ, de relatoria do Min. Luiz Fux[39], DJ de 27.8.2007, firmou o entendimento no sentido de que o novo proprietário não tem legitimidade para repetir valores indevidamente recolhidos anteriormente à compra do imóvel.(EREsp 761.525/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/03/2008, DJe 07/04/2008).

Segundo a jurisprudência pacífica do STJ, o substituído tributário, na qualidade de contribuinte de fato, tem legitimidade[40] ativa ad causam para discutir a legalidade da sistemática da arrecadação instituída pela Lei 9.711/98, o que afasta a alegação de infringência aos arts. 6º e 267, VI do CPC.

No STJ também está pacificado o entendimento de que Sindicatos têm legitimidade ativa para, agindo como substituto processual, demandar em juízo a tutela de direitos subjetivos individuais de seus sindicalizados. (REsp 783.880/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/09/2007, DJ 26/09/2007 p. 206).

O Ministério Público Estadual detém legitimidade para a propositura de ação civil pública, objetivando a responsabilização de ex-dirigentes de fundação de direito privado, instituída para a execução de programas de proteção e socioeducativos destinados a crianças e adolescentes.

Realmente o Ministério Público está legitimado[41] a defender os interesses[42] transindividuais, quais sejam os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos. (REsp 776.549/MG, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/05/2007, DJ 31/05/2007 p. 346).

A segunda condição da ação seria o interesse processual que comumente é demonstrado através do binômio necessidade/adequação. Contudo, quando se cogita em adequação, a ideia subjacente é ade que, para provocar do Judiciário, há a necessidade de se observar a via processual adequada, o que, lamentavelmente, não se sustenta.

Muitas vezes, a própria lei oferece ao interessado mais de uma forma de proteger o seu direito material, conforme ocorre na disponibilização da ação monitória, da ação de locupletamento ou mesmo de uma ação em qualquer juízo observando rito comum, quando se pretende receber um cheque desprovido de força executiva.

Predomina atualmente uma visão processual bastante instrumental com grande ênfase para a realização do direito material e atenta aos ideiais de justiça, sem obviamente, descurar da boa técnica e das garantias fundamentais.

Desta forma, a adequação quando exigida representa claro retrocesso aos referidos ideais, além de desprezar as ideias recentes que prestigiam o maior aproveitamento que possível ou a convalidação dos atos processuais, mesmo os inquinados de vícios.

Por derradeiro, a última condição da ação, a possibilidade jurídica do pedido[43], que até mesmo foi abandonada pelo seu criador, Liebman, ainda em vida. É que a análise da viabilidade ou não do pedido decorre da própria resolução do mérito, não podendo ser condicionando do exercício legítimo do direito de ação. Cumpre destacar a acurada advertência da boa doutrina que aponta que a possibilidade jurídica deva se referir à causa de pedir[44] e não ao pedido propriamente dito.

O direito de agir, ou seja, o de provocar a prestação jurisdicional, é conferido a toda pessoa física ou jurídica diante da lesão ou ameaça de lesão a direito individual ou coletivo, e tem sua sede originária, conforme consta na própria Lei Fundamental.

A projeção do direito de ação como direito subjetivo público, onde a subjetividade decorre de sua titularidade recai na pessoa natural ou jurídica. O próprio Estado, nas atividades que não são autoexecutáveis e, portanto, em que se veda a autodefesa estatal, recorre à intervenção judicial, gozando também desse direito, como por exemplo, nas desapropriações, na cobrança de impostas quando recusado o pagamento extrajudicial pelo obrigado, na aplicação da sanção penal por meio da ação criminal proposta pelo Ministério Público.

A natureza pública do direito de agir decorre de sua regulação pelo Direito Público, ramo a qual pertencem o Direito Constitucional e o Direito Processual, bem como o fato de encerrar uma relação travada entre uma pessoa natural ou jurídica e o Estado como protótipo de pessoa de Direito Público. Também é pública a atividade jurisdicional eu o direito de ação invoca.

Outra notável característica é sua abstração, no sentido de que todos podem exercê-lo, inclusive aqueles que no final do processo verifica-se não tinham a razão invocada.

Frise-se que o exercício do direito de ação não exige de antemão comprovar-se o direito alegado, posto que isso equivaleria a inverter a lógica ordem da estrutura processual. Exatamente porque às partes é vedado fazer com as próprias mãos, é no processo que se vai definir quem tem razão, mas até para ver rejeitada sua pretensão, por força do monopólio da jurisdição, por isso que o fato de o autor ter exercido o direito de ação não significa que, pela sua iniciativa, ele tenha razão.

É verdade que a constitucionalização do direito de ação fê-lo ser reputado como emanação do status civitatis conforme já esclarecera Frederico Marques. E a magnitude desse direito também é previsto no art. 8º na Declaração Universal de Direitos do Homem elaborado pelas Nações Unidas.

A abstração autoriza mesmo aqueles, na essência, não têm razão ao ingressarem ao juízo. É que o poder de iniciativa não sustenta uma vitória antecipada pelo simples ato de propositura da ação. Essa possibilidade de ingressar em juízo independentemente do resultado que se vai obter, é que justifica plenamente o direito de ação como abstrato.

Também se reconhece que se trata de direito autônomo em relação ao direito subjetivo material e à pretensão. Foi a descoberta da autonomia do direito de agir que foi responsável pelo surgimento de estudos profundos sobre institutos do processo que tiveram especial significação quanto a constatação de natureza jurídico do processo como relação processual, atribuída a Büllow ainda nos idos de 1868 e repisada por Bentham-Holweg.

A ação é, assim, o instrumento de que se vale o titular do direito subjetivo material para ser julgada a sua pretensão, sendo certo que o conteúdo do julgamento escapa ao seu âmbito, visto revelar-se num direito ao meio e não ao fim em si mesmo.

A razão dessa imaginada amálgama entre duas realidades distintas (ação e direito material) decorre do fato de que o direito de agir está sempre ligado à atuação concreta que motiva a intervenção judicial.

O direito de ação é instrumental porque provoca o julgamento da pretensão, mas não a torna efetiva de imediato, tanto mais que a jurisdição não se presta instantaneamente.

Essa autonomia do direito de agir em confronto com o direito material e a pretensão é confirmada pela diversidade de sujeitos e de conteúdo[45]. Assim, no direito de ação, o sujeito passivo é o Estado e o conteúdo é a atividade jurisdicional, enquanto, na relação material, os sujeitos podem ser diversos e o conteúdo é uma prestação ou conduta de caráter substancial.

O direito brasileiro vocacionou-se pela teoria eclética, sendo inegável que reconheça a autonomia[46], a abstração do direito de ação, e fora particularmente influenciado por Liebman que é considerado o fundador da Escola de Direito Processual civil brasileira quando do seu exílio em nossa pátria, precisamente em São Paulo, refugiando-se da perseguição nazista.

Não se trata de mero acesso aos tribunais de forma incondicionada, por esse poder de provocar a jurisdição este denominava como direito de petição, de cunho nitidamente constitucional.

O CPC fiel à doutrina de Liebman ergueu as condições da ação como questões distintas e obstativas da análise do mérito, por isso afirma o art. 267 do CPC sobre a extinção do feito sem resolução do mérito[47].

É relevante ainda na visão moderna do direito de ação à luz do exaltado princípio da efetividade[48] que roga por maior ênfase à cidadania e ao respeito da dignidade da pessoa humana (confirmando em ser o direito à resposta jurisdicional constitucionalmente adequada).

Resumindo, o direito de agir sob o viés processual exige que a todo direito corresponda uma ação adequada que o assegure, sem que isso implique retorno ao imanentismo, ao concretismo ou mesmo a origem civilista da actio romana.

Explicando sobre as condições da ação em face do Projeto do novo CPC Fredie Didier Jr., embora seja consagrada nem por isso escapou de ser alvo de severas críticas. E, a principal objeção a essa categoria pauta-se em: se só, em verdade, há duas espécies de questão que o mesmo órgão jurisdicional pode examinar. Não seria lógica a criação de uma terceira espécie de questão: se é de mérito ou é de admissibilidade.

A doutrina alemã, por exemplo, divide as questões em admissibilidade e mérito, somente. E, entrenós, Cândido Dinamarco, é um dos principais doutrinadores a reconfigurar a condição da ação reduzindo-a ao binômio de questões, a saber: admissibilidade e mérito.

Cumpre ainda explicar que apesar de se adotar o binômio, as condições da ação não desapareceriam. É o conceito de condição da ação que seria eliminado. Portanto, persistiria a análise da legitimidade, do interesse processual e da possibilidade jurídica do pedido, mas seriam examinadas ou como questões de mérito ou como pressupostos processuais[49].

Logo que se divulgou o propósito de elaboração de um anteprojeto de novo CPC, uma das questões que surgiram nos encontros doutrinários foi exatamente saber como seria o tratamento legislativo das condições da ação. A ansiedade se justificava no intenso e antigo debate doutrinário sobre o assunto.

Havia quem defendesse a tese de que o projeto não deveria alterar nada neste ponto, que era muito sensível e que de alguma maneira já estava bem compreendido pela comunidade jurídica brasileira; em outro extremo, havia quem dissesse que este seria o momento ideal para corrigir um equívoco histórico.

Enfim, o Projeto do CPC[50] seguiu em um caminho intermediário. E parece ter adotado a postura mais prudente.

Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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