MODOS DE EXECUÇÃO QUE QUALIFICAM O HOMICÍDIO TORNANDO IMPOSSIVEL A DEFESA DA VÍTIMA

23/03/2015 às 10:18
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O ARTIGO DISCUTE AS FORMAS DE HOMICÍDIO QUALIFICADO EM ESPECIAL AS FORMAS QUE TORNEM IMPOSSÍVEL A DEFESA DA VÍTIMA.

MODOS DE EXECUÇÃO QUE QUALIFICAM O HOMICÍDIO  TORNANDO IMPOSSÍVEL A DEFESA DA VÍTIMA

ROGÉRIO TADEU ROMANO

Procurador Regional da República aposentado

Há situações no crime de homicídio  em que se dificulta ou se torna impossível a defesa da vítima(traição, emboscada, surpresa).

O homicídio é a morte de uma pessoa por outra.

Há o homicídio simples(matar alguém); o homicídio qualificado,; o homicídio privilegiado; o homicídio culposo, inclusive sob culpa gravíssima;a eutanásia;o infanticídio(homicídio privilegiado especial), o induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio.

O início da existência da pessoa humana, a partir do qual pode ser vítima de homicídio, é estabelecido a partir da definição do crime de infanticídio[1](artigo 124), que é uma forma de homicídio privilegiado especial(Matar o próprio filho, durante ou logo após o parto, sob a influência perturbadora deste, quando hoje se fala em ¨influência do estado puerperal¨[2]. Assim pode ocorrer o homicídio a partir do início do parto(RT 729/571). Início do parto é entendido como o rompimento do saco amniótico, em dores da dilatação, às quais normalmente se segue o rompimento do saco aminiótico, dilatação do colo do útero e desprendimento do feto no álveo materno. Há aborto, que é crime, se há a destruição do feto antes do início do parto.

A prova do nascimento com vida é fornecida com a comprovação da respiração pela docimasia. Nelson Hungria vai além ao ensinar que mesmo sem a respiração a vida pode manifestar-se por outros sinais, como sejam o movimento circulatório, as pulsações do coração.[3]

Se há siameses ou xifópagos há um duplo homicídio.

O homicídio é crime material e se consuma com o evento morte. A gravidade desse crime(ato antijurídico e típico), deve merecer séria reprimenda penal. Correto o projeto ao aumentar a pena mínimado homicídio simples de seis para oito anos de prisão.Por outro lado, aumenta de um sexto para um quarto da pena o tempo mínimo que o apenado primário é obrigado a ficar preso em regime fechado. Por sua vez, a progressão para os reincidentes em crime doloso ou cometido com violência ou grave ameaça fica em um terço da pena.

O homicídio qualificado é oposto do homicídio privilegiado, já que as circunstâncias deste suavizam as penas cominadas no homicídio simples.

Percebe-se que estamos em situação grave, diante do homicídio qualificado, previsto no artigo 121, § 2º, onde o agente revela um verdadeiro desprezo a seu semelhante seja praticando o crime: mediante paga, mando, promessa de recompensa; por preconceito de raça, cor, etnia, orientação sexual e identidade de gênero, deficiência, condição de vulnerabilidade social, religião, procedência regional ou nacional, ou por outro motivo torpe; ou em contexto de violência domestica ou familiar; por motivo fútil; com emprego de veneno; fogo, explosivo, asfixia, tortura ou meio igualmente insidioso,cruel ou de que possa resultar perigo comum; à traição, de emboscada, mediante dissimulação ou outra conduta análoga para dificultar ou tornar impossível a defesa do ofendido; para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime ou por dois ou mais agentes em atividade típica de grupo de extermínio. A isso se acrescenta agravante genérica como é o caso do parricídio, um crime infame que é matar um pai.

O anteprojeto de forma salutar procura impor penas mais graves, inserindo como qualificadoras as hipóteses de homicídio praticado tendo como base um preconceito racial, ético, sexual.

Motivo fútil é aquele que se apresenta como antecedente psicológico desproporcionado com a gravidade da reação homicida, em afronta a sensibilidade moral da sociedade. Assim o desentendimento banal e corriqueiro, como o que surge numa briga de vizinhos, de colegas, numa partida de futebol.

Torpe é o motivo que ofende de forma grave a moralidade média e os princípios éticos dominantes em determinado meio social.

O homicídio mediante paga é o que chamamos de assassínio. Implica na participação de duas pessoas, sendo o homicídio qualificado para ambas, onde há ausência de sensibilidade moral. Aqui a recompensa terá um valor econômico.

Haverá homicídio qualificado pelo envenenamento caso ele seja ministrado à vítima de forma insidiosa, sem o seu conhecimento.

O envenenamento violento pode ser considerado meio cruel, que é todo aquele que acarreta padecimento desnecessário para a vítima,aumentando inutilmente o sofrimento. O meio cruel, de que é tipo a tortura, é o preferido pelo sádico que se compraz mais com o sofrimento do que com amorte da vítima.

A tortura é meio cruel, onde se revela uma culpabilidade extrema.

A asfixia, por sua vez, é forma cruel de causar a morte.

A traição é a perfídia, a deslealdade, dele se distinguindo a emboscada, quando o agente aguarda a vítima, oculto, por certo tempo, no lugar ou nos lugares onde se pode atingir e ainda da surpresa.

Ainda incide a qualificadora nos casos de homicídio causado em face de conflitos domésticos, não só em defesa do meio familiar, mas ainda como resposta a covardia e crueldade dessa forma de matar que envolve entes da família.

Digna de aplausos a inclusão da qualificadora para os casos de morte causada por verdadeiros esquadrões da morte, que se constituem para eliminação,em prol de interesses inconfessáveis.

A gravidade do crime de homicídio qualificado exige a correta reprimenda na proporcionalidade devida, à luz do artigo 121, § 1ª, de prisão(não se falará mais de reclusão ou de detenção) de doze a trinta anos, podendo a pena ser aumentada de um terço(causa de aumento de pena), que surgirá, na terceira fase junto com as causas de diminuição,pelo método trifásico, após o cômputo das circunstâncias judiciais e atenuantes e agravantes(artigo 84) , se o crime é praticado contra criança ou idoso.

É trazido a discussão o homicídio qualificado(artigo 121, § 2º, IV, do CP), quando há indícios de que seria cometido “à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido”. São circunstâncias que levam à prática do crime com maior segurança para o agente, que se vale da boa-fé ou desprevenção da vítima e revelam a covardia do autor. A traição consubstancia-se essencialmente na quebra de confiança depositada pela vítima do agente, que dela se aproveita para matá-la. Demonstra o agente um maior grau de criminalidade quando pratica o crime à traição. Atinge o agente a vítima descuidada e confiante, em casos de perfídia e deslealdade. Se mata a vítima adormecida pode agir com traição, que é caracterizada pela perfídia e pela deslealdade(RF 159/385; 165/334). Será o procedimento insidioso, quando houver disfarce da intenção hostil, de tal modo que a vítima iludida, não tem motivo para desconfiar do ataque e venha a ser colhida de surpresa(RF 106/128; 159/385).

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Há emboscada quando o agente aguarda a vítima, oculto, por certo lapso de tempo, no lugar ou nos lugares onde a pode atingir.

A dissimulação é o emprego de recurso que distrai a atenção da vítima do ataque do agente. Por sua vez, a emboscada é a espera por parte do agente, da passagem ou chegada da vítima descuidada, para feri-la de improviso(RT 333/500). Por sua vez, a surpresa pode qualificar o delito quando, de forma efetiva, tenha dificultado ou impossibilitado o agente de se defender(RT 545/326). Será o caso do gesto repentino quando não se dá à vítima condições de se defender.

Para se ter uma ideia, no direito penal brasileiro, há homicídio qualificado se há recurso que dificulta ou impossibilita a defesa. Tal só pode abranger hipótese que seja análoga à traição, emboscada ou dissimulação(TJSP, RJTJSP 108/451). Entende-se ainda que além da surpresa não haja razão para o ofendido esperar ou pelo menos suspeitar da possibilidade de agressão.

O Código Penal menciona a expressão genérica ou outro recurso que dificulte ou impossibilite a defesa da vítima como a surpresa para o ofendido(RT 154/22 – 159/556 – 166/528 – 177/128). Em verdade, como explicou Magalhães Noronha[4] “a dificuldade ou impossibilidade há de resultar do modo por que o agente atua e não de condições do sujeito passivo”.

Da leitura do Código Penal tem-se o caso em que o homicídio é cometido como meio de conseguir um fim que pode ser o de assegurar a execução de outro crime ou a ocultação de um delito ou a impunidade que pressupõe o conhecimento do delito, mas visando o agente à subtração de suas consequências, ou a vantagem que quase sempre será patrimonial, o que, no entanto, não será imprescindível.

Ocultação de um crime não é impunidade dele. Na ocultação se tem o fato em vista. Na impunidade, o agente.

Mas é necessário atentar para a lição de Magalhães Noronha[5] para quem o segundo crime não forma com o homicídio um delito complexo, um tipo da fusão de dois ou mais tipos. Haverá conexão ou conexidade entre eles. São delitos autônomos que devem ser presos a uma relação de causa e efeito ou de meio e fim. Não se fundem ou dissolvem para formar um tipo, isto porque não há um terceiro tipo. O latrocínio não se enquadra na visão do artigo 121, V, § 5º, do CP, uma vez que é um crime complexo(RT 210/500 – 226/580).


[1] O anteprojeto, no artigo 124, parágrafo único, espanca dúvida com relação a eventual concurso de agentes no infanticídio  quando quem, de qualquer modo, concorrer para o crime, responde nas penas do homicídio. Adota-se a tese de Hungria, de Fragoso, fundada no direito suíço, segundo o qual, nesse  crime, o concurso de agentes é inadmissível. Não se admite aqui autoria ou participação de infanticídio.

[2] Entende-se por estado puerperal um estado fisiológico normal. Para uns, é o estado em que se encontra a parturiente durante a gestação, o parto e algum tempo após este. Para outros, é o período que se segue ao parto ou ainda, o que se inicia com o parto e termina com a involução clínica do útero e a menstruação. O crime é material e se consuma com a morte do feto e do recém-nascido.

[3] HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal, Rio de Janeiro, volume V, 5ª edição,  1980, pág. 38.

[4] MAGALHÃES NORONHA. E. Direito Penal, São Paulo, 1976, 12ª edição, pág. 33.

[5] MAGALHÃES NORONHA, E. Direito Penal, São Paulo, 1976, 12ª edição, pág. 33.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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