Teoria geral dos recursos no processo civil

26/03/2015 às 22:47
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Este trabalho visa apresentar um texto esquematizado de forma didática, introdutório ao tema dos Recursos no Processo Civil.

1. Duplo Grau de Jurisdição:
 
    O conceito de recurso nasce de uma garantia fundamental assegurado implicitamente pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5°:
 
CF, Art. 5°
 
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
 
    Embora o artigo 5°, LV trate do recurso em sentido amplo, dele decorre o recurso em sentido estrito. Os recursos nada mais são do que um desdobramento do contraditório. Este dispositivo constitucional é o primeiro a fazer menção a um sistema recursal.
    Outra menção está prevista no Artigo 92, quando o legislador elencou os órgãos do Poder Judiciário. Ora, se a competência derivada dos Tribunais de Justiça é julgar recursos e eles estão previstos CF, presume-se  a existência de um sistema recursal:
 
Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário:
 
I - o Supremo Tribunal Federal;
 
I-A o Conselho Nacional de Justiça; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
 
II - o Superior Tribunal de Justiça; [...]
 
    A CF prevê dois recursos em espécie, quais sejam: RESP (STF), CF, Art. 102, III; e RE (STJ), CF, Art. 105, III:
 
 
III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:
 
a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;
 
 b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
 
c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.
 
   Em sendo essa garantia prevista de forma indireta, oblíqua, não expressa, quais são as consequências? 1. Em relação ao RESP e o RE, que estão previstos expressamente na CF, somente poderão ser alterados, ampliados ou expulsos do ordenamento por norma de mesma hierarquia, ou seja, Emenda Constitucional ou nova CF. Por exemplo: restrição da admissão do Recurso Extraordinário em 2004, alterada por Emenda Constitucional. O que se discute hoje é o alargamento e a introdução da repercussão geral do RESP, se for feita, o será por meio de emenda. O novo código não poderá abolir essas espécies de recurso, uma vez que é lei ordinária. O mesmo se aplica às súmulas restritivas: são inconstitucionais, pois nem mesmo normas são, mas não são declaradas inconstitucionais, pois quem o deveria fazer, é o STF, e é quem as edita. 2. O sistema infraconstitucional pode ser limitado, desde que se mantenha ao menos um recurso de cognição ampla contra sentença de mérito. Isto significa que a garantia do duplo grau se esgota, se satisfaz com a existência de pelo menos um recurso de cognição ampla contra sentença de mérito, independentemente de nome. Hoje o nome no rito ordinário é apelação e no sumário não há nome e, por isso, conhecesse pelo nome de recurso inominado. Todos os demais recursos são passíveis de exclusão, isto é, é possível que o legislador, no novo código, os exclua, exceto pelo amplo e pelo RE e RESP.
 
1.1. Conceito:
 
    Segundo Nelson Nery Júnior é: "Possibilidade de a sentença definitiva ser reapreciada por órgão de jurisdição normalmente superior à daquele que a proferiu, o que se faz de ordinário pelo recurso. Não é necessário que o segundo julgamento seja conferido à órgão diverso ou de categoria hierárquica superior à daquele que realizou o primeiro exame". (Teoria Geral de Recursos, ed.6, p. 44).
    Isto é, o duplo grau se vincula ao reexame da decisão, no entanto, não necessariamente será feito por outro órgão. Exemplo disto são os Embargos de Declaração, que são apreciados pelo mesmo órgão prolator. Posto isto, resta a pergunta: qual órgão reexaminará? Esta pergunta será respondida segundo às regras de distribuição de competência e se vincula, inclusive, a interesses judiciais, tais como, sobrecargas de processos nos tribunais, questão de insignificante importância. Nada tem a ver, portanto, com o núcleo constitucional da garantia do duplo grau de jurisdição.
 
Conclusão: o duplo grau se perfaz através da garantia da existência de ao menos um recurso de cognição ampla.
 
2. Recurso:
 
    Segundo José Carlos Barbosa Moreira: "Recurso é um meio voluntário idôneo à ensejar dentro do mesmo processo a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se impugna". Daí destaca-se: 1. voluntariedade; 2. dentro do mesmo processo ou endoprocessualidade; 3. reforma, invalidação, esclarecimento e integração, elementos que esgotaremos a seguir.
 
2.1. Voluntariedade:
 
    Recurso é meio voluntário, isto é, só recorre aquele que foi prejudicado pela decisão aquele que quiser, se quiser obter uma situação de vantagem dentro do processo. A simples interposição de recurso não garante essa vantagem, mas é um primeiro passo. Se a parte recorrer, pode ser que ela tenha vantagem, mas não é certeza. Daí conclui-se que o recurso é um ônus processual: exercitado o ônus, existe a possibilidade de que advenha vantagem. No entanto, a contrário senso, não exercitado o ônus, não haverá vantagem alguma, isto é, a consequência de não recorrer é a preclusão da possível vantagem, de maneira que aquela matéria não poderá ser reexaminada naquela relação processual, salvo se for de ordem pública.
    Ora, se recurso é meio voluntário, o que seria um recurso obrigatório ou de ofício? Essas expressões são equivocadas, pois não se reportam a um recurso. Esta expressão está errada, pois se trata de um outro instituto processual denominado corretamente de reexame obrigatório, remessa obrigatória, reexame necessário ou remessa necessária.
 
2.1.1. Reexame e Remessa Obrigatório ou Necessária:
 
    Chamaremos de Reexame Necessário e vem previsto no Artigo 475 do CPC:
 
Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:
 
I - proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público;
 
II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI).
 
§ 1° Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los.
 
§ 2° Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor.
 
§ 3° Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente.
 
    Ele tem cabimento no processo de conhecimento e nos embargos do devedor. No entanto, trataremos apenas do cabimento no processo de conhecimento.
    Trata-se de uma condição para o trânsito em julgado das sentenças condenatórias impostas à Fazenda Pública em quantia superior a sessenta salários mínimos, desde que essa sentença não esteja fundamentada em jurisprudência do pleno do STF ou em súmula de Tribunal Superior. Trata-se de um instituto que garante tratamento diferenciado à Fazenda Pública, que, por sua vez, consiste no Estado no sentido econômico, isto é, corresponde ao erário. O legislador indica quem compõe a Fazenda Pública para fins de Reexame Necessário no inciso I do Artigo 475 do CPC, cuja interpretação é restritiva: "I - proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público".
    Concluindo: proferida uma sentença condenatória não fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente precedente contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público em quantia maior que 60 salários mínimos, NÃO HAVERÁ TRÂNSITO EM JULGADO, independentemente de recurso voluntário por parte do procurador. Por isso o Reexame Necessário é condição ao trânsito em julgado.
    Preenchido os requisitos, a União tem 30 dias para recorrer. Abrem-se duas possibilidades:
 
Reexame Necessário

1 O procurador recorre: antes de julgar a apelação, em preliminar, a câmara fará o reexame necessário, independentemente de pretensão recursal, já que não se trata de recurso, para verificar se a condenação é adequada, se não foi superfaturada. Se ainda houver objeto, isto é, não houver inadequação, julga-se a apelação. Se for julgada inadequada, a apelação fica prejudicada e não haverá mais objeto.

2 O procurador não recorre: o juiz remete automaticamente os autos ao tribunal para o reexame. Feito o reexame, estando adequada a condenação, lavrar-se-á o acórdão e ocorrerá o trânsito. Se, eventualmente, o juiz de 1° grau não remete-los, cabe ao Presidente do tribunal avoca-los, isto é, chama-los. Antes disso, esta sentença não produzirá efeitos.

~~OBS:
 
1. O Reexame Necessário não se submete a prazo, porém, a eficácia desta sentença fica contida e condicionada ao reexame;
2. O Reexame independe de pedido, de peça processual. Não há, portanto formalidade, pretensão recursal etc.;
3. O Reexame Necessário é manifestação do princípio inquisitivo do processo e ele se processa sem a oitiva da parte contrária, isto é, não há contraditório;
4. O Reexame Necessário é pro-Fazenda, de maneira que não é possível prejudicar a situação da Fazenda Pública em Reexame Necessário. Não se eleva, majora, o valor da condenação em face da Fazenda em Reexame Necessário, ainda que se verifique que a indenização imposta é insuficiente, de acordo com a Súmula 45 do STJ:
 
Súmula 45 do STJ: No reexame necessário, é defeso, ao Tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Pública.
 
    Essas nuances levaram o doutrinador Nelson Nery a conceituar o Instituto como "de bases inconstitucionais".
 
5. A Súmula 490 do STJ nos leva a afirmar que: a sentença ilíquida, fruto de um pedido genérico, proferida contra a fazenda, se submete ao Reexame Necessário, salvo se estiver amparada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente.
 
Súmula 490 STJ: A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas.
 
2.2. Endoprocessualidade:
 
    O recurso é um meio de revisão de decisão judicial dentro do processo onde a decisão foi proferida, daí a expressão "endo". Inferimos então, que a apelação, o recurso não faz nascer um novo processo: trata-se do mesmo processo, da mesma relação processual, apenas o procedimento terá continuidade, perante, em regra, à estância superior.
    Em contraposição aos recursos que são mecanismos endoprocessuais, existem mecanismos extrapoessuais de revisão judicial, que terão natureza de acionária, isto é, tratar-se-á de ação.
    Isto é, existem duas maneiras de revisão de decisão judicial: endoprocessual, através de recurso, ou extraprocessual, por meio de ações impugnativas autônomas, que é um mecanismo mais caro. Exemplo: embargos de terceiro, embargos do devedor, ação rescisória, mandado de segurança, Querella Nullitatis Insanabilis  etc. Via de regra, estas ações demandam o preenchimento de alguns requisitos, como, por exemplo, a ação rescisória, que visa rescindir a sentença de mérito, transitada em julgada, com vício gravíssimo elencado no  Artigo 485 do CPC.
 
OBS: Querella Nullitatis Insanabilis também é uma ação impugnativa que tem como objetivo atacar a coisa julgada proferida em processo com vício de nulidade de citação. Competência originária: Tribunal de Primeira Instância.
 
2.2.1. Mandado de Segurança:
 
    Não é sucedâneo recursal, isto é, não faz as vezes de recurso. Quando deve ser utilizado? Deve ser utilizado para  impugnar decisão judicial quando não cabe impetração de recurso. Se contra um determinada decisão judicial o sistema processual prevê recurso, não cabe mandado de segurança. No entanto, se o próprio sistema prevê que, determinada decisão é irrecorrível, caberá impetração de mandado de segurança.
    Exemplo: decisão de conversão de agravo de instrumento em Agravo Retido (decisão interlocutória, contra a qual não cabe recurso) → cabe impetração de Mandado de Segurança, cujo prazo para impetração é de 120 dias. No entanto, em decisão recente, a Ministra Fátima Nancy Andrighi (Recurso n° RMS 43.439 - MJ j. 24/09/2013) julgou que, naquele caso concreto, o prazo deveria ser de 5 dias.
 
2.3. Objetivos do Recurso:
 
2.3.1. Reformar:
 
    Reformar é inverter a sucumbência. A parte vencida deseja tornar-se vencedora, a partir do reconhecimento de um error in judicando (erro no julgamento, erro de atividade jurisdicional, erro substancial). A parte recorrente alegará que o mérito foi mal apreciado pelo juiz, pela mal aplicação da lei, ou mal apreciação do contexto probatório.
 
2.3.2. Invalidar:
 
    Significa anular, desconstituir a partir do reconhecimento de um error in procedendo (erro de condução do processo - inobservância dos princípios processuais e das garantias do processo, quais sejam: ampla defesa, contraditório, publicidade, motivação etc.). Invalidando-se a sentença, para que não haja erro de competência, a regra é que a causa retorne à origem para que o órgão inferior reaprecie a causa, excepcionalmente o tribunal recursal reformará a decisão.
 
OBS: A Apelação pode se prestar a invalidar, preliminarmente e a reformar, no pedido.
 
2.3.3. Esclarecer:
 
    Esclarecer significa tornar claro algo obscuro ou contraditório.
 
2.3.4. Integrar:
 
    Complementar algo omisso.
 
OBS: Esses dois objetivos, esclarecer e integrar, se prestam única e exclusivamente aos Embargos de Declaração.
 
2.4. Objeto do Recurso:
 
    O recurso se destina à decisões, pois estas causam sucumbência, prejuízo. Os despachos que nada decidem, são irrecorríveis, exceto no que diz respeito ao Despacho Saneador, que tem natureza de decisão interlocutória e, portanto desafia agravo. Exemplo de despacho irrecorrível: CITE-SE. Não há prejuízo.

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~~BIBLIOGRAFIA

ALMEIDA, Roberto Moreira de. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Método, 2009.
ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. V1. 12 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria Geral do Processo. 13 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
DINAMARCO, Candido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. V.3 São Paulo: Malheiros, 2009b.
GRINOVER, Ada Pellegrini.  O Processo em Evolução. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1998

 
 

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Texto criado como pré-requisito à aprovação na Disciplina de Direito Processual Civil no curso de Graduação em Direito.

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