A dinâmica do ônus da prova no processo civil brasileiro

31/03/2015 às 17:09
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Análise do novo Código de Processo Civil Brasileiro quanto à dinâmica de distribuição do ônus da prova que permite ao juiz, em decisão fundamentada e observado o contraditório, excepcionar a regra de imposição estática ora vigente.

Resumo: O Código de Processo Civil ora vigente, baseado em uma visão estática, estabelece que ao autor cabe o ônus da prova do fato constitutivo de seu direito e ao réu os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor (BRASIL, 1973, Art. 333). O direito processual civil ao atribuir, em abstrato, ao autor da ação o ônus da prova, subjuga o direito material trazido a julgamento, simplesmente pela posição processual da parte. Esse império do processo, justificado em nome da segurança jurídica, começa a ceder importância no direito pátrio diante de uma nova dinâmica de distribuição do ônus da prova, já embrionária nos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988. O Novo Código de Processo Civil Brasileiro, ideologicamente comprometido com a promoção da isonomia real das partes no processo, permite ao juiz, pelas circunstâncias da causa e peculiaridades do fato, em decisão fundamentada e observado o contraditório, excepcionar a regra de imposição estática do ônus da prova. O aspecto social e humanístico, caracterizador do novo processo, movimenta-se no sentido de distribuir os encargos da prova por princípios com força normativa, retomando-se a preponderância do direito material. Retirada do processo a barreira do “então prove”, consubstancia-se uma nova ordem jurídica balizada pelos princípios da boa-fé, da cooperação, da igualdade das partes no processo e da razoabilidade. O ônus da prova poderá, então, recair, no caso concreto, sobre a parte que se encontre em condições mais favoráveis de esclarecer os fatos.

Palavras-chave: Direito Processual Civil. Dinâmica do ônus da prova. Novo Código de Processo Civil Brasileiro e o ônus da prova.

Abstract: The Code of Civil Procedure now in force in Brazil is based on a static view and states that the plaintiff does the burden of proof of the constituent fact of his right and that the defendant does the burden of proof of impeding, amending or extinguishing facts about the right of the plaintiff (BRAZIL, 1973, Art. 333). The civil procedural law provides, in abstract, that the burden of proof has to be done by the plaintiff, and this obligation subdues the substantive law brought to the trial, only considering the procedural position of the part. This predominance of the process, which is justified in the name of legal certainty, is starting to change its importance in Brazilian law facing a new dynamic in the burden of proof, initiated by the fundamental rights under the Constitution of 1988. The New Brazilian Code of Civil Procedure is ideologically committed with the promotion of real equality of the parties and allows the judge to exclude the general rule that imposes the burden of proof, according to the circumstances of the case and peculiarities of fact, in a legal reasoned decision and provided that the judge has observed the principle of adversary system. The social and humanistic aspects, that characterizes the new process, moves towards distributing the burden of proof according to principles with normative force, and gives the preponderance back to the substantive law. When the barrier of "you have to prove it" is removed from the case, the new law embodies up a new legal order buoyed by the principles of good faith, cooperation, equality of the parties and reasonableness. The burden of proof may be done by the party who has more favorable terms to clarify the facts.

Keywords: Civil Procedure Law. Dynamics of the burden of proof. New Brazilian Code of Civil Procedure and the burden of proof.

Sumário: Introdução. 1. A prova. 2. O ônus da prova. 3. A dinâmica do ônus da prova. 4. A prova enquanto direito das partes. 5. O processo como instrumento de interação entre as partes. 6. Princípios com força normativa. 6.1. Princípio da cooperação. 6.2. Princípio da igualdade processual. 6.3. Princípio da razoabilidade. 7. O novo Código de Processo Civil e o ônus da prova. Conclusão.   

Introdução

Neste momento de transição, quando um novo Código de Processo Civil – Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 – está prestes a substituir o atual, vigente desde 1973, este trabalho destina-se a analisar e discutir a nova dinâmica das relações entre as partes dentro do processo civil brasileiro, principalmente, quanto ao ônus da prova. Abordam-se questões de como, historicamente, fora tratada a distribuição do ônus da prova, a superação do comando estático e o vigor florescente do capítulo Das Normas Fundamentais do Processo Civil, do novo CPC, onde destacamos:
“Art. 5º. Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.
Art. 6º. Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
Art. 7º. É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e a aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.” (BRASIL, 2015).
Composto o novo cenário, invoca-se a democratização do processo, onde autor, réu e juiz estão vinculados aos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade, da legalidade, da publicidade e da eficiência, na forma do artigo 8º, do novo CPC:
“Art. 8º. Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.” (BRASIL, 2015).
Esses comandos, entendemos, positivam o dever de boa-fé, de cooperação e da igualdade das partes no processo, já consagrados nos direitos fundamentais da Constituição Federal de 1988. O esforço passa a ser concentrado em se obter uma decisão de mérito justa e efetiva.
A abertura que dá ao juiz o poder de excepcionar a regra do onus probandi representa importante inovação de conceito, desatrelando o ônus da prova de um comando estático, regra do artigo 333, do CPC vigente, e possibilitando a sua distribuição à parte que estiver em melhores condições de produzi-la. Já não importa a posição da parte se autora ou ré, a espécie do fato se constitutivo, impeditivo, modificativo ou extintivo. O novo foco é utilizar o processo para satisfazer quem detiver o melhor direito material.
A regra geral, na forma do caput, incisos e parágrafos do art. 373, do novo CPC, continua sendo que o ônus da prova incumbe ao autor, quanto aos fatos constitutivos de seu direito, e ao réu, quanto a existência de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor. O que se acrescenta é que, em situações peculiares e por decisão fundamentada, é dado ao juiz o poder de atribuir o ônus da prova de modo diverso da regra, restabelecendo a isonomia real das partes no processo, o ambiente de cooperação e da boa-fé, para pacificação pela efetividade da jurisdição.
Também, por convenção das partes, pode ocorrer a distribuição diversa do ônus da prova, salvo quando, recair sobre direito indisponível da parte ou tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito:
“Art. 373. O ônus da prova incumbe:
I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do auto.
Parágrafo 1º. Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, casos em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
Parágrafo 2º. A decisão prevista no parágrafo 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.
Parágrafo 3º. A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando:
I – recair sobre direito indisponível da parte;
II – tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.
Parágrafo 4º A convenção de que trata o parágrafo 3º pode ser celebrada antes ou durante ao processo.” (BRASIL, 2015).
Trata-se, portanto, de uma possibilidade de flexibilização das regras de distribuição do ônus da prova, permitindo ao juiz que, em decisão fundamentada, observado o contraditório, decida por adequar a regra processual, no caso concreto, de modo a não subjugar o direito material reclamado, simplesmente pela posição das partes na lide.
O ontem e o hoje podem ser facilmente visualizados e entendidos na lição de Lédio Rosa de Andrade, onde ele diz que:
“[…] a Ciência do Direito pode ser analisada de duas formas distintas. A primeira, de visão dogmática, caracterizada pela postura tradicional, formal, com base em preceitos preestabelecidos. A segunda, antípoda desta, caracterizada pela criticidade, onde nada é admitido como certo, imutável, absolutamente justo e universal. Lá, a certeza é a pauta; aqui, o questionamento é a fonte base da investigação.” (2008, p. 21).  

1 A prova

Genericamente, dentro de um processo, a prova materializa-se no ato de uma ou mais partes do processo apresentar ou demonstrar elementos que se pretenda ser, ou possam parecer, verdades de um fato ou posição trazido a julgamento. Senso comum, a palavra prova traduz o ato de materializar, de tornar verdade, o que se está dizendo ou mostrando.
Juridicamente, o vocábulo prova, segundo o Professor Eduardo Cambi, é plurissignificante:
“[…] já que pode ser referido a mais de um sentido, aludindo-se ao fato apresentado, à atividade probatória, ao meio ou fonte de prova, ao procedimento pelo qual os sujeitos processuais obtêm o meio de prova ou, ainda, ao resultado do procedimento, isto é, a representação que dele deriva (mais especificamente, à convicção do juiz).” (2001, p. 41).
Conforme se verifica nas origens do Direito, a prova pouco valia na solução de desacordos. Os conflitos de interesses resolviam-se pela posição de supremacia de uma das partes, que impunha a outra a sua verdade não pela existência de eventual prova, mas pela força. A prova, quando trazida para o processo, tinha ou se submetia a uma posição de menor importância, questão subjetiva de caráter, assumindo contornos ligados à personalidade ou saliência socioeconômica da parte ou de valor meramente religioso.
Essa realidade, como observa Fernando Luiz Vicentini, em seu trabalho Teoria da Distribuição Dinâmica do Ônus da Prova:
“[…] foi se modificando com a evolução social e fortalecimento do Estado, quando, então, surgem mecanismos de estruturação e administração social e começa a predominar a justiça pública sobre a privada e prova passa a ter diversas conotações, como ato de provar, meio de prova, podendo ser documental, pericial ou testemunhal, ou, ainda, resultado de atos tendentes a formar um convencimento judicial.” (2013).
A importância da prova, na administração da tutela jurisdicional, ganha singular justificativa na medida em que a pretensão das partes em juízo contem um universo de possibilidades. Ao demandar, incumbe o autor afirmar a ocorrência do fato que lhe serve de base, devendo qualificá-lo juridicamente e pedir ao juízo que restabeleça seus direitos. Tais ensinamentos, didaticamente colocados no livro Teoria Geral do Processo, estão assim explicados:
“As afirmações de fato feitas pelo autor podem corresponder ou não à verdade. E a elas ordinariamente se contrapõem as afirmações de fato feitas pelo réu em sentido oposto, as quais, por sua vez, também podem ser ou não ser verdadeiras. As dúvidas sobre a veracidade das afirmações de fato feitas pelo autor ou por ambas as partes no processo, a propósito de dada pretensão deduzida em juízo, constituem as questões de fato que devem ser resolvidas pelo juiz, à vista da prova dos fatos pretéritos relevantes. A prova constitui, pois, o instrumento por meio do qual se forma a convicção do juiz a respeito da ocorrência ou inocorrência dos fatos controvertidos no processo.” (CITRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2010, p. 277).    
Evolução semelhante também ocorreu no direito processual brasileiro. O Código de Processo Civil vigente – Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – e o Novo Código – Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 – dizem, respectivamente, que provas são:
“Art. 332. Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.” (BRASIL, 1973).
“Art. 369. As partes têm direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar fatos em que se funda a ação ou a defesa e influir eficazmente na livre convicção do juiz.” (BRASIL, 2015).
Em nosso entender, o novo texto representa uma ampliação e dinamização das possibilidades dos meios de prova, podendo ser entendido como todo acervo de dados, informações e constatações que se permite trazer à apreciação do juiz, de forma a direcionar o magistrado a um julgamento o mais próximo possível dos fatos em que se funda a ação.

2 O ônus da prova

Constituído o processo e identificado o conflito é conveniente que a pacificação das partes guarde coerência com os fatos como realmente transcorreram em sua origem e contexto. Mais que a verdade formal, própria das regras processuais, a verdade real traz ao magistrado o conforto da equidade e do restabelecimento do direito percebido como natural das relações em sociedade.
Ainda que a expressão “ônus” seja sinônimo de dever, de obrigação, pelo seu peso e consequência de possibilidade de subordinação de um dos interesses dentre os conflitantes, o ônus da prova ultrapassa essa conotação de encargo, de incômodo e passa a ser, também e preponderantemente, um direito subjetivo universal. Um direito ou um dever, a prova, uma vez trazida ao processo pode ser aproveitada por todos, autor ou réu, não importando quem suportou o ônus de produzi-la e pode ser empregada como instrumento de poder na relação jurídica.
Tais ensinamentos são colocados por Antonio Danilo Moura de Azevedo, em seu trabalho A Teoria Dinâmica de Distribuição do Ônus da Prova no Direito Processual Civil Brasileiro, onde diz que:
“O ônus, por conseguinte, é a faculdade que a parte dispõe para praticar ou deixar de praticar determinado ato processual – ato este que lhe proporcionará alguma vantagem própria se adimplir com seu ônus. Se a parte não exercita o ônus que lhe compete, esta apenas deixa de usufruir a vantagem processual que obteria se o tivesse exercitado, no momento e na forma prevista nas leis processuais”, e acrescenta: “Por sua vez, o ônus da prova trata-se de uma regra processual que, ressalte-se, não atribui o dever de provar o fato, mas sim atribui o encargo a uma das partes pela falta de prova daquele fato que lhe competia.” (2007).
Produzir a prova não é um dever processual. Não acarreta uma penalidade direta pela sua não adimplência. Consequentemente, ônus da prova é mais uma faculdade de uma ou de ambas as partes em desempenhar-se de tal encargo, mas, uma vez exercida, pode determinar quem vencerá a causa. Nesse sentido, concordamos que a expressão mais correta seria “necessidade da prova”, como ensinava e é citado pelo então Professor e Ministro do STF Moacyr Amaral Santos:
“O onus probandi, traduz-se apropriadamente por dever de provar, no sentido de necessidade de provar. Trata-se apenas de dever no sentido de interesse, necessidade de fornecer a prova destinada à formação da convicção do juiz quanto aos fatos alegados pelas partes.” (BRASIL, 2001).
Também, bastante ilustrativo e didático é o que ensina o Professor J. E. Carreira Alvim, quando diz que:
“O ônus probatório corresponde ao encargo que pesa sobre as partes, de ministrar provas sobre os fatos que constituem fundamento das pretensões deduzidas no processo”. E, ainda, que: “Ônus não é o mesmo que obrigação, mas apenas um encargo que pesa sobre a parte. A obrigação é sempre em relação a alguém, havendo uma relação jurídica entre dois sujeitos, em que a satisfação da obrigação é do interesse do titular do direito. O ônus, por seu turno, é em relação a si próprio, em que satisfazer o ônus é do interesse do próprio onerado. Assim, o devedor tem uma obrigação para com o credor; enquanto o réu tem o ônus da contestação da demanda.” (2012, p. 220).

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3 A dinâmica do ônus da prova

Por muito tempo, a rigidez de comando do art. 333 do Código de Processo Civil Brasileiro se prestou a convenientemente disciplinar o processo dizendo que ao autor incumbe o ônus da prova quanto aos fatos constitutivos de seu direito e ao réu quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (BRASIL, 1973). Se por um lado a contundência da regra atuava como elemento inibidor de denúncias vazias, desestimulando aventureiros, por outro sufocava legítimos direitos que, por qualquer circunstância, as provas não estavam ao alcance do autor. Tínhamos a clara situação do direito processual sobrepondo-se ao direito material.
Mesmo não se prestando mais aos anseios de uma legislação processual mais desenvolta e sofrendo constantes críticas da doutrina contemporânea, a norma rígida resistia blindada por interesses preponderantes e, mesmo, pela defesa dos princípios da inércia e da imparcialidade do juízo. A possibilidade de surgimento de um ativismo jurídico, decorrente de uma legislação processual flexível, era justificativa para a passividade do legislador e dos operadores do direito.
O novo CPC, ainda que de forma contida, trouxe um sopro de modernidade ao tema e incorporou ao texto da lei a possibilidade de flexibilização das regras de distribuição do ônus da prova. Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa em concreto, passa a ser permitido ao juiz, de forma motivada, restabelecer eventual desequilíbrio das condições probatórias entre as partes, determinando que este ônus recaia sobre quem melhores condições dispuser de provar os fatos trazidos a julgamento (BRASIL, 2015, Art. 373).
Não se pretende que o ônus da prova dos fatos alegados deixe de ser um encargo da parte autora. Ocorre que, em determinadas situações, alguém pode se ver diante da lesão de um direito legítimo e, pelas circunstâncias ou peculiaridades dos fatos, não dispor do competente meio de prova. Sem ter como desincumbir-se da obrigação de provar o direito e a lesão sofrida, ficava-se diante da impossibilidade de recorrer ao Estado para obter a jurisdição.
 Refletindo sobre como se pode avançar numa solução diante dos casos em concreto, Antonio Danilo Moura de Azevedo, em seu trabalho A Teoria Dinâmica de Distribuição do Ônus da Prova no Direito Processual Civil Brasileiro assim posiciona-se:
“É incontestável que o ônus da prova continua sendo um encargo das partes. A estas competem provar os fatos que alegarem. Nada obstante, ao magistrado também interessa a produção da prova, posto que a falta da prova ou a falha na sua produção prejudicará, em demasia, seu convencimento. Daí, a principal mudança defendida pela doutrina moderna que vê o processo como um Direito Público. Tomando por base esta visão publicística, o juiz pode determinar a prova de ofício, bem como agir concomitantemente e em iguais condições com as partes, respeitando, sem sombra de dúvidas, as garantias constitucionais do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal e da obrigatoriedade de motivação, tudo isso com o objetivo primordial de elucidar os fatos imprescindíveis para a formação de sua convicção sobre o mérito da causa. A possibilidade do juiz de participar de uma forma mais ativa na produção da prova não retira das partes, de maneira alguma, a possibilidade de continuar participando da formação da prova e também da consideração de seus resultados.” (2007).
Assim sendo, a democratização do processo não retira das partes o alcance ao contraditório e à ampla defesa, como também, não reflete ambiente de insegurança jurídica. A prova, no sentido de solução da lide, interessa a todas as partes no processo, inclusive ao juiz. Ainda que o interesse seja diverso, ou mesmo antagônico, todos, em determinado momento, terão necessidades de ver os fatos provados, afirmativa ou negativamente.
Ao analisar os critérios formais de distribuição do ônus probatório, o Professor J. E. Carreira Alvim aprofunda o raciocínio com os seguintes argumentos:
“Num primeiro plano, parecia óbvio resolver o problema (de distribuição do ônus probatório) no sentido de que deve suportar o risco da prova a parte que tenha interesse na prova; mas essa solução se basearia num critério equívoco e imprestável; pois, se, por um lado, o interesse da afirmação é unilateral, no sentido de que cada parte tem apenas interesse em afirmar os fatos positivos que servem de fundamento à ação ou à defesa, por outro lado, o interesse da prova tem caráter bilateral, no sentido de que, afirmado um fato, cada uma das partes tem interesse em fornecer prova a seu respeito; uma tem interesse em demonstrar a sua existência; a outra, a sua inexistência.” (2012, p. 221).      

4 A prova enquanto direito das partes

Na medida em que ao Estado é assegurado o monopólio de dizer o direito, de decidir a quem assiste razão no conflito de interesses, é razoável esperar-se que esse Estado/Juiz não seja inerte. Seria demasiadamente simplista o juiz assistir as partes digladiarem-se no processo para, ao final, decidir favoravelmente ao que apresentou a melhor performance.
 A missão de pacificação da sociedade pelo exercício da jurisdição somente será legítima se resguardado o melhor direito material, consubstanciado com os fatos como originalmente acontecidos. Não pode ser a posição ocupada em um dos polos da ação a causa determinante para, isoladamente, desincumbir-se das provas. Ter ou não a prova de seu direito não retira do autor a legitimidade de reclamá-lo, nem do juiz a obrigação em propiciar a melhor solução para o direito reclamado.
Olhando-se sob uma ótica social, pode-se facilmente perceber que é interesse público que os conflitos trazidos ao julgamento se pacifiquem não somente pela imposição de uma sentença, mas pela compreensão e aceitação da sociedade de que o mérito ali reconhecido guarda contornos de justiça. Nesse sentido, tudo quanto se refira à prova dos direitos de cada um dentro do processo, entendemos, tem interesse público, sendo desejável e salutar, que tenha o juiz prerrogativas para determinar que qualquer uma das partes seja obrigada a trazer à apreciação do julgador, todos os elementos esclarecedores da situação fática apreciada.

5 O processo como instrumento de interação entre as partes

Compreendido e aceito o fenômeno de que tensões e conflitos são próprios das relações socioeconômicas, sempre que duas ou mais pessoas puserem-se em contato forma-se um campo de atuação do direito. O mundo das relações de direito nasce concomitantemente com todo o tipo de encontro. Tais relações submetem-se a princípios tidos como naturais e predominantemente aceitos. A legitimidade do comportamento é reconhecida por sua capacidade de representar um ideário de justiça o mais próximo possível do conjunto de direitos humanos majoritariamente tutelados pelo mundo civilizado.
A materialização desse estado de coisa impõe o surgimento de organismos representativos dos segmentos sociais e de aplicações de adequada forma de tutela jurídica. Tem-se, então, o Estado e suas múltiplas funções. Quase sempre paralelo ao ideário de justiça, o direito representa poderoso e eficiente instrumento do chamado controle social, disponibilizado, em abstrato e subjetivamente, a indivíduos ou segmentos.
Comentando as implicações e magnitude da correlação entre sociedade e direito, os autores da obra Teoria Geral do Processo, ensinam que:
“Indaga-se desde logo, portanto, qual a causa dessa correlação entre sociedade e direito. E a resposta está na função que o direito exerce na sociedade: a função ordenadora, isto é, de coordenação dos interesses que se manifestam na vida social, de modo a organizar a cooperação entre pessoas e compor os conflitos que se verificarem entre seus membros. A tarefa da ordem jurídica é exatamente a de harmonizar as relações sociais intersubjetivas, a fim de ensejar a máxima realização dos valores humanos com o mínimo de sacrifício e desgaste. O critério que deve orientar essa coordenação ou harmonização é o critério do justo e do equitativo, de acordo com a convicção prevalente em determinado momento e lugar.” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2010. p. 25).
No mesmo trabalho, os autores relatam a evolução das fases e formas de solução de conflitos e insatisfações, destacando três momentos, conhecidos como “autotutela”, com ausência de juiz distinto das partes e imposição da decisão por uma das partes à outra; “autocomposição”, onde uma das partes em conflito, ou ambas, abrem mão do interesse ou de parte dele em prol de uma nova configuração suportável do conflito; e, por fim, a “jurisdição”, com o Estado decidindo e impondo soberanamente sua decisão dentro do devido processo legal, ou seja, com a existência de regras previamente existentes e vinculadas ao texto de lei (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2010. p. 26-30).
Com a jurisdição, o Estado passa a ter não somente o monopólio da função legislativa, criando as leis para aplicação em abstrato, mas, também, o monopólio da função de punir, com os juízes agindo em substituição das partes, que não mais podem fazer justiça com as próprias mãos. Passado para o Estado o direito de agir, resta às partes, quando entender lesado um direito seu, a possibilidade de desencadear a ação, provocando, então, o exercício da função jurisprudencial, através do processo.

6 Princípios com força normativa

Nesse momento, para que a prática da distribuição dinâmica do ônus da prova não crie instabilidade e insegurança jurídica no processo civil, por conta de maior discricionariedade na tomada de decisões judiciais, é necessário que se desenvolva uma linha de argumentação, pelo magistrado, aderente a determinados princípios, tais como o princípio da cooperação, da igualdade das partes no processo e da razoabilidade, atribuindo-se deveres, e concomitantemente, direitos às partes da demanda judicial, inclusive ao juiz.
Como esclarece o Doutrinador e ora Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luis Roberto Barroso, escrevendo sobre o reconhecimento de normatividade aos princípios:
“O reconhecimento de normatividade aos princípios e sua distinção qualitativa em relação às regras, é um dos símbolos do pós positivismo. Princípios não são, como as regras, comandos imediatamente descritivos de condutas específicas, mas sim normas que consagram determinados valores ou indicam fins públicos a serem realizados por diferentes meios.” (2007).
Observe-se que esses princípios não são propriamente novidades no processo civil brasileiro. O atual Código de Processo Civil já traz destacado no artigo 14 os “deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo” (BRASIL, 1973), listando nos seus cinco incisos deveres com forte carga principiológica.
O que o Novo Código de Processo Civil acrescenta é toda uma construção desses mandamentos como princípio com força normativa. Sua prática no processo não fica como mero indicativo de comportamento, mas como norma coercitiva. Os deveres processuais, enquanto fazer ou deixar de fazer determinado procedimento, deixam de ser ônus isolado de apenas um dos polos do processo e geram direitos a todos os litigantes, inclusive ao juiz. O que, então, se passa a cuidar no texto do novo CPC é a produção de sentenças o mais próximo possível dos fatos como ocorridos na origem.
Cada um dos princípios da cooperação, da igualdade das partes no processo e da razoabilidade tem aspectos próprios, mas se completam em um ambiente de construção de sentenças geradas do diálogo entre as partes e o juiz, dentro de determinado contexto social.

6.1 Princípio da cooperação

O mestre Elpídio Donizetti, ao tratar do princípio da cooperação, contemplado no artigo 6º e 10º do novo Código de Processo Civil, lança, em seu trabalho Princípio da Cooperação (ou da colaboração) – arts. 5º e 10 do projeto do novo CPC, as seguintes observações e ensinamentos:
“A doutrina brasileira importou do Direito europeu o princípio da cooperação (ou colaboração), segundo o qual o processo seria o produto da atividade cooperativa triangular (entre o juiz e as partes). A moderna concepção processual (no sentido de que o processo é um meio de interesse público na busca da justa aplicação do ordenamento jurídico no0 caso concreto) exige um juiz ativo no centro da controvérsia e a participação ativa das partes, por meio da efetivação do caráter isonômico entre os sujeitos do processo. Trata-se, como já dito, de uma evolução do princípio do contraditório.
[…]
Assim, o ativismo o juiz deve ser estimulado e ao mesmo tempo conciliado com o ativismo das partes, para que atenda à finalidade social do processo moderno. Torna-se necessário, pois, renovar mentalidades com o intuito de afastar o individualismo do processo, de modo que o papel de cada um dos operadores do direito seja o de cooperar com boa-fé numa eficiente administração da justiça. O processo deve, pois, ser um diálogo entre as partes e o juiz, e não necessariamente um combate ou um jogo de impulso egoístico.” (2012, grifos nossos).

6.2 Princípio da igualdade processual

Quanto à Igualdade Processual entre as partes, pode-se dizer que é um desdobramento do princípio da isonomia ou da igualdade consagrado no caput do art. 5º, da Constituição Federal. Esse entendimento é comungado pelos doutrinadores e autores da obra Teoria Geral do Processo, onde ensinam que:
“A igualdade perante a lei é premissa para a afirmação da igualdade perante o juiz: da norma inscrita no art. 5º, caput, da Constituição, brota o princípio da igualdade processual. As partes e os procuradores devem merecer tratamento igualitário, para que tenham as mesmas oportunidades de fazer valer em juízo as suas razões.” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2010. p. 59).

6.3 Princípio da razoabilidade

Ainda pouco presente nos enunciados dos acórdãos de nossos Tribunais Superiores, o princípio da razoabilidade é definido na literatura jurídica como uma diretriz de senso comum, uma ideia de bom senso levada para o Direito. Como instrumento dentro do processo, serve ao juiz para controlar a legitimidade das opções valorativas dos litigantes. As partes, ao expor suas pretensões sobre o que está posto a julgamento, terão que obedecer a critérios aceitáveis e racionais dentro do senso normal de pessoas equilibradas e respeitosas. Da mesma forma o juiz, ao proferir suas decisões e sentenças, fica atrelado ao senso do razoável, discricionário, mas não arbitrário, na medida em que esses atos precisam ser fundamentados dentro do processo.
A razoabilidade não pode ser entendida como um ativismo judicial descompromissado. Trata-se de um princípio permanentemente presente em nosso dia a dia. O tempo todo somos instados a agir com bom senso, prudência e moderação, sob pena de consequências adversas. A elasticidade do princípio, que poderia inicialmente ser visto como uma temeridade, traz o mérito de permitir às partes no processo uma espécie de sintonia fina dentro das circunstâncias do fato concreto e do contexto social vivido durante o desenrolar da lide.
A tendência na utilização de princípios com força normativa nos julgamentos revela-se salutar na medida em que todos esses princípios comportem-se dentro do mandamento constitucional do devido processo legal, ou seja, garantindo-se aos litigantes o contraditório e a ampla defesa.

7 O novo Código de Processo Civil e o ônus da prova

A possibilidade de inversão do ônus da prova no processo civil, ou mais precisamente a flexibilização da norma, com imposição do encargo probatório a qualquer uma das partes ou mesmo sua distribuição entre todos os litigantes, pelo magistrado, sugere um modelo processual democrático, onde todos os sujeitos constroem o processo em um ambiente de paridade e cooperação.
A configuração desse cenário é visto por muitos como ideal e por outros com preocupação. Reproduzimos ao longo desse tópico, citações de estudiosos do tema, onde cada um destaca pontos para justificar seu posicionamento. O que se questiona, pelos que se mostram apreensivos, é o contorno não muito preciso da atuação do juiz dentro de um processo necessariamente formal e tão pródigo de recursos. Teme-se que, em nome da participação simétrica de todos os sujeitos da lide, brotem provimentos jurisdicionais carregados de valoração, ideologia e subjetivismo. Os que entendem um ganho o novo contexto, realçam a democratização do processo, com um judiciário mais aberto e voltado para a solução dos direitos em conflitos em um ambiente de diálogo, sem excessiva rigidez processual, focando nos fatos como originalmente ocorreram e com sentenças próximas do que seja justiça.
Na verdade, não se pode negar que o Novo Código de Processo Civil modifica substancialmente a dinâmica da produção e apresentação da prova pelas partes. Embora a regra geral, trazida no art. 357, é de que o ônus da prova incumbe ao autor quanto ao fato constitutivo de seu direito e, ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, o artigo traz uma ressalva quanto aos poderes do juiz. A ressalva destrava os comandos estáticos e representa o novo a ser estudado, compreendido e assimilado. O art. 358, caput e parágrafos, indicam como será realizado esse procedimento e em que circunstância é possível sua aplicação. Para uma melhor compreensão, reproduzimos os referidos artigos, inclusive o 7º, que assegura às partes paridade de tratamento em relação à discussão em juízo dos direitos em litígio:
“Art. 7º. É assegurado às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e a aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.
[...]
Art. 357. O ônus da prova, ressalvados os poderes do juiz, incumbe: I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Art. 358. Considerando as circunstâncias da causa e as peculiaridades do fato a ser provado, o juiz poderá, em decisão fundamentada, observado o contraditório, distribuir de modo diverso o ônus da prova, impondo-o à parte que estiver em melhores condições de produzi-la.
Parágrafo 1º. Sempre que o juiz distribuir o ônus da prova de modo diverso do disposto no art. 357, deverá dar à parte oportunidade para o desempenho adequado do ônus que lhe foi atribuído.
Parágrafo 2º A inversão do ônus da prova, determinada expressamente por decisão judicial, não implica alteração das regras referentes aos encargos da respectiva produção.” (BRASIL, 2015).
Como se observa, o comando indica obrigação de paridade de tratamento processual e atribui ao magistrado zelar pelo efetivo contraditório. O novo papel do juiz afasta-se ligeiramente da decantada inércia para mover-se no sentido de facilitar a apresentação das provas e encontrar com quem está o melhor direito material. Trata-se, claramente, de valoração das circunstâncias da causa e das peculiaridades do fato a ser provado. Diante do conflito, o juiz, motivadamente, introduz encargos, no caso concreto, que melhoram as relações das partes na defesa de seus direitos, sem descuidar do contraditório que é a essência do processo.
O ônus da prova é distribuído de modo diverso do disposto no art. 357, de tal forma que a parte que tiver melhores condições dele se desincumba, não implicando alteração das regras referentes aos encargos da respectiva produção. Nesse sentido, o art. 130, do novo CPC, também cuida do tema e diz que “caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento da lide” (BRASIL, 2015).
Reportando-se às novas tendências sobre o ônus da prova, o Professor Camilo Zufelato, mostra-se favorável e assim se manifesta:
“Uma primeira observação que deve ser feita é quanto ao papel do juiz e a sua forma de condução do processo na distribuição do onus probandi. No sistema de ônus estático, a regra é previamente fixada pelo legislador, de forma que autor ou réu não podem alegar desconhecimento ou surpresa se a decisão final lhe for desfavorável por ter deixado de produzir prova sobre fato por ele alegado. O juiz julga com base na norma definida pelo legislador. No sistema do ônus dinâmico a situação é bem diferente: o juiz poderá alterar, segundo as peculiaridades do caso concreto e a aptidão das partes, a distribuição do ônus da prova, de forma que uma das partes deverá apresentar prova de alegação feita pela outra parte. Em síntese, uma intervenção judicial, pontual e concreto, alterando uma distribuição legal. […]. O que se vê em relação ao tema do ônus da prova é exatamente isso: uma concessão de poder para que o juiz defina casuisticamente como o distribuirá. A nosso sentir esta espécie de ampliação de poderes não é perniciosa; pelo contrário, é salutar e visa a reequilibrar as forças entre os litigantes, instaurando um processo mais igualitário e paritário, mas que, todavia, deve ser usada com cautela e prudência.” (2012).
Já a Professora Gabriela Soares Balestero, em seu trabalho sobre A Inversão do Ônus da Prova no Novo CPC e a Discricionariedade Judicial, entende que os critérios de inversão do ônus da prova devem ser disciplinados pelo legislador de maneira específica e não deixado a cargo do julgador pelos motivos seguintes:
“O instituto da inversão do ônus da prova, sem a presença de qualquer critério para a sua imposição a uma das partes, poderá não somente ser um instrumento à disposição do magistrado para suprir certas deficiências do material probatório, mas também foco de abuso, decisões arbitrárias e ativistas.” (2012).
As discussões que se apresentarão ao longo do tempo da vacatio legis, e mesmo após a entrada em vigor do novo CPC, terão o salutar mérito de testar e submeter ao crivo crítico os novos comandos processuais. Ainda que ajustes possam revelar-se necessários, acreditamos que, no conjunto, o direito processual civil brasileiro estará melhor.

Conclusão

Concluindo, entendemos que a regra continua sendo que o ônus da prova cabe ao autor quanto ao fato constitutivo do seu direito e, ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
O novo Código de Processo Civil não adota nenhuma “teoria de distribuição dinâmica do ônus da prova” em sua configuração clássica. A novidade, que acreditamos ser um importante avanço, está na possibilidade de o juiz, pelas circunstâncias da causa e peculiaridade dos fatos, em decisão fundamentada, distribuir de modo diverso o ônus da prova. Neste contexto, o direito processual ganha dinamismo e cumpre melhor a sua finalidade de instrumento de dizer o direito material. A aplicação de princípios por magistrado ou tribunal pátrio, quando relevante na solução justa da lide, deve ser fundamentada e guardar aderência aos princípios constitucionais.
A aquele que reclama ter um direito seu violado, é correto esperar-se que sua convicção tenha origem em fatos comprováveis. É necessário, portanto, que ao peticionar a jurisdição, o autor traga ao processo elementos comprobatórios mínimos de seu direito, permitindo ao juiz mover-se na função jurisdicional. A simples posição de polo positivo ou negativo no processo não pode ser reclamada, isoladamente, como razão única para impor a outra parte o ônus da prova. Também, não se pode transformar o processo em um embate entre autor e réu, sob a inércia do juiz, esperando que uma das partes cometa uma eventual nulidade. O conflito de direitos somente será corretamente solucionado se o diálogo entre as partes e o juiz desenvolver-se em um ambiente de processo democrático.
Um direito processual progressista deve, certamente, pugnar pela cooperação entre as partes imbuídas pelos princípios da boa-fé e da lealdade processual, um juiz eficiente capaz de restabelecer a igualdade processual, o contexto fático como acontecido em sua origem e a aplicação do melhor direito. O juiz deve desempenhar-se como um garantidor dos direitos de cada uma das partes e o provimento jurisdicional resultar de clara decisão de mérito, onde se assegurou a participação de todos os interessados litigantes.
O processo, solene e formal porque próprio de sua natureza, não pode ultrapassar o contido na legislação em abstrato, de conhecimento e ao alcance de toda a sociedade. A valoração dos atos processual pelo juiz tem exatamente a finalidade do equilíbrio como elemento estrutural do processo, sem, contudo, justificar qualquer prejuízo ao contraditório e a ampla defesa.
Por fim, nos parece correto esperar que o novo instrumento processual civil desencadeará mudanças de comportamento de litigantes e operadores do direito. Um desejável aprendizado conduzirá uma nova situação, onde o juiz, ao proferir uma sentença de mérito, estará dizendo às partes que conhece as circunstâncias, as peculiaridades e os fatos, e, à luz dos fundamentos do direito, determina ações para o autor e para o réu, como meio de justiça.

Referências

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Sobre o autor
Odilon Domingos Botton

Advogado, pós-graduando em Direito Processual Civil pela Faculdade do Litoral Paranaense – ISEPE Guaratuba e graduado em Bacharelado em Direito pela mesma instituição

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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