Medidas cautelares pessoais e as alterações trazidas pela Lei n 11.403/11

01/04/2015 às 14:10
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Este trabalho faz um estudo do novo contexto no qual foi inserida a Lei 12.403/11 que alterou o Código de Processo Penal e trouxe importantes mudanças principalmente quais no que diz respeito às medidas cautelares de natureza pessoal.

1 INTRODUÇÃO

A recente lei 12.403/11 causou uma enorme revolução no processo penal brasileiro, pois aumentou a possibilidade e as formas de resguardar a resultado útil da investigação ou do processo criminal. A grande inovação desta lei diz respeito à nova redação dada ao artigo 319 do CPP, incluindo novas medidas cautelares pessoais. Desta forma, além da prisão preventiva e da fiança, o juiz pode optar pelas medidas de comparecimento periódico em juízo, proibição de acesso ou frequência a determinados lugares, proibição de manter contato com pessoa determinada, proibição de ausentar-se da Comarca, recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga, suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira, internação provisória do acusado (para inimputáveis e semi-imputáveis) e monitoração eletrônica.

O presente trabalho visa retratar e demonstrar a logística e manejo das medidas cautelares pessoais no processo penal especialmente após o advento da lei 12.403/11. Busca-se aqui retratar o contexto em que as medidas cautelares pessoais estão inseridas no ordenamento jurídico, sua aplicabilidade prática e sua eficácia na sociedade de modo a justificar a sua existência e importância.

De início serão abordados aspectos genéricos e comuns a todas as medidas cautelares explicando a necessidade e a sistemática para se alcançar a medida mais cabível a determinado caso concreto. Apesar de ser ato discricionário do juiz, a escolha da medida cautelar não pode ser desvinculadas de determinados pressupostos sob pena de ser considerada abuso de poder. Dessa forma, serão analisados o que deve ser observado pelo juiz no momento determinar o cumprimento de medidas cautelares.

Ademais, também serão abordados os aspectos das prisões provisórias, que não deixam de ser medidas cautelares pessoais. Começaremos pela prisão em flagrante, onde além das espécies, abordaremos a nova natureza jurídica desta modalidade de prisão. A análise da natureza jurídica da prisão em flagrante se faz indispensável, pois, com o advento da lei 12.403/11, a simples homologação judicial do auto de prisão em flagrante, por si só, não é mais suficiente para manter o indivíduo preso durante o Processo. A referida lei trouxe nova redação ao art. 310 do Código de Processo Penal, atribuindo nova conduta do juiz ao receber o auto.

Dessa forma, com essa alteração, a doutrina se divide quanto à natureza jurídica da prisão em flagrante e passam a existir três correntes distintas sobre o tema. A primeira afirma que a prisão em flagrante tem natureza administrativa, a segunda corrente alega que, mesmo com a alteração da lei, a natureza não foi alterada e continuaria sendo medida cautelar. Por fim, a última corrente afirma que a prisão em flagrante agora tem natureza jurídica de medida precautelar.

Em seguida, analisaremos as demais espécies de prisão preventiva com ênfase à previsão na lei 12.403/11 para, no caso de descumprimento das medidas cautelares diversas da prisão, ser decretada outra medida cautelar ou até mesmo a prisão preventiva. Porém, a lei não explica se essa regra deve ou não obedecer aos requisitos da prisão preventiva do art. 312 e 313 do cpp, em especial para os crimes punidos com pena em abstrato não superior a quatro anos. Será possível prisão preventiva justificada apenas pelo descumprimento de medida cautelar anterior?

Diante da possibilidade da decretação de prisão preventiva para o descumprimento de medidas cautelares nos crimes cuja pena em abstrato não comportaria pena em regime inicialmente fechado, faz surgir a ideia de que não poderia uma medida cautelar ser mais gravosa que a própria pena a ser aplicado após transito em julgado.

Por outro, parte da doutrina representada por Cleber Rogério Masson, entende que se o acusado descumpre injustificadamente a medida cautelar, precisaria suportar a sanção pelo seu descumprimento, ou seja, a prisão preventiva seria forma de dar imperatividade ao cumprimento das primeiras medidas cautelares evitando que elas tenham caráter meramente simbólico.

            Pelo fato da prisão preventiva, do ponto de vista teleológico, não ser considerada uma pena antecipada, o seu mal em muito se assemelha aos efeitos produzidos pela pena. A discussão gira em torno da afirmação de que o acusado não deve pagar um preço que ele provavelmente não pagará nem mesmo após a sua condenação definitiva.

            Após isso, esse trabalho irá trabalhar em cima da prisão temporária, abordando seus requisitos, pressupostos e principalmente traçar um paralelo entre ela e a prisão preventiva.

            A prisão domiciliar também é objeto deste trabalho e abordaremos tantos os aspectos previstos no Código de Processo Penal como a prisão domiciliar prevista da Lei de Execução Penal.  

            No Código de Processo Penal a prisão domiciliar substitui a prisão preventiva e se encontra prevista no art. 317 e 318.

            A Lei de Execução Penal traz também o recolhimento domiciliar, porém a previsão diz respeito à substituição ao regime aberto de cumprimento de pena e por esse motivo não é medida cautelar e sim uma modalidade de cumprimento de sentença penal condenatória.

Por fim, analisaremos individualmente cada uma das medidas cautelares diversas da prisão previstas no art. 319 do Código de Processo Penal.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2 A NECESSIDADE DE MEDIDAS CAUTELARES PESSOAIS

 

Indiscutível se torna a autonomia da tutela cautelar e a importância de sua previsão no sistema processual penal como meio de assegurar a efetividade da tutela jurisdicional.

Contudo é importante saber diferenciar a tutela cautelar de tutela antecipada, principalmente no que concerne às suas finalidades específicas. Ambas existem como forma de minorar as ações do tempo e evitar eventuais prejuízos visto o caráter de urgência decorrente do pressuposto do periculum in mora.

A tutela cautelar também tida como conservativa ou assecuratória, tem por finalidade garantir a utilidade e eficácia de um futuro provimento jurisdicional, enquanto que a tutela antecipada, não protege um resultado futuro da tutela jurisdicional, mas propicia a antecipação de seus efeitos.

Medida cautelar, entendida como procedimento judicial destinado a preservar a eficácia de um direito, impedindo que ele se torne inviável pelo decurso do tempo, tem como principal característica a provisoriedade. Significa dizer que, pelo fato de estar vinculada a um processo principal, seus efeitos somente serão mantidos se, na decisão final da demanda, o juízo reconhecer a legalidade do pedido que a originou.

Assim como no processo civil, como o passar do tempo, as medidas cautelares, no processo penal foram se tornando indispensáveis para a tutela do objeto perseguido pelo direito penal.

Em suma, no processo penal, as medidas cautelares têm por objeto resguardar o resultado eficaz da investigação ou do processo. A doutrina costuma dividir as medidas cautelares em reais, probatórias e medidas pessoais.

As medidas cautelares reais incidem sobre coisas e seu fim é resguardar a reparação do dano ou perdimentos de bens. As cautelares reais estão previstas nos artigos 125 a 144 do CPP e são mais conhecidas por medidas assecuratórias abrangendo o sequestro, arresto e hipoteca.

As cautelares probatórias têm por fim a busca de elementos para a convicção da autoria e materialidade por meio de ações para evitar o perecimento da prova. Embora haja previsão de medidas probatórias em legislação especial, o CPP prevê a busca e apreensão e a produção antecipada de provas nos artigos 240 a 250 e no artigo 366 respectivamente.

Por último, as medidas cautelares pessoais incidem sobre pessoas com a finalidade de assegurar a eficácia da investigação criminal ou da instrução penal por meio de restrições à liberdade ou a direitos do investigado. Essa espécie de medida cautelar é a mais invasiva, pois incide sobre a pessoa e não sobre seus bens.

 Pode-se afirmar que a crescente necessidade de um instrumento cautelar eficaz no processo penal – também conhecido como cautelização – advém, não só da morosidade da justiça, mas do desejo que a sociedade tem que ver imediata consequência judicial dos atos praticados pelos delinquentes. Não significa que a medida cautelar deva ser encarada como uma antecipação da pena, mas sim uma forma de mostrar à sociedade que o sistema judiciário está atuando de modo a tutelar a eficácia da futura sentença judicial, e por outro lado, mostrar ao criminoso que existe consequência imediata para os seus atos.

Deste modo, considerando que a lentidão desprestigia os mecanismos formais de resolução de conflitos, surge a figura da medida cautelar.  Acontece que, com o passar dos anos, ocorreu um deslocamento no núcleo do processo e a discussão sobre o deferimento das medidas cautelares se tornou o objeto central do processo. Isso ocorreu porque a sentença de mérito passou a ser vista como algo distante no tempo, enquanto que a medida cautelar tem o condão da imediatidade, muitas vezes sendo deferida antes mesmo da oitiva da parte contrária. As decisões finais tornaram-se apenas um desfecho pouco interessante perante os seus efeitos mitigados pelo decurso temporal.

No processo penal, por conta da existência de medidas cautelares de caráter pessoal, que afetam a liberdade de locomoção e a intimidade, o seu deferimento demanda uma maior prudência por parte do magistrado. Antigamente os juízes só dispunham da prisão cautelar e da fiança como medida para preservar a aplicação da lei e da ordem processual. O uso de medidas cautelares inominadas, baseadas no poder geral de cautela, mesmo admitidas pela jurisprudência, gerava muita polêmica e suspeita de ilegalidade pela doutrina, pois carente era o sistema cautelar pessoal positivado no ordenamento.

Pensando nisso, no ano de 2011, após sete anos de discussões no Congresso Nacional, foi sancionada a Lei 12.403/11, que reformulou e ampliou as medidas cautelares pessoais do artigo 319 do Código de Processo Penal, o qual passou a viger com a seguinte redação:

Art. 319.  São medidas cautelares diversas da prisão: 

I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; 

II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; 

III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; 

IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; 

V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;

VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; 

VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável e houver risco de reiteração; 

VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial; 

IX - monitoração eletrônica. 

2.1 O postulado da proporcionalidade da medida

O princípio da proporcionalidade encontra-se difundido em todo o ordenamento jurídico, não apenas no que diz respeito a medidas cautelares, mas também em toda e qualquer manifestação ou decisão processual, bem como se vale a pautar a atividade administrativa e legislativa na elaboração das leis.

A proporcionalidade é uma máxima, um parâmetro valorativo que permite aferir a idoneidade de uma dada medida legislativa, administrativa ou judicial.  Pelos critérios da proporcionalidade pode-se avaliar a adequação e a necessidade de certa medida, bem como, se outras menos gravosas aos interesses sociais não poderiam ser praticadas em substituição àquela empreendida pelo Poder Público. (CRISTÓVAM, 2006. p. 211).

A implantação das medidas cautelares pessoais previstas na lei 12.403/11 deve se atentar a certos cuidados no sentido de zelar pela proporcionalidade da medida através dos institutos da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito. O prestígio pela proporcionalidade visa evitar decisões pautadas na gravidade abstrata do delito ou no clamor social do fato delituoso que, de fato, geram um anseio de antecipação do castigo por meio de uma pena.

De se atentar, então, para o fato de que as novas regras das cautelares pessoais, que surgem precisamente para evitar o excesso de encarcerização provisória, não podem ser banalizadas somente justificando a sua imposição, sobretudo quando não for o caso de anterior prisão em flagrante, se forem atendidos os requisitos gerais previstos no art. 282, I, e II, CPP, fundada, portanto, em razões justificadas de receio quanto ao risco à efetividade do processo. (Pacelli, 2012, p. 490)

 

Pensando dessa forma, e sabendo que a medida cautelar não deve ter caráter punitivo, o art. 282 do Código de Processo Penal trouxe expressamente os elementos do princípio da proporcionalidade.

Art. 282.  As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: 

 I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; 

II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado. 

Assim, podemos notar que a necessidade e a adequação devem ser consideradas cumulativamente, de modo que, mesmo que a medida seja necessária, só poderá ser deferida se houver sua adequação com a gravidade do crime, com as circunstâncias do fato e com as condições pessoais do indiciado. Da mesma forma se houver adequação sem necessidade, não há porque auferir qualquer modalidade de medida cautelar. 

Por necessidade entende-se que a medida cautelar deve ser utilizada pelo magistrado de forma excepcional e não como medida de antecipação de tutela ou revestida de caráter punitivo. Não se deve atender ao clamor público em detrimento de um direito constitucional de que ninguém seja considerado culpado antes de sentença penal condenatória transitada em julgada. Assim, deve-se ficar evidente a necessidade da medida cautelar para garantir a finalidade a qual se destina.

No que diz respeito à adequação, ela é exigida de forma patente de modo que a medida deve ser adequada à gravidade do crime, às circunstâncias do fato e às condições pessoais do indiciado ou acusado. 

3 PRISÃO EM FLAGRANTE

3.1 Espécies de flagrante

As espécies de flagrante encontram-se previstas no art. 302 do Código de Processo Penal:

Art. 302.  Considera-se em flagrante delito quem:

I - está cometendo a infração penal;

II - acaba de cometê-la;

III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

Por se tratar de hipóteses de privação da liberdade, as modalidades de flagrante devem ser analisadas em sentido estrito, ou seja, não é admissível o uso de analogia ou de interpretação extensiva para configurar a situação de flagrância.

A doutrina e jurisprudência costumam classificar a prisão em flagrante em diversos tipos. Para fins deste trabalho, não se pretende esgotar todas as modalidades, pois não é este o nosso objetivo. Contudo, é imprescindível a abordagem das modalidades de flagrante próprio, impróprio, presumido, preparado, esperado e prorrogado.

Flagrante próprio é a espécie de flagrante genuíno em que as situações mais se aproximam da origem da palavra flagrante. É também chamado de perfeito ou real. Essa modalidade de flagrante está prevista nos incisos I e II do artigo 302 do CPP. Encontra-se em situação de flagrante próprio o agente que está cometendo a infração penal (inciso I) ou aquele que acaba de cometê-la.

O flagrante impróprio, também chamado de imperfeito, irreal, ou quase flagrante, previsto no inciso III do art. 302, é constatado na hipótese do acusado se localizado quando em perseguição, logo após o cometimento da infração penal. Assim, o agente se encontra em situação de flagrante enquanto houver continuidade de perseguição que não precisa, necessariamente, ser realizada pela polícia. Enquanto durar a perseguição haverá situação de flagrância, ainda que o perca de vista. O que não pode acontecer é a chamada solução de continuidade, ou seja, interrupção da perseguição.

Para completar o entendimento acerca da perseguição, podemos recorrer ao parágrafo 1º do artigo 290 do Código de Processo Penal:

§ 1o - Entender-se-á que o executor vai em perseguição do réu, quando:

a) tendo-o avistado, for perseguindo-o sem interrupção, embora depois o tenha perdido de vista;

b) sabendo, por indícios ou informações fidedignas, que o réu tenha passado, há pouco tempo, em tal ou qual direção, pelo lugar em que o procure, for no seu encalço.

            O flagrante presumido está previsto no inciso IV do artigo 302 do CPP e também é conhecido por ficto ou assimilado. Nesta modalidade, o agente é encontrado logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração. Aqui não há necessidade de perseguição e o lapso temporal entre a prisão e o do cometimento da infração pode ser mais flexível.

PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS . ALEGAÇAO DE INOCÊNCIA. LIMITES ESTREITOS DO MANDAMUS QUE IMPEDEM ANÁLISE PROBATÓRIA. FLAGRANTE FICTO. ARTIGO 302, IV, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ELASTICIDADE EM SUA INTERPRETAÇAO. AUSÊNCIA DE NULIDADES NO AUTO DA PRISÃO EM FLAGRANTE. EXCESSO DE PRAZO NA INSTRUÇAOPROCESSUAL. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. INSTRUÇAO ENCERRADA. PRISÃO CAUTELAR. PERICULUM LIBERTATIS.  MOTIVOSCONCRETOS. IMPRESCINDIBILIDADE. FALTA DE FUNDAMENTAÇAO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. ORDEM CONCEDIDA. (STJ – HC 34168/SP, Rel. Min. Paulo Medina, 2004)

Fragrante preparado ou provocado, de índole doutrinária, ocorre quando o agente é induzido ao cometimento do delito para que seja preso em flagrante. Há intervenção na vontade. O STF editou sumula nº 145, considerando esta modalidade de flagrante ilegal, tornando o crime impossível. Súmula nº 145/STF: “Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”.

Ao contrário do flagrante preparado, o flagrante esperado é aceito e ocorre quando, do conhecimento da iminência do acontecimento de um crime pela autoridade policial, este aguarda o melhor momento para realizar a prisão, logo com a realização do primeiro ato executório. Não há intervenção na vontade. Note-se que aqui não existe a figura do agente provocador.

Jurisprudência recente afirma que no caso de tráfico de drogas, na abordagem policial, se o sujeito tem a droga em depósito, o flagrante é esperado. Por outro lado, se não possui a droga e precisa adquirir com terceira pessoa, o flagrante será preparado quando da venda ao policial, pois aquele foi induzido pelo policial.

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. CONDENAÇÃO. APELAÇÃO CRIMINAL JULGADA. WRIT SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. INVIABILIDADE. VIA INADEQUADA. NOTICIA CRIMINIS ANÔNIMA. MATÉRIA NÃO EXAMINADA PELA CORTE DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. FLAGRANTE PREPARADO. NÃO OCORRÊNCIA. DELITO JÁ CONSUMADO ANTERIORMENTE. PATENTE VIOLAÇÃO DA LEI. INEXISTÊNCIA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego do habeas corpus, em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional e em louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi impetrada indevidamente a ordem como substitutiva de recurso especial. 2. O pleito de reconhecimento de nulidade pela noticia criminis anônima não foi examinado pelas instâncias ordinárias, não podendo, assim, ser apreciada a matéria por este Superior Tribunal, sob pena de indevida supressão de instância. 3. O flagrante preparado apresenta-se quando existe a figura do provocador da ação dita por criminosa, que se realiza a partir da indução do fato, e não quando, já estando o sujeito compreendido na descrição típica, a conduta se desenvolve para o fim de efetuar o flagrante. 4. Na espécie, inexiste patente violação da lei pois o crime de tráfico de drogas estava consumado desde a realização dos verbos nucleares "ter em depósito", "guardar" ou "transportar" entorpecentes, condutas que não foram estimuladas pelos policiais, sendo despicienda eventual indução da mercancia pelos agentes. 5. Habeas corpus não conhecido.

(STJ HC 214235/SP, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 15/05/2014, T6 - SEXTA TURMA)

Por fim, o flagrante prorrogado (retardado, estratégico, diferido), ocorre na ação e combate contra as organizações criminosas e também na repressão ao tráfico de drogas e condutas equiparadas, encontrando respaldo nas respectivas leis. No artigo 8º da lei 12.850/13, recebe o nome de ação controlada e basta a comunicação à autoridade judicial.

Art. 8o  Consiste a ação controlada em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações.

§ 1o  O retardamento da intervenção policial ou administrativa será previamente comunicado ao juiz competente que, se for o caso, estabelecerá os seus limites e comunicará ao Ministério Público.

§ 2o  A comunicação será sigilosamente distribuída de forma a não conter informações que possam indicar a operação a ser efetuada.

§ 3o  Até o encerramento da diligência, o acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações.

§ 4o  Ao término da diligência, elaborar-se-á auto circunstanciado acerca da ação controlada.

Art. 9o  Se a ação controlada envolver transposição de fronteiras, o retardamento da intervenção policial ou administrativa somente poderá ocorrer com a cooperação das autoridades dos países que figurem como provável itinerário ou destino do investigado, de modo a reduzir os riscos de fuga e extravio do produto, objeto, instrumento ou proveito do crime.

Para o artigo 53, inciso II, da Lei nº 11.343/06, o flagrante prorrogado necessita de autorização judicial após prévia oitiva do Ministério Público, além do conhecimento dos infratores envolvidos e do provável intinerário da droga.

Art. 53.  Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em lei, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, os seguintes procedimentos investigatórios:

I - a infiltração por agentes de polícia, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes;

II - a não-atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível.

3.2 Natureza jurídica da prisão em flagrante

Com o advento da lei 12.403 de 04 de maio de 2011, pelo fato de alterar a sistemática das medidas cautelares pessoais, surgiram diversas discussões na doutrina sobre os seus efeitos sobre a prisão em flagrante e qual a consequência no que diz respeito à sua natureza jurídica.

Isso ocorreu porque, antes desta lei, a prisão em flagrante era medida cautelar e, por si só, era suficiente para manter o encarceramento durante o processo. Assim, a prisão em flagrante, depois de homologada judicialmente, constituía uma modalidade autônoma de prisão provisória independente de sua conversão em prisão preventiva ou temporária. 

Assim, para manter essa modalidade de prisão, não era necessário que se observasse os requisitos do fumus comissi delicti e periculum libertatis, bem como os demais pressupostos da prisão preventiva, bastando que o acusado se enquadrasse nas situações de flagrante e o procedimento presidido pela autoridade policial fosse lavrado com obediência aos direitos constitucionais e as formalidades necessárias. A prisão em flagrante, por si só, era fundamento suficiente para que o acusado permanecesse preso. A jurisprudência tinha o entendimento de que a prisão em flagrante era modalidade autônoma de custódia provisória, sendo possível a sua manutenção apenas com a sua homologação pelo juiz.

Com a lei 12.403/11, a prisão em flagrante não pode mais ser vista como medida que, por si só, seja capaz de manter o indivíduo preso durante o processo.

Art. 310.  Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:

I - relaxar a prisão ilegal; ou 

II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou 

III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. 

Parágrafo único.  Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art. 23 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação.

Dessa forma, se a prisão for ilegal, o juiz deve relaxá-la ou, se a prisão for legal, o juiz pode de imediato conceder a liberdade provisória com ou sem fiança, ou, julgando presentes os requisitos da prisão preventiva, decretá-la de ofício.

Sobre o tema, no que diz respeito a nova natureza jurídica da prisão em flagrante, a doutrina se divide existindo três correntes.

A primeira corrente considera a prisão em flagrante um ato administrativo, pois não necessita de autorização judicial podendo ser realizada pela autoridade policial ou qualquer pessoa do povo. Nesse sentido Walter Nunes da Silva Júnior:

O que ocorre com a prisão em flagrante é, tão somente, a detenção do agente, a fim de que o juiz, posteriormente, decida se a pessoa deve ser levada, ou não, à prisão. Com isso, se quer dizer que não há, propriamente, uma prisão em flagrante como espécie de medida acautelatória processual penal. O flagrante delito se constitui e justifica apenas a detenção, cabendo ao juiz, após a análise por meio da leitura do auto de prisão em flagrante, definir se a prisão preventiva deve, ou não, ser decretada. (JUNIOR, 2011,p.182).
 

A segunda delas, afirma que a prisão em flagrante, mesmo após a vigência da lei 12.406/11, continua sendo medida cautelar. São fortes defensores dessa tese, os professores Guilherme de Souza Nucci, Tourinho Filho, Eugênio Pacceli de Oliveira, e Fernando Capez:

Como já analisado, a partir da nova redação do art. 310, em seu inciso II, a prisão em flagrante, ao que parece, perdeu seu caráter de prisão provisória. Ninguém mais responde a um processo criminal por estar preso em flagrante. Ou o juiz converte o flagrante em preventiva, ou concede liberdade (provisória ou por relaxamento decorrente de vício formal). A prisão em flagrante, portanto, mais se assemelha a uma detenção cautelar provisória pelo prazo máximo de vinte e quatro horas, até que a autoridade judicial decida pela sua transformação em prisão preventiva ou não. (CAPEZ,2012,p327).
 

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Porém a corrente que mais vem se destacando é a que afirma que a prisão em flagrante passou a possuir natureza jurídica de prisão precautelar, pois, apesar de possuir fumus comissi delict, não possui, necessariamente, periculum libertatis que é essencial para caracterização das medidas cautelares. Ademais, segundo esta corrente defendida por Gustavo Badaró, Auri Lopes Jr, Luiz Flávio Gomes, a prisão em flagrante não visa assegurar a eficácia do provimento jurisdicional da sentença e sim das demais medidas cautelares, sendo imediatamente anterior a elas.  A prisão inicialmente em flagrante se tornaria cautelar somente após a sua conversão em prisão preventiva pelo juiz.

Assim, a prisão em flagrante deve durar apenas o prazo de comunicação ao juiz, ou seja, 24 horas. A partir de então a prisão em flagrante dará ensejo a uma medida verdadeiramente cautelar. Dessa forma a única medida cautelar que pode ser auferida pelo delegado de polícia é a fiança.

Diante desse prazo de 24 horas para comunicação da prisão ao juiz, surge o questionamento sobre a consequência da não obediência a esse prazo. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a ultrapassagem do prazo de 24 horas para a comunicação do flagrante não gera a sua ilegalidade, pois deve ser observado o princípio da razoabilidade.

HABEAS CORPUS Nº 188.403 - ES (2010/0195093-8) RELATOR : MINISTRO JORGE MUSSI IMPETRANTE : JOANITA CAMARGO DE SIQUEIRA ADVOGADO : MARCOS GIOVANI CORREA FELIX IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PACIENTE : JOANITA CAMARGO DE SIQUEIRA (PRESO) DECISÃO Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado pelo advogado Marcos Giovani Correa Felix em favor de JOANITA CAMARGO DE SIQUEIRA, presa em flagrante, no dia 18.6.2010 e denunciada como incursa nas sanções do art.333, caput, da Lei n.º11.3433/2006, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo que, julgando o HC n. 100100022910, denegou a ordem, mantendo sua segregação cautelar. Sustenta a ocorrência de constrangimento ilegal ante o excesso de prazo na formação da culpa, ao argumento de que a paciente se encontra presa há mais de 4 meses sem que tenha sido concluída a instrução criminal. Salienta que não foram obedecido o prazo de 24 horas para a comunicação ao juiz acerca da sua prisão em flagrante. Alega que não foram conduzidas testemunhas à delegacia para prestar informações sobre os fatos, tendo sido instruído o inquérito policial apenas com declarações dos policiais responsáveis por sua prisão. Ressalta ainda a ausência de elementos concretos que, à luz do art.3122 do Código de Processo Penal, justificassem sua segregação cautelar, até porque se trata de ré primária, de bons antecedentes, que possui residência fixa e ocupação lícita. Pugna, assim, pela concessão sumária da ordem, determinando-se a expedição do competente alvará de soltura em seu favor, com a confirmação da medida quando do julgamento definitivo do remédio constitucional. É o relatório. Mostra-se inviável, em um juízo meramente perfunctório, próprio desta fase procedimental, reconhecer a existência da apontada coação ilegal de que estaria sendo vítima a paciente, pois o impetrante deixou de instruir o mandamus com cópia do inteiro teor do acórdão, ora impugnado, circunstância que impede a análise da plausibilidade jurídica do pleito. (STJ - HC: 188403, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Publicação: DJ 09/12/2010)

4 PRISÕES CAUTELARES

Pelo que já foi estudado notamos que atualmente só existem dois tipos de prisão cautelar: a prisão preventiva e a prisão temporária.

Elas são chamadas de prisões cautelares pois são concedidas incidentalmente no curso das investigações ou do processo penal visando a efetividade da sentença judicial. São medidas excepcionai somente podendo ser deferidas quando nenhuma outra medida for suficiente, por esse motivo são consideradas medidas ultima ratio.

A decisão que decreta a prisão cautelar é de fundamentação obrigatória e constitui direito fundamental, conforme previsão constitucional do art. 5º, LXI: “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.

            Ademais, a própria Constituição Federal no art. 93, inciso IX, afirma que se a decisão não for fundamentada, ocasionará a nulidade da medida.

IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.

         Para a fundamentação deve ser completa e adequada ao caso concreto, não basta a simples repetição dos pressupostos dos artigos 312 e 313 do CPP. Polêmica é a fundamentação per relationem, a qual ocorre quando o juiz adota como fundamentação a representação do delegado ou o requerimento do MP. A doutrina é contra, mas essa fundamentação é admitida pelos Tribunais Superiores desde que a representação ou requerimento estejam fundamentados.

HABEAS CORPUS. LATROCÍNIO. LATROCÍNIO TENTADO. FORMAÇÃO DEQUADRILHA. PRISÃO PREVENTIVA. ADOÇÃO DO RELATÓRIO DA REPRESENTAÇÃO DA AUTORIDADE POLICIAL. POSSIBILIDADE. GRAVIDADE DOS DELITOS.PERICULOSIDADE DO AGENTE. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. PRISÃOTEMPORÁRIA ANTERIORMENTE DECRETADA. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS.CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA. 1. Não prospera a argumentação referente à suposta nulidade do decreto prisional impugnado por falta de fundamentação, pois esta Corte entende que a adoção do relatório do parecer do Ministério Público ou da representação da Autoridade Policial nas razões de decidir não constitui nulidade, motivo pelo qual não há que se falarem constrangimento ilegal. 2. A existência de indícios de autoria e prova da materialidade dos delitos, assim como a gravidade da prática supostamente criminosa, que demonstrariam a alegada periculosidade da agente, corroboradas com a simples menção à necessidade de resguardar o meio social, não constituem motivação idônea para o decreto de prisão preventiva. 3. As afirmações a respeito da gravidade trazem aspectos já subsumidos no próprio tipo penal, qual seja, latrocínio, não havendo, na espécie, nada que desborde das circunstâncias previstas pelo legislador. 4. A suposta necessidade de resguardar a ordem social, sem esteio em situação fática, não se presta a embasar a custódia provisória. 5. A decretação da custódia temporária do investigado não implica, necessariamente, em ulterior conversão dessa em prisão preventiva, pois os requisitos e motivos que ensejam ambas as modalidades de prisão cautelar são diferentes, sendo que para a segregação preventiva faz-se necessária a presença de umas das hipóteses elencadas no art. 312 do CPP, o que não se vislumbra in casu. 6. Sobressai, por conseguinte, a impropriedade do acórdão mantenedor da segregação, bem como do decreto prisional, pois a custódia deve ser fundada em fatos concretos indicadores da sua real necessidade, atendendo aos termos do Código de Processo Penal e da jurisprudência dominante. 7. Embora as condições pessoais favoráveis não sejam garantidoras de eventual direito à liberdade provisória, estas devem ser devidamente valoradas quando não demonstrada a presença de requisitos que justifiquem a medida constritiva excepcional. 8. Ordem concedida para cassar o acórdão recorrido, bem como as decisões monocráticas por ele confirmadas, para determinar a expedição de alvará de soltura, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de que seja decretada nova custódia, com base em fundamentação concreta. (STJ, Relator: Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), Data de Julgamento: 04/10/2007, T5 - QUINTA TURMA)

4.1 A prisão preventiva

            A prisão preventiva é uma espécie de prisão cautelar decretada pela autoridade judiciária competente durante as investigações ou durante o curso do processo, desde que preenchidos os pressupostos dos artigos 312 e 313 do CPP e desde que se revelem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão.

Art. 312.  A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

Parágrafo único.  A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4º).

Art. 313.  Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:  I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos.

II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal

III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; 

Parágrafo único.  Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.

            Em relação ao momento para a decretação da prisão preventiva, é pacífico dizer que pode ser decretada a qualquer momento da fase investigatória e a qualquer momento da fase processual, conforme art. 313 do CPP.

Art. 311.  Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial. 

            Importante ressaltar que antigamente falava-se em prisão preventiva no inquérito policial. Atualmente o código de processo penal usa a expressão “investigação policial”, significando que não é necessária a instauração de inquérito para a decretação de preventiva, pois a investigação policial inicia-se antes mesmo do inquérito.

Na fase processual a prisão preventiva pode ser decretada até o trânsito em julgado da sentença condenatória. Não se fala mais em prisão preventiva na fase de instrução criminal. A prisão vai muito além da instrução podendo ser deferida até mesmo após a sentença desde que antes do transito em julgado, visto não existir mais prisão decorrente de sentença condenatória.

            Pelas alterações trazidas pela lei 12.403/11, a prisão preventiva também passou a ser admitida nos casos de descumprimento das medidas cautelares diversas da prisão. Em relação a essa possibilidade, a doutrina diverge, pois parte dela diz que só seria possível se também houvesse obediência aos requisitos dos arts. 312 e 313, enquanto que outra parcela da doutrina afirma que o simples descumprimento de outras medidas seria suficiente para a decretação da preventiva independentemente da observância desses artigos.

            Assim, a prisão preventiva se divide em duas subespécies. A prisão preventiva originária e a prisão preventiva por descumprimento de outras medidas cautelares diversas da prisão.

4.1.1 Originária

            A prisão preventiva originária é a prisão preventiva por excelência. É a modalidade mais comum e que não sofreu grandes alterações com as mudanças do Código de Processo Penal no ano de 2011, continuando com o encargo de observar os pressupostos do fumus comissi delict e periculum libertatis.

            Em paralelo com o direito civil, o fumus comissi delict se assemelha com o fumus boni iuris, porém com ele não se confunde. O fumus comissi delict é um pressuposto de que existem elementos suficientes de prova da existência do crime e indícios de autoria ou participação. Deve-se demonstrar de maneira cabal que foi cometido um delito e indicar a probabilidade (e não certeza) da autoria ou participação. A certeza só é necessária para a autoria quando da condenação. A palavra indício é considerada como prova semiplena, uma prova de menor valor persuasivo.

         O periculum libertatis trata-se do perigo que a permanência do acusado em liberdade representa para a eficácia do processo, para as investigações, para a efetividade do direito penal e para a segurança da sociedade. No artigo 312 do Código de Processo Penal constam as hipóteses de periculum libertatis. Para a decretação da prisão preventiva, basta que se comprove uma delas, pois não são necessariamente cumulativas.

Art. 312.  A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

A garantia da ordem pública trata-se de um conceito vago, genérico. Sobre ela existem três correntes doutrinárias. A primeira corrente afirma que a prisão preventiva não tem natureza cautelar. Funciona como indevida modalidade de antecipação do cumprimento da pena, tendo funções de prevenção geral, as quais devem ser reservadas apenas para aplicação da pena definitiva. A segunda corrente é majoritária e diz que esta prisão visa impedir a reiteração de condutas delituosas (juízo de periculosidade). A última corrente defende que, além do risco de reiteração delituosa, a prisão preventiva também pode ser decretada para garantir a credibilidade da justiça em crimes que provoquem clamor público como no caso Isabela Nardoni.

Garantia da ordem econômica trata-se do risco de reiteração delituosa, da mesma forma que na garantia da ordem pública, porém no tocante aos crimes contra a ordem econômica. Esses crimes estão previstos em várias leis, por exemplo a Lei 1.521/51 que trata dos crimes contra a economia popular, a Lei 7.134/83 sobre crimes de aplicação ilegal de créditos, Lei 7.492/86 que define os crimes contra o sistema financeiro nacional, lei 8.078/90 que define os crimes contra as relações de consumo e contra a ordem econômica,  Lei 8.137/90 sobre crimes contra a ordem econômica e relações de consumo, Lei 8.176/91 sobre crime de adulterações de combustíveis, Lei 9279/96 dos crimes contra a propriedade industrial e Lei 9.613/98 que trata da lavagem de capitais. Assim, quando se tratar de algum desses crimes citados e verificando que há risco de reiteração delituosa, essa prisão poderá ser decretada.

Atenção especial deve ser dada para o art. 30 da lei 7.492/86 – lei que define os crimes contra o sistema financeiro nacional:

Art. 30. Sem prejuízo do disposto no art. 312 do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, a prisão preventiva do acusado da prática de crime previsto nesta lei poderá ser decretada em razão da magnitude da lesão causada.

 

A magnitude da lesão causada nos crimes contra o sistema financeiro nacional não é suficiente isoladamente considerada para a decretação da prisão preventiva. A ela deve se somar uma das hipóteses do art. 312 do CPP.

Sobre a garantia de aplicação da lei penal, deve-se apresentar dados concretos que demonstram que o acusado pretende fugir, inviabilizando a futura execução da pena.

Importante ressaltar que uma ausência momentânea, seja para evitar a prisão em flagrante, seja para evitar uma prisão ilegalmente decretada, não autoriza a decretação da prisão preventiva com base na garantia de aplicação da lei penal.

Sobre os estrangeiros não residentes no Brasil, entende-se que é possível a sua prisão preventiva, para viabilizar a futura execução da pena. Em regra a prisão preventiva deve ser decretada, salvo nas hipóteses em que houver acordo de assistência judiciária entre o Brasil e o país de origem, como exemplo o caso Legacy.

Pela conveniência da instrução criminal, última hipótese de periculum libertatis, entende-se que a prisão preventiva é necessária para impedir que o agente cause prejuízos à produção da prova e consequente busca da verdade. Conveniência não é um juízo de mera conveniência e sim de necessidade e deve-se respeitar o direito do acusado de não produzir prova contra si mesmo.

A decisão que impõe uma medida cautelar não é definitiva, tem natureza provisória e por isso deve obediência a clausula rebus sic stantibus. Deve ser mantida enquanto mantido o seu pressuposto. Uma vez encerrada a instrução processual, a prisão preventiva decretada com base nessa hipótese deve ser revogada conforme art. 316 do CPP: O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no correr do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem. 

            Superado os pressupostos, não menos importante são as hipóteses da admissibilidade da prisão preventiva. Não basta apenas a observância dos pressupostos, indispensável também, para esta modalidade de prisão preventiva originária, a obediência às hipóteses de admissibilidade da prisão preventiva do art. 313 do Código de Processo Penal com nova redação pela lei 12.403/11.

Art. 313.  Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:

 I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos

II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal

III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; 

Parágrafo único.  Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida. 

A primeira hipótese exige que o crime, além de ser doloso deve ser punido com pena máxima superior a quatro anos, ou seja, se o crime for culposo ou com pena igual a quatro anos, não pode ser decretada a prisão preventiva com base no inciso I do artigo 313.

Em se tratando de causa de aumento, utiliza-se o quantum que mais aumente a pena, assim se atinge o máximo de pena culminada ao delito. Por exemplo, crime de pena máxima de três anos com causa de aumento que varia de 1 a 2/3, deve-se utilizar a causa de aumento de 2/3. Em se tratando de causa de diminuição, leva-se em conta o quantum que menos diminua a pena, assim se atinge o máximo de pena culminada ao delito.

No caso de concurso de crimes, as hipóteses de aumento de pena devem ser levadas em consideração, por exemplo, furto simples tem pena máxima igual a 4 anos. Se o autor pratica vários crimes toda semana a continuidade delitiva aumenta a pena, sendo possível a preventiva.

A segunda hipótese de admissibilidade da prisão preventiva, acusado reincidente em outro crime doloso, deve-se observar os artigos 63 e 64 do Código Penal e fazer a ressalva do lapso temporal de 5 anos previsto no inciso I deste último artigo.

Art. 63 - Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.

Art. 64 - Para efeito de reincidência:

I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação;

II - não se consideram os crimes militares próprios e políticos.

Não é qualquer reincidente que pode ter a prisão preventiva decretada. Tem que ser reincidente em outro crime doloso. A reincidência aqui é específica com natureza dolosa. Além disso, a prisão preventiva independe do quantum de pena cominada ao crime doloso, pois não é requisito cumulativo ao do inciso I.

A terceira hipótese de admissibilidade da prisão preventiva é quando o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência. Aqui não entra todo crime contra idoso. A lei exige que o crime seja cometido no contexto de violência doméstica e familiar.

O conceito de violência doméstica e familiar está na lei 11.340/06 (lei Maria da Penha).

Art. 5º.  Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único.  As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Importante frisar que esse crime do inciso III tem que ser necessariamente por doloso para que possa ser decretada a prisão preventiva. Ademais, o descumprimento das medidas protetivas de urgência por si só não autoriza a decretação da prisão preventiva. Há necessidade da presença dos pressupostos do art. 312, fumus comissi delicti e periculum libertatis (garantia da ordem pública, garantia de aplicação da lei penal, conveniência da instrução criminal) e independe do quantum de pena em abstrato.

Por fim, a última hipótese trata-se de quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa diante do não fornecimento de elementos suficientes para seu esclarecimento, previsto no parágrafo único do art. 313 do CPP. Segundo a doutrina essa hipótese pode se dar tanto em crimes dolosos quanto culposos e deve perdurar até o esclarecimento da identidade que pode ser por meio de identificação criminal. A prisão preventiva nessa previsão independe do quantum de pena cominada ao delito.

4.1.2 Pelo descumprimento de outras medidas cautelares

O parágrafo único do artigo 312 do CPP afirma que: “A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o)”.

Com base nisso, a prisão preventiva também pode ocorrer excepcionalmente quando as demais medidas cautelares diversas da prisão não são suficientes para alcançar o fim a que se destinam.

O grande problema que gira ao entorno dessa espécie de prisão em flagrante, reside na não obediência aos pressupostos e requisitos elencados nos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal.

Seria proporcional deferir a medida de prisão preventiva nos casos de crime cuja pena não permitiria regime fechado de cumprimento de pena? Não parece proporcional que uma medida cautelar seja mais gravosa que o provimento jurisdicional ao final do processo com o trânsito em julgado. Por outro lado, se o não cumprimento das medidas cautelares não ensejam na prisão, não há como revestir as medidas de coercibilidade e poderia causar descrédito das decisões judiciais.

A medida cautelar tem o caráter acessório à medida definitiva. Apesar de parecer óbvio que o acessório não pode ser mais coercitivo que o provimento definitivo, existem inúmeros doutrinadores que entendem que não só pode como deve ser utilizada a medida cautelar da prisão preventiva mesmo nos crimes em que a pena, ao final do processo, não lhe acarretaria o regime fechado de privação de liberdade.

            Aqueles que defendem a prisão preventiva para estes casos, enxergam a sua possibilidade no caso do descumprimento de medida cautelar diversa da prisão. Afirmam que é medida excepcional e que visa garantir o caráter de imperatividade das decisões judiciais e manter o respeito às suas ordens.

Guilherme de Souza Nucci, concordando com este entendimento destaca:

As medidas cautelares, alternativas ao cárcere, são salutares e representam a possibilidade real de esvaziamento das cadeias. Porém, elas precisam de credibilidade e respeitabilidade. Não sendo cumpridas as obrigações fixadas, nos termos estabelecidos no art. 282, § 4º, parte final, do CPP, pode-se decretar a preventiva, como última opção (a qualquer espécie de delito) (NUCCI, 2012, p. 158).

4.2 Prisão temporária

 

A prisão temporária não é espécie de prisão exclusiva do Brasil. Possui previsão na legislação de outros países, como Portugal, França, Espanha, Itália e Estados Unidos. No Brasil a prisão temporária surgiu em 1989 por meio da Medida Provisória nº 111/89 a qual se transformou na Lei 7.960/89. À época não havia vedação na CF para direito processual versado por meio de MP. Segundo o STF, mesmo tendo início a partir de uma medida provisória, a lei 7.960/89 é constitucional.

Ação direta de inconstitucionalidade. Medida Provisória n. 111/89. - Não tendo sido convertida em lei a Medida Provisória atacada pela presente ação direta, perdeu ela, retroativamente, a sua eficácia jurídica pelo transcurso do prazo para a sua conversão, e, assim, por via de consequência, perdeu esta ação o seu objeto. Ação direta de inconstitucionalidade que não se conhece por estar prejudicada em virtude da perda de seu objeto. (STF - ADI: 162 DF, Relator: Min. MOREIRA ALVES, Data de Julgamento: 02/08/1993, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 27-08-1993)

Esta espécie de prisão provisória contrasta-se com a tendência doutrinária moderna, surgida com Constituição Federal de 1988, que reza que não se deve possibilitar o recolhimento à prisão do autor da infração penal, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.

A prisão temporária é a prisão própria da fase investigatórias e por este motivo, em obediência ao sistema acusatório brasileiro, não pode ser decretada de ofício pelo juiz, sendo indispensável a representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério Público. Seus requisitos estão previstos no art. 1º da lei 7,960/89.

Art. 1° Caberá prisão temporária:

I - quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;

II - quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;

III - quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes:

a) homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2°);

b) seqüestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ 1° e 2°);

c) roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);

d) extorsão (art. 158, caput, e seus §§ 1° e 2°);

e) extorsão mediante seqüestro (art. 159, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);

f) estupro (art. 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);

g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);

h) rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223 caput, e parágrafo único);

i) epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1°);

j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com art. 285);

l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal;

m) genocídio (arts. 1°, 2° e 3° da Lei n° 2.889, de 1° de outubro de 1956), em qualquer de sua formas típicas;

n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei n° 6.368, de 21 de outubro de 1976);

o) crimes contra o sistema financeiro (Lei n° 7.492, de 16 de junho de 1986).

            A doutrina aponta que os três incisos não são obrigatórios cumulativamente para decretação da prisão temporária. Porém, segundo a doutrina e jurisprudência, o inciso III precisa sempre estar presente, seja combinado com o inciso I, seja combinado com o inciso II.

            Nos crimes do inciso III vale lembrar que as alíneas g e h foram tacitamente revogadas por conta da abolitio criminis desses tipos penais. Prevalece também que além do rol constante no inciso III, todos os crimes hediondos e equiparados também são passíveis de prisão temporária por conta da previsão no art. 2º, § 4 da lei 8.072/90.

Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:

I – anistia, graça e indulto

II – fiança

§ 4º A prisão temporária, sobra a qual dispõe a Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.

            Pelo que consta no referido parágrafo, entende-se que é cabível a prisão temporária para os crimes previstos no caput do art. 2º, ou seja, não só para os crimes hediondos como também para os crimes equiparados. Assim, vale lembrar o rol dos crimes hediondos previstos no artigo 1º da lei 8.072/90.

 

Art. 1o São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados:

I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2o, I, II, III, IV e V); 

II - latrocínio (art. 157, § 3o, in fine);      

III - extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2o);       

IV - extorsão mediante sequestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ lo, 2o e 3o);    

V - estupro (art. 213, caput e §§ 1o e 2o);

VI - estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1o, 2o, 3o e 4o);      

VII - epidemia com resultado morte (art. 267, § 1o).     

VII-A – (VETADO)  

VII-B - falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1o, § 1o-A e § 1o-B).       

VIII - favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, caput, e §§ 1º e 2º).     

Parágrafo único. Considera-se também hediondo o crime de genocídio previsto nos arts. 1o2o e 3o da Lei no 2.889, de 1o de outubro de 1956, tentado ou consumado.

 

O prazo da prisão temporária, em regra é de cinco dias prorrogáveis por mais cinco dias, conforme art. 2º da lei 7.960/89.

Art. 2º A prisão temporária será decretada pelo Juiz, em face da representação da autoridade policial ou de requerimento do Ministério Público, e terá prazo de 5 (cinco) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.

Pelo que consta na letra da lei, notamos que a prorrogação da prisão temporária é medida excepcional e deve ser feita somente em casos muito específicos. Vale ressaltar que se o crime em investigação constar no rol dos crimes hediondos, esse prazo da prisão temporária se estica passando a ser de 30 (trinta) dias podendo ser prorrogado por igual período.

Importante mencionar que o juiz não é obrigado a usar sempre o prazo máximo. Esse prazo é o prazo limite. Se o juiz entender, por exemplo, 10 dias prorrogáveis por mais 20, pode, desde que não ultrapasse o máximo previsto. Ademais, o delegado de polícia não pode revogar a prisão temporária por achar que não precisa mais de prazo. Se não há mais necessidade poderá representar ao juiz solicitando a revogação do prazo.

Findo o prazo (5+5 ou 30+30) não há necessidade de alvará de soltura. Expirado o prazo, o acusado deve ser posto em liberdade, independentemente de alvará de soltura, salvo se tiver sido decretada a prisão preventiva para a fase processual, sob pena da autoridade incorrer em crime de abuso de autoridade previsto no art. 4º, alínea a da lei 4898/65.

Art. 4º Constitui também abuso de autoridade:

i) prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade.

Em relação à escolha de qual prisão cautelar ser decretada, na dúvida entre prisão preventiva ou prisão temporária, há doutrinadores que entendem que se determinado crime admite a decretação da prisão temporária, esta é a única prisão cautelar que pode ser decretada quanto a este delito durante a fase investigatória.

Isso significa dizer que a prisão preventiva só pode ser decretada na fase investigatória em relação a delitos que não admitem a decretação da prisão temporária.

4.3 Prisão domiciliar

A prisão domiciliar pode ter caráter de prisão cautelar ou pode ser adotada como modalidade de cumprimento de pena. A prisão domiciliar como forma de cumprimento de pena em regime aberto e encontra previsão no art. 117 da Lei das Contravenções Penais.

Art. 117. Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de:

I-          condenado maior de 70 (setenta) anos

II-         condenado acometido de doença grave

III-        condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental

IV-       condenada gestante

Jurisprudência vem entendendo que também é admitida prisão domiciliar como modo de cumprimento de pena quando o Estado não tiver estabelecimento próprio para o cumprimento do regime aberto. Por este motivo o apenado não poderia cumprir regime mais gravoso por conta de uma omissão estatal e tendo direito à prisão domiciliar.

HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PACIENTE BENEFICIADO COM O REGIME PRISIONAL ABERTO. INEXISTÊNCIA DE CASA DO ALBERGADO NA COMARCA. PRISÃO DOMICILIAR. POSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA. 1. Se o paciente foi beneficiado com a progressão ao regime prisional aberto e não existe vaga em estabelecimento adequado ou casa do albergado, é possível a concessão dos benefícios da prisão domiciliar, até o seu surgimento. 2. Ordem concedida, para outorgar ao paciente o benefício de aguardar, em prisão domiciliar, vaga em estabelecimento próprio ao cumprimento da pena em regime aberto. (STJ, Relator: Ministro CELSO LIMONGI - DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP - Data de Julgamento: 31/08/2010, T6 - SEXTA TURMA)

 

A prisão domiciliar, por outro lado, também pode ser decretada antes do transito em julgado da sentença condenatória. Nessa hipótese seria uma medida substitutiva da prisão preventiva por razões humanitárias em que a manutenção do agente no cárcere seria demasiadamente gravosa. Vale ressaltar que não cabe prisão domiciliar para substituir prisão temporária pois esta modalidade de prisão, além de ser mais curta que a preventiva, não causando os prejuízos que esta pode causar, a prisão temporária existe para garantir as investigações, o que só seria possível com a manutenção do investigado preso.

A prisão domiciliar cautelar, nosso foco neste trabalho, encontra previsão legal nos artigos 317 e 318 do Código de Processo Penal.

Art. 317. A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial

Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:

I-          maior de 80 (oitenta) anos;

II-         extremamente debilitado por motivo de doença grave

III-        imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência;

IV-       gestante a partir do 7º (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco;

Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo.

 

            Se compararmos as duas hipóteses de prisão domiciliar – em substituição à preventiva e no cumprimento de pena – notamos que aquela que encontra respaldo no CPP possui os requisitos mais gravosos. Isso se dá porque a substituição da prisão convencional pela domiciliar pode frustrar os objetivos da prisão preventiva. Também, por este motivo, a doutrina entende que mesmo estando presente uma das quatro situações prevista na lei, a substituição da prisão preventiva em domiciliar não é automática. Para haver, o juiz deve observar se o periculum in mora está presente, posto que a medida visa proteger a dignidade da pessoa do custodiado.

            Interessante ressaltar que o parágrafo único do artigo 318 do CPP deixa claro que o ônus da prova quanto aos requisitos para a substituição recai sobre o interessado. Assim, não há de se falar em in dubio pro reo no que tange a aplicação do benefício.

            A prisão domiciliar não é muito comum na prática. Isso acontece porque os índices de desobediência no cumprimento da medida são muito grandes e dependem de fiscalização intensiva. Tal vigilância exercida sobre o agente tem  previsão legal na lei 5.256/67.

Art. 3º Por ato de ofício do juiz, a requerimento do Ministério Público ou da autoridade policial, o beneficiário da prisão domiciliar poderá ser submetido a vigilância policial, exercida sempre com discrição e sem constrangimento para o réu ou indiciado e sua família.

            A doutrina sugere que seja trabalhado mais intensivamente o uso de monitoramento eletrônico previsto na Lei de Execução Penal, por ser medida mais prática e que protege mais a intimidade do acusado. Segundo o inciso IV do artigo 146-B do Código de Processo Penal, o juiz poderá definir a fiscalização por meio da monitoração quando determinar a prisão domiciliar.

            Ademais, a saída do causado do seu domicílio depende de autorização judicial e por conta disso, a doutrina entende que não é possível trabalhar.

            Ao se comentar sobre a prisão domiciliar é importar falar sobre o desconto do tempo de pena final do tempo em que o acusado permanece em prisão provisória. Assim menciona o art. 42 do Código Penal:

Art. 42 - Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior.

Pelo fato da lei não citar a prisão domiciliar, surgiram divergentes posicionamentos doutrinários até que o STJ julgou procedente pedido que trata da possibilidade da detração da pena definitiva do período em que o acusado cumpriu pena domiciliar.

PENAL. PROCESSUAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. LIVRAMENTO CONDICIONAL. PRISÃO DOMICILIAR. PRAZO. DETRAÇÃO. "HABEAS CORPUS". 1. O CP, art. 83 garante, ao condenado por crime considerado hediondo e os a eles equiparados, o direito ao livramento condicional, desde que não reincidente em crimes dessa natureza, e que cumpridos mais de dois terços da pena imposta. 2. O tempo de prisão cautelar efetivamente cumprida em regime domiciliar deve ser computado na pena privativa de liberdade, para fins de detração (CP, art. 42). 3. "Habeas Corpus" conhecido; pedido deferido. (STJ - HC: 11225 CE 1999/0102595-8, Relator: Ministro EDSON VIDIGAL, Data de Julgamento: 06/04/2000, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 02/05/2000 p. 153)

5 MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO

Sem sobra de dúvidas o rol de medidas cautelares diversas da prisão foi a principal inovação trazida pela lei 12.403/11. Essas medidas cautelares são aplicáveis àquele que estava preso, substituindo a prisão ou àquele que estava solto quando sua decretação se mostrar necessária. O rol das medidas cautelares diversas da prisão está previsto no art. 319 do CPP:

Art. 319.  São medidas cautelares diversas da prisão: 

I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; 

 II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; 

III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; 

IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; 

 V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;

 VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; 

VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável e houver risco de reiteração; 

 VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial; 

IX - monitoração eletrônica. 

Por conta do poder geral de cautela dado aos juízes, esse rol vem sendo considerado exemplificativo, devendo o juiz aplica-las de maneira isolada ou cumulativamente podendo usar medidas não previstas em lei mas que sejam consideradas indispensável para o caso concreto, desde que observados os seguintes requisitos do art. 282 do CPP.

Art. 282.  As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:

I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; 

 

5.1 Comparecimento periódico em juízo

Essa hipótese prevista o inciso I do art. 319, visa àquele acusado que não tem vínculos com o local do crime. O comparecimento ao juízo para informar e justificar atividades tem a finalidade de manter o juiz sempre informado da conduta e para embasar a decretação de outra medida no caso de descumprimento.

O Código de Processo Penal não atribuiu nenhuma periodicidade da apresentação ou do comparecimento. Contudo, a lei dos juizados especiais criminais (Lei 9.099/95), prevê como uma das condições para a suspensão condicional do processo o comparecimento periódico mensal.

Entende-se que tanto na medida cautelar do CPP quanto na lei dos juizados especiais, esse comparecimento deve ser pessoal e, se o acusado morar em outra comarca é possível a expedição de carta precatória.

Deve-se atentar para a semelhança desta medida com a previsão do art. 310, parágrafo único, do CPP, que prevê liberdade provisória sem fiança na hipótese de excludentes da ilicitude. Quando o juiz determinar essa liberdade, determina também o comparecimento a todos os atos do processo.

Art. 310.  Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:

Parágrafo único.  Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art. 23 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação

A medida cautelar diversa da prisão (art. 319, I) se descumprida, pode acarretar a decretação da prisão preventiva. Já a medida do §único do art. 310 se descumprida, não é possível a decretação da preventiva

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Art. 314.  A prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato nas condições previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 23 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal.

Portanto, apesar de o dispositivo do art. 310, parágrafo único dizer que a medida pode ser revogada, o juiz com base no art. 314 não poderá decretar a preventiva, pois o crime foi praticado com o amparo de excludente de ilicitude.

 

 

 

 

5.2 Proibição de acesso ou frequência a determinados lugares

 

            Conforme o inciso II do artigo 319 do CPP, essa proibição deve acontecer como modo de evitar risca de novas infrações bem como para proteger vítimas e testemunhas. O grande desafio de efetivar essa medida cautelar é a fiscalização, no entanto a monitoração eletrônica, parece ser a solução mais adequada.

5.3 Proibição de manter contato com pessoa determinada

            Essa medida cautelar parte do mesmo pressuposto da anterior e tem a mesma finalidade que é proteger vítimas, evitar a reiteração delituosa e evitar a influencia a testemunhas, não vindo a interferir nas investigações ou na instrução criminal.

            Para a fiscalização desta medida, além da monitoração eletrônica, o ofendido pode ajudar o Poder Judiciário, vez que será comunicado dessa imposição de proibição de contato, conforme art. 201, § 2º e 3º, do Código de Processo Penal.

§ 2º O ofendido será comunicado dos atos processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão, à designação de data para audiência e à sentença e respectivos acórdãos que a mantenham ou modifiquem. 

§ 3º As comunicações ao ofendido deverão ser feitas no endereço por ele indicado, admitindo-se, por opção do ofendido, o uso de meio eletrônico

Vale ressaltar que a medida visa a proibição de contato voluntário, sendo que o encontro fortuito, não intencional, não enseja o descumprimento da medida.

5.4 Proibição de ausentar-se da comarca ou do pais

Essa medida cautelar é cabível quando a permanência do acusado for conveniente ou necessária para a investigação ou instrução.

            Como medidas de fiscalização é possível que se atribua outras duas medidas cautelares, de monitoramento eletrônico ou comparecimento periódico em juízo, ou até mesmo a retenção do passaporte, com base no art. 320 do CPP.

Art. 320.  A proibição de ausentar-se do País será comunicada pelo juiz às autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional, intimando-se o indiciado ou acusado para entregar o passaporte, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas

5.5 Recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga

Essa medida, apesar de muito semelhante à prisão domiciliar, não é espécie de prisão e tem natureza jurídica de medida cautelar diversa da prisão. Essa medida cautelar foi instituída como forma de manter o acusado trabalhando, diferentemente da prisão domiciliar que o impossibilita de tal tarefa o qual é extensível também aos estudos.

5.6 Suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira

Essa medida só deve ser decretada se houver nexo funcional (propter officium) entre a profissão do investigado e o crime em apuração. Também só deve ser auferida se houver risco de a continuidade do exercício da função ou atividade influenciar nas apuração e busca da verdade ou houver risco de reiteração da conduta criminosa.

            No que tange ao conceito de função pública, podo ser extraído o conceito penal de funcionário público, constante no art. 327 do CPB: “Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública”.

Quanto aos vencimentos do servidor, a doutrina majoritária tem entendido que não é possível a suspensão do pagamento sob pena de violação a presunção de inocência, pois, vale ressaltar, esta é apenas uma medida cautelar e não tem caráter de pena, podendo ser revogada a qualquer tempo em respeito à clausula rebus sic stantibus.

5.7 Internação provisória

 

Essa é uma medida cautelar cabível somente quando se tratar de acusado inimputável ou semi-imputável nos crimes praticados com violência ou grave ameaça.

O objetivo dessa cautelar pessoal é evitar a reiteração de crime praticado com essas características e, pelo fato de ter esse objetivo, não pode ser decretada se não for fundamentada no risco real de cometimento de novos crimes.

Para a aferição da imputabilidade do acusado, pode-se abrir o incidente de insanidade mental, porém, a doutrina entende que se o juiz já tem indícios suficientes, poderá decretar a internação mesmo sem o laudo pericial, pois não se vincula a ele.

5.8 Fiança

A fiança não é uma novidade na sistemática processual brasileira. Acontece que antigamente a fiança só podia ser dada dentro de uma liberdade provisória, ou seja, somente ao preso em flagrante. Atualmente a fiança pode ser aplicada tanto para substituir uma anterior prisão quanto de maneira autônoma.

Art. 325.  O valor da fiança será fixado pela autoridade que a conceder nos seguintes limites: 

I - de 1 (um) a 100 (cem) salários mínimos, quando se tratar de infração cuja pena privativa de liberdade, no grau máximo, não for superior a 4 (quatro) anos; 

II - de 10 (dez) a 200 (duzentos) salários mínimos, quando o máximo da pena privativa de liberdade cominada for superior a 4 (quatro) anos. 

 § 1º  Se assim recomendar a situação econômica do preso, a fiança poderá ser: 

I - dispensada, na forma do art. 350 deste Código; 

II - reduzida até o máximo de 2/3 (dois terços); ou 

III - aumentada em até 1.000 (mil) vezes.

            Importante ressaltar que a fiança é a única medida que também pode ser decretada pelo delegado de polícia, contudo, não é cabível para qualquer crime.

Art. 323.  Não será concedida fiança: 

I - nos crimes de racismo; 

II - nos crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e nos definidos como crimes hediondos; 

III - nos crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; 

Art. 324.  Não será, igualmente, concedida fiança: 

I - aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 deste Código; 

II - em caso de prisão civil ou militar; 

IV - quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva

Art. 319, § 4º A fiança será aplicada de acordo com as disposições do Capítulo VI deste Título, podendo ser cumulada com outras medidas cautelares. 

        

O tema fiança é muito importante e vasto, merecendo atenção especial, porém não nos cabe, aqui, aprofundar e esgotar o assunto desta medida cautelar, posto que foge ao nosso tema principal que é elencar as medidas cautelares pessoais em paralelo com as recentes alterações trazidas pela lei 11.403/11.

5.9 Monitoramento eletrônico

Por fim, o monitoramento eletrônico, a última medida cautelar expressa no texto da lei, consiste na utilização de dispositivo eletrônico, porém não ostensivo, geralmente afixado ao corpo do indivíduo permitindo que permanentemente seja possível identificar a localização geográfica do agente.

O monitoramento eletrônico foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro no ano de 2010 por meio da lei 12.258/10, que alterou a Lei de Execução Penal, fazendo constar no art. 146-B, em dois casos:

Art. 146-B.  O juiz poderá definir a fiscalização por meio da monitoração eletrônica quando: 

II - autorizar a saída temporária no regime semiaberto;  

IV - determinar a prisão domiciliar;

            Na LEP, o monitoramento eletrônico é tido como sanção, utilizado no cumprimento da sentença penal. É conhecido como monitoramento back-door, pois tira o agente da prisão e é aplicado somente nas fases finais da execução da pena como modo auxiliar os regimes aberto, semi-aberto na fiscalização do indivíduo quando da sua reinserção meio social.

            O monitoramento é trabalhado por meio de duas zonas. Na zona de inclusão, o monitoramento serve para impor ao acusado a obrigação de permanecer em determinados locais, a exemplo da prisão domiciliar em que o acusado é obrigado a permanecer em casa. De modo contrário, na zona de exclusão, o monitoração obriga o indivíduo a evitar determinados locais como no exemplo da proibição de frequentar determinados lugares.

            Em relação à tecnologia utilizada para realizar o monitoramento, a princípio adotava-se o sistema passivo, em que o monitorado era acionado por uma central de telefone para verificar a sua localização e o sistema atvo, em que o dispositivo instalado em local determinado transmite o sinal ao local de monitoramento Se o monitorado se afasta, a central era acionada.

            Com o avançar da tecnologia, esses dois primeiros sistemas foram deixados de lado, dando lugar ao sistema GPS, através do qual o monitorado tem sua localização determinada via satélite com precisão muito mais eficaz.

            Para que ocorra o monitoramento eletrônico é necessário que o acusado concorde com a medida. Via de regra, o monitoramento eletrônico é muito mais benéfico ao acusado, pois pode substituir o encarceramento. A Lei de Execução Penal trouxe alguns cuidados que o condenado deverá adotar com o equipamento e trouxe também algumas sanções possíveis para a violação comprovada dos deveres previstos.

Art. 146-C.  O condenado será instruído acerca dos cuidados que deverá adotar com o equipamento eletrônico e dos seguintes deveres:

I - receber visitas do servidor responsável pela monitoração eletrônica, responder aos seus contatos e cumprir suas orientações;

II - abster-se de remover, de violar, de modificar, de danificar de qualquer forma o dispositivo de monitoração eletrônica ou de permitir que outrem o faça;

Parágrafo único.  A violação comprovada dos deveres previstos neste artigo poderá acarretar, a critério do juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a defesa:

I - a regressão do regime;

II - a revogação da autorização de saída temporária;

VI - a revogação da prisão domiciliar;

VII - advertência, por escrito, para todos os casos em que o juiz da execução decida não aplicar alguma das medidas previstas nos incisos de I a VI deste parágrafo.

Considerações finais

            Código de Processo Penal passou por grandes reformas ao trato das prisões e da liberdade provisória, inserindo inúmeras alternativas ao cárcere.

Com as alterações trazidas pela lei 12.403/11, assumiu-se que toda prisão anterior ao trânsito em julgado tem natureza cautelar além de ter ampliado as alternativas para garantir a regular tramitação do processo penal, pelo advento das diversas modalidade de medidas cautelares.

            Embora a Lei nº 12.403/11 faça uma distinção conceitual entre prisões, medidas cautelares e liberdade provisória, todas mantém o mesmo papel e a mesma função processual de acautelamento dos interesses da jurisdição criminal, sobretudo para evitar o superpovoamento dos presídios brasileiros, violando os princípios constitucionais mais básicos, como o da dignidade da pessoa humana. Por este motivo, é importante que se busque a essência do instituto jurídico, principalmente quando se fala em prisão cautelar, que jamais pode ser decretada visando o caráter punitivo e ressocializador da pena ferindo o princípio constitucional do devido processo legal e da presunção de inocência.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689. Código de Processo Penal: promulgado em 3 de outubro de 1941. Disponível em: www.presidencia.gov.br. Acesso em: 10 de setembro. 2014.

________. Lei nº 11.403, de 4 de maio de 2011. Altera dispositivos do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória, demais medidas cautelares, e dá outras providências. Disponível em: www.presidencia.gov.br. Acesso em: 10 de setembro. 2014.

CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

GOMES, Luiz Flávio; MARQUES, Ivan Luís. Prisão e Medidas Cautelares. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de processo penal. Rio de Janeiro: Impetus, 2014.

________. Nova prisão cautelar: doutrina, jurisprudência e prática. Niterói: Impetus, 2011.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 11 ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de; FISCHER, Douglas. Comentários do código de processo penal e sua jurisprudência. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2012.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 16ª. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2012.

TÁVORA, Nestor; ARAÚJO, Fábio Roque. Código de Processo Penal. 5ª ed. Salvador: JusPodivm, 2014

TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 6 ed. Salvador: Juspodivm, 2011.



Sobre o autor
Bruno Marinho

Especialista em Direito da Criança, do Adolescente e do Idoso pela Universidade Candido Mendes/RJ e professor de Direito Municipal e Finanças Públicas da Faculdade Luciano Feijão/CE.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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