A coisa julgada e o NCPC

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06/04/2015 às 00:42
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[1] Art. 502.  Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.

[2] Nas palavras de Miguel Teixeira de Sousa, “o caso julgado é a insusceptibilidade de impugnação de uma decisão (despacho, sentença ou acórdão) decorrentue do seu trânsito em julgado (art. 677º)”.

[3] A verdade é que tanto o atual CPC como o vindouro não trazem uma exata definição para a expressão "trânsito em julgado", deixando a encargo da interpretação de doutrinadores que por sua vez buscam outros ordenamentos jurídicos para lhe alcançar o exato sentido. Dispõe o CPC português, em seu art. 677 que é considerada transitada em julgado a decisão não mais suscetível de recurso ordinário ou de reclamação.         

[4] Que se pautou pela teoria do discurso no qual as normas são legítimas se encontrarem assentimento de todos os cidadãos (partes processuais) no processo discursivo. Vasculhando a ideia de legitimidade, Habermas se pautou pela teoria do discurso, no qual as normas somente são legítimas se encontrarem assentimento de todos os cidadãos (partes processuais) no processo discursivo. Para que as partes se reconheçam como elaboradores e destinatários de uma decisão legitimada, há a necessidade de garantir a autonomia pública e privada.

Nesse sentido, o nexo interno da democracia com o Estado de Direito consiste no fato de que, por um lado, os cidadãos só poderão utilizar condizentemente a sua autonomia pública se forem suficientemente independentes para exercer uma autonomia privada assegurada de modo igualitário.

[5] A noção de coisa julgada, portanto é mais abrangente para italianos do que para os portugueses. Contudo, no direito português quanto no direito italiano à ideia prende-se à noção de preclusão.

[6] E, isso pode acontecer: caso a parte não observe a ordem assinalada para exercer a faculdade. Se a parte realizar atividade incompatível para o exercício da faculdade. E, ainda, se a parte já tiver exercitado validamente a faculdade. O que corresponde à clara definição das três modalidades de preclusão: a temporal; lógica; e consumativa.

Nesse sentido, ocorre trânsito em julgado da decisão se a parte deixar de opor impugnação à decisão dentro do prazo estabelecido em lei para tal ato, ou quaisquer das outras modalidades de preclusão.

[7] E, em parte essa definição acaba sendo útil ao direito processual brasileiro, que ainda acrescentou a possibilidade também de recursos extraordinários para ocorrência do trânsito em julgado.

Já o Código de Processo Civil Italiano ao definir trânsito em julgado, o faz como sinônimo de coisa julgada formal. Sustenta o art. 324 do CPC italiano que se entende que a transitada em julgado é a sentença não mais sujeita a nenhum tipo de impugnação, seja ordinária ou extraordinária e nem mesmo a ação rescisória ou revocazione.

[8] Fazzalari sobre o tema prefere usar o termo irretratabilidade da sentença o que significa exaurimento por efeito da preclusão, das faculdades, dos poderes e dos deveres atinentes aos recursos. No entender desse doutrinador italiano, a irretratabilidade da sentença ou trânsito em julgado pode ocorrer na sentença que julga ou não o mérito da demanda. É efeito exclusivamente processual. Essa situação processual que é imposta pela exigência de colocar fim à lide envolve.

[9] Afinal para que o contraditório possa realmente possibilitar a construção de decisões legitimadas e normalmente permitir o trânsito em julgado, é também indispensável que haja a fundamentação das decisões, de modo que possa apontar as bases argumentativas sobre fatos e do direito debatido para a motivação dessas decisões.

Na democracia, portanto, a decisão jurisdicional e ipso facto seu trânsito em julgado, têm como justificativa a estrutura do procedimento realizado em contraditório que é direito-garantia fundamental.

[10] Outra parte da doutrina considera a coisa julgada formal uma preclusão:

“A coisa julgada formal opera-se em relação a qualquer sentença a partir do momento em que precluir o direito do interessado em impugná-la internamente à relação processual”.

Como preclusão que é, não deve ser confundida com a figura (e o regime) da coisa julgada (material)”.

“Assim é que alguns autores acabam por identificar a coisa julgada formal como uma espécie de preclusão e a denominam de preclusão máxima, deixando claro que nenhum outro ato processual poderá ser realizado dentro daquela determinada relação jurídico-processual porque a sentença de mérito tornou-se imutável”.

Não se pode negar que a coisa julgada formal e a preclusão se parecem bastante, no entanto a discussão em torno dessa questão é pouco relevante, já que não tem nenhuma relevância na prática.  No final das contas tanto um quanto outro representa a perda de uma faculdade processual, só com um pequeno detalhe, nem sempre a preclusão de um ato processual acarretará a extinção do processo sem resolução do mérito.

[11] Em termos históricos, o instituto da coisa julgada passa por uma primeira fase e especialmente no direito romano, pela ineficácia do ato, ou seja, mesmo tendo transitado em julgado a sentença uma vez constatando-se uma nulidade no processo, (ressalte-se que havia grande importância das formas e por isso o número de nulidades era alto e pelos mais variados e menos importantes defeitos), poderia-se recorrer ao instituto adequado de declaração de inexistência da sentença, pois a mesma não produzia efeitos enquanto perdurasse o vício.

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Scialoja nos ensina que vige grande diferença entre o direito antigo e o moderno em termos de nulidades ou inexistência da sentença. No direito moderno, o defeito da sentença leva a uma nulidade, especialmente quanto à forma. No direito romano, uma sentença nula é absolutamente ineficaz e por isso ela não goza da força e autoridade da coisa julgada. Modernamente, tal ideia de ineficácia do direito romano desapareceu, mesmo nos países que adotam o sistema processual com berço nesse direito. Somente através do recurso próprio ou de ação de impugnação da coisa julgada é que pode ser obtida nulidade de sentença. Do contrário, a sentença transitada em julgado, mesmo sendo nula, produz os seus efeitos e goza da autoridade da coisa julgada. (In: Scialoja, Victtorio. Procedimiento Civil Romano. Tradución de Santiado Sentis Melendo y Marino Ayera Radin. Buenos Aires: EJEA, 1954. p.255).

[12] Os Tribunais acolhem a alegação da coisa julgada, mesmo que fora da contestação, porém o réu terá que arcar com as custas do retardamento.  Afinal de contas o réu deu despesas desnecessárias ao Judiciário, que já vivi sobrecarregado:

“A coisa julgada constitui matéria de contestação, e não de exceção (cf. art. 301-VI), mas pode ser alegada a todo tempo (RF 246/393), arcando o réu com as custas do retardamento (art.22). Pode ser reconhecida de ofício” (RTJ 72/574, RJTJESP 101/212). Passada em julgado a sentença sem haver recurso, formar-se-á a coisa julgada. A coisa julgada formal e material podem se formar separadamente. 

Qualquer sentença está apta a fazer coisa julgada formal, para isso basta que se torne irrecorrível. A situação pode ser constatada quando o processo é extinto sem resolução de mérito, caso em que ocorrerá apenas a coisa julgada formal. Agora, se o julgado analisa o mérito haverá a coisa julgada formal e material: “Casos há em que só se forma a coisa julgada formal, e não a material, como por exemplo, na sentença em que se diz que ao autor falta legitimidade para agir. Entretanto, numa sentença em que o juiz acolhe o pedido do autor, há tanto a coisa julgada formal quanto a material. Assim, como se vê, a coisa julgada formal ocorre sempre, mas nem sempre acompanhada pela coisa julgada material, que só se forma se de sentença de mérito se tratar”.

[13] A coisa julgada recai nos efeitos da sentença, não é um efeito da sentença. Segundo Dinamarco (2002, p. 304): “[...] a coisa julgada material, incide sobre os efeitos da sentença, não sobre ela própria como ato jurídico-processual – a proteção desta é feita pela coisa julgada formal”.

No mesmo sentido é Marinoni (2004, p.675): “[...] a coisa julgada não é um efeito da sentença, mas uma qualidade que pode agregar-se a estes efeitos”. Portanto, a doutrina não considera a coisa julgada como um efeito da sentença. Separe-se a coisa julgada da sentença, pois são institutos diferentes.  A sentença é o comando e a coisa julgada é que o torna definitivo.

[14] Explicitamente o parágrafo quarto do art.337 do NCPC prevê que: Há coisa julgada quando se repete ação que já foi decidida por decisão transitada em julgado.

Adiante, no art. 433 no NCPC, in verbis: Art. 433.  A declaração sobre a falsidade do documento, quando suscitada como questão principal, constará da parte dispositiva da sentença e sobre ela incidirá também a autoridade da coisa julgada.

No art. 485 do mesmo diploma legal informa quando o juiz não resolverá o mérito: (...) inciso V reconhecer a existência de perempção, de litispendência ou de coisa julgada; confirmando todos os pressupostos processuais negativos. (...).

Sobre a autora
Gisele Leite

Professora universitária há três décadas. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Pesquisadora - Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE Associação Brasileira de Direito Educacional. Vinte e nove obras jurídicas publicadas. Articulistas dos sites JURID, Lex Magister. Portal Investidura, Letras Jurídicas. Membro do ABDPC Associação Brasileira do Direito Processual Civil. Pedagoga. Conselheira das Revistas de Direito Civil e Processual Civil, Trabalhista e Previdenciária, da Paixão Editores POA -RS.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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