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O spam sob a ótica jurídica da dignidade

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Resumo:


  • Michel de Montaigne em "Ensaios" defende que evitar um mal por meios honestos é não só permitido, mas louvável.

  • O texto discute a problemática do spam, abordando sua origem, classificação, impactos no direito e estratégias para combatê-lo.

  • Spam é criticado por violar privacidade, causar danos materiais e morais, e contrariar a dignidade humana, exigindo medidas legais e técnicas para sua contenção.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

5.0 Conclusão.

            Se trouxermos o spamer para as situações práticas vividas, seria o ideal que pudéssemos compara-lo àquela pessoa que distribui, de transeunte em transeunte ao fechar do semáforo ou em logradouros de grande circulação de pessoas, folhetos com publicidade e todo o tipo de notícias, porquanto, as pessoas alvo desta distribuição, têm o direito de escolha se recebem ou não os referidos folhetos. O perfeito seria que o spammer fosse o "folheteiro" do exemplo dado.

            Ao contrário do verdadeiro "folheteiro", o spammer, na verdade é um distribuidor de folhetos (e-mail) que sempre entrega todos os folhetos a todas as pessoas que recebem e-mails na rede, e todas estas - vítimas, ao contrário da situação anterior, são obrigadas a recebe-los sem escolha, mesmo que estes estiverem sujos, ou com vírus ou ainda não houvesse tempo para recebe-los (conexão lenta), o que é inaceitável, pois o internauta é forçado a receber.

            É como se o vizinho da direita, ou melhor, os moradores do prédio de dezoito andares da direita, jogassem sobre o telhado do vizinho da esquerda, um monte de papéis oferecendo propagandas, publicidades, folhetos pornográficos ou contendo notícias falsas. Sendo que, por sua vez, o vizinho da esquerda, com o telhado completamente entupido, sem por onde vazar a água das chuvas, teria que subir ou pagar para alguém para subir no telhado para limpar toda aquela sujeira, despendendo tempo e dinheiro de sua vida.

            Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei tal é o preceito prescrito no Art. 5º, II da nossa Constituição Republicana, portanto, quando se adquire o serviço de e-mail, não se autoriza ninguém a enviar o que for, mas tão somente a informação prévia e expressamente autorizada em termo de uso, daí que a prática que força o internauta ao recebimento de um e-mail não solicitado vai de encontro, viola expressamente o preceito Constitucional citado, trazendo ao spam o rótulo de conduta no mínimo antijurídica, se considerarmos o ilícito apenas a conduta vedada por lei estrito senso.

            Sabemos hoje que há inúmeros softwares que enviam automaticamente esse tipo de correspondência indesejada, aliás, com recursos de escolha do número, hora e dia do envio dos spams, sendo que por conta disto já há previsões do "assassinato do e-mail" (16) e que daqui há alguns anos as máquinas (PCs) enviarão mais e-mails do que por comando do homem o que trará o caos, lentidão e a completa inutilização da rede mundial de computadores.

            Antes que isto acorra não nos adianta criminalizar (17) a conduta, pois não traz perigo relevante à vida humana, talvez seja mais coerente que o spammer se associe a um provedor que em seu termo de uso do serviço de e-mail – pois que, de outro lado o envio de spam pode caracterizar a natureza de um serviço - disponibilize a autorização de recebimento de determinados conteúdos como os elaborados por agências de propaganda ou publicidade. Só assim vejo a licitude do envio dessas mensagens indesejáveis, ou seja, desde que autorizadas pelo internauta passando a ser desejáveis, aliás como está previsto no Art. 39, III do Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

            Somente o envio autorizado de informações via e-mail é cabível e adequável à dignidade humana, pois que, dessa forma desmistificaria a própria significação do vocábulo spam para uma forma de publicidade ou propaganda autorizada, como estas devem ocorrer na verdade, pois que ninguém se utiliza de um outdoor sem estar por contrato ou ao menos soma de vontades, autorizado, ou mesmo quem compra um determinado jornal e nele sabe que em seu conteúdo autorizado estão notícias que envolvem propagandas.

            Diga-se ainda que nem mesmo a forma corriqueira de opção de se auto-excluir ou remover o e-mail da vítima da lista de envio de spam (18)ou de não mais receber e-mails daquele indesejado remetente que consta dos corpos desses e-mails não solicitados; pode ser concebida como solução ou consolo para o destinatário, pois além do ônus de já ter recebido o spam, terá ainda outro, o de tentar remover o e-mail da lista, que é ainda de se alertar que a maioria desses links ("clique aqui") não funcionam ou relacionam a inserção do internauta em outras listas, transformando a caixa de e-mails numa completa lixeira.

            Em lúcida abordagem dos fatos aqui expostos Giordani Rodrigues, jornalista e editor do site Infoguerra (www.infoguerra.com.br), assim assevera:

            "No Brasil, há apenas projetos de lei tramitando no Congresso e as leis já existentes de defesa do consumidor, que poderiam ser aplicadas em alguns casos, não têm sido acatadas por juízes e promotores para punir spammers. Os provedores e operadoras nacionais, por sua vez, parecem estar sendo palco de uma queda de braço entre os departamentos técnico e comercial. De um lado, os administradores de redes desejam combater o spam, que lhes dá cada vez mais trabalho. De outro, o departamento comercial prefere manter um cliente, mesmo sendo ele um spammer, a perder seu pagamento no final do mês. E, pelo jeito, o lucro imediato tem falado mais alto.
A situação só vai mudar quando novas leis forem aprovadas, ou quando as empresas perceberem que permitir o spam pode trazer muito mais prejuízo financeiro do que combatê-lo. Mesmo assim, corre-se o risco de já ser tarde demais, pois é difícil livrar-se de uma má fama adquirida." (19)

            Para que tenhamos idéia do que se legisla no Direito Estrangeiro já há norma que proíbe o envio de spam para telefone celular como é caso do Telephone Consumer Protection Act de 1991 (47 U.S.C. § 227) (20), sob os argumentos de que haja prevenção para que se evite os prejuízos e o que ocorre hoje na internet, e que esta conduta é ilícita em razão do simples fato de que o proprietário do telefone terá que pagar para receber um e-mail que não autorizou (21).

            Finalizando, como discorrido, a prática do spam viola claramente vários direitos fundamentais como a privacidade e mais especificamente a intimidade, mortificando a inviolabilidade dos dados pessoais, que são na verdade, a construção de toda a regulamentação e registro da personalidade jurídica, vai de encontro, chocando-se frontalmente com o respeito – direito-dever - que todos nós devemos um ao outro e a todos em sociedade, vai de encontro à dignidade humana.


NOTAS

            01. Conhecidas também como "HOAX", "boato", que ultimamente atribuem a arquivos legítimos de sistema a qualidade de serem vírus, incutindo nos internautas a ação de eliminação do referido arquivo e logo, a destruição de arquivos do sistema operacional. Vide por ex. os sites http://www2.uol.com.br/info/aberto/infonews/112001/01112001-17.shl (INFO EXAME: "Hoax usa o Filme http://www.infoguerra.com.br/infonews/viewnews.cgi?newsid1018839600,41722, ("Falso vírus jdbgmgr.exe é variante do boato Sulfnbk.exe" por Giordani Rodrigues). Acesso em 23 de novembro de 2002.

            02.Vide sobre o assunto o site http://www2.uol.com.br/info/aberto/infonews/052002/02052002-4.shl. Acesso em 31 de outubro de 2002.

            03. Disponível no site:http://www.jt.estadao.com.br/suplementos/info/2002/04/25/info022.html (ESTADÃO.COM.BR: "Spams chegam em massa e ficam mais sofisticados" por Carlos Ossamu). Acesso em 31 de outubro de 2002.

            04. Disponível no site http://www.uol.com.br/folha/informatica/ult124u10100.shl (INFORMÁTICA ON LINE: "Spam custava caro; agora põe em risco a vida do internauta" por Francisco Madureira). Acesso em 01 de novembro de 2002.

            05. Vide o site http://museudospam.subversao.com/acervo/ que nos traz um completo acervo de spams. Acesso em 3 de novembro de 2002.

            06. Vide sobre este Hoax o site http://www.ciberlex.adv.br/comportamento.htm. Acesso em 03 de novembro de 2002.

            07. Sobre o tema ver MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos Interesses Difusos em Juízo, 11ª edição, São Paulo: Saraiva,1999, p. 37-44.

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            08. Conforme o site http://conjur.uol.com.br/view.cfm?id=13064&ad=c ("Lixo Eletrônico – Spam – abuso de direito ou ilícito civil"). Acesso em 03 de novembro de 2002.

            09. BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais – O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 110-111.

            10. Embora os valores tenham sido conceituados de acordo com o momento histórico de sua ocorrência e ainda há quem perceba uma relatividade em sua natureza, decidimos delimitar o conceito de dignidade – coloca-lo em uma forma - para após evidenciarmos se esta se encaixa na conduta do spammer ou com ela não se harmoniza.

            11. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3ª ed., Coimbra: Almedina, 1998, p. 480-481.

            12. Disponível no site http://www.mailnull.com. Acesso em 01 de novembro de 2002.

            13. Vide o http://museudospam.subversao.com/denunciando/. Acesso em 01 de novembro de 2002.

            14. Vide também os sites : www.nospam.com.br ; www.antispam.org.br ; spam.abuse.net ; scambusters.org. ; http://museudospam.subversao.com. Acesso em 01 de novembro de 2002.

            15. Vide alternativa de bloqueio no site http://spambr.org/bloqueio.php3. Acesso em 20 de agosto de 2002.

            16. Vide o site http://idgnow.terra.com.br/webworld/namidia/2002/06/0134. Acesso em 20 de agosto de 2002.

            17. Vide sobre o tema o site http://www.direitodainformatica.com.br/artigos/006.htm. Acesso em 20 de agosto de 2002.

            18. Por exemplo: "Este e-mail está de acordo com a legislação brasileira. Este e-mail não poderá ser considerado SPAM quando inclua uma forma de ser removido. Por isso, envie mensagem para [email protected], com o assunto "REMOVER". Está é uma mensagem única. VOCÊ NÃO RECEBERÁ novamente"; " Enviar um e-mail não é crime, desde que não contenha mensagens que possam causar danos ao usuário.Clique aqui e coloque no assunto: "Remova-me" para remoção deste correio da lista. Queira nos desculpar possíveis transtornos."; "De acordo com a legislação internacional atual, esta mensagem não pode ser considerada SPAM por possuir as seguintes características:

            - identificação do remetente;

            - descrição clara do conteúdo;

            - opção para ser removido da distribuição.

            Se você não deseja receber mais este informativo clique aqui."

            19. Conforme o site http://conjur.uol.com.br/view.cfm?id=14485&ad=c (Má Fama – Brasil deve ser bloqueado por causa de spam). Acesso em 3 de novembro de 2002.

            20. Conforme o site http://www.jmls.edu/cyber/statutes/email/tcpa.html. Acesso em 3 de novembro de 2002.

            21. Conforme o site http://www.wired.com/news/wireless/0,1382,55374,00.html. Acesso em 3 de novembro de 2002.

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Sobre o autor
Amadeu dos Anjos Vidonho Júnior

advogado em Belém (PA), especialista em Direito pela Estácio de Sá - UNESA/RJ, mestrando em Direito pela UFPA, professor da Universidade da Amazônia (UNAMA), associado ao Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática (IBDI)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIDONHO JÚNIOR, Amadeu Anjos. O spam sob a ótica jurídica da dignidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 63, 1 mar. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3798. Acesso em: 23 dez. 2024.

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