Ratos vivos são os ladrões; ratos mortos são as pestes

13/04/2015 às 16:58
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Os ratos espalhados no ambiente solene e pretensamente imaculado da Câmara dos Deputados, onde está funcionando a CPI da Petrobras, possuem muitos significados. Cuidarei de dois deles. O primeiro nos diz que ratos vivos retratam os ladrões do país. Quando engravatados e detentores do poder, são cleptocratas (porque cleptocracia é o Estado governado por ladrões). Desde a edição do livro A arte de furtar (livro publicado no século XVII e atribuído ao Padre Manuel da Costa) se sabe que o Brasil é "um covil de ladrões"; muita gente aqui vive de rapinas; as criaturas racionais, de qualquer modo, são as piores de todas, porque lhes sobeja a malícia.

Na dedicatória ao Rei D. João IV, o autor do livro (em 1652) já dizia: "V.M. deve pôr cuidado grande nesta empresa [de combater os ladrões], porque a fazenda de V. M. [o Brasil] é a mais combatida destes inimigos que, por serem muitos, só com um braço tão alentado, como o de V. M., poderão ser reprimidos e castigados". A maior dificuldade está no conhecimento deles, porque, como o ofício é infame e reprovado pelas regras, não querem ser tidos por tais e, por isso, andam todos disfarçados [de deputados, de políticos, de empresários, de banqueiros, de juízes, de financistas, de diretores de empresas etc.].

Quando mortos em série e em grande quantidade, os ratos representam outra coisa: a peste (veja A. Camus, A peste). No nosso caso, são as pestes da desigualdade extrema, da violência epidêmica e da corrupção endêmica. Cada episódio que retrata nossa desigualdade extrema (na educação, na saúde, no transporte, na renda, na riqueza, das capacidades cognitivas, nas habilidades profissionais, nas estruturas emocionais, nas capacidades verbais etc.), nossa violência epidêmica (29 assassinatos para cada 100 mil pessoas; 12º país mais violento do planeta; das 50 cidades mais violentas, 19 estão aqui) bem como nossa corrupção endêmica (Petrobras, Carf, mensalão, HSBC, metrolão, trensalão etc.) constitui mais um rato morto.

Os donos do poder (econômico, financeiro e político) não estão percebendo ou estão fechando os olhos para a realidade cruel vivida pelo Brasil que se esgarça. Praticando a política do avestruz (que enfia a cabeça na terra para não ver a realidade), sofrem da síndrome de inapetência de Maria Antonieta (anestesia mental), que muito contribuiu para a eclosão, em 14/7/1789, da Revolução Francesa e a queda da Bastilha. O povo está perplexo e aterrorizado. Não suporta mais os discursos de transferência de responsabilidade (um joga a culpa no outro).

A questão é que tudo podemos esperar das massas desnorteadas, rebeladas, impregnadas da sensação de impotência. Mais de 70% querem mudanças. Mais de 50% não votariam, se o voto fosse facultativo (Ibope). Da impotência as massas costumam passar para a ação direta (potência) e desta para a prepotência (fascista e violenta). A luz amarela está acesa há tempos (conforme mostraram as manifestações de junho/13 e de 15 de março). Mas já começam a acender as luzes vermelhas. A presença de vários ratos na CPI da Petrobras conta com uma simbologia pressagiadora de mais tragédias, a começar pela própria fraude e embuste que os resultados dessa CPI podem significar para todos os brasileiros. Se ainda não quebraram os sigilos fiscais e bancários das empresas investigadas, que financiaram suas campanhas eleitorais, boa coisa não de pode esperar.

Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

Informações sobre o texto

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