A QUESTÃO DA AUTONOMIA DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO

14/04/2015 às 11:19
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O ARTIGO DISCUTE RECENTE AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE AJUIZADA NA MATÉRIA.

~~A QUESTÃO DA AUTONOMIA DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO

ROGÉRIO TADEU ROMANO
Procurador Regional da República aposentado

A presidente da República, Dilma Rousseff, ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5296 contra a Emenda Constitucional (EC) 74/2013, que conferiu autonomia funcional e administrativa às Defensorias Pública da União (DPU) e do Distrito Federal. O argumento é que a EC, de iniciativa parlamentar, violou o artigo 61, parágrafo 1º, inciso II, alínea “c”, da Constituição Federal.
O dispositivo prevê que são de iniciativa privativa do presidente da República as leis que disponham sobre servidores públicos da União e territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria. Segundo a presidente, no julgamento da ADI 2966, o STF concluiu que as matérias inseridas na lista de iniciativa privada do Executivo não podem ser reguladas por emendas decorrentes de propostas do Legislativo.
Afirmou a Presidente da República que, ao desrespeitar a reserva de iniciativa do chefe do Executivo, a EC 74/2013 violou o princípio da separação de Poderes, definido como uma das cláusulas pétreas da Constituição de 1988.
Prevê o artigo 61, § 1º, da Constituição Federal:
§ 1º - São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:
I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;
II - disponham sobre:
a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;
b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;
c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, reforma e transferência de militares para a inatividade;
c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)
d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;
e) criação, estruturação e atribuições dos Ministérios e órgãos da administração pública.
e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Discute-se assim o problema da iniciativa legislativa inerente ao processo legislativo que é o conjunto dos atos preordenados visando a criação de normas de Direito.
Como disse José Afonso da Silva(Curso de Direito Constitucional Positivo, 5ª edição, pág. 452), a iniciativa legislativa é a faculdade que se atribui a alguém ou algum órgão para apresentar projetos de Lei ao Legislativo. Tal é conferido de forma concorrente a mais de uma pessoa ou órgão, mas, em casos expressos, é outorgada com exclusividade a um deles apenas.
A iniciativa de emendas à Constituição cabe concorrentemente a um terço de membros da Câmara dos Deputados, ao um terço dos membros do Senado, ao Presidente da República e a mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação(artigo 60).
Fala-se em dois tipos de iniciativa no direito brasileiro: a comum e a reservada.
A primeira é geral. Parte do Presidente da República, dos parlamentares, das Comissões das Casas Legislativas e do povo(artigo 61, § 2º).
A segunda, a iniciativa reservada, é aquela conferida pela Constituição a certos órgãos como o Presidência da República(artigo 61, § 1º), Câmara dos Deputados(art. 51, IV), Senado Federal(art. 52, XIII), Poder Judiciário(artigo 56, IJ) e Procuradoria Geral da República(artigo 127, § 2º e 128, § 5º).
Na matéria, o Supremo Tribunal Federal tem declarado inconstitucional o desrespeito as matérias reservadas à iniciativa do Poder Executivo, dada a sua implicação com o princípio fundamental da separação de poderes(RDA, 215: 270 – 8, 188:139; RTJ 159:736).
   Fica nítido que cabe a iniciativa à Presidência da República com relação a  organização da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização das Defensorias Públicas dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
No ensinamento de José Afonso da Silva(Curso de direito constitucional positivo, pág. 497 – 498, 1995), a outorga do poder de instauração do processo legislativo, qualificada, ope constitutionis, pela nota da privatividade, afasta a possibilidade jurídica da coparticipação de terceiros na fase introdutória do procedimento de criação legislativa.
Enfatizou o Ministro Celso de Mello, RTJ 146/388,  que é preciso enfatizar que a cláusula de reserva pertinente ao poder de instauração do processo legislativo traduz postulado constitucional de compulsório atendimento pelas unidades federadas e cujo desrespeito,  precisamente por envolver usurpação de uma prerrogativa institucional não compartilhada, se afigura em vício insanável.
Sendo assim, como ainda disse o Ministro Celso de Mello, a natureza especial que assume a cláusula referente à iniciativa reservada das leis caracteriza, em nosso sistema de direito, derrogação que excepciona o princípio geral da legitimação concorrente para a instauração do processo de formação das espécies legislativas. Tal se dá diante de explícita previsão constitucional.
Impossível falar, nessa linha, na tese da convalidação das leis resultantes do procedimento inconstitucional da usurpação, que foi repudiada nas lições de Francisco Campos(Parecer, RDA 73/380), de Caio Tácito(Parecer, RDA 68/341) e ainda de Manoel Gonçalves Ferreira Filho(Comentários à Constituição Brasileira de 1988, volume 2/111, 1992), dentre outros.
Esse entendimento foi ratificado na ADI 4154/MT, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, DJe 110, publicado em 18 de junho de 2010, onde se registrou que a iniciativa de lei que disponha sobre regime jurídico de servidores públicos é reservada ao Chefe do Poder Executivo.
Há, portanto, inconstitucionalidade formal a ser declarada na EC 74/2013, que desrespeita, de forma frontal, a reserva de iniciativa do Chefe do Executivo e ainda o princípio da separação de poderes.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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