O estudo da conivência negativa sob a perspectiva do Direito Penal mínimo

17/04/2015 às 00:40
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O presente artigo vem traçar uma análise sobre o instituto da conivência negativa, decorrente do estudo do concurso de pessoas, como uma das formas de expressão e fortalecimento do Direito Penal Mínimo para a sociedade moderna.

RESUMO:

            O presente artigo vem traçar uma análise sobre o instituto da conivência negativa, decorrente do estudo do concurso de pessoas, como uma das formas de expressão e fortalecimento do Direito Penal Mínimo para a sociedade moderna. É certa e necessária a discussão de tal tema, haja vista que possibilita entender situações do nosso dia a dia, já que se trata de uma situação recorrente. Logo, uma visão constitucionalizada sobre a conivência negativa e a aplicação penal apenas em ultima ratio, em virtude da ascensão de princípios como o da subsidiariedade e da insignificância, é salutar e muito benéfica para o avanço da sociedade como um todo.

Palavras-chave: Conivência negativa. Participação omissiva. Concurso de pessoas. Direito penal mínimo. Crimen silenti.

ABSTRACT:

            This article is to draw an analysis of the Institute of negative collusion arising from the study of people contest, as a form of expression and strengthening criminal law Minimum for modern society. It is right and necessary to discuss this issue, considering that enables understand situations of our daily lives, since it is a recurring situation. So a constitutionalized outlook on negative connivance and criminal enforcement only in last resort, due to the rise of principles such as subsidiarity and insignificance, is healthy and very beneficial to the advancement of society as a whole.

Key-words: Negative connivance. Omission participation. Services of persons. Criminal law. Crimen silenti.

Sumário: Introdução. 1. Conivência negativa ou participação negativa. 1.1. Definição de Crimen Silenti. 1.2. Diferença entre participação negativa e participação por omissão. 2. Abordagem crítica. Considerações finais. Referências.

INTRODUÇÃO:

Na atualidade de nossa sociedade, percebemos cada vez mais que o Direito Penal deve ter aplicação subsidiária. Claro que este ramo é muitíssimo importante para a proteção dos bens dos homens, sejam eles individuais ou da coletividade. Entretanto, fatos históricos e a evolução da sociedade nos demonstram cada vez mais com clareza que o Direito Penal Mínimo é o mais apropriado.

Desta forma, notadamente entendemos que o Direito Penal deve cuidar necessariamente dos bens totalmente indisponíveis, que a privação da liberdade deve ser a exceção e que os fatos devem ser totalmente analisados para que haja realmente o enquadramento da conduta ao tipo penal e sua sanção correspondente.

Toda esta preocupação decorre da constatação de que a aplicação desenfreada do Direito Penal só trará prejuízos para a sociedade e transformará os Estados em verdadeiros exemplos anárquicos e totalitários. Logo, percebemos que o Direito Penal deve ser aplicado em ultima ratio e que não decorre apenas do Poder Judiciário ou da atividade policial. A subsidiariedade do Direito Penal nasce já em todas as relações sociais, assim a sociedade inteira deve ter essa postura em relação ao Direito Penal e seus institutos, assegurando-os um papel de secundariedade nas relações sociais.

É certo então, notar que o Direito Penal Mínimo deve ser defendido e justificado sob a base de certos princípios, tais como adequação social da conduta, intervenção mínima, dignidade humana, entre outros. Destarte, condutas serão consideradas atípicas, mesmo que se encaixem em algum tipo penal previsto, quando não chegam a violar o ordenamento jurídico.

É sob esse prisma, da aplicação moderna do Direito Penal Mínimo, que iremos analisar o instituto da conivência negativa e a sua importância para o dia a dia forense. Entender o que é a conivência negativa e enxergar o quanto ela se torna comum e presente em nossa sociedade nos trará uma lucidez de como todo o sistema integrado, o policial e o judiciário, devem encará-la, trazendo assim como um exemplo latente de Direito Penal Mínimo. Não somente o Direito Penal trabalhando contra o indivíduo, mas primeiramente e, precipuamente, trabalhando a favor do indivíduo.

  1. CONIVÊNCIA NEGATIVA OU PARTICIPAÇÃO OMISSIVA:

1.1 DEFINIÇÃO DE CRIMEM SILENTI:

A participação ou conivência negativa ocorre quando o sujeito, sem ter dever jurídico de agir, omite-se diante a execução de um crime, ou seja, um indivíduo comum, sem a exigência de ser garantidor previsto no art. 13, § 2º do Código Penal, presencia um crime. Nesta situação, teria relevância jurídica a omissão de quem se enquadre nas três hipóteses a seguir: tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado ou que com seu comportamento anterior criou o risco da ocorrência do resultado.

Destarte, um indivíduo que não se encaixe nas três hipóteses supra mencionadas, estaria sendo conivente de uma forma negativa. Portanto, como ilustra Fernando Capez (2011, p. 376):

“A conivência não se insere no nexo causal, como forma de participação, não sendo punida, salvo se constituir delito autônomo. Assim, a tão só ciência de que outrem está para cometer ou comete um crime, sem a existência do dever jurídico de agir, não configura participação por omissão.”

Acerca deste assunto podemos observar o conceito dado por Nucci (2010, p.302) e o de Aníbal Bruno (1967, p. 278), os quais apontam que, respectivamente:

“Conivência: trata-se da participação por omissão, quando o agente não tem o dever de evitar o resultado, nem tampouco aderiu à vontade criminosa do autor. Não é punível pela lei brasileira. É o chamado concurso absolutamente negativo.”

“Uma atitude totalmente negativa, como a simples presença no ato de consumação ou a não denúncia à autoridade pública de um fato delituoso de que se tem conhecimento não pode constituir participação punível. É chamada conivência.”

Na obra de Damásio de Jesus temos a contemplação dos dois efeitos que a conivência negativa pode resultar. Primeiramente, temos que a conivência poderá constituir-se como uma infração per se stante, neste caso, não constitui participação no crime do autor principal, mas sim uma infração autônoma. E o segundo efeito é quando não se constitui nem participação no delito do autor principal, nem infração autônoma.

Sobre o primeiro efeito, Damásio de Jesus (1999, p. 433) exemplifica da seguinte forma:

“Suponha que um exímio nadador presencie a mãe lançar seu filho de tenra idade numa piscina e, sem qualquer risco pessoal, permite que a criança venha a falecer por afogamento. Não há falar-se em participação por omissão no crime de homicídio, pois não tinha o dever jurídico específico de impedir o evento. Todavia, como infringiu um dever genérico de assistência, responde por crime de omissão de socorro (CP, art. 135).”

            Enquanto que em relação ao segundo efeito, o doutrinador exemplifica da seguinte forma:

O sujeito toma conhecimento de um furto a ser praticado pelo agente e não dá a notitia à autoridade policial, que poderia evitar a sua prática. Cometido o furto, o omitente não é partícipe, nem responde por infração autônoma.”

            Logo, percebemos que a conivência negativa só terá relevância jurídica quando constituir uma infração autônoma ao afrontar o tipo penal de omissão de socorro, previsto no Código Penal, sob o seguinte teor:

“Art. 135 – Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:

Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa.

Parágrafo único. A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resultar morte.”

            Portanto, para todos aqueles que possuem o dever de garantir a proteção, devem socorrer, pois caso assim não ajam, estarão cometendo participação por omissão, claro desde que esse socorro seja possível. Enquanto que, para as pessoas comuns, sem qualquer tipo de dever de garantia, e que não tenham causado o perigo, só estarão cometendo infrações, se sem gerar riscos à sua integridade física, omitirem socorro, gerando, desta forma, uma infração autônoma.

            Temos ainda um desdobramento em relação a este tema no que concerne a existência ou não de conivência posterior à prática do crime. Isto ocorre na situação em que o sujeito toma conhecimento de um crime consumado, porém não realiza a notitia crime à autoridade, o que ocorre? Sobre esta circunstância, Damásio de Jesus (1999, p. 434) tem um posicionamento e exemplo muito esclarecedor em sua obra:

Suponha-se que o sujeito tome conhecimento da prática de um delito (de ação penal pública incondicionada) no exercício de sua função pública e deixe de comunicar o fato à autoridade competente. É partícipe do crime? Não, respondendo por infração autônoma, denominada “omissão de comunicação de crime” (LCP, art. 66, I). E se um particular toma conhecimento de um crime e não o relata à autoridade competente? Responde por contravenção? Não. Qual a razão da diferença? Ocorre que o particular pode denunciar a prática de um crime de ação pública, mas não tem obrigação de fazê-lo. Aquele que exerce função pública, porém, tomando conhecimento em seu exercício da prática de um crime de ação penal pública incondicionada, tem o dever de agir, isto é, tem o dever jurídico (imposto pela norma contravencional) de comunicá-lo à autoridade competente.

            Sendo assim, notamos que a qualidade do indivíduo no tocante a sua profissão tem influência sobre a conseqüência de suas atitudes diante da percepção de um crime. Ter uma função pública ou exercer um papel de garantidor poderá influir na prática de certos ilícitos como a omissão de socorro e omissão de comunicação de crime.

1.2 DIFERENÇA ENTRE PARTICIPAÇÃO NEGATIVA E PARTICIPAÇÃO POR OMISSÃO:

Como vimos, para o estudo deste tema é recorrente a comparação com a prática da participação por omissão. Portanto, se faz mister que diferenciemos estas duas modalidades de participação.

Para Damásio de Jesus (1999, p. 342):

“Para que alguém seja partícipe mediante omissão basta que não tenha impedido a prática do crime, infringindo um dever jurídico. Se o omitente possui o dever jurídico de impedir o evento, violando a obrigação, concorre para sua produção, tornando-se partícipe. Mas, para isso, é necessário que concorra o elemento subjetivo da participação, que adira a sua conduta negativa ao comportamento do autor principal. [...] Assim, a participação mediante omissão ocorre quando existe a obrigação de impedir o delito, que o omitente permite ou procede de forma que se realize. Existe nela um não - fazer correlato a uma obrigação de fazer impeditiva do crime, obrigação esta ligada às formas das quais advém o dever jurídico de obstar a prática do fato. Condiciona-se a três requisitos: 1º) nexo de causalidade objetivo entre a omissão do partícipe e o delito cometido pelo autor principal; 2º) dever jurídico de o partícipe opor-se à prática do crime; 3º) vínculo subjetivo.”

A partir deste entendimento do doutrinador Damásio de Jesus, entendemos que haverá participação por omissão sempre que alguém viole um dever de agir, consentindo com a conduta praticada e em nada agindo para impedir.

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Entretanto, temos o posicionamento de Rogério Greco que se distancia do pensamento formulado por Damásio. Para Rogério Greco (2008, p. 461) há a seguinte compreensão:

 “Merece ser frisado que o partícipe que contribui para o fatp auxiliando materialmente a sua execução não pode, em qualquer hipótese, ser considerado garantidor da não-ocorrência desse mesmo fato, pois, caso contrário, se, tendo o dever de agir para impedir o resultado, nada faz, responderá pela infração penal a título de autoria, e não de participação (...). Sua omissão dolosa levaria ao cometimento de um crime comissivo por omissão.”

De fato, acreditamos ser mais acertada o posicionamento de Damásio de Jesus e para corroborar este entendimento que acreditamos ser o mais acertado. Trazemos um trecho da obra de Aníbal Bruno (1967, p.278/279) que diz:

Igualmente, haverá participação, se ao que assiste inativo cabe o dever jurídico de intervir para obstar à prática do crime, como é o caso dos agentes de segurança pública. Há, então, participação no crime, por omissão, sem com a atitude material do agente concorre o elemento psíquico da participação.

Destarte, percebemos e defendemos que a melhor análise é associar à quem tem o dever de agir e nada o faz, a questão da participação omissiva e não uma situação de co-autoria pela prática de um crime comissivo por omissão.

2. ABORDAGEM CRÍTICA:

            Após o estudo firmado, podemos nos situar e nos posicionarmos diante das diversas variantes que surgem. Vimos que há casos em que a pessoa pode ser considerada partícipe sem ter executado nenhuma ação para realizar o fato criminoso. Como observado nas situações de quem tem dever de agir, por exemplo, policiais que presenciam cenas de crime e nada fazem e, ainda, aqueles que possuindo aptidões e sem gerar riscos à sua integridade, omitem socorro.

Sobre estas situações, podemos alargar a discussão no sentido de que até onde há o parâmetro em relação à geração de riscos ou não? Pois uma situação que pode ser considerada perigosa e temerosa para alguns, para outros não há esta interpretação, haja vista que se trata de uma percepção de foro íntimo, assim cada indivíduo terá um entendimento e uma reação para diversas situações.

Logo, ao avistar a cena de um crime, alguns podem se sentir encorajados a impedir ou dar socorro, enquanto que outros não se sentirão protegidos para assim agirem. Desta forma, deve-se ter muita sensibilidade ao acusar e condenar alguém por deixar de agir ou omitir socorro. Claro que a solidariedade e a compaixão entre os indivíduos são peças chave ao se deparar com riscos, mas não se pode deixar de lado as reações psicológicas e os medos de cada um.

Já em relação à conivência negativa, entendermos ser bastante certo o entendimento de que esta não deverá ser punida e nem confundida com uma participação omissiva grotesca e realmente plausível de condenação. Pois é só analisar a sociedade moderna em que vivemos atualmente, e que de forma lamentável, diariamente somos acometidos por situações de violência. Deste modo, se fossemos punir todos aqueles que se deparam com crimes, realmente faltariam prisões e o Poder Judiciário seria esmagado com tantas demandas.

Se uma pessoa apenas presenciou a cena de um crime, não induziu, não instigou e não auxiliou, tão somente, e para sua falta de sorte, presenciou o ilícito, certamente não poderá ser considerada culpada e partícipe da empreitada. Porém, lamentavelmente, nos deparamos diariamente com pessoas injustiçadas, na maioria das vezes pobres, que respondem a ações criminais, porém em nada colaboraram para empreitada, apenas presenciaram, muita das vezes até perto de sua residência, em seu bairro.

Verdade é que o Brasil ainda está enraizado por preconceitos e se um pobre assiste uma cena de crime, não por considerar um espetáculo, mas porque fora surpreendido pela violência – situação nem um pouco rara – é considerado criminoso, um partícipe.

É, sobretudo, sobre estas implicações sociais, que a conivência negativa deve ser levada a público, deve ser estudada, analisada e encaixada nas situações em que realmente se encontre, para que haja uma redução nas “injustiças” e nos erros de nosso Poder Judiciário e para que se conforme aos progressos do Direito Penal Mínimo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Diante de todo o traçado que realizamos para este estudo, finalizamos com a constatação quase que incólume que o Direito Penal, apesar de importante e necessário, deve ser alinhado às necessidades da sociedade de uma maneira cuidadosa e restrita. Restrita pelo fato de que a aplicação desenfreada e sem base dos aspectos e preceitos penais pode gerar a desumanização do Direito e a violência aos princípios constitucionais.

Portanto, ao simpatizar com este pensamento, deve-se levar ao conhecimento e estudo todas as formas de exclusão de tipicidade e ilicitude a fim de evitar enquadramentos errôneos, gerando erros judiciários. E é em virtude deste pensamento que abordamos as características da conivência negativa como uma das espécies que podem impedir esse enquadramento.

Não estamos aqui, desta maneira, criando uma brecha para impunidade. Muito pelo contrário estamos, de certa forma, cobrando e incentivando uma aplicação correta e responsável das sanções penais. A conivência negativa, fora os casos de delitos autônomos, não é punida pela lei brasileira e consideramos essa posição a correta. O problema é averiguado quando as autoridades competentes não possuem técnica e percepção para adequar as condutas de conivência negativa aos fatos.

Destarte, obtemos a constatação da conivência negativa como um modo de atipicidade das condutas que devem ser analisadas e enquadradas nas situações ensejadoras. É o Direito Penal Mínimo agindo e selecionando aquilo que deve realmente preocupar, valorizando uma visão moderna e madura, punindo o que se deve ser punido e assegurando o respeito aos cidadãos e aos princípios constitucionais e direitos humanos. Sendo assim, defendemos a conivência negativa como uma das faces deste posicionamento humanitário, garantista e evoluído de um Direito Penal constitucionalizado e eficiente.

REFERÊNCIAS:

BARROSO, Darlan. ARAUJO JUNIOR, Marco Antonio. Vade Mecum. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

BRUNO, Aníbal. Direito Penal. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. 15ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 10ª Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008.

JESUS, Damásio. Direito Penal. 8ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 10º Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.


[1] Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC. Advogada.

Sobre a autora
Karina Costa Freitas

Advogada. Graduada pela Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Artigo produzido durante a graduação.

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