Da poluição sonora decorrente dos cultos religiosos

17/04/2015 às 15:17

Resumo:


  • O meio ambiente é um bem jurídico a ser tutelado, conforme estabelecido na Constituição Federal, com o objetivo de garantir um ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações.

  • A poluição sonora em cultos religiosos não pode prejudicar o direito ao sossego e à saúde dos vizinhos, sendo passível de medidas restritivas para proteger o meio ambiente e a qualidade de vida da população.

  • A responsabilidade pela poluição sonora recai tanto sobre a pessoa jurídica quanto sobre seus representantes, de acordo com a legislação vigente, podendo gerar danos morais para os moradores afetados.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O artigo tem como finalidade debater um tema bastante polêmico qual seja: a poluição sonora decorrente dos cultos religiosos. Para tanto alguns aspectos são levados em consideração como aqueles atinentes ao meio ambiente.

1. – DO MEIO AMBIENTE COMO BEM JURÍDICO A SER TUTELADO.

O meio ambiente, no qual se inclui o ambiente urbano e artificial, constitui bem jurídico que deve receber especial atenção do nosso direito positivo. Nesse sentido estabelece o art. 225 da Constituição Federal vigente:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

É evidente, pois, que há interesse do Estado na manutenção de um padrão ambiental que permita o desenvolvimento saudável da vida humana, lembrando-se que segundo a Declaração de Estocolmo de 1972, “os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o desenvolvimento sustentável, tendo direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com o meio ambiente”.

No mesmo vértice, o ordenamento jurídico, em nível infra-constitucional, através da Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981, estabelece os parâmetros que devem ser observados na proteção ambiental. Os objetivos da citada norma são encontrados em seu artigo 2º:

Art. 2º -A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e a proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios:

I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo;

II - racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar;

(...)

V - controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras”.

No artigo 3º da mesma Lei encontramos uma série de definições que trazem luz à matéria, senão vejamos:

 Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

        I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;

        II - degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente;

III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:

        a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;

        b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;

        c) afetem desfavoravelmente a biota;

        d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;

        e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;

        IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental;

        V - recursos ambientais, a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo e os elementos da biosfera.

        V - recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora.  (Redação dada pela Lei nº 7.804, de 1989)

Observa-se que a tutela ao meio ambiente e os conceitos definidos na legislação, se aplicam perfeitamente no caso em tela. Isso porque a poluição sonora do empreendimento vem causando de forma inequívoca, danos ao meio ambiente artificial, colocando em risco à saúde das pessoas e perturbando o sossego alheio.


2 POLUIÇÃO SONORA E CULTOS RELIGIOSOS:

Não há dúvidas de que a Constituição Federal protege a liberdade de crença e o exercício dos cultos religiosos, na forma da lei. Mas não é em função dessa liberdade de culto que se vai permitir a propagação de ruído capaz de perturbar os moradores do entorno das casas religiosas.

O mestre PAULO AFFONSO LEME MACHADO, aliás, após enfatizar a garantia constitucional à liberdade religiosa, adverte:

 "nem dentro dos templos, nem fora dos mesmos, podem os praticantes de um determinado credo prejudicar o direito ao sossego e à saúde dos que forem vizinhos, ou estiverem nas proximidades das práticas litúrgicas".

No mesmo sentido há decisão prolatada pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, nos autos do Mandado de Segurança nº 593156896, "in literis":

" Ação Civil Pública. Deferimento de liminar para vedar o uso, durante culto religioso, de instrumento de ampliação sonora, causadora de perturbação e poluição ao ambiente. Inexistência de ofensa o direito de culto. O Estado, como tem obrigação de tutelar pela liberdade de culto, deve também proteger o meio ambiente da poluição sonora causada por instrumentos amplificadores de sons. Denegação do writ".
 

No mesmo diapasão vem decidindo o e. Tribunal de Justiça de São Paulo, reconhecendo inclusive a legalidade do exercício do poder de polícia para coibir a propagação abusiva do ruído, conforme veremos:

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"Ato administrativo - Templo religioso - Igreja Universal do Reino de Deus - Fechamento - Cultos ruidosos, disseminados por aparelhagem de som. Prejuízo ao sossego de vizinhança - Exercício do Poder de Polícia que não afronta a liberdade de culto - Inexistência de afronta ao art. 5º VI da Constituição da República/88 - Município que é competente para proibir a prática religiosa quando ela se torna abusiva e anti-social".

A Promotora de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, TÂNIA SALLES, em excelente trabalho acerca do "Poder de polícia", explora o tema da liberdade de culto frente à poluição sonora afirmando corretamente que as "Igrejas Eletrônicas", que utilizam poderosos aparelhos de amplificação sonora, ao provocarem ruídos geradores de incômodos aos moradores do entorno, estão submetidas, neste aspecto, às normas que regem o controle ambiental.

De se acrescentar, por pertinente, que a mesma Constituição que consagra a liberdade de culto garante o direito de todos a fruírem de um meio ambiente ecologicamente equilibrado. No tocante à instalação de alto falantes que emitem elevados sons no exterior dos prédios das Igrejas, além do problema atinente à poluição sonora, é possível vislumbrar nessa conduta a violação ao princípio da liberdade de crença, pois tal prática viola o direito de eventual vizinho sem crença ou dos que professam outros cultos religiosos, na medida em que, do interior de suas residências, estariam jungidos a ouvirem, diuturnamente, as pregações lançadas ao ar pelos aparelhos instalados na face externa das Igrejas.

3 RESPONSABILIDADE PELA POLUIÇÃO SONORA:

Partindo-se da definição contida no art. 3º, inc. IV, da Lei 6.938/81, considera-se poluidor "a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável direta ou indiretamente por atividade causadora de degradação ambiental". Reconhece o citado dispositivo a responsabilidade solidária dos diversos poluidores.

Assim, tanto a pessoa jurídica que desenvolve atividade geradora de ruído, como os seus representantes (pessoas físicas) devem ser envolvidos nas amarras da responsabilidade civil pelo dano
ambiental.


Conforme apregoa ARMANDO H. DIAS CABRAL: "A propriedade privada não se tornou algo intocável; desde que seu uso se desencontre de sua função social, vale dizer, do interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, à tranqüilidade pública, ao respeito às demais propriedades, à estética urbana e aos direitos individuais ou coletivos, seja ou não por matéria ou energia poluente, o Poder público tem o dever de limitá-la administrativamente. Não o fazendo, a Administração se torna civilmente responsável por eventuais danos sofridos por terceiros em virtude de sua ação (permitindo o exercício da atividade poluente, em desacordo com a legislação vigorante) ou de sua omissão (negligenciando o policiamento dessas atividades poluentes)".

4. POSSIBILIDADE DO DANO MORAL

Ao realizar os seus cultos periódicos em exorbitante ruído em razão da aparelhagem de som e da inexistência de acústica do local onde encontra-se instalada, a Igreja que infringe as normas ambientais, age contrariamente ao que determina o ordenamento pátrio, ocasionando dano aqueles que residem em localidades próximas.

Nesse sentido coadunam jurisprudência e doutrina pátria, senão sejamos:

                                               TJ-SP - Apelação APL 992050163832 SP (TJ-SP)

Data de publicação: 08/04/2010

Ementa: DIREITO DE VIZINHANÇA - INDENIZAÇÃO - BARULHO EXCESSIVAMENTE ALTO - PERTURBAÇÃO DO SOSSEGO DE VIZINHO - USO NOCIVO DA PROPRIEDADE OCORRÊNCIA - DANOS MORAIS CONFIGURAÇÃO. Som excessivamente alto que perturba o sossego da vizinhança caracteriza uso nocivo da propriedade, ensejando o dever de indenização. RECURSO IMPROVIDO.

Sobre a autora
Lucile Mendes Bahia Menezes

Bacharel em Direito pela Universidade Católica do Salvador. Pós Graduada em Direito Administrativo pela UCAM. Pós Graduanda em Direito Tributário pelo IBET. Formação em língua inglesa pela Pacific Gateway Internacional College- Vancouver/CA. Sócia da MB Menezes Advogados Associados. Juiza Leiga no Tribunal de Justiça da Bahia. <br><br>[email protected]<br>

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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